Capítulo 45 – Oficial Jeanie - Por Melkor
Depois da última noite, Tâmara tem evitado Diogo. Seu corpo está um pouco deslocado, suas idéias lentas e algumas das coisas que haviam feito impossibilitam determinados movimentos dela, se é que o leitor atento me entende. Jorge chegou a querer sexo, uma noite, logo após o ocorrido, mas Tâmara usou de suas artimanhas secretas e teve – não apenas simulou – um desmaio convulsivo.
A velha Margareth nem está a importunando tanto. Ou está, mas Tâmara aprendeu a lidar com aquilo; Diogo era a felicidade que chegara e arrumara algumas coisas na vida dela. Nesse momento, Tâmara está lavando a louça (esfregando as sujeiras com o próprio dedo, usando sabonete, porque utensilios domésticos são muito caras para sua economia familiar), olhando para o horizonte – pela janela – e cantarolando, como se num filme.
Acabada a louça, a lavagem das roupas (e a secagem, o ato de passá-las...), o cuidar do jardim, o banho de Margareth, a arrumação da casa, o conserto de algumas roupas rasgadas de Jorge, a limpeza do banheiro, o pagamento das contas pela internet, o jantar, as compras (pela internet, também!), a medicação de Margareth e todas as coisas desagradáveis da vida, Tâmara suspira e sai da casa, sentindo-se vitoriosa. Começa a caminhar em direção à casa de Dona Ruth...
No caminho, encontra Jorge, voltando a pé do trabalho. No plano de fundo, vem vindo Diogo, no seu carro importado, e quando ela contrapõe as duas imagems (o amante vindo de carro e o maridão gordo, suado e nojento vindo a pé) ela ri. Se Jorge fosse rico, até seria possível entender a situação, mas, do jeito que estava, não fazia sentido. Porque não se casa com Diogo, afinal?
Jorge passa rápido, só cumprimentando-a, com medo de que ela tenha outro ataque; há alguns dias, Tâmara ligou do seu celular para ele, fingindo ser a sua própria médica, explicando a ele que ela podia ter outros ataques sob pressão sexual, o que explica o comportamento dele.
Diogo passa depois, desacelera o carro, abre a janela besuntada de Insul-Film, tira os óculos escuros e sorri com seu sorriso colgate para ela. Ela sente uma comichãozinha, no lugar que é frágil... Para provocá-lo, se aproxima do carro e passa a mão lentamente na barriga, depois acaricia seus próprios seios, coloca um dedo na boca... E, quando ouve a busina, mal tem tempo de desviar do carro, que a atinge em cheio e a joga alguns metros adiante.
A primeira coisa que Diogo faz é certificar-se de que Jorge não percebeu o que está acontecendo. Ótimo, ele continua andando, assobiando. Em seguida, abre a porta do seu carro – de óculos escuros – coloca uma nota de cinquenta reais no parabrisa do carro que atropelou o seu docinho de coco, dá duas batidinhas no capô, pega Tâmara e a enfia no banco traseiro e fecha a porta. Ufa! Passado o susto, ele se certifica de que está tudo bem com ela. A não ser por alguns arranhões, ela está inteira. Ele suspira. Ela ri.
- Mo, eu só fui atropelada, calma – ela diz
- Eu estou calmo – ele diz, por entre arfejos – MUITO calmo...
Domados pelo total ridículo da cena, começam a rir, descontrolados. E, como não é de se espantar, o riso acaba chegando ao sexo. Diogo coloca um CD e, enquanto os auto-falantes tocam “Every night in my dreams, I see you, I fell you... That is how I know you’ll go on... Far across the distance and spaces between us, you’ve come to show you’ll go on”, eles gemem e sussuram palavras de amor, embaçando os vidros do carro com o calor de seus corpos.
[CENSURADO]
Eles retomam a sanidade somente quando se dão conta de que há alguém esfregando um paninho no vidro, para tentar desembaçá-lo. O gesto é seguido de um frenético baque na porta, produzido por mãos persistentes que os chamavam. Tâmara fica pálida, mas não mais que Diogo. Eles se dão conta, ao mesmo tempo, de que estão transando dentro do carro, na rua onde moram, em pleno dia. E, pior! Eles, para todos os efeitos, não são marido e mulher, nem namorados e nem deveriam ser amigos. Não para a boa vizinhança do bairro.
Diogo veste rapidamente sua cueca boxer, volta para o lugar do motorista e abre o vidro, tentando dissimular uma aparência serena e nem um pouco suspeita, o que fez muito mal. Tâmara, enquanto isso, se escondeu embaixo da pilha de roupas, no chão do banco traseiro. Do lado de fora, ao lado de sua motocicleta, estava a Oficial Jeanie, a policial que fazia ronda por aqueles lados. Ela faz tsc tsc assim que vê o estado de Diogo e anota alguma coisa em seu bloco de notas.
A Oficial Jeanie trabalha como policial há alguns meses e Diogo sempre a vê, pelas ruas, e se intriga: seus sessenta e poucos anos de idade parecem não impedir que ela exerça a vigilância com seus olhos de águia e seu impiedoso julgamento. Ela mantém os cabelos grisalhos presos em um rabo de cavalo que começa quase no topo da sua cabeça, usa óculos de armação vermelha e tem um lindo sorriso, que comprou com o dinheiro das suas promoções no emprego. Não há muito mais o que se dizer dela, basicamente, essa é a Jeanie.
E é essa Jeanie que diz, com sua voz rouca:
- Francamente, senhor Bercito... Francamente!
- Pois não, Oficial Jeanie? – Diogo diz, fingindo não entender
- Masturbação em local público. Oh, meu Deus! Um atentado horrível à moral. O que os Mignelli irão pensar? E Jorge e sua adorável esposa? Não, nem estou pensando no que sua ESPOSA irá pensar! Diogo, você não tem limites!
- Masturbação em local público! – ele grita, mas, quando ouve os grunhidos de protesto de Tâmara, provavelmente dizendo que ele confirme a história e salve a pele dos dois, continua: - Meu Deus, eu fui longe demais! Como sou pervertido!
- De fato, muito muito muito sujo você, Diogo. Tome, a multa – ela estica um papel para ele – Se você pagá-la como deve e prometer não voltar a infrigir a lei, está tudo bem, sua esposa não precisa saber de nada – ela pisca para ele.
Quando ela vai embora, satisfeita consigo mesmo, Diogo suspira e olhara para trás, onde Tãmara já está se desvencilhando das roupas amontoadas e se vestindo. Eles trocam um rápido beijo, algumas carícias e ela vai para a sua casa e ele para a dele, cada um enfrentar seu problema. Ela, quando chega, não consegue evitar Jorge; ele tem de satisfazer Magda, depois do jantar. E ambos passam a noite com seus conjuges, enquanto pensam um no outro e em tudo que já viveram e ainda vão viver.
Tâmara, à meia noite, sorri antes de desligar o abajour, quando se lembra da tarde no carro e da Oficial Jeanie: “É por isso que não me caso com Diogo”.