No dia 10 de janeiro de 2020, uma sexta-feira, eu decidi dar uma olhada em “What the Health”, documentário da Netflix. Passados alguns minutos, eu comecei a pensar que, talvez, não fosse uma boa ideia ter começado a assistir esse documentário, mas eu ainda não conseguia parar. O meu incômodo surgiu do fato de que se estabeleceu, nos primeiros minutos do documentário, por intermédio de estudos, pesquisas, e opinião de especialistas, o quanto o consumo de carne é prejudicial à saúde. A Organização Mundial de Saúde classifica a carne processada (bacon, linguiça, salame, salsicha, presunto, etc.) como cancerígeno do Grupo Um, o mesmo grupo de cigarros, amianto e plutônio, e classifica a carne vermelha como cancerígeno do Grupo Dois.
Fiquei um pouco mais assustada quando, em seguida, falou-se sobre o papel do açúcar na diabetes. Mundialmente, existem aproximadamente 316 milhões de pessoas com diabetes, mas o surpreendente, para mim, foi saber que, conforme o Dr. Neal Barnard, especialista em diabetes, essa doença “não é e nunca foi causada pela ingestão de uma dieta rica em carboidrato, e não é causada pelo consumo de açúcar. A causa da diabetes é uma dieta que aumenta a quantidade de gordura no sangue. Estou falando de uma dieta típica à base de carne. Se você observar as células do músculo humano, notará que elas acumulam partículas finas de gordura que causam resistência à insulina. Isso significa que o açúcar naturalmente proveniente dos alimentos que você está comendo não pode entrar nas células às quais ele pertence. Ele se acumula no sangue, e isso é diabetes”.
É claro que os especialistas consultados não defenderam o açúcar, pelo contrário, disseram que ele não tem nutrientes e coisa e tal. Eles só demonstraram o fato de que a relação entre diabetes e açúcar não ocorre do modo como a gente é levado a pensar.
Eu estava começando a me recuperar desse susto quando o documentário passou a falar sobre doenças cardiovasculares, que são responsáveis pela morte de mais de 17 milhões de pessoas por ano. Preciso dizer que, novamente, a carne foi apontada como um dos fatores de risco? Pois é, então eles começaram a falar sobre o ovo e eu fiquei levemente desesperada. “A gema de ovo de frango é o glomérulo mais concentrado de gordura saturada e colesterol”. Então eles começaram a falar sobre o queijo, e eu, mineira que sou, já não estava mais prestando atenção em nada. Eu tinha certeza de que morreria antes que o documentário terminasse. Então parei de assistir. Mas eu ainda estava assustada. Foi então que tive uma ideia.
Como minha morte já era certa, não faria mal algum eu começar a ler a Saga Crepúsculo para pagar a promessa que fiz para o Cruzeiro ir para a segunda divisão. Se a leitura dos quatro livros não me matasse, o consumo de carne o faria. Então, revestida do deboche que me é peculiar, comecei a leitura. Confesso que, inicialmente, eu só conseguia rir. Mas, com o passar do tempo, especialmente quando o Edward começou a participar mais ativamente dos diálogos, não consegui ficar indiferente a ele, e minha postura mudou. Eu comecei a me divertir com o livro. Quando chegou no momento em que Edward e a Bella conversaram sobre “Clair de Lune”, eu já estava totalmente envolvida na história.
O senso de humor do Edward me deixou fascinada. Eu não queria gostar dele, mas gostava. O jeito com que o Edward é sarcástico, me conquistou, sabe? Isso diz mais sobre meu péssimo gosto para homens do que sobre a qualidade do livro, mas vocês entenderam. Li “Crepúsculo” em dois dias.
Muita coisa na série me incomodou, mas a mitologia propriamente dita, não. Fiquei de boa com os vampiros diamantes que não se queimam no sol; não me importei com o lance de os vampiros terem reflexo, aparecerem em fotos, espelho e coisa e tal. Só achei meio ruim o fato de, nos livros da Stephenie Meyer, o vampiro não precisar ser convidado para entrar na casa de um humano. Sei que é besteira, mas é um trem que eu acho legal (memória afetiva?); consentimento, sabe?
Embora, em alguns momentos, o jeito meloso de o casal se relacionar tenha me incomodado, eu não achei que tenha sido despropositado. Adolescentes têm um senso de urgência, de ser feliz agora, de ser feliz para sempre, de encontrar a pessoa que vai te salvar ou te fazer morrer de amor. Não vejo motivo para todo aquele discurso de “ninguém salva ninguém” e coisa e tal. Há coisas problemáticas no livro, claro, mas nada que não seja questionado pela própria narrativa e, depois, revisitado, sob outra ótica.
Eu amei o início do segundo livro, “Lua Nova”, cuja leitura iniciei no dia 12 de janeiro, a começar pela epígrafe: "Estas alegrias violentas têm fins violentos". Iniciar o livro com citação de Shakespeare (Romeu e Julieta) é covardia. Ainda mais covardia é ser essa citação, que tanto me lembra Westworld
, uma das minhas séries preferidas.
Passada a surpresa da epígrafe, notei que o Edward estava mais fofo do que nunca; gravara um cd com composições próprias (!) para a Bella de presente de aniversário (eu amo presentes personalizados) e tudo o mais. O livro começou com ação, e eu pensei que me divertiria ainda mais do que me diverti enquanto lia o primeiro livro. Mas aí começou o desastre: depois de alguns eventos complicados, o Edward me abandonou. Na verdade, ele abandonou a Bella, mas vocês entendem o sentimento.
Ler isto foi pesado: “Prometo que esta será a última vez que vai me ver. Não voltarei. Não a farei passar por nada como isso novamente. Você poderá seguir com sua vida sem qualquer interferência minha. Será como se eu nunca tivesse existido." Eu não estava preparada para lidar com o fim do relacionamento entre a Bella e o Edward (tá, gente, eu sabia que era provisório, e que eles ficariam juntos, e brigariam de novo, por mais dois livros). Essa despedida foi dolorosa. Eu odeio despedidas.
Aí começou o sofrimento da Bella (e o meu também, devo admitir). Foi difícil ver como o fato de Edward tê-la deixado fez com que ela ficasse devastada. (Mais uma vez: adolescência, a frustração pelo “felizes para sempre” não ter funcionado e coisa e tal). Nesse ponto, passei a observar o quanto que a escrita da Stephenie Meyer foi influenciada pela literatura gótica (outrora chamada de Literatura do Pesadelo). A idealização, a frustração, as ilusões, os pesadelos constantes, os delírios, a depressão.
Aqui, é importante dizer o seguinte: eu não sabia absolutamente NADA sobre a escritora. Ela e a saga eram irrelevantes para mim. Se eu não tivesse feito a promessa de ler esses livros se o Cruzeiro caísse para a segunda divisão, provavelmente eu continuaria a ignorar os vampiros que brilham. Eu nunca tinha me interessado por nada do “Universo Crepúsculo” (embora sempre tenha gostado da música melosa), o que significa que eu não sabia que a escritora tinha formação em literatura. Eu percebi, enquanto lia os livros, que ela amava a literatura, mas só quando terminei o terceiro livro que vi, no final, um comentário sobre a formação dela.
De “Lua Nova”, eu gostei do início e do fim (os momentos que têm a presença do Edward). O meio foi triste, e me irritou porque o Jacob começou a aparecer mais, e ele é muito chato.
No dia em que terminei “Lua Nova”, 13 de janeiro, comecei a ler “Eclipse”, o maior livro da série. O pdf que li tem 540 páginas (mas ele tem um capítulo “de brinde”, isto é, o primeiro capítulo do quarto livro). Quanto ao terceiro livro, meus sentimentos são conflitantes: é o livro em que o Edward mais amadureceu, e está mais fofo do que nunca, tentando ser menos controlador e coisa e tal. Mas também é um livro em que o Jacob, lobisomem, aparece muito. E eu não gosto do Jacob, o que acabou fazendo com que a leitura fosse muito chata. O conflito do livro é legal, e a reviravolta na resolução dele também, mas eu já estava tão farta da falta de noção do Jacob que nem consegui me divertir o suficiente. Como “Eclipse” foi bastante cansativo, meio que estacionei a leitura, por dois dias, para ver “Spin Out”. Valeu a pena. A série é bem legal. Depois, retomei a leitura e, no dia 17 de janeiro, terminei.
Já comecei o quarto livro, “Amanhecer”, com o pé atrás, porque eu sabia que uma parte dele seria narrada pelo Jacob. Eu já disse que não suporto o Jacob? Pois bem, não deu outra. Eu achei o início do livro insuportável. Pensei que, se a TPM não me matasse, a leitura do livro o faria. E se ela falhasse, bom, eu sempre posso contar com a carne e o queijo, não é, mesmo?
Para ser justa, eu gostei da parte do casamento e da parte da lua de mel. Mas mal suportei ler a partir do momento em que a Bella ficou grávida e o Jacob começou a narrar. Na terceira parte, quando o foco narrativo voltou para a Bella, eu realmente comecei a gostar do livro. Em um determinado momento, cheguei a um impasse: não queria que o livro acabasse, porque ele tinha ficado divertido; mas não conseguia parar de ler, porque o livro tinha ficado divertido. Nessa brincadeira, nem vi as últimas quarenta páginas passarem.
Enquanto lia as páginas finais de “Amanhecer”, tive outra surpresa; descobri qual foi a inspiração da Stephenie Meyer para escrever Crepúsculo. “A série Crepúsculo foi concebida num sonho de Stephenie Meyer, em junho de 2003: uma jovem falava com um homem lindo numa campina ensolarada. Ele era um vampiro. Eles estavam apaixonados e ele dizia como era difícil evitar matá-la.”
Ao ler isso, foi inevitável me lembrar destes clássicos, e lindos, versos do Poe: “Tudo aquilo que vemos ou nos parece/ Nada mais é do que um sonho dentro de um sonho”. De um sonho, a escritora escreveu quatro livros que inspiraram os sonhos de muitos leitores. Passei os últimos dez dias sonhando no universo de Crepúsculo. Talvez, agora, seja a hora de eu pular para outro sonho: aquele no qual eu termino de ver “What the Health” e me certifico de que ainda estou viva.