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[L][Fëaruin A.] Glória e Angústia, a História de Fëaruin

Fëaruin Alcarintur ¥

Alto-rei de Alcarost
Glória e Angústia, o Conto de Fëaruin, o Noldo


Capítulo Primeiro: Valinor e a Primeira Era do Sol



Num dia de primavera valinoriana, nascia, sob a luz das Duas Árvores no Reino Abençoado o filho de Nolwë, um grande senhor entre os noldor, aparentado com o próprio Rei Finwë. Nolwë encantou-se com o filho e viu nele uma força secreta; nomeou-o, então, Fëaruin, Fëarúnyo na forma plena, ”Espírito de Chama Vermelha”. Fëaruin cresceu belo e forte, e era um dos mais poderosos dos noldor fora da Casa de Finwë. Ele vivia em Valinor juntamente com os outros Primogênitos, e quando já havia quase atingido o auge de sua forma física, a mãe de Fëaruin chamou-o Amanon, “Livre do Mal”. Desse nome Fëaruin gostava muito, e o adotou como segundo nome, mas por ele era pouco chamado.

Como fruto da união de poderosos senhores noldorin, sendo seu pai grande amigo e discípulo de Aulë, Fëaruin era bastante hábil nas artes e em todos os ofícios, sendo um grande mestre artífice, principalmente na forjaria, pois era ele mesmo grande entre aqueles a quem Aulë ensinava, e dos noldor, apenas Mahtan, pai de Nerdanel, ocupava maior espaço do que Fëaruin no coração do Vala.

Fëaruin era um elfo notável; muito sábio e forte, era alto e de cabelos lisos e muito compridos, negros e lustrosos, e seus olhos brilhavam intensamente um verde-mar acinzentado. Era um dos noldor que recebia ensinamentos do sábio Olórin, o Maia, e dos Valar, os que mais admirava além de Varda eram Aulë e Ulmo. Mas Oromë também ele estimava muito, e com ele Fëaruin saía para caçar, assim como Celegorm, filho de Fëanor. E Oromë lhe deu Ninquënor, um grande cavalo branco, como presente. E quando atingiu a plena maturidade, Fëaruin desposou Helyanwë, uma das mais belas donzelas noldorin; com ela, teve em Valinor dois filhos, Ingolon e Maegnor, e mais tarde já na Terra-média nasceria Silmë, o seu terceiro filho.


Como todos os outros quendi naqueles tempos, vivia em tranqüilidade, e era amigo e parente dos filhos de Fëanor, sendo que tinha Maedhros e Maglor em maior estima, e de Fingolfin, com quem aprendeu grande parte do talento das armas e a ser corajoso, e com Finarfin, ele aprendeu que nem sempre devemos seguir os impulsos de nosso orgulho. Pelo sangue, poderia fazer parte do povo de Fëanor, mas preferiu escolher fazer parte do povo de Fingolfin, também seu parente, pois tinha mente e ideais mais parecidos com eles; e desses, era um dos mais poderosos entre os capitães do príncipe élfico, era amigo de Fingon; e Fingolfin aprovava mais a amizade de Fingon e Fëaruin do que a de seu filho para com Maedhros, amizade essa que, entretanto, era bem mais forte do que a de seu filho para com o filho de Nolwë. Mesmo assim, Fëaruin permaneceu ao lado de Fingon até que ele tombasse. Ele era amigo também de seu outro parente, Fëanor, e reconhecia a sua grande força, e com ele muito aprendeu, mas nele não confiava muito.

O tempo passou e depois que Melkor destruiu as Árvores e roubou as Silmarilli, Fëanor começou a Rebelião dos Noldor. Todos marcharam no começo, e com Fëaruin, da poderosa Casa de Fingolfin, não foi diferente. Relutante, o noldo partiu para honrar seu parentesco. Contudo, Nolwë, pai de Fëaruin, nunca aprovou sua partida, e a despedida dos dois não foi mais feliz do que a dor de dar adeus ao Reino Abençoado, pois Nolwë cria que o filho partia por delírios de grandeza, mas Fëaruin partia por não tolerar saber que seus parentes sofreriam tanto no futuro vindouro e que, se não partisse, seria impotente quanto a isso. Ora, ele sabia da força de Fëanor, mas as palavras do primogênito de Finwë não lhe causaram o devido efeito, e ele partia pesaroso. Entretanto, mais tarde, na Terra-média e em Aman, muitas canções falariam da coragem daquele guerreiro-élfico cuja valentia inabalável e nobreza de caráter sempre foram lendárias.

No Fratricídio de Alqüalonde, porém, Fëaruin não tomou parte, assim como vários outros da Casa de Fingolfin. Ele vinha no final da segunda comitiva de elfos, já que Fingolfin o designara a comandar uma pequena parcela de sua hoste, e quando chegou, seu coração se abalou com o acontecimento, e ele não acreditou nos boatos que rapidamente se espalhavam de que os teleri haviam preparado uma emboscada para os noldor a mando dos Valar. A batalha já tinha quase se encerrado, mas mesmo assim Fëaruin não ousou desembainhar sua espada, e não permitiu que seus filhos o fizessem.

Na Condenação de Mandos, quando a Casa de Finarfin virou-se para retornar a Valinor, Fëaruin lembrou-se dos conselhos que o próprio Finarfin lhe havia dado, e em seu íntimo teve o desejo de retornar. Entretanto viu que Fingolfin continuaria, e resolveu segui-lo, pois tinha grande estima no príncipe noldo, além disso, sentia-se obrigado a ir, pelo seu parentesco. E então, Fëaruin, capitão da Casa de Fingolfin, marchou, continuando a árdua e triste jornada. Enquanto isso muitos presságios passavam por sua mente. Presságios de dor, força, agonia, glória, traição, destruição e morte.

Quando Fëanor queimou as alvas embarcações dos teleri em Losgar, Fëaruin enraiveceu-se e ficou decepcionado; - O céu torna-se rubro como o sangue dos Teleri, derramado injustamente. Suas obras agora se erguem em chamas vermelhas e deixam para sempre de existir; fomos deixados para morrer aqui, pois Fëanor tornou-se cruel em sua própria loucura - disse ele a Fingolfin. E então, sem escolha, eles prosseguiram por Helcaraxë e seu frio atritante. Montado em seu cavalo Ninquënor, Fëaruin fez a travessia rapidamente, pois Ninquënor era um cavalo dos bosques de Oromë; forte, veloz e imortal; com ele, veio também montada no magnífico animal sua amada Helyanwë. Muitos, porém, morreram, e difícil foi consolar Turgon quando Elenwë, sua esposa, perecera.

Depois de muita exaustão e frio, a hoste de Fingolfin chegou na Terra-média. E assim que eles pisaram nas praias de Beleriand uma grande luz prateada surgiu no leste distante, que lhes deu um pouco de esperança. Era Isil, a ilha da Lua, conduzida por Tilion, do povo dos Maiar.


Fëaruin permaneceu em Beleriand juntamente com os príncipes dos noldor, e até sua partida para o Leste, relatada adiante, ele lutou em todas as Grandes Batalhas que marcaram a Primeira Era do Sol após a sua chegada; e dos capitães e guerreiros dos noldor, Fëaruin era um dos mais poderosos e temíveis. Vivia com o povo de Fingolfin aos arredores do Lago Mithrim, no período em que ele reinava sobre os noldor. Era um dos principais comandantes das hostes de Fingon, mas Fingolfin achava que Fëaruin era extremamente valoroso e necessário, e o convocava sempre para Eithel Sirion com o intuito de ajudar na vigília de Ard-Galen, pois Fëaruin era resistente e forte, e os orcs o temiam; e, além disso, ele sempre foi um estrategista brilhante, e o Rei Supremo dos noldor o estimava e nele confiava muito. Em Eithel Sirion, então, Fëaruin passava a maior parte do ano, ao lado de Fingolfin e Fingon, mas sempre retornava a Mithrim, onde era sua bela casa e vivia sua família. Mas servindo a Fingon que ele atingiu seus maiores louvores em batalha, e ganhou sua fama, estando entre os maiores dos guerreiros dos noldor, pois em combate revelava-se cruel e destemido. Estava inclusive entre aqueles da comitiva de cavaleiros que atacou Glaurung quando esse saiu de Angband pela primeira vez. Foi no período de tranqüilidade e vigia que, em Hithlum, nasceu o terceiro filho de Fëaruin, e Silmë era seu nome, e seus irmãos mais velhos eram Ingolon e Maegnor, que haviam nascido ainda em Valinor.


Na Dagor Bragollach, os exércitos de Hithlum foram assombrosamente rechaçados, e não puderam auxiliar os filhos de Finarfin, pois foram empurrados de volta às suas montanhas, e uma grande quantidade de inimigos estava entre eles e os outros príncipes dos noldor. Foi quando Fingolfin desiludiu-se, e estava encolerizado e partia para enfrentar Morgoth. Fëaruin, que havia recentemente retornado da batalha nas fronteiras, ouviu soldados dizendo da fúria de Fingolfin, e que ele partira, sem que ninguém pudesse contê-lo. Grande pesar sentiu então Fëaruin, e viu que este seria o fim do valente filho de Finwë.

Grande dor ele então sentiu quando Fingolfin tombou, e Fingon, o agora Rei Supremo dos noldor, tornou Fëaruin seu principal comandante e conselheiro, pois tinha nele uma grande estima e amizade; e tinha ciência do quão forte e sábio ele era, e o seu valor como guerreiro. E ao lado de Fingon, Fëaruin guerreou heróica e incansavelmente, e os orcs fugiam perante a sua fúria, pois quando enraivecido, o semblante de Fëaruin tornava-se terrível, e diziam que ele aparentava até mesmo Oromë em ira.


Finalmente, quando tudo o mais já parecia ter acontecido, veio o grande ataque de Angband; os orcs se aproximaram da Ered Wethrin, e provocaram os elfos. Como relatado no Silmarillion, os capitães de Fingon queriam avançar, mas Húrin disse-lhes para que se acautelassem e esperassem. Com as mesmas idéias que Húrin estava Fëaruin, pois cria que aquela não era toda a força de Morgoth; - Ouça as palavras do filho de Galdor – disse ele a Fingon – Pois se fizermos o contrário, e cedermos às provocações dos orcs, haveremos de sofrer enormes perdas e grandes suplícios. Morgoth pode ser um tolo, mas não é desprovido de inteligência ou astúcia.


Fingon confiava muito em Húrin e Fëaruin, e esperou. Quando os orcs mataram Gelmir, e Gwindor, seu irmão, começou a atacar, uma sombra veio no coração de Fëaruin, e ele pressentiu que da impaciência de alguns, muitos sofreriam demais. Ele tentou censurar Fingon quando esse colocava seu elmo e ordenava tocar seus clarins, mas foi inútil. Avançou então Fëaruin, e batalhou de maneira inconcebível, e os orcs se intimidaram. E os exércitos avançaram até Anfauglith, e a lâmina de Fëaruin, o maior entre os comandantes de Fingon, fendia os orcs que ousavam desafiá-lo. Por fim, Morgoth enviou reforços, e o exército de Fingon foi atacado e obrigado a recuar, com grandes perdas. Mas eles foram cercados pelos flancos por um enorme número de orcs, e Fëaruin lutava com aflição, pois eles dificilmente escapariam dali com vida.

Quando a esperança estava perdida, foram ouvidas as trompas de Turgon. Ele chegara em auxílio a Fingon, e com ele vinha grande exército, e abriu uma grande fissura na horda de orcs, e finalmente encontrou-se com Fingon, e com Húrin e Fëaruin, que estavam ao lado do Rei Supremo. E alegraram-se e estavam esperançosos, mas rapidamente voltaram à batalha. Foi então que ouviram os clarins de Maedhros. Ele finalmente chegara.

Daí veio o ataque final de Morgoth. Vieram Glaurung, dragões, e balrogs e trolls, e cavaleiros sobre lobos. Glaurung atacou Maedhros, e separou a sua hoste da de Fingon. E os balrogs vieram sobre Fingon, e Fëaruin lutou contra eles e os trolls, e muitos trolls tombaram frente a ele. Mas Gothmog veio, e ele foi separado de Fingon. Húrin conseguiu permanecer ao lado de Turgon, mas Fëaruin estava apenas com uma guarda reduzida; mas ainda assim lutou admiravelmente, abatendo inúmeros soldados rivais; ele havia ordenado a seus filhos mais velhos, Ingolon e Maegnor, que recuassem da batalha e corressem, para proteger a mãe e o jovem irmão deles, e com eles foi Ninquënor, o cavalo magnífico de Fëaruin; mas o próprio Fëaruin continuou lutando, e muitos inimigos ele destruiu, orcs nefastos e trolls gigantescos. Restava apenas ele de sua guarda, quando lutava contra Morthaur, o balrog, o principal tenente de Gothmog. O duelo era assaz árduo para ambos, e já durava muito. Finalmente, Morthaur foi auxiliado por outro balrog, que trouxe consigo mais trolls, e eles derrubaram Fëaruin, que já estava muito ferido e exausto da peleja, e o capturaram vivo, pois achavam que por ele podiam saber mais das estratégias dos elfos em combate. Foi levado então para Angband, e deixado acorrentado e sozinho no inferno de Melkor, onde sofreu atrozes torturas e escravidão. Porém, manteve-se firme e esperançoso, apesar de grande tristeza estar em seu coração, e ele nem bem sabia o porquê. E Morthaur não conseguiu obter informação alguma de Fëaruin, e este zombava do tenente de Angband, chamando-o de covarde e escravo.

Todavia, ao ver que seria pego, Fëaruin deixou Valnáril, sua poderosa espada e Cálëmehtar, sua cota magnífica feita para ele pelos anões de Nogrod, com seu cavalo Ninquënor, quando o ordenou que fugisse e se escondesse, e que buscasse sua família. Ninquënor, como o fogo pela mata seca, correu para longe, temendo por seu senhor e amigo. Valnáril, que na Alta-Língua dos Noldor significa Brilho do Fogo Poderoso, era o maior tesouro material de Fëaruin. Tão poderosa era a espada que, diz-se, com ela podia-se cortar quase qualquer material; e ela era cara para Fëaruin como eram as Silmarils a Fëanor; uma obra tal qual ele nunca mais poderia repetir. De fato, Fëaruin demorou-se na forjaria da espada, e começou seu trabalho bem cedo e o fez com cuidado, pois temia pelo futuro vindouro, futuro no qual ele precisaria de uma arma poderosa, para que perante tal os inimigos tombassem e se amedrontassem; e nessa espada utilizou todo seu conhecimento adquirido com Aulë, e grande força ele colocou em sua lâmina. Ela refulgia imponente quando erguida, e nunca se manchava nem perdia o corte, e Fëaruin sempre a empunhou sem nenhum escudo, e quando entrava em combate, usava apenas a espada, e não precisava de mais nenhuma arma. Das espadas de todo o Reino de Arda, poucas superavam o poder de Valnáril, e dessas, a maioria já se perdeu.


Depois de passar muito tempo naqueles calabouços imundos e escuros, com o cheiro da própria morte, Fëaruin resolveu tentar escapar, num movimento desesperado. Sua chance era quando orcs o levariam para trabalhar nas minas das Montanhas de Ferro.

Foi então que, num ato ousado, Fëaruin atacou os guardas, munido apenas da picareta que tinha em mãos. Matou todos os guardas que mantinham ele e alguns outros noldor e sindar, vigiando-os nas minas. Agora juntos, Fëaruin e os outros elfos roubaram as armas dos orcs e vestiram as armaduras negras, e com sua habilidade de elfo, Fëaruin ilusionou o grupo em sombras por um curto período. Ora, Fëaruin era hábil nas batalhas e manufaturas, mas também tinha outras habilidades, já que era um grande elda que havia vivido sob a Luz das Duas Árvores.

Sob disfarce, Fëaruin conduziu o grupo de elfos, que agora o seguiam, pelos corredores de pedra das Montanhas de Ferro. Quando finalmente saiu, o Sol ardeu os olhos do noldo, pois muito tempo ele passara na quase total escuridão, e dos aprisionados da Batalha, foi ele possivelmente quem sofrera os maiores suplícios, à óbvia exceção de Húrin. Correram então para o leste de Angband, esquecendo-se da fome e do cansaço, livrando-se da negra armadura e do disfarce depois que estavam numa distância segura. Mas o grupo só parou de correr quando chegaram numa caverna na fronteira de Dorthonion, próxima a Passagem de Aglon. Lá, eles descansaram, menos Fëaruin, que se manteve alerta, e não fechava os olhos para nada.

Por sorte ou destino, dois dias depois Ninquënor os encontrou, e junto com ele vinham guardas de confiança de Fëaruin e alguns parentes mais próximos que haviam sido separados dos outros, fugindo por causa da guerra, e entre esses estavam os três filhos do noldo, Ingolon, Maegnor e Silmë. Eles lhes trouxeram comida e água, e ficaram espantados ao olhar Fëaruin, pois ele agora parecia muito mais forte, como alguém que enfrentou a própria morte de perto, e seus olhos traziam um novo brilho pálido, amedrontador e imponente. Com muita agonia ele recebeu a notícia funesta que seus filhos traziam, e porque de sua aflição foi revelada, pois nas decorrências à grande batalha, foi tomada a vida de Helyanwë, a sua amada e mãe de seus filhos, e seus olhos se encheram de lágrimas.

Depois de pensar um pouco e refletir sobre suas ações passadas e vindouras, Fëaruin finalmente chegou a uma decisão, e resolveu então dizer aos outros sobre o que ele pretendia fazer.
- Para o Leste hei de partir – disse ele – Irei buscar vida nova, pois o Oeste está perdido, e as terras de Beleriand me trazem lembranças de dor. E nada do que disserem ou fizerem irá me dissuadir. Se necessário for, irei sozinho, levando apenas minha espada e minha malha prateada.
E então seus companheiros silenciaram, mas Ninquënor, seu grande cavalo branco, postou-se a seu lado – Não te abandonarei – disse ele, pois sabia a língua dos senhores dos elfos.
Maegnor, em seguida, ergueu sua cabeça, e encarou seu pai. – Minha mãe foi assassinada, o Rei Fingon está morto e os elfos e homens estão desorientados. Nada mais me resta além de meu pai, e se ele partirá para o Leste, não ousarei abandoná-lo, e partirei com ele – e então se colocou ao lado de Fëaruin. Seus dois irmãos repetiram o ato de Maegnor, e decidiram que iriam com o pai para o exílio.
Dos outros elfos que lá estavam, a maioria resolveu acompanhar o poderoso Fëaruin, já que eles viam nele a força, coragem e nobreza dos grandes príncipes dos calaquendi; a Luz das Árvores ainda brilhava em seus olhos cinzento-esverdeados, e os anos de cativeiro em Angband lhe deram nova força. Foi assim que partiram Fëaruin e seus filhos, seus amigos e parentes mais próximos, cansados, famintos, sem-rumo e sem-esperança. À exceção do próprio Fëaruin, que parecia ter em mente o que planejava fazer, e Maegnor, de tanta estima que tinha no pai. E enquanto caminharam, alguns outros elfos perdidos e desorientados se uniram a eles, já que eles já haviam perdido tudo o mais.


Depois de muito tempo de viagem, e após atravessarem as Ered Luin, eles encontraram um bando bárbaro e nômade, mas não eram homens, eles eram mais altivos e tinham uma beleza parecida com a deles próprios. Fëaruin então soube: eram avari, os Relutantes, elfos que recusaram a Grande Marcha dos Eldar. Nunca ele imaginara que eles haveriam de chegar até ali. Surpreendeu-se então, pois sabia que os avari haviam explorado muito da Terra-média, enquanto que os Calaquendi viviam à Luz de Laurelin e Telperion.
Devido à imponência de Fëaruin montado em seu cavalo magnífico e vestido de cota prateada e capa azul, e sua poderosa espada ao seu lado, os avari o reverenciaram, e apesar da língua um pouco diferente, já que os avari e os calaquendi haviam sido separados muito tempo atrás e a língua havia tomado rumos diferentes, Fëaruin interpretou rapidamente a fala dos Relutantes, e soube que havia uma pequena cidade avari à Leste. Eles então partiram para lá, onde puderam descansar e se alimentar, estabelecendo morada em Grothbar, “Caverna da Morada”, na costa leste das Ered Luin.
Após alguns anos vivendo entre os avari, Fëaruin e os outros fugidos ensinaram muito àquele povo, inclusive ensinava-os já a falar, ler e escrever sindarin, e os ritos a Ilúvatar. O quenya dos noldor era mais difícil, e apenas alguns dos avari conseguiam aprendê-lo.

Muitos já haviam sido os feitos do noldo a prol dos avari quando, após um ataque duma companhia de homens servos de Morgoth, que Laitahero, o então líder dos moriquendi rebelou-se, pois vira que o calaquendi tinha então mais poder que ele. Sucedeu-se o duelo de Fëaruin e Laitahero, e no final Fëaruin prevaleceu, pois era bem mais forte e poderoso, e Laitahero, derrotado, humilhado e nutrindo ódio eterno, foi expulso da cidade pelos avari, sendo Fëaruin eleito pelos elfos de lá como Rei e governante.

Os avari estavam no meio da construção de uma cidade fortaleza para viverem, quando irrompeu a Guerra da Ira. E eles sentiam a repercussão da guerra, pois o chão tremia e a terra rachava. Mais uma vez em sua longa vida, Fëaruin soube que era hora de partir, desta vez para o Sul, ou melhor, o Sudeste, para ficar ainda mais longe de Melkor. E Fëaruin podia sentir o mal de Melkor inquieto e irritado.

Eles marcharam durante toda a Guerra da Ira, e quando esta finalmente terminou, Fëaruin sentiu o mal de Melkor sendo levado e derrotado, e a Terra havia mudado. Entretanto, ele ainda sentia o mal de Sauron. Nos calendários de seu povo, Fëaruin marcou então aqueles acontecimentos como o final da Primeira Era do Sol, e início da Segunda Era, a que mais tarde ele chamaria de outro nome.
 
Capítulo Segundo: De Alcarost, o reinado de Fëaruin, e da volta de Laitahero

Foi por volta do vigésimo ano da Segunda Era que Fëaruin encontrou uma grande e imponente cadeia de montanhas, e foi posto o conhecimento de quais eram aquelas montanhas. Seus filhos se postaram ao seu lado. - Contemplem - disse Fëaruin - os imponentes picos da Orocarni, sob tais montanhas os primeiros quendi despertaram, muito tempo atrás, quando o mundo era jovem.
E foi lá que eles encontraram um vale verde entre os grandes penhascos das Orocarni, e lá estabeleceram sua morada, para que pudessem começar a construção de sua cidade, e mesmo com o frio do inverno daquele local, que mesmo no verão não é dos mais quentes, eles construíram sua morada, dia e noite.

No qüinquagésimo ano da Segunda Era, sob a liderança do alto-elfo, a cidade foi terminada; e ela era belíssima, de mármore branco e liso, com torres brilhantes, e a torre-palácio do Alto-Rei Fëaruin, a mais alta, era bela e terrível, e era algo digno dos contos e canções dos grandes bardos e da visão dos Valar. Uma cidadela magnífica que se elevava pelas Orocarni, as Montanhas do Leste, ficando num vale entre as montanhas, protegida e poderosa. Sua entrada era escondida e extremamente bem guardada, com arqueiros que poderiam enxergar alguém a grandes distâncias. Fëaruin estava orgulhoso, e até mesmo surpreendeu-se com o resultado do esforço. E em seu discurso do término da cidadela, Fëaruin disse isso, e elogiou seus súditos, que haviam tornado-se fortes e belos, lembrando os senhores élficos da Primeira Era, e a cidade chamou-se Alcarost, Cidadela de Glória no idioma nativo do Rei, o Alto-Élfico, e em muito a Cidadela era como foi Minas Tirith, em Gondor. A imponente morada do Alto-Rei foi chamada de Tirioninquë, que significa Alta Torre Branca, e ela era alta de fato, e rivalizava com os picos das montanhas. Mesmo sendo toda construída num vale entre as Orocarni, subindo por suas encostas, a cidade possuía campos verdejantes onde cresciam animais fortes e belos. E além das grandes muralhas e o esconderijo entre as montanhas, a Cidade era protegida pela força do povo de Fëaruin; e nela o sangue dos elfos de Beleriand se misturava ao dos resistentes avari, e o povo de Alcarost tornou-se cada vez mais forte e belo.

A despeito de toda a imponência da poderosa Alcarost, os alcarindrim, como foram assim chamados os que ali moravam, não viveram totalmente em paz, pois muitas foram as guerras em que eles se envolveram para sobreviver. E nos cento e oitenta anos que se seguiram ao término da construção de Alcarost, o Rei Fëaruin enfrentou muitos orcs, trolls, outros avari e elfos corrompidos, bárbaros; e até grandes dragões foram inimigos do Alto-Rei Élfico. Entretanto todos acabavam derrotados, morrendo ou fugindo dos exércitos de Fëaruin, de malhas prateadas e capas azuis, que ostentavam o brasão da Espada coroada pela Valacirca, a foice das sete estrelas dos Valar.


No período seguinte, entretanto, Fëaruin expandiu suas forças, fundando novos pequenos postos de vigia, sendo o maior deles Hópatir, um grande forte portuário escondido na floresta que margeia o Mar de Rhûn, que os alcarindrim chamavam de Taurwén, a Floresta Refrescante. Fëaruin era cauteloso, pois sabia que Sauron ainda habitava a Terra-média. A essa época então foi dado o nome de Era da Glória. E Fëaruin recebeu de seu povo um segundo nome: Alcarintur, que significa Senhor Glorioso. Daí em diante, Fëaruin começou a ser chamado de Fëaruin Alcarintur, e uma grande e longa paz tomou conta da bem-aventurada Alcarost, onde as crianças élficas cresciam felizes, e os alcarindrim eram belos e fortes. Maegnor então desposou Laurelas, a Loura, uma donzela sindarin de cabelos que refulgiam como ouro, a mais bela donzela élfica da cidadela, e com ela teve um filho: Findelaurion, o Dourado, forte como o pai e louro e belo como a mãe. Silmë também teve um herdeiro, com uma donzela dos avari, e Findecarno era o nome do filho deles. Dos três filhos de Fëaruin, apenas Ingolon permaneceu sem esposa ou filho, pois sua amada era uma vanya que permanecera em Valinor, e que sempre amou outro. Apesar disso, a serenidade de Alcarost foi longa e feliz, durando aproximadamente três mil anos.


A paz prolongada terminou depois que uma mensagem foi trazida por um dos batedores de Fëaruin. Era uma declaração de vingança e guerra assinada por Laitahero, que declarava abertamente sua servidão a Sauron, e clamava ser seu grande general no Leste. Fëaruin entristeceu-se com tal notícia. - Se apenas Laitahero pedisse pelo meu perdão e se mostrasse como alguém arrependido, e não um servo de Sauron, eu lhe permitiria morar em Alcarost - disse ele. Mas foi atentado por Maegnor para a mensagem, a qual foi sucedida por ataques de exércitos órquicos e de homens bárbaros ensandecidos, mas não era só isso: a inquietação do povo nefasto de Laitahero atraiu muitos trolls em busca de sangue e guerra, que seguiram devastando muitos dos pequenos postos de vigia distantes de Alcarost. Iniciava-se a Guerra da Provação.


Laitahero, que era chamado de Morcáno, mostrou-se um general formidável, vencendo os exércitos da Espada várias vezes em várias pequenas batalhas. Depois de várias vitórias, pilhando e escravizando, o Elfo-negro começou a marchar em direção a Alcarost, pois ele havia descoberto, vagamente, a sua localização, e a despeito de sua servidão a Sauron, Laitahero queria saciar uma vingança pessoal contra Fëaruin. E fala-se que Sauron teria vindo pessoalmente atacar Alcarost, não fosse pela preocupação com o conflito iminente com os numenoreanos.

O poder de Laitahero, o Elfo-negro, conferido por Sauron, era grandioso e incompreensível, e criaturas escusas, de nefandos propósitos, seguiam a aura infame do Elfo-negro, e assim suas hostes, além de orcs e homens e semi-trolls, era formada de trolls e criaturas estranhas. Diz-se que até um dos Anéis destinados aos Anões chegou a posse do inimigo de Fëaruin, sendo que assim ele era sujeito a vontade de Sauron como um rato sórdido é sujeito à doença. E foi por esse poder que eles foram seguidos pelos trolls gigantescos das montanhas.

Fëaruin Alcarintur, num ato desesperado, reuniu o exército da Cidade para atacar Laitahero incontinente, antes que ele e sua grande horda chegassem, pois além de não desejar que a localização exata de sua cidade fosse revelada, queria exterminar o principal foco de força de Sauron no Leste. Os clarins prateados das hostes de Alcarost foram então tocados, e ressoaram por entre as montanhas, e os orcs tremeram. Um batalhão élfico descia as montanhas e outros chegavam a cavalo, e a visão de Fëaruin em seu cavalo, de cota e espada em punho despertou medo nos orcs. Os elfos então se bateram para cima das hostes de Laitahero, Fëaruin saltou de seu cavalo em meio aos orcs, e deu-se início à Batalha da Glória Incontestável, a maior e mais extraordinária de todas as batalhas no Leste, na qual um campo de batalha sangrento e escuro era o cenário. Inúmeros inimigos tombaram frente à lâmina de Valnáril e a força de Fëaruin, mas muitas foram as mortes do povo sob o estandarte azul e prateado da Espada e das Sete Estrelas dos Valar.

O exército de Laitahero foi rechaçado em grandes proporções logo na primeira investida dos alcarindrim, mas os orcs eram ferozes e não paravam de combater até que estivessem mortos. Uma nova frente de combate de orcs e homens bárbaros se juntou ao corpo principal do ataque do Elfo-negro, e os alcarindrim foram forçados a recuar. Mas então vieram Silmë e velozes arqueiros a cavalo, e Ingolon e Maegnor, liderando uma nova força de cavaleiros élficos, investiram no flanco do exército de Morcáno. Ingolon e Maegnor abriram caminho em meio aos orcs até Fëaruin, e os três se encontraram no meio da batalha, e os orcs os temeram ainda mais, por estarem todos juntos. Silmë, entretanto, não conseguiu vir de encontro a seu pai e seus irmãos, pois fora cercado por muitos soldados. E quando quase todos da sua guarda haviam morrido, veio o próprio Laitahero, e ele e Silmë engajaram-se num duelo. E apesar de Silmë ser um grande guerreiro e filho do poderoso Fëaruin, o poder de Laitahero o superava, e ele foi mortalmente ferido pelo Elfo-negro, que o deixou no chão enlameado de sangue, para morrer ali.
Nesse momento, Ingolon resolveu partir à procura do irmão, pois começara a se preocupar com ele, e abriu caminho em meio aos soldados de Laitahero para ir ao encontro de Silmë. Encontrou-o caído e muito ferido, à beira da morte. Ingolon ficou aflito, mas ergueu seu irmão e o colocou em seus ombros. Chamou Ninquënor, o cavalo de seu pai, e pediu-lhe para montar-lhe para assim levar Silmë de volta para tentar salvá-lo. Ninquënor aceitou antes mesmo de Ingolon terminar de falar, e ele o montou; e Ninquënor correu espantosamente veloz de volta a Alcarost, e ninguém entrou no caminho do vulto branco do cavalo.


A Batalha era terrível e sangrenta, e no seu auge, o solo tremia, e rugidos e sons estranhos se aproximavam. De ambos os lados tombavam soldados, apavorados pelos enormes trolls do mundo antigo, que matavam tanto orcs quanto elfos, e somente os mais fortes e valentes dos dois lados venciam os trolls. Naquela noite, fala-se que quase cinqüenta trolls tombaram frente Fëaruin e sua lâmina implacável.
Mas surgiu, então, na longa noite, um grande troll negro, imenso e ameaçador, assassínio de muitos; uma mescla hedionda de um grande troll com alguma espécie de gigante das montanhas. Todos fugiam dele, que ansiava por sangue. Então, o próprio Fëaruin, sozinho e com Valnáril em punho, desafiou e abateu, numa terrível peleja, a criatura. Quando o enorme gigante-troll tombou, todos pensaram que havia acabado, já que os exércitos de Laitahero, a exceção do próprio e poucos soldados mais corajosos, haviam sido derrotados ou fugido, apavorados com a força da cidadela élfica; e muitos dos soldados de Fëaruin já retornavam à Cidade entoando canções de lamento, pois muitos morreram no campo de batalha. Laitahero e seus guardas então fugiram para as montanhas, mas foram avistados e seguidos por Fëaruin, Maegnor e seus capitães mais destemidos.


Seguindo Laitahero, Fëaruin e seus soldados chegaram numa grande cidade dentro das montanhas, escavada e construída há muito tempo. Ficava a uns três dias de Alcarost, em ritmo de marcha, mas os elfos corriam e não paravam para nada. Fëaruin logo deduziu que era lá era o lar de Laitahero e seus servos. Que escavaram aquele lugar com muita fúria e ganância. Era rústico, fétido e escuro. E demasiado próximo de Alcarost.
Os salões subterrâneos, porém, estavam desertos; os ataques do Elfo-negro envolveram quase todo o seu povo. Caçando o avar pelos salões e túneis, Fëaruin e sua guarda enfrentaram alguns orcs, mas eles não podiam conter a força do Rei Alcarintur e dos seus.

Quando finalmente encontrou Laitahero, um grande temor veio das profundezas dos rochosos e amplos corredores. Fëaruin se conteve, e parecia reconhecer o poder que se aproximava, como se já tivesse encontrado tal força antes. Fechou os olhos e parecia meditar.
Foi quando, de repente, veio das trevas um aterrorizante balrog. Se ele já estava lá, não se sabe, pois nem Laitahero parecia saber da existência dessa criatura. Talvez ele tenha ido para lá depois que Laitahero e os seus súditos saíram para a guerra, anos atrás; disso, ninguém sabe. Mas o temor emitido pela criatura era impossível de ser ignorado. E não foram poucos os que ajoelharam e oraram a Ilúvatar por sua perdição.
O terror dominou todos naquela câmara escura. Esconderam-se e fugiram, até Laitahero escondeu-se atrás duma grande pilha de rochas. Todavia, permanecia, sozinho, imponente e desafiador, Fëaruin Alcarintur, Alto-Rei dos Elfos do Leste. E quando seus súditos viram que seu Rei não fugiria, pararam e se viraram, mas não tiveram coragem de avançar, e só assistiam. Quando o balrog se aproximou, Fëaruin se postou em seu caminho, em desafiou, e fitou os olhos de fogo.

Nesse momento, em seu íntimo Fëaruin hesitou, pois aquele balrog ele reconheceu, já que era ninguém menos que Morthaur, o grande tenente de Gothmog, que o capturara tanto tempo atrás e que havia escapado da ira dos Valar. Mas o espírito sofrido do noldo então se inflamou, e sua vontade ergueu-se em força, e ele fitou novamente o balrog com olhos brilhantes e perfurantes, e enfim proferiu: - Enfim nos reencontramos, Morthaur, Abominável Escuridão, um mero rato de Morgoth Bauglir, o tolo; e em nome de todo o meu povo amaldiçôo-te! Das trevas saíste para espalhar o terror, e para as trevas voltarás hoje em derrota. Hás de tombar perante um daqueles a quem os seus infligiram tanta dor e sofrimento – O balrog então caminhou em ira na direção de Fëaruin, já que ele também o reconhecera, pois Fëaruin foi o prisioneiro mais importante de Morthaur, mas havia escapado dele; avançou em cólera, e já empunhava sua negra cimitarra. Em meio à sombra de terror do balrog, cintilava o rei Fëaruin, de espada desembainhada, em posição de desafio. Sucedeu-se, então, o combate entre Fëaruin e Morthaur, e tal era a magnitude dos golpes, que os próprios alicerces das montanhas tremiam. Na grande negritude do balrog, Fëaruin, em sua armadura prateada, movia-se rápida e agilmente, e Valnáril, sua poderosa espada, causava grande dor ao demônio quando o feria, e a cada golpe que Fëaruin acertava em Morthaur, o demônio soltava um grito terrível, que era como uma fria lâmina de aço no coração dos menos corajosos. Eles combateram por horas a fio, no meio de pedras empilhadas e armas enferrujadas. Os rústicos salões escavados pelos escravos amaldiçoados de Laitahero ruíam.
Finalmente, após muito tempo de dura peleja, Morthaur foi aniquilado pela força do noldo, e tombou nas profundezas. E os capitães saudaram seu senhor. Durante a luta, entretanto, Laitahero fugiu dali, amedrontado pelo poder de seu inimigo; Fëaruin queria que a perseguição continuasse, mas foi persuadido a retornar, não havia vestígios mais do Elfo-negro, e o próprio Fëaruin estava quase morto. Difícil foi convencê-lo, mas acabou cedendo por amor a seus filhos, Maegnor, que estava a seu lado, e Ingolon e Silmë, que Fëaruin não sabia onde estavam; e nem ao menos se ainda estavam vivos.


Após o sumiço de Laitahero, a aurora veio bela e dourada, e a guerra havia terminado. Uma guerra que durou cerca de trinta anos, e que causou grandes baixas em Alcarost. Mas a notícia de Ingolon foi a mais funesta para Fëaruin, pois ele viera até o pai, após seu retorno da batalha, e lhe informou que Silmë, o mais jovem dos filhos do Rei, havia perecido devido aos ferimentos causados pelo próprio Laitahero. Ingolon caiu em prantos frente seu pai e se considerou culpado, pois não havia conseguido curar o irmão dos ferimentos. Mas seu pai o consolou, dizendo-lhe que não tinha culpa alguma. Grande tristeza, entretanto, sentiu o Rei Alcarintur, e uma grande cerimônia foi feita para seu filho assassinado.


Laitahero fugiu para Mordor, para reportar sua derrota e o poder do Alto-Rei do Leste. Sauron, entretanto, não lhe deu atenção, pois estava muito preocupado com os numenoreanos, e via neles adversários que ele não poderia derrotar por força bruta. Ainda mais depois de perder tal força no Leste.
Um ano depois, Sauron foi capturado por Ar-Pharazôn, acorrentado e levado para Númenor, mas Laitahero fugiu e se escondeu.
 
Capítulo Terceiro: Da ida de Fëaruin para o Oeste


Ora, o Rei Fëaruin era sábio, e percebera que Sauron não estava na Terra-média. Deu-se início então aos Anos de Vigia, nos quais ele enviava grupos batedores para procurar Laitahero, sempre sem sucesso, e quando o grupo nem ao menos retornou, o Rei parou de enviar grupos de caçadores e batedores, pois não desejava que seu povo sofresse mais. Ainda, mesmo vendo que o Elfo-Negro desaparecera, Fëaruin não baixou sua guarda, pois sabia que ele era astuto, e sempre manteve suas espadas afiadas e suas flechas pontiagudas. E mantinha forte vigília nas minas onde enfrentou Morthaur e, uma vez mais, quase morrera.

Depois dum breve período de paz, o mundo foi mudado, tornando-se redondo, e o Rei sentiu o retorno de Sauron, e resolveu partir para o Oeste da Terra-média, o qual ele há muito deixara, pois ansiava por ver de perto como estavam as terras distantes e ajudar na batalha contra Sauron. Fëaruin muito sabia das terras do Oeste, já que consigo, para o exílio no Leste, ele levou um palantír que, dizem, se comunica com os Teleri em Alqüalondë, e também muito pode ver da Terra-média. Resolveu então partir nessa demanda, mas de valor ele não carregou nada. Até mesmo sua espada e não levou, e a deixou com seu cavalo e amigo Ninquënor na grande Cidadela, pois não sabia o que poderia acontecer. Ele partiu então, deixando a cidade a comando de seu filho mais velho, Ingolon Minyon.


O que ele passou no Oeste poucos sabem. Dizem alguns que ele rumou até Lindon e foi até Gil-galad, que o reconheceu e se lembrou de Fëaruin, de tanto tempo atrás, da época em que ele servia seu pai Fingon; e Ereinion Gil-galad viu nele muito dos antigos príncipes dos noldor; ora, o Rei Alcarintur era um elfo alto e forte, como eram os elfos da Primeira Era. Em Lindon, portanto, Fëaruin fora bem recebido, e seu encontro com Gil-galad fora venturoso. Pouco tempo depois, Sauron, de volta a Terra-média, tornara-se uma grande ameaça; a guerra era inevitável. Fëaruin então marchou com Gil-galad sob honrarias, pois o Rei de Lindon fez dele um de seus grandes capitães; o mais poderoso decerto. Assim foi que Fëaruin fez parte do exército d’A Última Aliança, e ele marchou com os elfos de Lindon e com Elrond, e viu Sauron, e como ele tombou perante elfos e homens; e muita dor sentiu quando Gil-galad, o último Rei Supremo dos noldor na Terra-média, tombou em combate contra o próprio Sauron.

Após a guerra contra Sauron, Fëaruin partiu de novo, logo após recuperar-se; despediu-se de Elrond e marcou para si quando terminara a Segunda Era do Sol, para que assim nos registros de Alcarost fosse registrado o início da Terceira Era, seguindo os registros do Oeste; consigo levou mapas da Terra-média e lembranças de amizade.

Peregrinou por alguns anos pela Terra-média, visitou a Senhora Galadriel, que se lembrou dele dos tempos em Valinor. Dizem que ele convidou a donzela élfica e Celeborn para viver com ele, mas ela recusou, pois não queria abandonar o Oeste. Decepcionado, mas venturoso, Fëaruin logo depois retornou para sua casa, reassumindo seu trono, e deixando para trás memórias de alguém sábio, bondoso e forte; e também promessas de eterna amizade. E Elrond pouco falava dele, mas via nele esperança para os elfos que permaneceriam na Terra-média quando por fim se iniciasse o Domínio dos Homens.

Algum tempo depois, teve de matar, brandindo Valnáril, um grande dragão negro que atormentava seu povo, que viera morar nas minas dos anões quando ele se ausentou. Essa foi a única ameaça que eles sofreram logo após a guerra contra Sauron, e a despeito disso, Alcarost começava a Terceira Era do Sol com calma e regozijo.
 
Capítulo Quarto: Dos escassos relatos da Terceira Era, da Queda de Fëaruin e Ruína de Alcarost

Na Terceira Era pouco se sabe dos acontecimentos em Alcarost. Do pouco conhecido, é sabido que Fëaruin tranqüilizou-se graças à queda de Sauron e, de seu povo, muitos rumaram para Valinor em busca de sossego. Durante meados esta Era, os alcarindrim evitavam afastar-se muito dos domínios do Rei Alcarintur, pois muitos bárbaros uniam-se, principalmente próximos ao Belegailin, o Mar de Rhûn, e os grupos de homens eram grandes demais (estes foram os homens bárbaros que atacaram Gondor e os Éothéod). Fëaruin não queria tentar avançar sobre eles e colocar seu povo em risco; eles já haviam sofrido demais. Mas em seus domínios, planícies próximas a Alcarost, os bárbaros não conseguiam entrar, e pouco tentaram, pois temiam o Rei Élfico como a uma lenda fantasmagórica; e naquelas terras onde o inverno era rigoroso, os homens bárbaros não conseguiam se manter por muito tempo, mesmo tendo incrível resistência às intempéries do mundo.
Os alcarindrim então viveram em paz na maior parte da Terceira Era, a não ser por poucas e pequenas batalhas contra os bárbaros para evitar posses de terras; e sobre tempos de felicidade, não há muito para contar. Enquanto que os tempos de guerra rendem muitos contos e muitas canções.


O reino imponente de Fëaruin Alcarintur durou até o final da Terceira Era, quando tombou perante a chamada Ascensão dos Bárbaros, que eram liderados por Laitahero, o Traidor; segundo alguns, a mando de Sauron. O Elfo-negro matou Ingolon, filho do rei, numa contenda; e muitos outros foram mortos antes de Laitahero lançar um ataque direto a Alcarost. E ele tinha um espião nos alcarindrim: Sercë, um dos tenentes de Fëaruin, a quem ele havia trazido para seu lado prometendo-lhe o reino do Rei Alcarintur que ele tanto invejava. O Elfo-negro utilizava agora armadilhas e subterfúgio para conseguir o que queria.

Fëaruin muito viajava para o Mar de Rhûn, que ele chamava de Belegailin, já que ele adorava a água e reverenciava Ulmo, e nela buscava descanso e inspiração. A nova ameaça dos bárbaros era algo totalmente inesperado, e numa das poucas vezes em sua vida, Fëaruin estava perdido em pensamentos, e não sabia o que fazer; as terras ao seu redor estavam infestadas de homens bárbaros com intuitos sangrentos, Laitahero havia retornado e seu filho mais velho, Ingolon, o Sábio, estava morto. Empreendeu então longa viagem ao Belegailin, para lá buscar alguma inspiração ou visão das águas de Ulmo. Desejava também resgatar o pequeno número de alcarindrim que residiam por ali, e trazê-los de volta a Alcarost. Foi para apenas encontrar uma vila élfica destruída, pilhada e em cinzas. Desanimado e um tanto confuso, acampou perto da margem do Belegailin, com o intuito de partir logo pela manhã. Foi nessa noite que algo nefasto aconteceu.

Na triste e fria madrugada às margens das águas do Belegailin, distante de Alcarost, enquanto lamentava pela recente morte do filho e ponderava sobre quais deveriam ser suas ações, Fëaruin foi traído por Sercë, que disse ao inimigo onde ele estaria, e que estaria sozinho. Assim, o Rei foi emboscado por Laitahero e seus filhos, Mórë e Mandë, sendo pego despreparado e com a guarda baixa; e havia alguns soldados com o Elfo-negro. Ainda assim o rei matou Sercë, os dois filhos de Laitahero e toda a guarda do Elfo-negro que o atacou, e no final só restavam o soberano de Alcarost, Fëaruin Alcarintur, e Laitahero Morcáno, o Maldito. Eles lutaram durante toda a noite, e a força de seus golpes era tremenda, pois ambos eram muito antigos, e o poder que corria pelos espíritos de cada um deles era enorme. Todavia, os inúmeros ferimentos das armas envenenadas dos servos de Laitahero comprometeram o desempenho de Fëaruin, que, num golpe ousado, perdeu sua espada, que caiu nas águas do Belegailin. Laitahero então, trespassou-lhe a sua negra lâmina pelo seu peito. Fëaruin ajoelhou-se pelo golpe mortal, e Laitahero ergueu sua espada negra para então decapitar o Rei Alcarintur. Foi quando Fëaruin agarrou a lança de Mórë, que estava caída ao seu lado, ergueu-a em suas últimas forças e fincou-a no coração escuro de Laitahero, que no mesmo momento largou sua espada e tombou ao lado de Fëaruin.
- Poderias ter sido grandioso entre os alcarindrim, se tudo tivesse sido diferente - disse ele a Laitahero.
- Se tudo tivesse sido diferente, eu seria aquele chamado de Alcarintur - retrucou Laitahero, e então fechou seus olhos e morreu.

Pouco tempo depois chegou ao campo de batalha Maegnor, que partira atrás do pai após um sonho de mau agouro, e para ele, Fëaruin proferiu suas últimas palavras com o último fio de vida que lhe restava.
- Sinto agora que é próximo o momento de me libertar do esforço de viver. E vejo, que mesmo jazendo adormecida, a Condenação dos Noldor nunca me abandonou, e a sina imposta pelo Oráculo dos Valar é algo de que não se pode evadir; e foi esse fado que fez-me ser traído para a minha destruição. Não, não tenta sanar minhas feridas; elas são mortais e hão de me fazer perecer. Vivi como um guerreiro e é assim que anseio ir-me embora.- Maegnor então caiu em prantos.
- Não te consternes, meu filho, já que irei para enfim ter paz, e para rever teus irmãos; e após tanto tempo, a tua mãe, a quem amo mais que qualquer coisa em Arda. E estou orgulhoso de tudo que conseguimos, e tudo pelo que lutamos para manter o baluarte da liberdade. Lembra-te, contudo, que és um noldo assim como eu, e a Condenação também está sobre ti! Os homens bárbaros ergueram-se com um poder implacável, e todos os empenhos teus e de Alcarost para conter essa ameaça serão debalde, e o nosso reinado além de Belegailin há de ultimar, pois não cabe aos elfos dominar.
- Lutarei para honrá-lo, meu pai - Disse Maegnor em meio às lágrimas.
- Não, não luta por mim; luta por ti mesmo, se lutar é o que deseja. Sobreviva!- Mas Fëaruin via nos olhos de Maegnor que ele lutaria até vencer todo o exército que vinha a Alcarost, ou então morreria tentando - Então, quando necessário for, e necessário será, manda teu herdeiro para longe junto com aqueles que a guerra poupar, pois eles precisarão de alguém para liderá-los, e para que assim nosso sangue não desapareça de forma tão infame - Fëaruin fechou os olhos e então disse suas últimas palavras - A única esperança agora repousa nas lâminas e nas lanças, e não nos lamentos e no apego aos triunfos de outrora. Em nome de Eru Ilúvatar te abençôo; vá!, meu filho.
Por fim tombou Fëaruin, desprovido da vida, e Maegnor pranteou muito. Então enterrou o corpo de seu pai num monte na floresta de Taurwén, como era chamada pelos alcarindrim, que margeia o Mar de Rhûn, e para ele construiu um grande túmulo de pedra. A relva cresceu sempre verde acima do morro em que Fëaruin foi enterrado, que foi chamado de Haudh-en-Alcarintur, e ninguém, fossem elfos, homens, anões, trolls, orcs ou qualquer ser, ninguém ousou jamais violar o sepulcro do Alto-Rei de Alcarost. Valnáril, porém, Maegnor não encontrou, uma vez que ela caiu no Belegailin na luta contra Laitahero. E esse foi o fenecimento daquele que dos noldor não foi dos menos formidáveis. E muitos choraram a sua morte; e Findelaurion, filho de Maegnor, viu na morte de Fëaruin o fim de Alcarost.

Após a queda de Fëaruin, numa grande batalha, o exército de Alcarost bateu-se num combate violento contra um outro que era mais de três vezes maior que o seu, formado por homens bárbaros incansáveis, chefiados por Ulfor, o Poderoso, general de Laitahero e agora rei dos homens do leste. Conduzidos por Maegnor, o último dos filhos de Fëaruin, os alcarindrim lutaram heroicamente, reduzindo o exército de Ulfor em grandes proporções, e o grande machado de lâmina-dupla do príncipe de Alcarost fumegava na carne dos bárbaros; mas seus esforços foram baldados no campo de batalha. Não obstante, sem a liderança do Alto-Rei, o reino de Alcarost sucumbiu. Os atrozes bárbaros eram fortes e brutais, e suas fileiras estavam cheias de guerreiros grandes e poderosos, tais quais os semi-trolls descritos no Livro Vermelho; e, conta-se, saciavam sua sede com o sangue dos mortos em combate. Ao ver seu exército ser dizimado, Maegnor ordenou a seu filho que fugisse, levando com ele quem ele conseguisse, como pediu seu pai, Fëaruin, o Glorioso, a ele em suas últimas palavras; e por ele, Maegnor lutou como nunca lutara antes com força e fúria, e os bárbaros tremeram em pavor ao poder do Príncipe de Alcarost, e por um momento hesitaram. Mas nem mesmo a força de Maegnor poderia resistir a um ataque tão destruidor.

Seguindo as palavras do pai, Findelaurion abriu caminho a espadadas até a sua mãe Laurelas, e com ela encontrou poucos sobreviventes, estando entre eles Findecarno. Eles correram até uma passagem escondida, mas foram surpreendidos, pois muitos inimigos estavam no encalço, e eles foram encurralados por muitos soldados. Mas Findecarno se adiantou perante os inimigos e ordenou a fuga de seu parente e dos sobreviventes. Com fúria e orgulho ele desafiou os nefastos bárbaros, e os combateu, cobrindo o escape dos seus companheiros. Lutou por muito tempo, e muitas vezes gargalhava enquanto brandia a espada, amaldiçoando os bárbaros, até que terminou encoberto pelas carcaças de um grande número de adversários e repleto de ferimentos; e ali morreu o valente Findecarno, filho de Silmë, e graças ao seu sacrifício a tradição de Alcarost não feneceu na Terra-média. O seu feito originou estórias entre os bárbaros, e a lenda do guerreiro do norte de cabelos-de-fogo perdurou por muito tempo, amedrontando os mortais.

Findelaurion bateu em retirada, temendo pelo pai e pelo primo, e quase morrendo devido aos ferimentos, e seu destino aqui não é contado. De Maegnor se sabe muito bem o que aconteceu, pois após ordenar a fuga de seu filho, o filho de Fëaruin então lutou na praça em frente a Tirioninquë com o próprio Ulfor, e no combate o venceu, decepando sua cabeça de seu pescoço; mas em seguida foi atacado por uma grande saraivada de flechas e homens com lanças, que o atacaram incontinente. Maegnor batalhou por muito tempo, esquecendo-se do cansaço e dos inúmeros ferimentos, e os bárbaros caíam aos montes a sua volta. Mas finalmente, ele foi atacado por uma enorme guarda dos malditos semi-trolls, e sofreu ferimentos mortais, e Ulfan, o filho de Ulfor, lhe aplicou o último golpe, que por fim fê-lo tombar. Assim morreu Maegnor, o Elfo do Machado, dos filhos de Fëaruin, o mais nobre e valente. A cidade de Alcarost foi então destruída, mas a torre do Rei, quando finalmente ruiu, esmagou inúmeros dos súditos de Ulfor, como que um derradeiro esforço vingativo pelas antigas tradições de Alcarost. Assim, o trono de pedra e prata de Fëaruin nunca foi maculado pela imundície dos bárbaros, que começaram a acreditar que aquele vale era mal-assombrado.


O destino insensível fez com que toda a glória do passado áureo da imponente cidadela construída e defendida com tanta labuta e sofrimento terminasse, e tornou-se lembrada apenas em lendas na Terra-média, a não ser por poucos mestres de tradições; mas no exímio anal de Valinor ela sempre foi lembrada com louvores; sua história era contada com orgulho, e sua luz impoluta nunca desapareceu completamente.

Como já foi dito, Ulfor foi morto por Maegnor em combate individual. Então, Ulfan, filho de Ulfor, assumiu a chefia dos bárbaros, e seu povo estabeleceu sua morada nas encostas das Orocarni, mas longe das ruínas de Alcarost, pois acreditavam que aquele lugar era amaldiçoado, e que espíritos élficos caçavam e levavam para a morte quem ousasse pisar naquele solo. Nas montanhas os bárbaros permaneceram, e Ulfan atingiu a incrível idade de cento vinte anos. Viveram lá por alguns séculos, onde levavam uma vida ociosa, mas cheia de disputas; até começarem a ser importunados por orcs e outras criaturas escusas e esquecidas pelos reinos do Oeste. Então finalmente, após inúmeras guerras, se levantaram com o intuito de devastar o Oeste, comandados por Barak, descendente direto de Ulfor.


De Findelaurion, as únicas estórias contadas são as de que ele se escondeu, e retornou à cidade apenas para recolher o corpo de seu pai, e o enterrou ao lado do túmulo de Fëaruin, em Haudh-en-Alcarintur, com seu grande machado sobre seu peito. Depois disso, ele fugiu para o Oeste, mas evitou contato com homens ou anões, e foi viver, com o remanescente de seu povo, no norte da Terra-média, em moradas escondidas nas Ered Mithrin, em terras perigosas, próximas às habitadas pelos descendentes dos Grandes Dragões, mas onde também habitavam muitas das Grandes Águias, que descendiam do povo de Thorondor. E os elfos e as águias tornaram-se amigos, e se ajudavam mutuamente. Lá Findelaurion tornou-se líder, e o chamavam de Herdeiro de Fëaruin. Mas Laurelas mergulhou em uma grande tristeza, até que pediu a seu filho que lhe construísse um barco para que ela alcançasse Valinor, em busca de seu esposo, Maegnor.
Findelaurion fez a vontade de sua mãe, e foi então construído um barco branco para ela, e ele desceu todo o Anduin com ela até o Grande Mar. Lá eles se despediram, e Laurelas colocou-se a velejar para o Oeste, e quando o seu barco finalmente desapareceu no horizonte, Findelaurion, que até então permanecera imóvel olhando para o barco da mãe, virou-se e começou sua longa e solitária caminhada em retorno a nova morada de seu reduzido povo. Entretanto, ele ouviu a música do Mar e o som da canção de Ulmo ficou em sua mente, e a vontade de atravessá-lo foi despertada em seu coração. Ele habitou ainda a Terra-média durante um grande período, mas é dito que eventualmente ele construiu um pequeno barco, e desceu até o Grande Mar, com o intuito de velejar para o Antigo Oeste.


Epílogo

Diz-se que, após sua morte, o espírito de Fëaruin Amanon Alcarintur partiu para os palácios de Mandos, e lá reencontrou sua amada Helyanwë, que o havia esperado durante tanto tempo. Fëaruin então se dirigiu ao próprio Námo, e prostrou-se diante dele, implorando pelo perdão dos Valar devido aos atos que poderiam tê-los magoado ou irritado, perdão o qual, segundo o Oráculo dos Valar, ele já havia obtido de Manwë, já que o próprio Manwë dissera que o alto-elfo já havia pagado caro demais por fazer parte da rebeldia dos noldor; e ele não participara de nenhum fratricídio, e suas ações na Terra-média salvaram a vida de muitos e trouxe a destruição a seres nefastos e criaturas malditas, servos de Melkor no passado; e ele enfrentou ameaças que não merecia, e tornou-se grandioso entre os quendi, digno de muito mais do que teve em sua vida em Endor; e sua demonstração de humildade e arrependimento perante Mandos foi o ato que faltava para que ele pudesse obter o completo e abençoado perdão do Rei Mais Velho; e se outros o haviam recebido, Fëaruin não era dos que menos o mereciam; ele que partira com tanto pesar. E Valnáril, que caiu nas águas do Mar de Rhûn, foi recolhida e trazida a Valinor pelos servos de Ulmo, Senhor dos Mares, ao comando de seu mestre. Pela graça dos Valar, os corpos de Fëaruin e Helyanwë foram então restaurados, para que assim seus fëar voltassem a habitá-los, pois eles tinham recuperado a inocência primordial dos eldar; e foi-lhes permitido voltar à vida no Reino Abençoado. E Fëaruin reencontrou seus filhos assassinados; e lá viveu tranqüilamente e feliz. E nunca mais voltou a desembainhar Valnáril, uma lembrança de sua glória e de sua angústia, enquanto perdurou a bem-aventurança de Valinor.
 
Existem alguns sub-contos que fiz que detalham melhor alguns aspectos da história; começarei a postá-los a partir daqui, por ordem cronológica, abrindo com o detalhamento do início da desavença entre Fëaruin e Laitahero.

Sem mais, aí vai:


Do Desafio de Laitahero


Já fazia algum tempo que Fëaruin, seus filhos e seus companheiros haviam chegado a Grothbar, onde, com um povoado avar, começaram a viver. Ali, com aqueles que a maioria dos calaquendi consideraria selvagens, o noldo e os seus encontraram um pouco de sossego e alívio das dores de Beleriand e da guerra contra Morgoth.

Em Grothbar, Fëaruin e aqueles que vieram com ele eram venerados, mas não por serem elfos de glória incontestável, mas pelo valor que eles realmente demonstravam; ensinaram muito aos avari nos tempos em que se seguiram à sua chegada, já que eram mestres nos mais variados ofícios e na arte da guerra e da esgrima; e graças a esses ensinamentos, Grothbar tornou-se bela e magnífica, e seus amplos salões eram decorados com as mais belas obras dos avari, obtidas graças ao guio dos altos-elfos; e os próprios avari na Caverna da Morada cresciam em sabedoria e imponência, e se tornavam tão belos e fortes quantos aqueles que habitavam Beleriand no auge do poder de Thingol, e seu sangue começou a se misturar com o dos elfos do oeste, fossem sindarin ou noldorin.

E muita coragem e força Fëaruin e seus companheiros mostravam nos vários ataques daqueles homens orientais que estavam a serviço de Morgoth, pois, como narra o Silmarillion, eles foram o motivo para muitos elfos se refugiarem nas montanhas. Dos avari, havia apenas um que não se sentia honrado pela presença daqueles elfos forasteiros, e os desgostava; mas de Fëaruin, entretanto, ele sentia inveja e raiva; este era Laitahero, o Senhor de Grothbar, o mais alto dos avari de Grothbar, cujo cabelo era branco como a neve nos altos picos das montanhas. Ele era um alguém sábio e forte, mas arrogante, e cego para os feitos dos altos-elfos a prol dos avari, e também cego para a sua própria mesquinhez. No começo, entretanto, ele respeitava o noldo como igual, e com Fëaruin realmente muito conversou, e com ele muito aprendeu; agora, porém, essas memórias pareciam meras luzes em meio à sombra da mente de Laitahero, como chamas trêmulas de fim de velas que teimam em manterem-se acesas em meio à brisa. E ele começou a viajar, demorando-se cada vez mais, onde, longe, podia alimentar sua raiva por Fëaruin.

Então aconteceu de mais um exército de homens de maus propósitos marchar em direção a Grothbar; o levante de armas começou, e o exército daquele local se reuniu. Eram muitos elfos fortes e valentes, cujo valor no campo de batalha era inquestionável. Fëaruin e seus filhos não ousaram ficar de fora, pois se consideravam para sempre em débito para com os avari dali. Laitahero comandou o ataque, e Fëaruin o seguiu como no passado seguiu Fingon, e antes dele Fingolfin.

Os avari batalhavam com força assustadora, e agora tinham mais habilidade, e suas espadas eram mais afiadas do que nunca. Na noite escura, os olhos dos avari brilhavam como no manto do céu sem-lua. Os homens, contudo, eram numerosos demais, e os capitães de Grothbar ordenaram a retirada e o refúgio. Fëaruin aconselhou que seus filhos e seus companheiros também o fizessem. Laitahero havia desaparecido, e o noldo buscou em meio ao campo de batalha por ele e não o viu. E chamou por ele, sem resposta.
- Vou à busca de Laitahero. Mas vocês devem fugir. Vão, agora! – disse ele aos soldados e a seus filhos. E tão poderosa se tornou sua voz, que eles nem tentaram dissuadi-lo alertando do perigo. E ele correu na noite. Dois capitães dos avari, entretanto, o seguiram, mas não conseguiam alcançá-lo.

Encontrou por fim Laitahero encurralado entre muitos homens e um grande rochedo; ele estava ferido e cansado, mas ainda combatia ferozmente os orientais. Fëaruin então chamou a atenção dos homens, que o olhavam na noite e tremeram, pois ele era alto e forte, uma figura bela e terrível de se contemplar. Mesmo Laitahero sentiu-se intimidado pelo noldo, que ergueu sua espada na noite fria.

- Essa é Valnáril – gritou ele aos homens – sua lâmina nunca fica manchada com nenhum sangue, nem mesmo com o vosso, que ela há de beber agora!
E com fúria, ele se atirou em direção aos homens, e aqueles que Valnáril não trespassou fugiram em desespero. Laitahero então se levantou, e os dois capitães que seguiram Fëaruin chegaram; e eles haviam visto tudo e se impressionaram, e reverenciaram o noldo. Mas Laitahero o fitou com desdém. Fëaruin observou Laitahero com estranheza, pois ele estava bem, não estava ferido, e o cansaço mal parecia tê-lo alcançado. Não disseram palavra alguma um ao outro, porém, e os quatro então marcharam de volta a Grothbar.

Assim que lá chegaram, foram recebidos com felicidade, pois todos ali estavam ansiosos pelos destinos daqueles dois grandes senhores élficos. Os dois capitães, então, narraram o acontecido com orgulho; dizendo da coragem e da fúria de Fëaruin – Pois os olhos de Amanon brilhavam como as mais brilhantes das estrelas! – eles diziam. E Fëaruin às vezes encabulava-se, pois nunca desejou a glória somente para si.

Mas os elogios insuflaram os sentimentos egoístas de Laitahero, e seu ódio secreto foi alimentado. E ele desembainhou sua espada negra no salão sagrado de Grothbar e a apontou na direção de Fëaruin.
- Calaquendë! – urrou ele, e em seus olhos chamuscava um brilho rubro, e a força de sua voz poderosa fez o salão se silenciar – Com qual autoridade vens até a minha morada e com qual tamanha ousadia tenta tomar o meu poder? Ao invés de lentamente levar o meu povo, luta agora comigo, somente eu e tu, pela liderança desses que o saúdam. Onde está tua coragem agora, ó Amanon, o Usurpador? Desafio-te!
Todos ali estavam desatinados com a atitude arrogante e mesquinha de Laitahero para com Fëaruin, que salvara a sua vida. O noldo, entretanto, tinha a cabeça baixa e o rosto triste, como se já esperasse aquilo.
- Diz, Laitahero, Senhor de Grothbar – disse Fëaruin finalmente - Há quanto tempo foste dominado pela Escuridão? Há quanto tempo fala Morgoth pela tua boca? Pois tua voz é como o fel de negras serpentes, e, pelos teus olhos, vejo agora claramente tua traição, atraindo os servos de Morgoth Bauglir ao nosso encalço.
Laitahero então gargalhou um riso insano e incontrolável – Morgoth? – indagou – Esse que chama de Morgoth nada tem com isso, a não ser por ter sido responsável por tua chegada aqui, onde hás de tombar por fel algum, senão a lâmina de minha espada! - E se lançou na direção de Fëaruin, que desembainhou Valnáril, e os dois iniciaram um combate terrível. Ninguém ousava tentar interferir. E eles bateram espadas por longo tempo até que se separassem por um momento.
- Não ousei usurpar teu poder, Laitahero, és o líder e sempre te segui e seguirei por isso – disse Fëaruin com a voz calorosa; mas o coração gelado de Laitahero o ignorou enfaticamente.
- Muito fala da tua amada, Amanon, mas nunca soubeste como ela morreu. Quão triste saber que foi incapaz de impedir o fenecimento de alguém tão importante para ti! – rompeu seu silêncio Laitahero, mas tinha maldade na sua voz – Pois creio eu que tua casa foi maculada e derrubada em meio à sujeira dos orcs, e tua esposa foi por eles violentada até a morte, gritando como uma cadela no cio.
Quando Laitahero disse isso, Fëaruin o encarou com uma fúria indescritível, e seus olhos brilhavam com um fogo branco e terrível, e Laitahero sentiu-se atordoado; e Fëaruin viu nele a mesma maldade, o egoísmo e a malícia que parasitavam os servos de Morgoth, sentimentos que o próprio avar desenvolvera a partir de sua tola inveja; e o elda percebeu que Laitahero sempre o invejara por quem ele era, e não por nada que ele tenha feito. Então, o noldo avançou sobre o avar com tamanha ira que seus olhos brilhavam, e o avar mal conseguia conter a força dos golpes de seu adversário. Para os presentes, parecia que Fëaruin crescia enquanto Laitahero diminuíra, e uma luz pálida parecia emanar dele, como se seu próprio espírito estivesse queimando. À volta de Laitahero, porém, as sombras pareciam se tornar mais escuras e densas, assim, aos olhos daqueles que observavam, parecia o confronto da Luz impoluta contra a Escuridão nefasta.

O combate prosseguiu, até que Fëaruin deu um golpe de espada que Laitahero tentou bloquear, mas a lâmina de sua espada negra não resistiu e estilhaçou em vários pedaços, e seu braço foi profundamente ferido; a força do golpe fê-lo cair no chão, e então ficou à mercê de Fëaruin, que se aproximou enquanto Laitahero encolheu-se, e tremia em pavor.
- Nunca pensei que um quendë pudesse ter um caráter tão deplorável, uma conduta moral tão mesquinha, uma pequenez sem tamanho! Víbora! – bradou o noldo, que, pela primeira e última vez, falou a alguém com desprezo - Teus atos não são mais dignos que os de Morgoth em pessoa! E deste momento em diante amaldiçôo-te, e chamar-te-ei Elfo-negro, o Traidor Nefando, o dejeto duma raça que sempre se orgulhou de sua sobriedade e sapiência. Sumi daqui, agora!
Laitahero então se arrastou para fora, e os avari, como se despertos dum encantamento, chamavam-no de ingrato e lacaio da Escuridão, amaldiçoando-o; e ele correu noite adentro como um cão sem dono e sem rumo. Fëaruin, entretanto, não olhou, em nenhum momento, na direção de seu inimigo, que, humilhado, para sempre nutriria ódio eterno daquele alto-elfo.

Por muito tempo Fëaruin permaneceu na mesma posição, com os olhos fechados e pensativos. Quando finalmente se virou, disse que eles deviam partir dali, pois os servos de Morgoth já sabiam daquele local, pois se Laitahero ainda não havia traído seus próprios parentes, ele o faria agora, e era apenas uma questão de tempo até que Grothbar fosse atacada com tal força que eles não podiam conter; muitos estavam feridos. Com pesar, os avari abandonaram sua morada, mas as palavras de Fëaruin mostraram-se verdadeiras, e logo depois que abandonaram a Caverna, ela foi invadida e destruída por uma multidão de orientais.
Aquele povo então elegeu Fëaruin como novo líder, e mesmo assim, custou para que o noldo aceitasse, pois não se considerava digno. “E além de te escolhermos, nosso antigo líder chamou-te a um desafio pela liderança, e tu foste o vencedor; é teu direito” diziam os avari. Mas Fëaruin só aceitou se tornar líder porque os avari o escolheram e não queriam mais ninguém, insistindo para que ele os chefiasse; e ninguém lá, eles diziam, podia rivalizar com a força e sabedoria de Amanon. E, além disso, Fëaruin jamais quis reinar por eles pelo direito ganho numa peleja maldita e furiosa, e a esse direito ele renunciou, e reinou pelo amor que tinha pelos avari, e pelo amor que os avari tinham por ele, chamando-o de Alto-rei.
Para Fëaruin, foi como se a Condenação de Mandos houvesse tomado a forma de um quendi, pois ele soube que Laitahero sempre o perseguiria até o fim do mundo, assim como a Condenação também faria, e mesmo que o noldo se evadisse de Laitahero e da Condenação, cedo ou tarde seria por eles encontrado.
 
O Último Encontro de Fëaruin e Ingolon


Na ampla e clara sala do trono em Tirioninquë, havia, na parede oposta à entrada e atrás do trono, uma porta entalhada com muitos adornos; ali era o local de reflexão do Senhor Fëaruin, pois atrás daquela porta ficava uma passagem nas montanhas que levava a uma espécie de clareira em meio à pedra; ali, Fëaruin cultivara um jardim belíssimo com flores brancas e amarelas e uma árvore cinzenta, em homenagem a Helyanwë, sua amada, cuja vida havia sido tomada por servos de Morgoth Bauglir ainda na Guerra das Gemas, enquanto Fëaruin esteve cativo nos calabouços escuros de Angband.

Ingolon, filho mais velho de Fëaruin, havia acabado de receber notícias de um batedor que circundava pelos arredores de Alcarost; e ele estava inquieto, buscava o pai, e quando não o encontrou àquela hora da manhã, sabia bem onde encontrá-lo; subiu rapidamente as escadarias de mármore de Tirioninquë, com certa dificuldade por estar vestindo sua cota de guerra e espada a cinto. Chegou ao salão e viu o trono de pedra e prata desocupado, e logo se dirigiu ao Jardim de Helyanwë, como era chamado por alguns. Ultrapassou a porta de madeira com detalhes em prata, atravessou a fenda na montanha e chegou; era início de primavera, e ainda havia um pouco de gelo sobre a grande árvore cinzenta, mas várias flores já se abriam para o esplendor da manhã enaltecida; e lá estava o senhor Alcarintur: os longos cabelos, negros como o ébano, porém brilhantes, estavam presos por uma trança, e a longa capa azulada jazia no chão ao lado do banco onde o noldo estava sentado; e ele vestia uma túnica cinza e uma calça negra; um fino cinto de prata estava à sua cintura, segurando uma adaga curvada forjada pelo seu próprio talento. Ele segurava uma pequena flor branca com as duas mãos, e seus olhos estavam fixos nela. Ali, mesmo com a natural imponência dos noldor e com a glória inerente àquele senhor élfico, ele não parecia um rei destemido, mas apenas um elfo sozinho e amargurado. Ingolon pensou em se retirar e deixar o pai em paz, mas o assunto era de urgência, e a aguçada percepção do alto-elfo já havia notado a presença do filho. Ele se levantou e abraçou o filho apertado.

- Ah, Ingolon, meu filho! – disse ele feliz; mas ao olhar dentro dos olhos do filho viu que havia algo errado, e sua voz ficou preocupada – Vejo que seu coração está perturbado; diga-me, qual a causa da tua aflição?
- Pai, trago-lhe notícias nefastas: infelizmente, o Elfo-Negro se reergue com um novo exército ao sul. São homens mortais fadados ao eterno sono, e seus números são assombrosos; pelo que os batedores dizem, eles superam a força militar de Alcarost em quase três vezes.
- São de fato funestas essas novas. Algum ataque?
- Não, eles ainda parecem estar marchando sem rumo; estão bastante longe de Alcarost, e não é para cá que eles estão caminhando. Partirei hoje ao meio-dia para reunir tropas e buscar mais informações.
- Sim, mas temos tempo. Sente-se, meu filho – as palavras de Fëaruin eram agora gentis e repletas de calor e conforto, como sempre foram, ainda mais para com seus filhos. Ingolon sentou-se, então, e seu pai a seu lado; aquele jardim parecia uma cura para o seu cansaço; o ar era límpido, e atrás da grande árvore, brotava da montanha uma água cristalina e leve; e dela, Ingolon bebeu um pouco, para aliviar a sede; e ele sentiu-se bem, como se sentia nos seus tempos de juventude ainda em Valinor, como quando sua mãe costumava niná-lo. Estar ali era como sonhar.
- Pai? – chamou Ingolon, com a voz macia – O senhor pensa muito em minha mãe?
Fëaruin abriu um sorriso e respondeu com ternura – Todas as horas, de todos os dias, de todas as semanas dos meses e dos anos desde que ela se foi dessas terras, e mesmo quando ela ainda estava ao meu lado.
E foi Ingolon que, à resposta do pai, sorriu – Sim, eu sei, apenas queria ouvir do senhor. E por um momento, os dois ficaram sem dizer nada.
- Filho, por que partiu de Aman, deixando lá quem amava? – indagou Fëaruin, quebrando o silêncio – Nunca pedi para que viesse comigo, nem a você nem a ninguém.
- Eu sei meu pai; pediu-me, inclusive, para que lá ficasse. Mas eu tinha que partir. E não me arrependo de tê-lo feito. Só gostaria que um alguém comigo viesse.
- Você sempre a amou com fervor, mas ela não quis partir. Você ainda a ama, não é?
- Tanto quanto ela ama outro – Ingolon tinha pesar nas suas palavras pela sua angústia.
- É uma trilha difícil. Você a queria? – o amor de pai de Fëaruin estava no seu olhar e na sua voz, na qual Ingolon encontrava conforto.
- Eu a amo mais que tudo, por isso não posso querê-la. Seria egoísmo de minha parte. Quero que ela tenha grande felicidade, mesmo que seja longe de mim; pois ela merece isso. E Finrod merece o amor de Amarië, assim como ela merece o dele.
- Mas você também o merece; não tê-lo não significa não merecê-lo.
- Talvez – repleta de tristeza estavam as palavras de Ingolon – Mesmo assim, às vezes desejo que eu fosse melhor. Superior a todos os príncipes dos Noldor. Quem sabe assim tivesse o amor dela. Mas eu nunca conseguiria ser melhor que nenhum deles. Queria ser grandioso pai, como o senhor. É como se eu me sentisse substituível; faço meu melhor, mas isso não parece ser o suficiente.
- Você é grandioso, meu filho; e substituível você nunca será. Nunca tente ser melhor que os outros, pois não é assim que se tem o que se deseja, não verdadeiramente. Eu aprendi que eu só posso ser melhor do que fui no passado se me cercar por quem é melhor do que eu; e isso inclui você. Estou certo que mereça o amor dela, mas pergunto-me se ela merece o seu.
- Agradeço por suas palavras pai – Ingolon tinha a voz trêmula, mas tentava retomar a austeridade de príncipe – Desculpe-me, mas preciso terminar meus muitos afazeres. Devo partir para o posto avançado de Hópatir, em Belegailin. Há muitos soldados de valor lá; devo trazê-los para cá; tenho um mau pressentimento.
- Temo que devo ficar, mas posso lhe acompanhar se você quiser. Maegnor deve retornar das fronteiras em dois dias, e eu poderia deixá-lo no comando.
- Não, meu pai, agradeço, mas a situação demanda o seu comando. Vou acompanhado de soldados de elite, e lá encontrarei outros; não vou me demorar.
- Está bem, meu filho. Assim será. Começarei o levante de armas em Alcarost amanhã – disse Fëaruin, que se levantava ao porte digno de um rei-guerreiro.
- Mais alguma palavra, meu pai? – indagou Ingolon com carinho.
E Fëaruin, com um sorriso, disse então as últimas palavras que Ingolon ouviria do pai: - A virtude está não em ser superior aos outros indivíduos, mas sim em ser superior àquele que um dia fomos. Nunca se esqueça disso.

Ingolon então se encheu de orgulho do pai e sorriu; levantou-se e saiu do Jardim com a graça imponente dos eldar – Até logo, pai – disse ele, e apesar da angústia, as palavras e o amor do pai o confortaram, como sempre. Ele saiu rápido, precisava terminar os preparativos para a viagem e partir logo em seguida.

- Você sempre foi o mais forte – sussurrou Fëaruin, sem que o filho ouvisse. Seu coração, entretanto, foi tomado por um temor pelo filho, e uma sombra passou pelo seu pensamento. Mas àquele momento, ele não sabia que aquela seria a última vez que ele veria Ingolon, já que a sombra que passou pelo coração de Fëaruin tomou forma, pois Ingolon partira para Hópatir, em Belegailin (que era como os alcarindrim chamavam o Mar de Rhûn), e lá ele morreria na sangrenta Batalha do Porto, onde lutou com o próprio Laitahero pela honra do pai e pelo seu amor perdido, e pela lâmina do Elfo-Negro foi assassinado. Seu corpo foi então esquartejado e jogado aos cães e aves de rapina.

E dessa forma atroz feneceu o nobre Ingolon, o Sábio, o mais generoso e o mais amargurado dos filhos de Fëaruin, que chorou e clamou por sua vingança, quando soube do acontecido pelos sobreviventes do ataque. Mas das últimas palavras que seu pai lhe disse, Ingolon jamais se esqueceu, e dizem que ele as sussurrava quando viu o momento de sua morte.
 
Acho que o nome, aqui, já traz uma pressuposto do que está por vir; a propósito, esse é o maior de todos os contos, salvo o próprio Glória e Angústia (ainda assim, a diferença é menor do que se poderia imaginar). Além de um novo personagem, esse texto traz um aspecto da personalidade do personagem principal que não é aparente nos demais.

Enfim, é isso aí; lá vai!

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A Queda do Noldo

Funestos estavam sendo os dias e as noites de Fëaruin Alcarintur, Alto-rei de Alcarost, depois que soube que seu filho mais velho, Ingolon, o Sábio, havia sido morto junto com muitos outros por Laitahero e seus seguidores, naquela que foi chamada Batalha do Porto. Muita dor sentiu o Rei, e durante muitas noites ele não dormia, e ponderava sobre muitas coisas; em seu íntimo, buscava conselho, mas não o encontrava.

Muitos eram os afazeres dos capitães dos alcarindrim, contudo. Pois a guerra era iminente, e a vigia foi redobrada. Os senhores organizavam o exército, e os soldados afiavam suas espadas.

Entre os capitães de Alcarost, eminente era Aranáriel, um elfo sindarin que havia se juntado aos filhos de Fëaruin no tempo em que o noldo esteve cativo em Angband. Sábio, Aranáriel viu em Fëaruin uma majestade inerente, e o noldo viu no sinda grande valor. Amizade cresceu entre ambos e, em Alcarost, Aranáriel veio a tornar-se o arauto e porta-estandarte de Fëaruin. E um era caro ao outro. Apenas o próprio Fëaruin e seu filho Maegnor sentiram a morte de Ingolon mais que Aranáriel.


Era um dia do começo do outono quando Aranáriel decidiu ir até Tirioninquë, a torre e morada do Rei, para reportar o andamento do levante de armas e da reunião de todas as legiões de guerreiros de Alcarost. Eram dias difíceis, o Senhor Alcarintur estava triste, e Aranáriel, pesaroso. Vagarosamente, portanto, subiu as escadarias brancas de Tirioninquë, passando por seus vários salões, um a um, com a cabeça baixa. No terceiro salão, que possuía muitas estantes com muitos livros, viu Maegnor sentado numa cadeira suntuosa; ele segurava um objeto, olhando fixamente para ele; era uma espécie de medalhão, uma jóia azul de muitos matizes, belíssima, presa por um filete prateado. Aranáriel parou em frente ao príncipe, e sua cabeleira cinzenta cintilou na fraca luz do sol que entrava pelas janelas da Torre.

- À minha mãe pertenceu essa jóia – disse Maegnor, ainda de cabeça baixa – Meu pai a fez, quando ainda vivíamos no Reino Abençoado. Minha mãe a deu a Ingolon antes de partirmos para a Nirnaeth, na última vez que a vimos com vida; e meu irmão a manteve até que partisse para Hópatir, quando a deu para mim, na última vez que o vi. “Mantém Mírluin como eu a mantive, irmão, pois ela é uma herança de nossa casa, e uma lembrança de nossa mãe e de nosso pai”, disse-me ele. Sempre a achei impressionante, e sempre imaginei se um dia teria a chance de ostentá-la. Agora que ela jaz em minhas mãos, porém, não sei se a quero mais, pois ela me traz lembranças de dor; e essa dor meu irmão carregou por tempo demais, até que seu próprio pesar juntou-se ao da pedra – e então Maegnor apertou a pedra com firmeza e força na mão.

- Valoroso foi teu irmão – disse, finalmente, Aranáriel – E valoroso és tu; mereces a pedra assim como teu irmão a mereceu, e a pedra merece ser ostentada por ti. O tempo é cruel, mas mesmo ele não pode apagar as memórias de um momento feliz que está no passado. A pedra carrega tristeza, tu dizes; mas também carrega felicidade.

- Pouco importa – disse Maegnor, com lágrimas nos olhos – Não quero a pedra, merecendo-a ou não. Não a quero! Minha mãe se foi, e meu irmão se foi; já não vejo meu pai há dias, e ele parece estar cego para a ruína que se aproxima de sua cidadela e de si mesmo – levantou-se então Maegnor, e ele era o mais alto de toda Alcarost, à única exceção de seu pai – Toma! Entrega essa pedra a meu pai para que ele lembre dos filhos e da mulher! – e com essas palavras amargas saiu, em meio às lágrimas, daquele salão.

Então Aranáriel ficou um momento ali parado, olhando para a pedra que estava em paz na sua mão direita; ela era de um azul profundo, e olhar dentro dela era como olhar dentro dos olhos de Ulmo; mesmo quem nunca vira o Vala, como o próprio Aranáriel, tinha essa mesma sensação. Fechou a mão e finalmente continuou subindo as escadarias. Mas atrás dele veio mais alguém que estivera naquele salão: Sercë, um elfo avar habilidoso na espada e sábio em tradições, sob a justificativa de aconselhar-se com o Rei.


Sem dizer palavra um ao outro, subiram até a sala do trono; ampla ela era, com muitas colunas esculpidas, e na parede oposta à porta estava o grande trono de pedra e prata de Fëaruin; mas o noldo não estava sentado ali. Aranáriel baixou os olhos e viu o rei ajoelhado em frente aos degraus que levavam ao trono; ele estava de costas para eles, e estava vestindo apenas uma calça negra; seus cabelos estavam jogados para lado, e suas costas estavam desnudas; incontáveis marcas de tortura estavam estampadas na carne do Rei; ele estivera cativo em Angband, e as feridas causadas pelos açoites e instrumentos de tortura dos servos de Morgoth jamais cicatrizavam em totalidade, e a dor causada por eles não podia ser totalmente esquecida. O pasmo tomou conta de Aranáriel e Sercë, e assustados eles ficaram, pois nunca viram Fëaruin daquela forma, e nunca souberam que tamanhos haviam sido seus suplícios; parecia-lhes que o castigo que Morgoth reservou aos noldor fora todo jogado sobre Fëaruin, capitão de Fingolfin. Fëaruin, entretanto, parecia não perceber a presença de ambos, e estava proferindo várias rezas.

Lentamente, Aranáriel se aproximou do rei e amigo; ao lado do noldo, estavam suas armas, Valnáril, Brilho de Fogo Poderoso, sua famosa espada; ao lado dela, uma adaga élfica também forjada pela suprema habilidade do noldo, e sua lâmina era curva como uma lua crescente; a malha Cálëmehtar também estava lá, assim como uma túnica negra e grossa para ser usada sob a malha, e a grande capa azul sem estampa de Fëaruin. À medida que Aranáriel se aproximou, Fëaruin se levantou e vestiu a túnica negra com detalhes em prata; mas permaneceu de costas.

- Aranáriel – disse o Rei – ajuda-me.

Então Aranáriel tomou Cálëmehtar e ajudou o rei a vesti-la; apanhou Valnáril com cuidado e entregou-a ao Rei, que a prendeu no cinturão; os longos cabelos negros estavam soltos, e repousaram sobre a capa azul afixada na pescoceira da armadura. Fëaruin, então, virou-se; o mais alto de todos os habitantes de Alcarost, belo e terrível de se olhar. Na mão esquerda, segurava sua adaga élfica Encarou, então, com os olhos profundos, Aranáriel, que se ajoelhou em reverência.

- Levanta-te, senão hei de também abaixar-me – E ergueu Aranáriel - Não vai me entregar o que trazes? – indagou Fëaruin. Aranáriel, então, pegou o pendente e o entregou ao noldo, que viu tristeza nos olhos do amigo – Não te preocupa, Aranáriel; se as palavras de Maegnor fora amargas, é porque amargurado está seu coração. Não o culpe, pois eu também não culpo meu filho – Fëaruin, contudo, não conseguia esconder a imensa tristeza que sentia, e Aranáriel podia perceber pelos olhos do noldo. Fëaruin então olhou para pedra e fechou os olhos, e a prendeu no pescoço.

- Não o culpo, mas nem por isso o compreendo – disse Aranáriel.
Então Fëaruin abriu os olhos e novamente fitou Aranáriel; - Cometi muitos erros, Aranáriel; erros demais. E muitas das conseqüências recaíram sobre minha família; e nenhum deles jamais mereceu nada disso. Não os culpo se usarem de palavras impensadas, se elas forem conseqüências de meus atos impensados.

- Uma infelicidade! – adiantou-se, então, Sercë – Uma infelicidade, de fato, que aquele quem o Rei deixou partir tenha sido o algoz de seus filhos; sangue do sangue do Senhor Alcarintur. Oxalá tivesse eliminado o Elfo-negro quando teve a chance! E ainda uma outra vez ele escapou do Rei – havia, porém, escárnio na voz do avar.

- Não sejas tolo, Sercë – disse Aranáriel, que fechou os olhos porque não conseguia encarar o pesar residente nos olhos de Fëaruin; mas logo os abriu novamente, quando percebeu que o rei havia passado ao seu lado, em direção à porta – Senhor! Para onde parte?

- Isso deve terminar, Aranáriel – disse Fëaruin – Vou-me para o local onde tombou Ingolon, lá, talvez, poderei me aconselhar como devo, comigo mesmo, ao lado das águas de Ulmo e próximo aos animais de Yavanna; muitas feridas Laitahero me trouxe; isso deve terminar. A Terra-média me trouxe felicidade, mas também muita dor.

- Mas senhor, Alcarost precisa de ti agora! Maegnor também, e eu! – desesperou-se Aranáriel – Devemos manter o sonho de Alcarost!

- É por isso mesmo que devo ir, Aranáriel. E ninguém me impedirá; pelo Elfo-negro essa cidade não será mais perturbada, isso eu prometo – disse Fëaruin, com o coração repleto de angústia - Mas cuidado: o domínio dos homens mortais se aproxima, e mesmo Alcarost não pode resistir à mortalidade. Mesmo num inefável sonho a espada se quebra.

Aranáriel então percebeu que o rei partia para não voltar, pois pela sua família e seu reino, ele lutaria mais uma última batalha na Terra-média.

- Fica ao lado de Maegnor – disse Fëaruin – e o compreende, mesmo que não concordes com ele. Ele precisará de ti antes do fim.

Fëaruin então caminhou em direção à porta; antes de sair, porém, com o canto dos olhos fitou Sercë; e seus olhos faiscaram, e Sercë ficou amedrontado, e então sentiu um calafrio quando vislumbrou a adaga que o rei prendia no cinturão. Fëaruin saiu, e Aranáriel foi até uma varanda, de onde podia divisar Alcarost toda, e viu o Rei partir montado em Ninquënor, seu cavalo magnífico. Muitos pareciam estranhar a situação, mas ninguém ousou se aproximar ou questionar o rei. E quando Aranáriel voltou para dentro, Sercë não estava mais lá.


Dois dias depois, Maegnor veio correndo até Tirioninquë, e topou com Aranáriel naquele mesmo salão que guardava muitas tradições; ele estava inquieto.

- Aranáriel, Aranáriel! Diz-me, onde está meu pai? – indagou.

- Teu pai partiu, Maegnor – respondeu Aranáriel, pesaroso.

- É como eu temia, então – disse Maegnor – Nessas duas últimas noites tive sonhos agourentos, e não consegui encontrar descanso; pouco me lembro deles, apenas a figura de meu pai, como numa pintura, e nela subitamente os olhos dele perdiam o brilho, e a pintura se descoloria.

- Também não consegui encontrar repouso, por temer por teu pai – disse Aranáriel.

- Tolas foram minhas palavras ultimamente, e queria ter sido mais confiante na sabedoria e força de meu pai – volveu Maegnor – Diz-me, Aranáriel, para onde ele foi? Onde posso encontrá-lo?

- Não ouso dizer – respondeu Aranáriel – Pois não quero que parta também, senhor.

- Dizer-me ou não, Senhor Aranáriel, não vai me impedir de partir em busca de meu pai – disse Maegnor – Se disseres, porém, minha busca será menos vã, e a esperança, maior.

- Talvez – disse Aranáriel – Mas pouca é a esperança, acredito, de um jeito ou de outro; pois olhei nos olhos de teu pai, e vi sua despedida, mesmo sem que ele a colocasse em palavras.

- Senhor Aranáriel – disse então Maegnor, encarando firme – Se eu não conseguir encontrá-lo, morrerei nos ermos, pois não ousarei retornar para Alcarost enquanto meu pai não ver meu arrependimento em meus olhos. Concede-me isso, Aranáriel, ou então, já haverá me perdido.

Aranáriel então olhou fundo nos olhos de Maegnor, e era difícil encará-lo; sua vontade estava determinada, e ele não a mudaria. Por um momento, Aranáriel ponderou, e lembrou das palavras de Fëaruin, nas quais ele pedia para que tentasse compreender Maegnor. Por mais um momento, lutou contra sua própria vontade.

- Por amor e por respeito, concedo-te isto – disse, enfim, Aranáriel – Teu pai foi para o Belegailin. Lá, ele pretende vingar-nos todos, creio eu.

- Sim, ele pretende, pois consigo divisar isso – disse Maegnor – Mas não consigo pensar em como agradecer-te, Aranáriel.

- Fica – respondeu Aranáriel.

- Isso não posso fazer, e sabes bem disso – disse Maegnor

- Lendário é o orgulho dos noldor – disse Aranáriel.

- Sim – respondeu Maegnor – Mas também lendários são sua coragem e sua força; e eles nunca esquecem de seus amigos Agradeço novamente, Aranáriel, e agora, aqui, prometo-te: retornarei.

- Assim seja – disse Aranáriel, depois de uma pausa. Maegnor, então, se virou e partiu do salão, com pressa, e finalmente partiu no meio da noite. Aranáriel entristeceu-se, pois amava os filhos de Fëaruin como se fossem seus próprios.


Longo era o caminho a percorrer até que se chegasse a Hópatir; de todos os postos avançados de Alcarost, este era o maior e mais distante; mesmo sozinho e montado, alguém poderia levar várias semanas até chegar lá. Fëaruin, contanto, era da poderosa estirpe noldorin, e montava Ninquënor, o cavalo magnífico de Aman; assim, ele fez a viagem com muito mais rapidez do que normalmente se fazia.

Durante o caminho, foram muitos os pensamentos que percorreram a mente do noldo; lembranças, na sua maioria, que vinham em suas solitárias noites nos ermos. Em seu íntimo, porém, também crescia um sentimento pela vingança contra o Elfo-negro; e isso fê-lo avançar ainda mais depressa; ao tempo que Ninquënor se cansasse, o que era quase impossível, um fogo secreto movia o elfo; e muita vez parava para que o cavalo pudesse descansar, e não ele. Assim seguiu, durante muito tempo, e das pouquíssimas almas que viviam no caminho, os que o viram passando pensaram que alguma antiga lenda que os avós contavam tinha tomado vida e saltado dos livros velhos. E Fëaruin, com o vento nos cabelos, sentiu-se bem como não se sentia há tempos. Livre.



Depois de muitos dias de cavalgada, Fëaruin finalmente chegou naquele local que um dia foi Hópatir, o mais belo e poderoso dos postos avançados de Alcarost. Tudo, todavia, estava devastado, e o cheiro de morte ainda pairava ali; muitos morreram naquela batalha, entre eles Ingolon, filho de Fëaruin e Príncipe de Alcarost. O noldo desmontou e ordenou a Ninquënor que voltasse para Alcarost, e não ficasse lá. Triste, Ninquënor obedeceu, e se foi como um raio que corta os céus.

Fëaruin caminhou muito naquele local inóspito, olhando para as velhas casas daqueles que resolveram ali habitar. O fogo consumira quase tudo, inclusive os corpos do que defenderam com a vida aquele lugar. E Fëaruin ainda mais se enraiveceu.

Andou até atingir a margem do gigantesco Belegailin; na redondeza, encontrou a espada que pertenceu a Ingolon; e ela estava quebrada. Fëaruin então tirou sua capa e enrolou os cacos da lâmina nela, e a deixou para repousar. Lá, o fogo não tinha chegado, e as árvores estavam carregadas de folhas que ainda haveriam de cair. Deu mais uns passos até a margem e se ajoelhou, frente às águas.

Ponderou então sobre muitas coisas; sua mente percorreu toda a sua vida, considerou novamente todas as suas decisões e viu que, mesmo se tivesse outra chance, as mesmas coisas faria; pois, não fossem elas, ele nunca teria a ocasião de poder reconsiderá-las. E em verdade, sempre faríamos sempre as mesmas coisas, ainda que nos fossem dadas infinitas chances de voltar e refaze-las. Daí, lembranças percorreram os pensamentos daquele elda; inúmeras delas; e ele se lembrava daqueles dias que considerava gloriosos; dos tempos em Valinor, com sua esposa, Helyanwë, em cujos olhos permanecia o brilho de Telperion; lembrou-se também de seus filhos, da primeira vez que segurou cada um deles, de quando com eles brincava, quando foram crianças; lembrou-se também da vida nova na Terra-média e como ela prometia, de como ele teve tudo um dia, e então, nada mais. Tudo tinha lhe escapado por seus dedos trêmulos. E ele abriu os olhos e olhou para suas mãos, e seus dedos de fato tremiam; o fogo do Sol começava a descer no Oeste distante, e ele finalmente se lembrou onde estava a única esperança dos elfos. Pensando nessas coisas todas, então, ele começou a chorar em silêncio – Tenho tanto medo – sussurrou consigo. Foi quando percebeu algo, e ouviu uma voz fria.

- Vêem! Mesmo os heróis choram! – e a voz gargalhou. E Fëaruin se levantou e se virou de súbito, e viu: lá estava Laitahero Morcáno, o Elfo-negro; do seu lado direito estavam outros dois elfos que Fëaruin jamais vira, gêmeos eram eles, e parecidos com Laitahero. Do lado esquerdo estava alguém que Fëaruin reconheceu imediatamente: era Sercë, aquele avar que era considerado sábio entre sábios em Alcarost. Outros havia, contudo, de raça mortal dos homens do Leste.

- Salve Amanon, o Usurpador! – gritou Laitahero – Vê, esses são meus filhos, Mórë e Mandë, que nunca viste. Esse, porém, tu conheces bem; agradece a Sercë, pois graças a ele eu soube que estarias aqui! Caíste na minha armadilha, ó poderoso Amanon – e Laitahero riu. Mas parou quando viu que Fëaruin também tinha um sorriso nos lábios.

- Escuridão e Peste? Nomes propícios para os filhos de um Maldito. O traidor Sercë haverá de engolir a própria infâmia. Caí na tua armadilha? – indagou o noldo – Ou caíram na minha? – e seus olhos faiscaram de tal forma que muitos ali tremeram, e alguns dos homens mortais fugiram de pronto.

- Tamanha insolência na porta da morte! – irritou-se Laitahero. Com um movimento da mão, todos avançaram, mas o noldo era mais rápido, e embrenhou-se na mata. Irado, Laitahero ordenou que encontrassem Fëaruin, mesmo que precisassem derrubar todas as árvores daquele local. E o céu já escurecera.

Um a um, contudo, aqueles soldados que estavam com Laitahero desapareciam ou apareciam mortos; em seus rostos tal era a expressão que pareciam ter visto, no momento da morte, fantasmas do passado que voltam para se vingar. Pela tolice do medo, muitos se separaram, e já não restava ninguém além do próprio Laitahero, seus filhos e Sercë.


Sercë estava andando em meio às árvores, e mal conseguia segurar o cabo de sua espada, pois tremia com o medo; estava escuro e ele estava sozinho, e não pensava noutra coisa além das palavras de Fëaruin: “haverá de engolir a própria infâmia”; e Sercë repetia isso para si mesmo várias vezes, numa mescla de riso insano com choro. Sua paranóia era tamanha que atacava pequenos esquilos que se moviam pelos galhos, sem conseguir, porém, acertá-los. Caminhou mais e, enfim, deparou-se com uma silhueta que se aproximava sem preocupações, e Sercë então se aliviou.

- Senhor Laitahero, mataste Alcarintur? – indagou Sercë – Fez-me rei, como prometera?

Não houve resposta, apenas um movimento rápido; das sombras saiu uma adaga cuja lâmina era como uma lua crescente, e ela veio rodopiando e se enterrou na garganta de Sercë, que ajoelhou enquanto engolia o próprio sangue. E então olhou para cima e viu, com sua última visão, o Senhor Alcarintur em toda sua imponência, e seus olhos pareciam pegar fogo. – Ingrato – disse – Engasga e sufoca com tua própria mediocridade – puxou então a adaga da carne de Sercë e se foi, sem voltar o olhar; e Sercë morreu ali, e Mandos o reteria por muito tempo.


Laitahero caminhava só em busca de seu inimigo; sua arrogância, porém, nem mesmo permitia que sacasse a espada e mantivesse a guarda levantada, de modo que, a um ataque repentino, presa fácil ele seria. Não eram esses os modos de Fëaruin, contudo, e Laitahero sabia disso, sabia que seu inimigo não gostava de lutar daquela forma, e sabia também que era ele mesmo o maior desafio de Alcarintur.

Embrenhando-se na mata, por muitos arbustos e nas copas de muitas árvores Laitahero procurou, em vão, Fëaruin. À distância, ouvia os gritos de seus servos e, de quando em vez, o bater de espadas; o barulho, entretanto, era sempre abafado, encoberto pelos ventos e pelo som das águas do grandioso Belegailin.
Entretanto, num certo momento, Laitahero ouviu o bater de espadas novamente, e gritos, e pareceu-lhe que ouvira a voz de seus filhos. Com pressa e raiva, ele seguiu o som por algum tempo, mas logo tudo se silenciou novamente; Laitahero, porém, não se desviou, e quando se deu conta havia retornado para aquela mesma clareira na beira do Mar de Rhûn em que encontrara Fëaruin. Nenhum movimento tomava conta daquele lugar, e Laitahero divisou dois corpos caídos em poças de sangue; à frente, viu apenas um vulto, uma silhueta majestosa e desafiadora; a Lua, escondida entre várias nuvens, não conseguia revelar em luz a face do vulto, mas um brilho poderoso estava estampado em seus olhos. Na mão direita, a silhueta segurava uma grande espada, cuja lâmina era levemente curvilínea; na mão esquerda, o vulto segurava algo que Laitahero não conseguia decifrar. Pouco à frente do vulto jazia, quebrada ao meio, a poderosa e envenenada lança de Mórë. O vulto então arremessou aquele objeto que segurava na mão esquerda, e ele se dividiu no ar, e agora dois objetos, e não um, vinham na direção de Laitahero; caíram no chão e rolaram até os pés do Elfo-negro, no mesmo momento em que a Lua escapava do manto das nuvens carregadas e, quando pararam de rolar, Laitahero pôde perceber que eram as cabeças de seus dois filhos, Mórë e Mandë. E antes que pudesse ter qualquer reação, ouviu a poderosa voz de Fëaruin.

- Quitei tua dívida, Elfo-negro! – gritou o noldo com angústia – Tomou-me dois filhos, e agora te tomei dois também – e Laitahero ergueu os olhos e divisou seu inimigo à luz da Lua; e ele parecia uma estátua de pedra de um rei semi-esquecido. Ele percebeu, porém, que a luta ali havia sido feroz, e Fëaruin fora ferido pelas armas envenenadas de seus filhos, e ainda que não fosse, o nobre noldo estava exausto da batalha e da viagem, pois desde que chegara não havia tido descanso algum. Fëaruin gritou com ódio e dor, e lacrimejava, mas Laitahero gargalhou.

- Quem pensas que és, ó Amanon, para julgar qualquer um que não a ti mesmo? – indagou Laitahero, contendo o riso – Realmente acreditas que, pela morte de meus filhos, poderias provocar minha ira? Se eles não conseguiram te derrotar, foi bom que tenham morrido, pois, do contrário, teria eu mesmo que dar cabo da incompetência deles!

Ao ouvir essas palavras, Fëaruin se entristeceu ainda mais – Renegas a teus próprios filhos, ao teu próprio sangue? – perguntou.

- O sangue e os filhos são meus para renegar quando quiser, e não teus – respondeu Laitahero com frieza.

- Talvez teus pensamentos sejam menos mesquinhos depois que Valnáril estiver enterrada em seu peito! – volveu Fëaruin – Teu sangue não é élfico, maldito orc! És uma criatura infame que merece apenas a negra morte encontrar; e é isso que te darei, uma morte breve!

- Ora, o nobre Amanon, sempre disposto a lutar – escarneceu Laitahero – Diz-me, ó noldo, porque tem tanta disposição a lutar? Quando tu e tua família deixastes o Reino Abençoado, tu lutaste. Durante muitas guerras, pelo teu povo e teus amigos, tu lutaste. Quando encontrou meu povo e veio morar conosco, lutaste também; até contra mim. Quando fundaste tua gloriosa cidadela, para que pudesse mantê-la, lutaste. Para vingar cada um de teus filhos, lutaste. E o que tudo isso te trouxe? Glória, honra? Méritos desimportantes. O que te trouxe Amanon? Apenas mais uma luta, e nada mais.

Por um momento, então, Fëaruin hesitou, como nunca antes e nunca depois; baixou a cabeça e fechou os olhos; Laitahero era malicioso, mas perturbadamente verdadeiras eram suas palavras. No âmago de sua tolice, o Elfo-negro tinha certa razão. Já Laitahero estranhava que o veneno ainda não houvesse conseguido derrubar o noldo, e a idéia de lutar contra Fëaruin não lhe era agradável, mesmo que tentasse, astutamente, dissuadir o inimigo disso. Entre toda sua arrogância, Laitahero na verdade tinha medo.

- Mais uma luta, tu dizes – respondeu, finalmente, Fëaruin, ainda de olhos fechados – Se esse é o destino que Ilúvatar reservou-me, então não posso relegar a isso. És tu a minha última luta dentro dos Círculos do Mundo, isso eu consigo ver. Minhas lutas não me trouxeram apenas outra luta; foi um caminho percorrido. Essas lutas me trouxeram até ti; e enfim, quando todas essas lutas já tiverem sido, esse será o momento em que havemos de nos confrontar – e com essas palavras ergueu novamente Valnáril, e ela chamuscou um brilho azulado aos raios da nave de Tilion, o Maia.

- Tolo! – urrou Laitahero – Fartei-me da tua imbecilidade! – e sacou sua espada de lâmina negra como o ébano, e avançou.

Os dois então bateram-se numa peleja sangrenta e dolorosa. Sob os olhos de Tilion, a presença da água de Ulmo e as árvores de Yavanna, os dois quendi combateram como nunca antes; Laitahero era impelido pela fúria e pelo medo, mas Fëaruin lutava com angústia. Era como se dois Maiar estivessem ali batalhando no ápice de seus poderes. Durante muito tempo e ao longo de muitos golpes eles se desafiaram, mas o cansaço do mundo e das lutas, os ferimentos e os venenos, tudo isso prejudicou o desempenho de Fëaruin, e ele errou uma primeira vez, e Laitahero enterrou sua lâmina na coxa direita do noldo, e ele fraquejou e se ajoelhou. O Elfo-negro riu, mas Fëaruin se levantou novamente, e a peleja continuou. A visão de Alcarintur estava difusa pelo veneno, e outra vez ele errou, e Laitahero dessa vez feriu a perna esquerda de Fëaruin, e ele se ajoelhou novamente, mas uma segunda vez ele se levantou. E Laitahero teve seu medo aumentado.

Durante muito tempo ainda o noldo combateu nesse estado lamentável; sua vista estava confusa, seu corpo, ferido, cansado e debilitado, mas seu espírito queimava poderoso, e Fëaruin, na maior parte do tempo, começou a lutar de olhos fechados, enquanto Laitahero começava a ficar desesperado; estava exausto e o veneno de sua espada e das armas dos filhos não derrubavam o noldo. De repente, Fëaruin abriu os olhos e eles faiscaram, e Laitahero sentiu-se atordoado; Fëaruin então tentou um golpe ousado, mas o reflexo do Elfo-negro não falhou e, tentando a defesa, ele feriu a mão direita do noldo, e ela se abriu com o reflexo da dor. Valnáril então voou livre, e rodopiou até mergulhar nas águas do Belegailin, e seu brilho desapareceu nas águas escuras. Nesse meio tempo, Laitahero enterrou sua lâmina negra no estômago de Fëaruin, e ela trespassou a poderosa malha e o corpo do elda. Laitahero sorriu um sorriso malévolo enquanto puxava sua espada de volta, e então, com as pernas feridas, o ferimento profundo no estômago e o veneno nas veias, Fëaruin ajoelhou-se uma terceira vez, mas agora ele não tinha mais forças para levantar novamente, e ficou à mercê de Laitahero.

- Oras, vejam só! O poderoso Amanon, o Imbatível, jazendo sem forças aos meus pés. Tua cabeça, eu levarei como prêmio, e usarei teu crânio como elmo! – ergueu então sua espada negra à grande altura, com o intuito de decapitar Fëaruin, e então começou a rir – Adeus, Amanon, o Infeliz, assim dou cabo de tua fedorenta existência!

Nesse momento, contudo, a chama do espírito de Fëaruin resplandeceu uma vez mais, e ele agarrou a parte superior da lança de Mórë, que estava jogada bem ao seu lado; com toda a força que ainda possuía, ele ergueu a arma e a enterrou no peito de Laitahero, e a ponta envenenada atravessou o coração do Elfo-negro, e saiu pelas suas costas. Com os olhos cheios de surpresa, Laitahero perdeu suas forças, e sua espada caiu no chão, seguido do próprio elfo; ele não podia crer que ainda houvesse algum resquício de esforço no noldo; então, caiu deitado ao lado de Fëaruin, com a lança trespassada pelo corpo.

- Poderia ter sido grandioso entre os alcarindrim, se tudo tivesse sido diferente - disse Fëaruin a Laitahero.

- Se tudo tivesse sido diferente – retrucou Laitahero com grande esforço – Eu seria aquele chamado de Alcarintur – e então fechou seus olhos e relaxou o corpo, e finalmente a vida lhe abandonou, e ele partiu para os Salões de Mandos, onde haveria de esperar muito.


Durante ainda um bom tempo, Fëaruin ficou naquela posição, de joelhos, mortalmente ferido e triste, ao lado do corpo de Laitahero. À medida que o tempo passou, porém, a vontade de seu espírito de se desgarrar de seu corpo aumentava, e ele se sentia mais e mais fraco, respirando com dificuldade, até que se deitou na relva ensangüentada; o Sol já havia subido aos céus, mas a visão de Fëaruin estava tão débil que não parecia fazer diferença se estivesse dia ou noite. Então, ouviu distantes passos de cavalo que se aproximavam, e alguém desmontou ao seu lado e se debruçou sobre ele, e esse alguém chorava, e o espírito de Fëaruin se conteve por mais um momento, pois era Maegnor, seu filho, e ele conseguia vê-lo claramente.

- Sinto agora que é próximo o momento de me libertar do esforço de viver – disse Fëaruin, com grande esforço - E vejo, que mesmo jazendo adormecida, a Condenação dos Noldor nunca me abandonou, e a sina imposta pelo Oráculo dos Valar é algo de que não se pode evadir; e foi esse fado que fez-me ser traído para a minha destruição – Maegnor, contudo, tentava estancar os ferimentos do pai, mesmo sabendo que seria debalde fazê-lo - Não, não tenta sanar minhas feridas; elas são mortais e hão de me fazer perecer. Vivi como um guerreiro e é assim que anseio ir-me embora – disse o noldo, mas seu filho não se continha em meio aos prantos; a idéia de perder o pai simplesmente não tinha lugar na sua mente - Não te consterne, meu filho, já que irei para enfim ter paz, e para rever teus irmãos; e após tanto tempo, a tua mãe, a quem amo mais que qualquer coisa em Arda. E estou orgulhoso de tudo que conseguimos, e tudo pelo que lutamos para manter o baluarte da liberdade. Lembra-te, contudo, que és um noldo assim como eu, e a Condenação também está sobre ti! Os homens bárbaros ergueram-se com um poder implacável, e todos os empenhos teus e de Alcarost para conter essa ameaça serão debalde, e o nosso reinado além de Belegailin há de ultimar, pois não cabe aos elfos dominar.

- Lutarei para honrá-lo, meu pai - disse Maegnor em meio às lágrimas.

- Não, não luta por mim; luta por ti mesmo, se lutar é o que deseja. Sobreviva! - mas Fëaruin via nos olhos de Maegnor que ele lutaria até vencer todo o exército que vinha a Alcarost, ou então morreria tentando - Então, quando necessário for, e necessário será, manda teu herdeiro para longe junto com aqueles que a guerra poupar, pois eles precisarão de alguém para liderá-los, e para que assim nosso sangue não desapareça de forma tão infame - Fëaruin fechou os olhos e, após uma pausa, abriu-os novamente, e então disse suas últimas palavras - A única esperança agora repousa nas lâminas e nas lanças, e não nos lamentos e no apego aos triunfos de outrora. Em nome de Eru Ilúvatar te abençôo; vá!, meu filho – e colocou algo na mão de Maegnor, e ele viu que era Mírluin, a jóia que pertencera à sua mãe; e sorriu para o pai.

Com essa última visão, por fim a vida deixou o rei-guerreiro Fëaruin Amanon Alcarintur, de todos os elfos, não o menos valoroso. Seu espírito se soltou de seu corpo e partiu, em paz, para os imponentes Salões de Mandos. Maegnor, ainda por muito tempo, pranteou sobre o corpo do pai, mas sentiu-se bem, de certo modo, pois ele sabia que o pai partira para finalmente encontrar serenidade. Finalmente, ergueu-se e encontrou um pequeno montículo recoberto de relva verde, e guardado pelas poderosas árvores de Yavanna; ali, a custo de muita labuta, cavou um buraco e colocou o corpo do pai, apanhou então o manto azul do Alto-rei; guardou consigo os cacos da espada de Ingolon, seu irmão, e estendeu o manto sobre seu pai; sobre o túmulo, colocou uma enorme pedra cinzenta, e nela esculpiu, em meio a pequenos enfeites, apenas o epessë que seu pai recebera do próprio povo: Alcarintur. Aquele foi o sepulcro de Fëaruin, que ficou conhecido como Haudh-en-Alcarintur, o Túmulo do Senhor Glorioso; a relva sempre cresceu mais verde ali, e ninguém ousou jamais violar aquele local, fosse mortal ou imortal.

Ainda mais tempo Maegnor demorou-se ali, pois, com raiva e dor, amontoou os corpos de Laitahero e seus filhos, e pôs fogo nas suas carcaças; e uma fumaça negra subiu aos céus enquanto as chamas consumiam a carne pútrida daquelas criaturas dominadas pela mesquinhez. Maegnor, então, colocou-se a fazer o caminho de volta, solitário e triste. Sabendo, contudo, que a majestade de seu pai sempre seria lembrada; e por poucos que fossem, suficientes sempre seriam; e por uma eternidade em Valinor, Fëaruin seria louvado por seus feitos, sua força, sua valentia, sua paixão e sua humildade. Entre os povos incultos que vieram depois, contava-se a lenda de um Rei-Elfo que enfrentou, destemido, todos os seus desafios; e diziam que, quando esse Rei-Elfo foi morto, ele subiu aos céus para se tornar uma estrela, onde, intocável, observava a terra que um dia pôde chamar de sua, mas que jamais o fez.
 
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Sou fã dos Contos do Fëa. Já os li em outra ocasião, e passo aqui para deixar minha indicação. O Conto pode ser longo e demorado mas é uma fantástica leitura, eu me senti lendo Tolkien, sinceramente. Meu Conto, foi baseado no Reino de Alcarost criado por Alcarintur. Logo que eu o terminar, eu postarei aqui.

Até!
 
Os contos do Fëaruin são muitos bons realmente, estou na fase final da produção do meu também baseado em Alcarost e logo pretendo coloca-lo aqui.
 

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