(...) Afirmar que há línguas primitivas é um equívoco equivalente a afirmar que a Lua é um planeta, que o Sol gira ao redor da Terra, que as estrelas estão fixas em uma abóbada. Tais equívocos foram correntes, mas há hoje um argumento forte contra eles: o conhecimento científico. Da mesma maneira, hoje sabemos que todas as línguas são estruturas de igual complexidade. Isto significa que não há línguas mais simples e línguas complexas, línguas primitivas e desenvolvidas. O que há são línguas diferentes. Uma análise de qualquer aspecto de qualquer das línguas consideradas primitivas revelará que as razões que levam a este tipo de juízo não passam de preconceito e/ou ignorância. Não é decente, neste domínio, se basear-se no preconceito ou no "ouvi dizer".
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A tese de que não há línguas primitivas ou civilizadas, ou seja, não há línguas simples ou línguas complexas, tem uma aplicação didática imediata. É comum que alunos e ex-alunos justifiquem seu mau desempenho escolar no domínio da língua com uma desculpa do tipo: "Também, que língua difícil o português! Como tem regras! E as exceções então!" Ora, esse tipo de afirmativa é equivocada. Não resiste à menor análise. Nenhuma língua tem um número de regras substancialmente diverso do de outra. O português é uma língua tão fácil que qualquer criança que nasce no Brasil (e em alguns outros lugares) a aprende em dois ou três anos. E é tão difícil que os gramáticos e lingüistas não conseguem explicá-la em sua totalidade. E o mesmo vale para o chinês, o guarani, o alemão, o bantu, o japonês, etc. A questão é exatamente igual em cada país ou para cada língua. (Não se deve confundir capacidade ou dificuldade de aprender uma língua com a de aprender a escrever segundo determinado sistema de escrita...)
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Se não há línguas mais simples do que as outras, se não há dialetos mais complexos nem mais simplificados do que outros, as conclusões óbvias são: a) não é mais difícil aprender um dialeto do que qualquer outro; b) quem conhece um dialeto não é mais capaz nem mais incapaz do quem conhece outro. Quem não acredita nessas conclusões poderia tentar: a) estudar um dos dialetos chamados simples, para verificar se realmente ele o é; b) analisar sem preconceito o desempenho de pessoas diferentes, cada uma em seu dialeto, para verificar se é verdade que há quem não sabe falar direito(...).