Na verdade, é uma grande ironia....aquilo que o homem criou em proveito de si próprio, passou a ser a esperança de um desejo esquecido, de um mundo livre de vícios nefastos e degenerativos. Repare no contraste de todo o complexo tecnológico e as buscas individuais de seres humanos que não dão frutos e parecem a síntese daquilo que encontraríamos teoricamente numa máquina! Não há sonhos no mundo retratado em Blade Runner...há apenas um hedonismo destituído de outras considerações maiores...pois é tudo uma distopia, um caos, pelo fato de haver vários interesses que se colidem e que anulam todo e qualquer entendimento coletivo, necessário para encontrar a harmonia, a tão almejada vida quista pelos Replicantes!
O homem do mundo retratado em Blade Runner , apesar de possuir sentimentos , estes estão esquecidos, adormecidos, silenciados por décadas de vislumbre de ocupações supérfluas que minam a preocupação com o próximo, exatamente como está ocorrendo atualmente: pessoas estão se fechando cada vez mais em seus mundos individualistas, deixando de interagir fisicamente, palatavelmente , preferindo passar boa parte do dia entretido com diversas parafernálias ocas de significado, embora bem atraentes e aparentemente úteis, mas que, no fundo, prejudicam o desenvolvimento psicológico e social da pessoa.
Imagine o que aconteceria se a maioria das pessoas sofresse de patologias consideradas nocivas dentro daquilo que sensatamente entendemos como saudável: o resultado pode muito bem ser símile àquilo que é retratado no filme. É uma profecia, de qualquer maneira, que ocorre em naturezas iluminadas, geniais, sensíveis, como a de Philip K. Dick e tbm, por que não, de Ridley Scott! Claro que o filme não segue o livro, optando por caminhos diferentes, mas o espírito é exatamente o mesmo. O sentido da crítica à falta de crítica do próprio homem.
É muito mais do que uma simples questão da máquina rebelar-se contra o criador, como se fosse uma mera narrativa cheia de atrativos destituidos de propósitos que não a pura diversão ou distração artística. O homem com sua inesgotável e incontrolável vontade de superar todos os limites possíveis, mesmo que, para isso, tenha de ignorar o coletivo e o próprio espaço em que vive. Blade Runner critica ferrenhamente o individualismo, sendo que todas as consequências que podemos notar no filme, como caos urbano, alteração do clima causado pelas massivas emissões de gases tóxicos, ridicularização de todo e qualquer valor considerado arcaico por uma geração tecnocrata, etc, emolduram a atmosfera dentro da qual nos é incutida uma reflexão aguda e devastadora sobre o que é a vida, o que significa estar vivo. O homem precisaria aprender consigo mesmo indiretamente, através da sua criatura, pois já não conseguiria sair de um vício devastador e subestimado por si mesmo, tendo em vista que o próprio homem é doente, e o mundo de Blade Runner é um mundo da escória da humanidade.
Aonde quer que o homem vá, sempre levará consigo esse poder auto-destrutivo disfarçado de progresso. Não há progresso maior do que viver e ser livre. Não deixa de ser uma mensagem que ecoa como um sussurro, fazendo-nos crer que, apesar do que é exposto e esmiuçado sobre a natureza mediocre de seres humanos que involuem , tudo depende do quanto nós somos capazes de enxergar os nossos limites, o nosso poder auto-destrutivo e, tbm, a necessidade de encontrar no próximo um alicerce no qual todos temos de nos agarrar, para que não enlouqueçamos num mundo alienado, insular