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“Caso Queermuseu mostra que são tempos de intolerância. Da direita, mas também da esquerda”

[SIZE=4,5]Tentando voltar à pergunta que eu lancei, pois acho que ela vai um pouco mais a fundo num argumento que tem sido repetido com ênfase por quem defendeu o boicote: posso concordar que as obras expostas não continham apologia e que não é crime e que você é livre pra fazer suas miçangas. Mas, seguindo o que o Grimnir expôs, existe investimento público pelo menos indireto. Logo, tem meu dinheiro envolvido. Ora: existiam obras na exposição que faziam críticas ou que no mínimo mexiam com susceptibilidades religiosas. Então me parece razoável perguntarmos:

Investimento público deve ser feito apenas numa arte que agrade a maioria ou que pelo menos não a faça torcer o nariz?

Vamos abstrair por exemplo o ricochete de que, a depender da resposta, eu vou ter aguentar calado quando militantes resolverem boicotar obras de arte dos santos padroeiros do meu espectro ideológico sob alegações de machismo, racismo, terraplanismo e alpinismo.

Eu também não tenho uma opinião formada sobre o assunto... Cheguei a ler algumas coisas a respeito no começo do ano mas depois da OAB eu já não lembro nem quais foram as conclusões :rofl:Mas eu tentaria formular assim:

1) Se formos investir apenas no que as pessoas gostam, então criamos o risco de que o investimento público se veja refém de setores mastodônticos da iniciativa privada. Ou seja, a chance de que a grana corresse para os bolsos de um Wesley Safadão ou de uma Globo Filmes seria enorme. As pessoas, claro, não são massa de manobra pura e simplesmente, mas ao mesmo tempo não se pode menosprezar o impacto que é viver num ambiente inteiramente imerso de cultura de massas e com o acesso a uma alta cultura (sei que os termos são problemáticos mas proponho que relevemos) no geral restrito.

2) Então eu penso que, com exceção dos liberais, que obviamente possuem um pé atrás com a simples ideia do financiamento público, conservadores e esquerdistas concordam que é até positivo que o investimento exista, mas que seja feito de maneira inteligente. A postura conservadora grosso modo dizendo que precisamos investir numa arte engrandecedora que faça jus aos grandes monumentos da nossa cultura e a postura esquerdista defendendo uma produção artística plural e crítica. Com isso não se quer dizer que investimento público em artes redunde necessariamente em colocar grana no cofrinho de militantes. Imagino que a maioria das orquestras sinfônicas no país dependa de subsídios públicos em algum sentido -- e se é assim, então estamos diante de um investimento público que certamente agradará os conservadores.

3) Logo, creio que a defesa de investimentos públicos em arte seja razoável. E creio que podemos dizer com relativa tranquilidade que deve se pautar pela diversidade, afinal de contas qualquer um que conheça um mínimo de arte sabe que a arte é quase que por definição extremamente plural. Não estou pedindo pra que você considere como arte um tubarão num tanque de formol ou então performances onde uma fila indiana de mulheres mija nas calças. Considere apenas os versos livres de Walt Whitman e os sonetos de Heredia, ou então a poesia metafísica de um Rilke e a poesia erótica de um Aretino. É fácil concluir que a arte é diversa, isso mesmo excluindo o avant-garde ou a arte conceitual da jogada.

4) Logo, considerando que investir em arte deve ser não apenas investir em artistas determinados mas fomentar o meio cultural de um modo mais amplo, permitindo que por exemplo pessoas comuns produzam arte e possam compreendê-la, tenho que o investimento em arte deve se pautar também pela pluralidade, uma vez que seria empobrecedor investir só numa parcela. Mesmo um bom conservador sabe que quando tratamos de alta cultura ou de uma arte engrandecedora nós não falamos de estátuas marmóreas de anjos rechonchudos. Podemos falar, por exemplo, de obras que escancarem a degradação da condição humana.

5) Só que a partir daqui, é claro, começamos a pisar em terrenos áridos. Existem manifestações localizadas em zonas extremamente cinzentas do que seria arte -- e elas datam de pelo menos meio século atrás. Qualquer um consegue citar uma obra de arte wtf que já deve ter visto em algum vídeo zanzando pela internet. Devemos investir em obras de arte assim -- ou seja, obras que se localizam de maneira consciente em zonas fronteiriças de um conceito de arte?

6) Do mesmo modo, a polêmica levantou uma questão que, como dito, realmente me parece interessante: defender o investimento público em arte parece funcionar quando eu cogito coisas como as orquestras sinfônicas. Mas e quando eu trato de obras que incorporam para si críticas sociais ferrenhas? Não é essa, aliás, uma defesa comumente feita do valor da arte por setores de esquerda -- ou seja, de que a arte nos faz pensar, de que a arte é crítica? (Eu particularmente discordo mas enfim.) Sei que nesse caso a coisa parece ficar fácil de ser respondida pois nós podemos ridicularizar essas obras pretensamente críticas quando descobrimos que seu autor é um militante aleatório que tira meleca do nariz. Mas e quando a obra de arte é, sei lá, L'Origine du Monde do Courbet? Os contribuintes vão gostar de saber que o Estado está gastando uma fortuna investindo num quadro que retrata uma vagina gigantesca?

7) Contra-resposta óbvia: posso dizer que se trata de uma obra importantíssima para a história da arte. Ao que eu indagaria: então se uma obra possuir uma importância para a história da arte, por mais polêmica e estarrecedora que ela seja, justifica os investimentos públicos recebidos? Porque se for assim, podemos investir em obras polêmicas e estarrecedoras que sejam clássicas mas não podemos investir nas que sejam contemporâneas, uma vez que a sedimentação de um valor artístico é por definição um processo histórico que requer um debate crítico que às vezes dura décadas... Eu até poderia investir em obras contemporâneas que tenham recebido muitos prêmios e o aval de grandes críticos, mas ainda assim a sedimentação não seria tão consolidada pois não passaria por exemplo pelo teste do tempo, que comumente é citado como uma maneira sólida de mensurar a relevância artística de uma obra.

8) Enfim. Não sei se ficou claro, mas desta exposição eu termino por chegar a conclusões próximas do argumento liberal, de que o investimento público em arte não parece ser uma boa ideia, ou então termino por chegar a uma concepção de investimentos públicos em arte que se pautem a partir numa defesa e numa busca as mais amplas possíveis pela diversidade. Afinal de contas:

8.1) se a obra questiona os limites da arte, não faz sentido que ela se apoie numa instância de legitimação artística tão consolidada como seria o caso da instância estatal;
8.2) o investimento público, se diante de obras polêmicas e estarrecedoras, obviamente choca seu público contribuinte e o deixa incomodado, de modo que ou eu me arvoro numa reputação artística que a obra possua, o que só é solidamente possível para obras clássicas, ou então eu elejo uma obra sem toda essa reputação crítica e ainda assim invisto nela, o que é uma maneira me parece claramente autoritária de proceder.[/SIZE]
 
Claro! Porque gente na rua protestando - em torno de pautas progressistas, diga-se - é péssimo pra democracia...
Tudo começou com os protestos em torno do aumento de tarifa dos ônibus. Criticava-se os cartéis, reivindicava-se o direito ao acesso à cidade.
Até então quem estavam nas ruas eram os mesmos de sempre. A militância dos partidos de esquerda e alguns movimentos sociais. O MPL surge a partir dessas bases.
O movimento ganhou enorme proporção e se alastrou como reação à operação de guerra que a polícia militar de São Paulo lançou contra os manifestantes no dia 12 de junho, tamanha a brutalidade. De uma hora pra outra, passou-se de algumas centenas de manifestantes às centenas de milhares e, um fato novo, mesmo cidades de pequeno porte aderiram aos protestos.
Em diversas partes, conseguiu-se revogar os aumentos de tarifa e outras agendas foram ganhando centralidade - notadamente a questão dos Mega Eventos, a Copa das Confederações que então ocorria e a Copa do Mundo e as Olimpíadas que estavam por vir. Denunciou-se os processos arbitrários de desocupação de dezenas de milhares de famílias, à mercê da especulação imobiliária e de governos a ela associados; e os comitês populares da Copa ganharam alguma visibilidade. Em meio a isso, criticava-se também a construção dos "elefantes brancos", as mortes de trabalhadores nas obras voltadas para o evento, entre outras coisas.
Outras questões com bastante apelo, como a corrupção e outras mais, também deram o tom dos protestos.
A questão é que, com a massificação havida, as pautas se tornaram difusas. Naturalmente, tinha muito de entusiasmo, de calor do momento, de despolitização, de um sentimento não elaborado de "somos contra tudo isso que está aí". E é claro que você tem a adesão de gente que nunca tinha pisado num protesto e de setores conservadores da população - e falo aqui desse conservadorismo difuso no âmbito dos costumes do qual participa, inclusive, a classe trabalhadora.
É claro que 2013 falhou em evoluir para um sentido mais orgânico e propositivo, sendo uma experiência que se esgotou em si mesma. Mas daí a negar o valor dessa experiência, na qual as bandeiras que prevaleceram eram marcadamente progressistas, me parece a típica arrogância intelectual de certa esquerda que quer negar às massas o papel de agentes de sua própria emancipação. De qualquer forma, os movimentos de 2013 começaram a entrar em colapso depois da morte do cinegrafista Santiago, o que acabou afastando as pessoas da rua... você deve se lembrar.
Certo petismo, de maneira geral, lida muito mal com as manifestações que eles não controlam. Os sindicados pelegos e os movimentos sociais encabrestados, de maneira geral, mantiveram-se afastados ou assumiram uma posição dúbia naquele processo. Teve blogueiro ligado ao PT celebrando a repressão da tropa de choque - o mesmo blogueiro, aliás, que admitiu ter manipulado imagens pra pintar um black block como neonazista e hoje diz que junho de 2013 pariu o MBL e a "onda conservadora"; teve nego dizendo que aquilo era o ovo da serpente do fascismo, que se estava desgastando o governo Dilma, fazendo o jogo da direita e toda aquela cantilena que já então era velha. A derrota da esquerda não foi gestada nas ruas, em 2013. Haja teleologismo...
Você acha que o Brasil está melhor do que estava antes de 2013? No geral, excluindo-se questões pontuais, está melhor?
 
Eu não afirmei nada. Só fiz uma pergunta direta.

Então eu só posso crer que você é mesmo muito sonso.
Você quota um comentário com uma crítica minha ao que você afirmou, não comenta uma vírgula do que foi dito e vem com uma pergunta sem pé nem cabeça, que eu tenho certeza que você sabe a resposta. Leia de novo o comentário. O que está dito ali é que é muita miopia atribuir a derrota da esquerda* a junho de 2013, como se a culpa do país estar na merda fosse da galera que tava lá tomando borrachada da PM e respirando gás lacrimogêneo, manifestando-se contra os aumentos das passagens de ônibus, contra os Mega Eventos e a todos os problemas a eles associados, entre muitas outras coisas. Disse mais que é muita arrogância pretender negar às massas o papel de agentes de sua própria emancipação. Cultura política de rua se constrói com gente na rua, ao contrário do que você parece acreditar, e isso significa, inclusive, buscar incorporar esses setores que nunca pisaram num protesto e que, não raro, participam em alguma medida desse conservadorismo difuso no âmbito dos costumes. Se nós, da esquerda, não conseguimos dialogar com esses setores, disputando a construção de novos consensos, não temos razão de existir.

*Falo em derrota da esquerda não por considerar o governo impeachmado como um governo de esquerda, mas por entender que o lulismo rifou um patrimônio que pertence ao conjunto das esquerdas nacionais, sem pretender, de fato, avançar uma série de questões a ele vinculadas.
Essa conjuntura de avanço do capital sobre o trabalho começou, aliás, antes de Temer presidente. Mas há quem ache feio o que é espelho.
Enfim, já me alonguei muito com quem não parece disposto ao debate honesto.
______________________________

Pra não ficar apenas no off-topic, sobre a crítica à censura, aqui tomada em sentido amplo...
Venho apontando há algum tempo que essa esquerda multiculturalista, que tem no politicamente correto um dos seus programas fundamentais, vem fazendo o mesmo que muitos desses grupelhos conservadores de que aqui tratamos em uma série de circunstâncias. Exemplifico:
No Brasil, intentou-se banir Monteiro Lobato das nossas escolas, sob o argumento do racismo. Na Itália, da mesma maneira, pretendeu-se banir A Divina Comédia dos currículos, uma obra do século XIV (!!!), porque ela seria racista, homofóbica, islamofóbica. Nos Estados Unidos, os alvos foram livros de Harper Lee e Mark Twain. Por aqui, houve quem tenha tentado banir marchinhas de carnaval, há pouco tornadas patrimônio imaterial no Rio de Janeiro. O que dizer da polêmica a respeito de um cartaz de um filme dos X-Men, que trazia Apocalipse estrangulando Mística e que foi apontado como machismo? O marxista esloveno Slavoj Zizek conta que, na Austrália, tentou-se banir a Opera Carmen, porque uma de suas cenas se passa em frente uma fábrica de cigarros - o que foi apontado como apologia ao fumo. Houve quem quase tenha chegado a dizer que os cartunistas do Charlie Hebdo mereceram aquele fim por conta do conteúdo do seu trabalho.
Exemplos desse patrulhamento, que se quer "progressista", não faltam no que diz respeito à literatura, à música, ao cinema - enfim, às artes em geral. Particularmente, não tenho muita clareza sobre essa discussão sobre quais seriam - se é que existem - os limites à liberdade de expressão. Mas a questão é: se você pretende retirar da arte tudo aquilo com o potencial de causar incômodo, tudo aquilo com o potencial de causar desconforto ou mesmo tudo aquilo que possa ofender, uma boa pergunta a se fazer é "o que é que vai sobrar?".
Numa perspectiva marxista, Benjamin já dizia que todo monumento de cultura é um monumento de barbárie, mas acho que ele não pretendia sair por aí tacando fogo em obras de arte. Fiando-me na leitura que dele faz o Löwy, entendo que não é isso que ele tem em mente quando diz que se deve escovar a História à contrapelo.
 
Isso foi uma pergunta retórica bizarra, @Morfindel Werwulf Rúnarmo.
Não foi uma pergunta retórica, apesar do que o Mercúcio acha não estou sendo sonso. Só quis fazer uma pergunta direta. E vale pra todo mundo que aprova seriamente aquelas manifestações. No geral, elas trouxeram alguma vantagem a democracia?

Para mim permitir que agentes que perpetuem discursos de ódio não é trazer pluralismo a discussão. Apesar do que liberais acham, liberdade de expressão não é permitir que qualquer discurso idiota que prega eliminação física de algum grupo seja feito.

Mas concedo a arte essa liberdade de expressão, mas embora ainda não tenha chegado num consenso do que seria de fato liberdade de expressão dentro da arte.

Vou fazer um tipo de digressão aqui.

Digamos que um artista fizesse uma escultura, pintura, desenho, xilogravura etc, uma arte visual com alguém, poderia ser um homem, um branco etc violentando de alguma forma uma mulher, um negro, um gay, uma trans etc seria discurso de ódio ou liberdade de expressão artística? A resposta, para mim, seria: depende. Depende da posição política do artista. Um artista liberal, liberal no sentido que se atribui nos EUA, provavelmente estaria criticando a violência que esses grupos sociais sofrem por causa do agente da violência retratado, se fosse um conservador extremista, muito provavelmente seria o oposto, provavelmente uma defesa dessa violência. Então, onde se traça a linha divisória?
 
Última edição:
Não foi uma pergunta retórica, apesar do que o Mercúcio acha não estou sendo sonso. Só quis fazer uma pergunta direta. E vale pra todo mundo que aprova seriamente aquelas manifestações. No geral, elas trouxeram alguma vantagem a democracia?

É sonso sim!
Em primeiro lugar, você fala em "vantagem a democracia" como se essa noção fosse autoexplicativa. Sinto informar: não é! Quer usar essa defesa etérea da "democracia" pra pintar as manifestações de junho de 2013 como a caixa de Pandora, dizendo sem dizer que teria sido melhor para a "democracia" se as pessoas tivessem ficado caladinhas em suas casas, que não protestassem contra os aumentos das passagens, que não reagissem à violência policial, que não protestassem contra os Mega Eventos e contra o tratoramento dos direitos mais elementares de famílias pobres no processo, entre outras coisas. Seria, de fato, ótimo pra "democracia" - esse acordo inter-oligárquico teatralizado sob esse verniz formalista.
Aliás, se tem uma coisa para a qual 2013 serviu, foi pra escancarar essa farsa "democrática". Você leu os relatórios produzidos por diversas entidades, nacionais e internacionais, sobre a violência policial nos protestos de 2013? Leu sobre as inúmeras violações às ditas liberdades democráticas? Suponho que "vantagens democráticas" sejam o "Estado Futebolístico de Exceção" que aqui se estabeleceu, batizado de Lei Geral da Copa, que deu base para a repressão a que assistimos em 2014 e que, ainda em 2016, era usada pelo governo Temer como fundamento para reprimir manifestações contrárias ao seu governo por ocasião dos Jogos Olímpicos. Daria pra fazer um inventário de "vantagens democráticas" dessa natureza, cuja responsabilidade não pode ser atribuída a quem estava nas ruas, protestando, em junho de 2013. Mas, repito, você não está interessado em debater. Fica aí reproduzindo subterfúgios...
Não deixei de apontar limites e contradições aqui; não deixei de considerar que aqueles movimentos não evoluíram para um sentido mais orgânico; mas não desprezo a experiência política. Valorizo-a e acho que temos a aprender com ela.
Em qualquer caso, derivar o avanço conjuntural de grupos conservadores daquele contexto de enfrentamentos que havia em 2013 é miopia típica de certas leituras politicamente comprometidas.

Sobre o seu exemplo no que diz respeito à questão da liberdade de expressão, queria que você desse um exemplo recente de gente que tenha pregado, por meio da arte, a "eliminação física de algum grupo". Não me lembro de ter visto nenhum caso assim - em um tal caso, eu fecharia contigo.
De qualquer forma, precisa de muito menos que isso para que certos grupos pretensamente progressistas - de forma análoga aos grupelhos conservadores de que aqui tratamos - organizem as suas cruzadas purificadoras, clamando por censura.
 
Um artista liberal, liberal no sentido que se atribui nos EUA, provavelmente estaria criticando a violência que esses grupos sociais sofrem por causa do agente da violência retratado, se fosse um conservador extremista, muito provavelmente seria o oposto, provavelmente uma defesa dessa violência. Então, onde se traça a linha divisória?

Claro, porque só um lado do espectro político é que é dono da virtude e está interessado no bem das pessoas. O "outro lado" é que é violento e malvado.

É esse tipo de tentativa de monopolizar a virtude que faz com que tantos discursos políticos sejam tão boçais. E que abre espaços para extremismos: se o outro lado é a encarnação do mal, então o meu lado está autorizado a fazer qualquer coisa para combater o mal.
 
Pois é... A legislação penal é clara: o delito precisa de dolo específico. Saber qual é a postura ideológica pessoal do artista não basta. Ele tem que fazer apologia a crime e assumir, de forma inequívoca, esse propósito. O que, como o Mercúcio disse, é algo muito raro, muito mais do que a esquerda, na sua ânsia de enxergar preconceito em tudo, tende a acreditar.

Ora: não é pq um artista é racista que sua obra por conseguinte será racista ou que uma obra que retrate o racismo, criada por ele, será necessariamente racista. O mesmo cuidado de entendermos que a obra de arte retratar uma coisa não é a coisa e nem apologia da coisa continua sendo aplicável mesmo quando nosso agente é alguém com opiniões que nos pareçam odiosas.

Agora é claro que podemos imaginar uma situação onde um artista realmente tenha pretendido fazer uma apologia ao crime numa obra mas, sabendo que o tipo penal exige dolo específico, diga em público que quis apenas fazer arte. Ele usaria, portanto, a arte como esconderijo. Um exemplo: um cantor de funk proibidão. O que devemos fazerem casos assim?

Minha opinião é de que não possuímos ferramentas jurídicas aptas: logo, pelo menos juridicamente, não podemos fazer nada. O problema de quem estabelece limites entre liberdade de expressão e o tal discurso de ódio é que os exemplos dados costumam ocorrer em situações muito específicas, o tipo de coisa que costuma ser explicada por uma patologia congênita ou coisa do gênero -- além de outros problemas, por exemplo o de supor que obras de arte possuem um poder persuasivo capaz de fazer mal à moral de seu leitor, postura essa a meu ver um tanto criticável. Na maior parte dos casos concretos o que temos são situações onde estabelecer essa divisória é muito pouco, haja vista que nós não discutimos por exemplo quem fará esse reconhecimento entre liberdade de expressão e discurso de ódio ou, ainda, como essa pessoa o fará sem que crie precedentes que a curto ou médio prazo afetem a própria liberdade de expressão.

A ideia é simples: o João Cabral, numa passagem do Psicologia da composição, sugere que a arte da composição poética é como se manejássemos o fio de uma aranha com mãos enormes que com um mínimo gesto o destruiriam. Penso que com o Direito é a mesma coisa: existem matérias que o Direito não tem como manejar sem que corramos o sério risco de que o fio se rompa. Quando começamos a estabelecer limites para a liberdade de expressão pautados em exemplos extremistas e teorias volúveis demais (como é o caso de teorias pós-modernas), nós nos esquecemos que aquilo passará pelas mãos enormes de juristas que podem romper o fio com facilidade ou, o que boa parte da militância social simplesmente se esquece, que a partir dos mesmos precedentes juízes podem fundamentar decisões opostas.

Não foi isso, afinal, o que houve com o Queermuseu?: o mesmo estilo de leitura simplista e canhestra que a militância social vinha fazendo já há um bom tempo caiu nas mãos da direita emebelística e deu nisso. Boicote rasteiro e moralista.
 
Mas aí o pessoal também sacaneia, né? Santa tartaruga, como é o que dão uma bola fora dessas? Nesse caso não dá pra defender. No Queermuseu você até conseguia levantar uma discussão sobre a natureza da representação em obras de arte, mas aqui o caso é totalmente diverso. Concordo que não chega a ser a princípio pedofilia, mas que as chances desse camarada levar um enquadro bem dado são altas.

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Interação de criança com artista nu em museu de SP gera polêmica
https://g1.globo.com/sao-paulo/noti...artista-nu-em-museu-de-sp-gera-polemica.ghtml

A performance de um artista nu no Museu de Arte Moderna (MAM), no Ibirapuera, Zona Sul de São Paulo, gerou polêmica nas redes sociais. Um vídeo que viralizou no Facebook mostra quando uma criança de aproximadamente quatro anos toca no pé do homem. O Movimento Brasil Livre (MBL) e outros movimentos de direita falam em crime; desembargador vê "histeria".

A apresentação do artista Wagner Schwartz ocorreu somente na terça-feira (26), na estreia do 35º Panorama de arte Brasileira, tradicional exposição bienal que aborda a arte no país e propõe reflexão sobre a identidade brasileira. Segundo o MAM, o evento era aberto a visitantes que estivessem no local. O museu também informou que havia sinalização sobre a nudez na sala onde a performance ocorria.

A performance chamada “La Bête” foi inspirada em um trabalho de Lygia Clark. “Bichos” é considerada a obra viva da artista, pois sua intenção era de que a arte ultrapassasse os limites da superfície de um quadro. A série de esculturas com dobradiças permite que o espectador se torne figura atuante na obra, e foram construídas com formas geométricas para que não se parecessem animais, mas que permitissem uma visão livre do que a peça representava.

Em “La Bête”, o premiado artista Schwartz, que trabalha há quase 20 anos com coreografia, manipula uma réplica de plástico de uma das esculturas da série e se coloca nu, vulnerável e entregue à performance artística, convidando o público a fazer o mesmo com ele.

De acordo com o MAM, o público presente na performance era formado essencialmente por artistas e, uma das pessoas que prestigiou a apresentação foi a performer e coreógrafa Elisabeth Finger acompanhada da filha. O vídeo que viralizou nas redes sociais mostra o momento em que Schwartz está deitado, e mãe e filha, tocam seus pés.
 
Novamente, a arte servindo de esconderijo para questões sexuais pessoais não resolvidas de ativistas. Do jeito que andam abusando da área cinzenta da arte não vejo alternativa que num futuro próximo suba alguém linha dura, mesmo que ignorante.
 
Não eleva quase nada. O cara me vem, em pleno século XXI, dizer que o critério distintivo para reconhecimento de obras artísticas é a mímesis? É sério? Estabelecer um critério qualitativo para discriminar o que é arte também não avança nada na discussão -- um conceito de arte deve abarcar a arte ruim, caso contrário é um conceito ruim.

A única contribuição desses textos do Morgenstern é o neologismo derridadaístas, que ficou realmente engraçado e passarei a adotar.
 
Não eleva quase nada. O cara me vem, em pleno século XXI, dizer que o critério distintivo para reconhecimento de obras artísticas é a mímesis? É sério? Estabelecer um critério qualitativo para discriminar o que é arte também não avança nada na discussão -- um conceito de arte deve abarcar a arte ruim, caso contrário é um conceito ruim.

A única contribuição desses textos do Morgenstern é o neologismo derridadaístas, que ficou realmente engraçado e passarei a adotar.
Você não leu o texto. O autor tanto abarca a arte considerado boa como a ruim. O que não abarca, segundo o autor, é aquilo que não é arte.
 
Yep, li sim. E eu não acho que ele faça essa distinção, especialmente considerando um parágrafo como:

A própria forma e a qualidade da arte, portanto, definem o que é arte a ser defendida como arte e o que é pura vontade de aparecer de alguém que só pode ser chamado de charlatão, estelionatário, louco, tarado ou psicopata. A arte, afinal, possui regras. É a diferença entre a sangrenta flegelação de Cristo por Peter Paul Rubens e uma propaganda de absorvente, entre O Caso dos Dez Negrinhos e uma apologia do assassinato pelo PCC.

Se a qualidade da arte distingue o que é arte a ser defendida como tal de charlatanismo, não vejo como chegar a outra conclusão que não a de que ele estabelece um critério qualitativo pra dizer o que é arte ou não. O raciocínio exposto por ele no primeiro texto (que me parece ser o mais completo dos dois) pode até ser exposto da seguinte forma:

1. Arte é mímesis.
2. As obras polêmicas [do caso Queermuseu etc etc] não representam nada.
1+2 = Logo, as obras polêmicas não são arte.
3. As obras polêmicas são apenas uma troca de local, saindo de uma situação de abuso [pedofilia] para uma situação de exposição supostamente artística.
[1+2] + 3 = Logo, como não representam nada e nem são arte, e como são apenas troca de local, então são apologia* de algo.

*: no sentido de: "A nova forma de apologia trata-se apenas de uma tentativa de normalização do anormal trocando-se o local onde algo é feito".

Acho que há muita coisa a ser atacada aí, por exemplo isso de que as obras polêmicas não representam nada ou o fato de que, ainda que não representassem, podem ser tidas como apologia de uma coisa.
 
Mas aí o pessoal também sacaneia, né? Santa tartaruga, como é o que dão uma bola fora dessas? Nesse caso não dá pra defender. No Queermuseu você até conseguia levantar uma discussão sobre a natureza da representação em obras de arte, mas aqui o caso é totalmente diverso. Concordo que não chega a ser a princípio pedofilia, mas que as chances desse camarada levar um enquadro bem dado são altas.

Então, não tenho ainda opinião fechada sobre esse caso, mas tenho dúvidas se é esse escândalo todo.
Tendo a concordar que não seja adequado, mas acho que vale pontuar algumas questões.

1) Não vejo fundamento na acusação que diz que o museu está defendendo/propagando/whatever pedofilia.
2) O museu havia sinalizado que a performance envolveria nudez.
3) O museu explica, ademais, que a performance não tinha conteúdo erótico.
4) A criança no vídeo está sob supervisão direta da mãe.
5) É um nu vivo, sem conteúdo erótico. Pergunta honesta: é algo assim tão escandaloso? Nós crescemos expostos a Carla Perez (Cinderela Baiana, lembra daquilo?), Globeleza dançando nua entre um desenho animado e outro, nudez e sexo em horário nobre na televisão. (Não que seja adequado... mas, enfim, eram os anos 1990.)
6) A mãe modernosa pode considerar que a mistificação, o tabu em relação ao corpo seja algo negativo para a educação da sua filha, tomando a sua educação quanto a isso em espaços seguros (como um museu).
7) Sim, a criança tem 4 anos. Foi ou não adequado?
8) Se assumimos que essa exposição seja inadequada, me parece que é da mãe mais que do museu a responsabilidade.
9) Não levaria uma criança a uma exposição como essa - até porque eu não iria a uma exposição como essa (do alto da minha ignorância, sempre achei um saco muito dessa arte apresentada como "vanguardosa") - mas acho que há espaço pra discussão aí.
10) Independente dessas questões, não deixa de ser curioso ver uma galera conservadora, que sempre quis tacar fogo no Estatuto da Criança e do Adolescente, apontado como fomentador da impunidade, agora fundarem a sua argumentação nesse mesmo documento.
 
Segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) foi crime tanto por parte dos responsáveis pela criança, quanto pelo artista e o museu.
Se um pai acha normal matar papagaio ele não pode ensinar uma criança de 5 anos a matar.
O mesmo vale para essa pedofilia acima.
 
se o que foi filmado for de fato pedofilia tem que enquadrar o sujeito que filmou e pôs no facebook e cada um que compartilhou video e foto também, pois:

"“Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: "

:dente:

mas assim, não era pedofilia. essa é uma não-discussão e eu realmente não entendo esse ponto em que chegamos, mas me assusta. não é sobre "entender de arte", é até mais básico do que isso - entender o que é pedofilia. é mais um daqueles casos em que não consigo distinguir se estamos lidando com ignorância ou malícia. é cortina de fumaça para nos afastar das discussões que realmente importam? sinceramente não sei. mas ver esse tipo de coisa virando assunto na esfera pública me parece bem preocupante. no mais, faço minhas as palavras do @Mercúcio

ps: tem um artigo no escola sem partido que fala sobre o "direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções." - e agora geral que apoia o escola sem partido tá criticando a mãe? ué?
 

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