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Youtuber jovem, linguagem velha

Mavericco

I am fire and air.
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Youtuber jovem, ideia velha: dançar na norma culta não indica burrice
SÉRGIO RODRIGUES, Folha de São Paulo
http://www1.folha.uol.com.br/coluna...ancar-na-norma-culta-nao-indica-burrice.shtml

O vídeo é daqueles de produção caseira típicos do YouTube: câmera fixa, cenário tosquinho com jeito de ter sido improvisado no quarto, cortes secos soluçantes. Estrela solitária do espetáculo, a jovem loura no centro do quadro está muito nervosa, histérica mesmo.

Marcela Tavares –esse é o nome da moça– gesticula, bufa, soca o cenário e se dirige ao espectador com um espectro vocal que vai do grito ao berro, passando pelo guincho. Às vezes cola o nariz na lente para garantir que o insulto não erre o alvo: "Não se diz 'amostrar', imbecil! Se diz 'mostrar'!"

Estamos falando de uma das maiores revelações entre os youtubers brasileiros. A série "Não seja burro", que chegou ao sexto episódio semana passada, surgiu em janeiro de 2016 com um vídeo que tem hoje mais de 1,1 milhão de visualizações. O segundo já supera as 700 mil. Os números continuam crescendo.

Marcela não é professora de português. Em sua página no Facebook, com mais de 3,8 milhões de curtidas, apresenta-se como atriz e comediante. A intenção de usar a galhofa para suavizar a agressividade do tom fica clara nos gestos exageradamente apopléticos e num adereço inusitado: duas laranjas bem visíveis sob a blusa, sobre os seios miúdos.

Não consegui rir. Nem um sorriso amarelo como aquelas laranjas foi possível fabricar. Na verdade, fui ficando cada vez mais triste enquanto a mulher castigava as próprias cordas vocais e os tímpanos do espectador com imperativos e ameaças:

"Para de falar 'resistro'. É regis-trô! Re-GI-GI!"

"Se você falar 'menas' perto de mim, acabou a tua vida!"

"Noz com 'z' é aquela frutinha maravilhosa que vem da nogueira!"

Se biologia é um ponto fraco da casa (noz não é fruta), a língua portuguesa não fica muito atrás. As "aulas" histriônicas de Marcela nada explicam, nada contextualizam. Não oferecem nem mesmo truquinhos de memorização. Tudo é monocórdio: é assim porque é assim, basta martelar a forma correta para que os inteligentes a decorem, e quem não decorar é burro. "Não seja burro!"

Os erros corrigidos com tanta grosseria são quase todos superficiais, de grafia ou pronúncia, típicos de falantes de baixa escolaridade. Questões mais cascudas não entram.

Doutores também erram à beça, dizem que alguém "possui uma dúvida" e tiram de trás da orelha um verbo tão pedante quanto inexistente para escrever "no que cerne". Mas para tratar disso seria preciso se garantir mais. Melhor esculachar os "burros".

Ridicularizar quem comete desvios normativos tão rasteiros e óbvios apresenta vantagens num país em que os analfabetos funcionais são maioria. Quando tudo é raso, multidões entendem, concordam com você, sentem-se confortadas: "Ah, como tem gente burra no mundo! Eu não sou burro!"

Acontece que ridicularizar quem comete desvios tão óbvios representa também uma covardia imensa num país em que os analfabetos funcionais são maioria. Eis o motivo da minha tristeza com os vídeos da moça das laranjas. O meio é moderno, a mensagem não podia ser mais bolorenta.

Até quando vamos dar corda para a ideia de que o precário domínio da norma culta ao qual nossa educação calamitosa condena a maior parte dos brasileiros é sintoma de "burrice"? Quem será o burro, afinal?
 
Nossa! Essa síndrome de corretor ortográfico elitista é de dar pena mesmo. E normalmente vem justamente de quem não tem formação em Letras ou linguística.

Li recentemente o livro Preconceito linguístico do Marcos Bagno e nele ele trata disso. Eu recomendo pra quem é da área da educação.
 
Nossa! Essa síndrome de corretor ortográfico elitista é de dar pena mesmo. E normalmente vem justamente de quem não tem formação em Letras ou linguística.

Li recentemente o livro Preconceito linguístico do Marcos Bagno e nele ele trata disso. Eu recomendo pra quem é da área da educação.

Quando comecei a faculdade de comunicação esse foi o primeiro livro que tivemos que ler; mudou muito meus pensamentos. Super recomendado.


Quanto a esses youtubers eu nem levo a sério... Pelo contrário, dá uma raiva de ver esse povo vender milhares de livros sobre "tpm" enquanto outros fantásticos são deixados de lado.
 
Estou ingressando agora no curso de Letras (Tolkien despertou minha paixão pela área) e, particularmente, acho esse tipo de pensamento ridículo e absurdo, embora não seja possível culpar a youtuber individualmente. Infelizmente, o que ela fez é reflexo da ideia arraigada de que existe um "jeito certo" e um "jeito errado", que leva muitos estudantes a se enxergarem como "burros" e pensarem que "não sabem o português" (sua própria língua materna!), como se uma língua se limitasse à gramática física (geralmente compilada com inflexibilidade). O pior de tudo é que esse pensamento prejudica mais ainda porque os alunos enxergam os padrões prestigiados como coisa de outro mundo, que eles são incapazes de aprender, causando um distanciamento entre eles.

Não sei como exatamente esse ideário seria derrubado, mas me alegra o fato de saber que hoje há mais professores e futuros professores (como eu) que têm consciência disso e vão trabalhar para reparar os estragos.
 
Quando comecei a faculdade de comunicação esse foi o primeiro livro que tivemos que ler; mudou muito meus pensamentos. Super recomendado.

Que legal! Bom saber que ele é um livro usado na academia.

Estou ingressando agora no curso de Letras (Tolkien despertou minha paixão pela área) e, particularmente, acho esse tipo de pensamento ridículo e absurdo, embora não seja possível culpar a youtuber individualmente. Infelizmente, o que ela fez é reflexo da ideia arraigada de que existe um "jeito certo" e um "jeito errado", que leva muitos estudantes a se enxergarem como "burros" e pensarem que "não sabem o português" (sua própria língua materna!), como se uma língua se limitasse à gramática física (geralmente compilada com inflexibilidade). O pior de tudo é que esse pensamento prejudica mais ainda porque os alunos enxergam os padrões prestigiados como coisa de outro mundo, que eles são incapazes de aprender, causando um distanciamento entre eles.

Não sei como exatamente esse ideário seria derrubado, mas me alegra o fato de saber que hoje há mais professores e futuros professores (como eu) que têm consciência disso e vão trabalhar para reparar os estragos.
Sim, a youtuber é vítima da mesma síndrome, ela não a criou. No ensino médio, lá nos idos de 2002 o professor de língua portuguesa nos vacinou justamente sobre isso. Que não há erro de português por falantes nativos. Qualquer criança de 4 anos fala bem o idioma. Um alerta que o Marcos dá é que a língua não é a gramática assim como uma receita de bolo não é o bolo.
 

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