Melian
Período composto por insubordinação.
Quantas emoções cabem num abraço? Felicidade, tristeza, luto, vida e morte. Tudo parte de uma cadeia indissolúvel nas areias do tempo. Tudo parte ínfima da imensidão do tempo. Quando não mais estivermos aqui, o vento estará, continuará estando. Quando não mais tivermos forças para dizer da alegria, da tristeza, da alienação, e de toda a dor e a delícia que nos afligem como nação e, mais do que isso, como parte do novelo de que se tece a América Latina, os abraços dirão. Mas não só de abraços; Uruguai, e uma linda tessitura entre memória pessoal e memória coletiva; Colômbia, que aparece na enciclopédia do imaginário feita pelo Gabo; e Brasil, com sua constituição plural; se faz a lista do Finarfin. Como esperado, temos literatura japonesa. Como inesperado... leiam a listinha e descubram, que, para não estragar a surpresa, mais não digo.
1. Viva o Povo Brasileiro (João Ubaldo Ribeiro)
Pra mim, o melhor romance de autor brasileiro que li até então. O livro expõe toda a complexidade da formação do nosso país em uma narrativa que nos prende e flui muito bem. Escancara o colonialismo desde sua origem e que continua gerando seus frutos estragados até hoje. É um retrato cru do Brasil parido, nu e ensanguentado, filho de uma escrava estuprada pelo senhor europeu. Além disso, também adoro a oralidade que é empregada nos diferentes personagens e todos os Brasis que daí se extrai.
2. Cem anos de solidão (Gabriel García Márquez)
Além de ser um dos melhores livros que já li, é, sem dúvida, o que tem o melhor primeiro capítulo de todos. O desenvolvimento desse capítulo é um primor. Começa do fim, volta, segue, pra terminar no final, que é o começo. É genial. Já dá logo aí a dimensão cíclica que permeia todo o romance. As repetições dos nomes, as personalidades de cada personagem que se repetem entre os descendentes. Gente que morre e que reaparece. É tudo um ciclo de repetições infindas (e decadentes) que não dá pra saber o que é o começo, o meio e o fim. É um ciclo eterno que tem muito da identidade latino-americana (e incluo o Brasil aqui). Uma repetição que está na forma, nos fatos e nas caracterizações do romance como um todo. Um puta livro. Me dá um nó na garganta sempre que relembro dele. É um livro, mais do que pra refletir, pra sentir.
3. O livro dos Abraços (Eduardo Galeano)
Possivelmente o livro mais bonito que já li. Cada textículo que o compõe é um assombro. Me peguei arrepiado diversas vezes depois de ler certas páginas, precisando de um tempo pra reestabelecer o prumo. O nome do livro vem bem a calhar. É realmente um abraço, no corpo e na alma. Tudo isso sem deixar de ser crítico – afinal, é Galeano. Uma belíssima face da América latina, mesmo que, por muitas vezes, acometida pelas suas piores faces.
4. Kyoto (Yasunari Kawabata)
Tenho grande apreço pela literatura clássica japonesa. Já até comentei isso em um tópico aqui do Fórum. Geralmente eu não gosto de livros muito descritivos, mas há algo nesses clássicos japoneses que me muito me atrai, a despeito de serem bastante descritivos. É um estilo de descrição diferente, parece que estão pintando um quadro. Kyoto é um ótimo exemplo disso. É um livro que basicamente não conta nada demais, a história começa de lugar algum e vai pra lugar nenhum. Mas é uma pintura escrita, uma obra de arte. É um livro que aguça as percepções.
5. The Gardener (Rabindranath Tagore)
Tagore recebeu o primeiro prêmio Nobel de literatura dado a um não europeu. Não digo isso pra dar carteirada, mas porque, de fato, diz muito sobre o seu trabalho. É uma estética completamente diferente do que se encontra no ocidente. Diferentemente da poesia moderna (e daí adiante) que tentou romper come essa estética (mas que a meu ver continuou sendo essencialmente ocidental), Tagore não rompe nada, porque sua origem é outra, ele já parte de outro lugar. Sua poesia nos trás essa estética nova, limpa, bela, sensível e profunda. Uma das vantagens de se ler Tagore é que, apesar de ter escrito originalmente em bengali, o próprio autor traduziu boa parte de seus escritos para o inglês. Acho que isso contribui muito para preservar essa estética diferenciada. The Gardener é um livro de poesia que cavaca aquilo que carregamos dentro de nós, mas que quase nunca damos a devida atenção. Um arado na terra compactada.