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Eriadan

Well-Known Member
A PEC 241, prestes a ser aprovada, fixa nos valores atuais as despesas do Estado para os próximos 20 anos, que só serão reajustadas pela inflação.

Quero suplicar que deixem de lado suas paixões políticas para discutir exclusivamente a ideia. Ninguém aqui é publicitário do governo nem militante da oposição, todos querem que o Brasil se desenvolva, então em vez de discutir para vencer vamos aprender e formular uma opinião mais embasada.

Vai ser importante a participação de economistas aqui, @Fëanor, @Grimnir... (algum que seja contrário?).

Gostaria que me explicassem, primeiro, qual é a teoria, e se ela já foi aplicada alguma vez com sucesso em algum país. Os investimentos de base respondem por uma pequena parcela do total de despesas, como congelá-los será tão eficaz? Políticas anticíclicas não são mais eficazes em cenários de crise? E por que ninguém mexe nos juros, que são o verdadeiro gargalo?

Até entender melhor o raciocínio econômico, eu tenho evitado formar opinião. Mas de todo modo já tenho me posicionado contrário porque o Brasil tem diversos gastos que poderiam ser cortados (auxílios-moradia, pensão a filha de militar, verbas de gabinete, publicidade) antes de pensarmos em congelar o investimento social.
 
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Vai ser importante a participação de economistas aqui, @Fëanor, @Grimnir... (algum que seja contrário?).

O que eu já debati esse assunto no facebook não tá no gibi :lol:
Mas vou tentar deixar minhas considerações aqui.

A PEC 241, prestes a ser aprovada, fixa nos valores atuais as despesas do Estado para os próximos 20 anos, que só serão reajustadas pela inflação.

Antes de mais nada, vamos deixar claro que o critério de reajuste pela inflação poderá ser revisto após 10 anos. E eu digo que não apenas pode, como realmente será revisto. Então não faz sentido insistir tanto nos 20 anos, quando na prática a coisa vale por 10 anos.

Gostaria que me explicassem, primeiro, qual é a teoria, e se ela já foi aplicada alguma vez com sucesso em algum país. Os investimentos de base respondem por uma pequena parcela do total de despesas, como congelá-los será tão eficaz? Políticas anticíclicas não são mais eficazes em cenários de crise? E por que ninguém mexe nos juros, que são o verdadeiro gargalo?

Tetos para gastos públicos existem em diversos países, por uma constatação empírica: esses gastos tendem a ser rígidos para baixo, mas não para cima. As receitas que os financiam, por outro lado, têm muito mais rigidez para cima, uma vez que dependem do ciclo econômico e que não é possível aumentar tributação indiscriminadamente (Curva de Laffer). Então, em momentos em que a economia caminha bem, os problemas não tendem a aparecer, pois as receitas aumentam acompanhando os gastos. Isso ocorreu no Brasil ao longo dos anos 2000, somado ao fato de que houve espaço para aumento de tributação. Mas quando a economia começa a ir mal, os problemas passam a ser evidentes. Mas não é só isso, logo dou mais detalhes. Vamos voltar às aplicações.

É verdade que não parece haver registro internacional de uma limitação atrelada unicamente à inflação, como está sendo proposto. Um levantamento feito por três especialistas em contas públicas aponta que 14 países aplicaram limitações do gasto real, e outros 40 aplicaram outros tipos de limite. Sobre sua eficácia: "Cerca de dois terços daqueles países que limitam a variação do gasto real, também aplicam teto para a dívida pública. [...] A prática de combinar as duas regras é comum entre economias emergentes. Estudos já concluíram que isso melhora a efetividade de controles voltados à sustentabilidade das contas públicas no curto e no longo prazo."

Mas também é verdade que comparações desse tipo são sempre perigosas. Cada país enfrenta uma realidade fiscal diferente, com dinâmicas próprias para os gastos. Além disso, nosso momento de crise é bastante específico, bem como a nossa estrutura econômica de modo geral. Esses fatores condicionam, em maior ou menor grau, as tentativas de controlar a dinâmica das despesas, de modo que precisamos de mecanismos adequados à nossa realidade. Nesse sentido, eu concordo que a PEC 241 sozinha não é efetiva. Ela deve vir acompanhada de uma série de reformas que são condições necessárias para a melhoria sustentada das contas públicas. Sem contar que há espaço para aprimoramentos dentro da própria PEC. Mas antes vou comentar brevemente sobre a nossa situação fiscal, pra dar uma panorama geral das nossas dificuldades.

O ponto inicial é a Constituição de 88. Ela estabelece diversos direitos sociais, sem se preocupar com a sustentabilidade de sua dinâmica, isto é, sem deixar claro os mecanismos de contrapartida para a consecução das políticas sociais. Ao mesmo tempo, ela carrega um viés protecionista/nacionalista herdade do período militar, que tem como consequência a baixa competitividade e a baixa produtividade da nossa economia - algo que no longo prazo compromente nossa capacidade de continuar financiando as políticas de bem-estar definidas. Em outros termos, temos o problema de um país que resolveu perseguir um modelo de bem-estar social avançado, sem ter atingido as condições para financiá-lo. Essa demanda por bem-estar é justificada: com alta e histórica incidência de desigualdade e pobreza, nada mais natural que a população demandar serviços sociais que aliviem essa situação. Infelizmente, isso é terreno oportuno para que políticos atuem de maneira populista, prometendo atender essas demandas de forma desconexa da realidade econômica do país e sem responsabilidade com o longo prazo. Ao mesmo tempo, o governo nunca descuida daqueles que não precisam de cuidados, mas que se valem de suas influências e conexões para ditar agendas políticas. Essa realidade é tanto mais pervasiva quanto maior for o papel do estado na economia, uma vez que isso aumenta os incentivos e as brechas para comportamentos de rent-seeking (algo que a literatura da public choice aponta à exaustão). Em face da nossa estrutura tributária regressiva, temos um sistema que retira recursos dos mais pobres de maneira desproporcional, para devolvê-los em alguma medida com serviços públicos (em grande parte precários). É o que se chama de tax-welfare churning: dar com uma mão e retirar com a outra. Por outro lado, para as classes mais conectadas ao governo, a mão que dá é maior do que a que tira.

O problema desse modelo está no que já apontei lá em cima: a rigidez dos gastos para baixo (a demanda por serviços públicos tende ao infinito), enquanto que as receitas tem rigidez para cima (há limite para tributação e dependência do ciclo econômico). Além disso, esse modelo é de natureza essencialmente pró-cíclica: em face do aumento de receitas nos momentos de expansão econômica, há incentivos para aumentar despesas. Mas em momentos de recessão (como agora), o desequilíbrio fiscal pede corte de despesas - do contrário, corre-se o risco de que o desequilíbrio fiscal se torne crônico, nos levando a uma bola de neve da dívida pública e ao seu financiamento inflacionário (algo que vimos nos anos 1980).

Ao longo dos anos 2000, como eu já mencionei no início, tivemos bons ventos no lado das receitas. Aumento de tributação (que gerou aumento de receitas) e crescimento econômico resultante em grande medida da situação internacional favorável (boom das commodities, dólar desvalorizado, crédito externo barato). Por volta de 2006 nossa política econômica passa a se guiar por um receituário mais populista e intervencionista, o que se intensificou a partir de 2011, direcionando créditos, subsídios e desonerações para empresas e setores selecionados, reduzindo juros na marra, manipulando preços do petróleo e da energia, aplicando políticas de conteúdo nacional. Ainda, o governo criou mecanismos para aumentar sua disponibilidade de receitas através de mudança na estrutura de sua dívida em operações com o BC (é um pouco complicado, não convém detalhar aqui). Ao mesmo tempo em que algumas dessas medidas reduziam a receita tributária (especialmente após 2011, na esperança de alavancar a economia), não houve contrapartida no lado das despesas, que continuaram a crescer vegetativamente (isto é, seguindo regras de vinculações e indexações que garantiam seu aumento automático). Ignorou-se, por exemplo, a questão previdenciária somada à dinâmica demográfica. Adiciona-se a isso tudo, a ausência de mecanismos de avaliação das políticas públicas. Não temos nenhum mecanismo oficial que permita acompanhar e avaliar os gastos realizados, o que é essencial para sabermos quais destes gastos dão mais resultados, quais poderiam ser reduzidos ou mesmo extintos, e como essa estrutura de gastos poderia ser otimizada. O resultado é que somos um dos países mais ineficientes do mundo no gasto público (e isso vale também para saúde e educação, de maneira específica).

Pois bem, o resumo do nosso quadro é esse: despesas que sempre crescem, receitas voláteis e com limite de crescimento, muito desperdício do dinheiro público. Nesse contexto, quando os ventos favoráveis cessam de soprar, a crise fiscal bate forte. Junte aí problemas que intensificaram a crise econômica, como a corrupção generalizada na maior empresa do país, e o buraco fiscal se torna ainda mais grave. Com o problema fiscal, aumentam as incertezas e inseguranças a respeito da economia, e a atividade econômica piora ainda mais (queda de investimentos, fuga de capitais, depreciação cambial, desemprego, inflação). Num cenário desses, é impossível equilibrar o orçamento com aumento de receitas. A solução tem que se dar pelo lado das despesas.

Por isso o congelamento das despesas é essencial para recolocar o país numa trajetória de equilíbrio fiscal, e eventualmente obter superávits primários. Quando temos superávits, sobra dinheiro para pagar a dívida. Com a redução da dívida, há mais espaço para redução da taxa de juros, o que ao longo do tempo propicia um desafogo adicional nas contas públicas. Do contrário, quando há déficit (como agora), não sobra dinheiro para pagar a dívida, então ela é rolada (emissão de novas dívidas para pagar as que estão vencendo), seu montante aumenta, e a taxa de juros tende a aumentar (para premiar o aumento de risco, uma vez que a dívida pública piorou - o que equivale a dizer que estamos mais próximos de não honrar os compromissos). Então grande parte do espaço para reduzir juros depende da nossa capacidade de economizar, o que, no quadro atual, demanda uma contenção drástica de gastos. Claro que não é somente isso, o BC pode tentar reduzir os juros por outros mecanismos, mas sua capacidade é limitada. Inclusive eu acho que já se pode começar a mirar uma redução gradativa da Selic, o que auxiliaria no processo de recuperação econômica.

A PEC traz uma série de possíveis vantagens, além da contenção dos gastos. A primeira diz respeito à sinalização. Ao mostrar comprometimento com o equilíbrio fiscal, você mostra para o mercado (interno e externo) que a situação tende a melhorar, que o governo está disposto a resolver o problema. Isso melhora o ambiente econômico e dá mais segurança para que investimentos possam ser realizados, o que traria algum fôlego para voltarmos a crescer. Em segundo lugar, ela explicita a escassez de recursos, ao definir nitidamente o tamanho do bolo, de modo que tentativas políticas de aumentar uma determinada fatia deverão necessariamente explicitar qual a contrapartida, isto é, qual fatia será reduzida como compensação. E é importante que as fatias da saúde e educação serão preservadas, então elas ficam numa posição vantajosa nesse aspecto. Ao mesmo tempo, essa necessidade de evidenciar a contrapartida é uma barreira ao populismo fiscal: impede a promessa de elevação de gastos sem mostrar reduções equivalentes e críveis nos outros recursos. Outro ponto importante é que ela pode (e deve!) servir de âncora para outras reformas essenciais, sobretudo a reforma previdenciária. Sem essa reforma, os outros recursos serão estrangulados pela bola de neve da previdência. Com a PEC o senso de urgência dessa reforma aumenta. Por fim, somado a isso tudo, a PEC pode propiciar um estímulo para aumento da vigilância pública sobre o orçamento, exercendo pressão adicional para que os recursos enfatizem setores fundamentais e prioritários. Essa vigilância, inclusive, é essencial: não faz sentido falarmos de gasto público sem fiscalização da sociedade. Com PEC ou sem PEC, se a sociedade não fiscaliza, ela é espoliada.

Não acho que a atual proposta seja perfeita, é evidente que há espaço para aprimoramentos. Há, por exemplo, a necessidade de se desvincular e desindexar gastos específicos, que de outra forma continuarão a crescer vegetativamente e exigir reduções nas outras fatias. Também seria bom criar um teto auxiliar para o gasto com pessoal (isto é, aplicar uma rigidez específica para esses gastos) e também um limite para a dívida da União, o que poderia fornecer sinais adicionais de comprometimento com a estabilidade fiscal.

Além desses pontos e da reforma previdenciária, eu ainda diria que precisamos de uma reforma tributária (tirando o peso das costas dos mais pobres) e de medidas que aumentem a produtividade, como reformas microeconômicas (simplificar e aumentar isonomia de tributos e reduzir burocracia), reforma trabalhista e promoção de maior abertura comercial. É um conjunto de medidas que demanda muito diálogo e negociação, e que vai enfrentar muitos grupos de resistência e interesses já estabelecidos, que não querem enfrentar possíveis perdas de curto prazo. Mas são medidas necessárias. Sem elas, a PEC 241 terá eficácia reduzida, e no longo prazo corremos sério risco de precisarmos de outras medidas drásticas.

o Brasil tem diversos gastos que poderiam ser cortados (auxílios-moradia, pensão a filha de militar, verbas de gabinete, publicidade) antes de pensarmos em congelar o investimento social.

Como diria seu candidato preferido: dá bilhão? :g:
Eu concordo que tem muitas regalias que precisam ser cortadas, mas o fato é que essas regalias representam muito pouco daquilo que necessitamos para equilibrar as contas. Além disso, tem aquilo que já comentei contigo no Facebook: mexer em certas regalias agora pode comprometer a capacidade de realizar ajustes, na medida em que os interesses envolvidos tenham capacidade de boicotá-los. Triste, mas dura realidade.

Por fim, quero deixar aqui esclarecimentos feitos pelo Mansueto Almeida, atual Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, ao Valor Econômico:
"Recentemente, a Proposta de Emenda Constitucional 241, a chamada PEC do limite do crescimento do gasto público federal ou Novo Regime Fiscal, foi aprovada no primeiro turno de votação na Câmara dos Deputados. Apesar de votação expressiva, há ainda dúvidas legítimas de muitas pessoas em relação a diversos pontos dessa proposta.

Primeiro, a despesa primária do governo central não ficará congelada por 20 anos. Isso seria um grande absurdo. O que a PEC 241 propõe é que, ao longo dos próximos dez anos, o crescimento da despesa primária do governo central seja corrigida pela inflação do ano anterior, o que significa crescimento real próximo de "zero".

A partir de então, cada um dos próximos presidentes poderá estabelecer uma nova regra para o crescimento real das despesas do governo central. O importante é que até 2026 o governo consiga uma economia que seja suficiente para reduzir substancialmente a dívida pública e a taxa de juros de longo prazo.

Segundo, o ajuste fiscal proposto pela PEC 241 é o mais gradual possível. Ao contrário de países como Itália, Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha, cujo ajuste recente foi uma combinação de aumento de carga tributária com cortes nominais de despesas, a PEC 241 propõe algo muito mais suave: o controle do crescimento da despesa. Em 2017, por exemplo, a despesa primária do governo central será de R$ 1.316 bilhões, crescimento de R$ 75 bilhões ante o valor programado para este ano de R$ 1.241 bilhões.

Não há corte nominal da despesa primária do governo federal. A economia virá ao longo do tempo à medida que o crescimento da economia reduza a relação despesa primária como porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB). Pela regra da PEC 241, no final de dez anos, a despesa primária será reduzida em cerca de 5 pontos do PIB e, assim, a depender da recuperação da receita, o déficit primário atual de 2,7% do PIB (R$ 170,5 bilhões) poderá se um superávit primário acima de 3 pontos do PIB.

Terceiro, as despesas com educação estão protegidas e poderão crescer acima da inflação nos próximos anos, desde que outras despesas cresçam abaixo da inflação. Aqui é preciso olhar com cuidado os números. A despesa do setor público com educação é por volta de 6% do PIB, R$ 370 bilhões. Desse total, a parcela do governo federal é de R$ 85 bilhões este ano, apenas 23% da despesa pública total com educação.

Assim, dado que a PEC 241 estabelece regras apenas para a despesa primária do governo central, 77% da verba pública gasta com educação no Brasil continua com as mesmas regras atuais e não serão atingidas por essa nova regra, pois não são despesas primárias do governo central. Mas mesmo na parcela do gasto federal de R$ 85 bilhões, não há teto para crescimento, mas sim um piso de 18% da receita de impostos líquida de transferências, em 2017, que passará a ser corrigida pela inflação do ano anterior a partir de 2018. Nada impede, no entanto, que o orçamento do governo federal para educação cresça acima da inflação. Essa decisão ocorrerá, como em outros países do mundo, no debate anual do orçamento.

Quarto, a PEC 241 aumentou recursos para saúde pública. A Emenda Constitucional 86/2015 estabelece que o governo federal deverá gastar 13,2% da sua receita corrente líquida (R$ 93,2 bilhões) em saúde este ano e 13,7% (R$ 103,9 bilhões) no próximo. Essa vinculação cresceria aos poucos para 15% da receita corrente líquida, em 2020. No entanto, a PEC 241 antecipa essa vinculação maior já para 2017 e o novo piso da saúde do governo federal passará a ser R$ 113,7 bilhões, quase R$ 10 bilhões a mais do que seria pela legislação atual. A partir de 2018, esse piso passará a ser corrigido pela inflação do ano anterior, mas em cima de uma base que cresceu cerca de R$ 10 bilhões.

Como no caso da educação, a regra para a saúde é um piso. Nada impede que o orçamento de 2018 em diante cresça acima da inflação, desde que outras despesas sejam controladas. Ao contrário da percepção de muitos, os gastos com saúde pela regra constitucional desde 2000 não estavam necessariamente protegidos.

De 2000 a 2015, o mínimo constitucional de saúde crescia de acordo com o crescimento do PIB nominal. Mas essa regra se baseava no "valor empenhado", o que não garantia que o orçamento autorizado fosse de fato transformado em ações e serviços públicos de saúde no ano. Essa prática de atrasar o orçamento foi recorrente desde 2011 devido à insuficiência de caixa do Tesouro, apesar do forte crescimento real da despesa primária, gerando o acúmulo sucessivo de "restos a pagar".

De 2011 a 2014, por exemplo, cerca de R$ 8 bilhões do piso mínimo da saúde deixaram de ser executados a cada ano e, mesmo com a queda do mínimo constitucional da saúde com a Emenda Constitucional 86/2015, este ano começou com R$ 15 bilhões de orçamento atrasados de anos anteriores. Com a PEC 241, a tendência é que esses atrasos não mais aconteçam, pois a programação orçamentária, despesa autorizada no orçamento, será muito próxima das autorizações para pagamentos.

Há muitos mitos e desinformações em relação à PEC 241. As despesas federais não serão congeladas por 20 anos e muito menos as despesas com saúde e educação. Despesas com saúde e educação estão protegidas e, com a volta do equilíbrio fiscal, despesas programadas serão efetivamente pagas, ao contrário do que ocorreu com a despesa com saúde de 2011 a 2015.

Mas se não fizermos o ajuste fiscal, o baixo crescimento continuará e o Tesouro Nacional não terá recursos para pagar nem as despesas sociais e nem os seus credores. Sem ajuste fiscal, o resultado será uma inflação crescente e um risco maior de calote da dívida pública, uma situação que todos perderiam, em especial, os mais pobres."
 
fea, deixa eu ver se entendi: não há congelamento real, mas "crescimento real próximo de "zero". é isso que diz um dos textos que você citou, certo? e isso não seria problema para um sistema estável, mas a educação no brasil ainda conta com um número absurdo de crianças fora da escola (absurdo até porque é inconstitucional) e ainda por cima paralelamente temos correndo o PNE e a reforma do ensino médio, que no fim das contas significam um gasto extra, não é gasto de manutenção. como ficaria essa questão?
 
fea, deixa eu ver se entendi: não há congelamento real, mas "crescimento real próximo de "zero". é isso que diz um dos textos que você citou, certo?

Sim, é isso. Esse "próximo de zero" ocorre pelo seguinte: suponha que esse ano a inflação seja de 8%. Então o teto do próximo ano será reajustado em 8%. Mas ao longo do próximo a inflação poderá ser de 5%. Então essa diferença entre a inflação do ano-base pro reajuste (8%) menos a inflação verificada de fato no ano em questão (5%) nos dá a taxa de variação que de fato se efetivou. Nesse caso, 3%.


e isso não seria problema para um sistema estável, mas a educação no brasil ainda conta com um número absurdo de crianças fora da escola (absurdo até porque é inconstitucional) e ainda por cima paralelamente temos correndo o PNE e a reforma do ensino médio, que no fim das contas significam um gasto extra, não é gasto de manutenção. como ficaria essa questão?

Vamos lembrar que os gastos limitados pelo teto são os gastos federais. E a parcela do governo federal destinada à educação é sobretudo para a educação superior. Gastos estaduais e municipais não serão afetados, pois o teto não se aplica para as transferências para estas entidades. Além disso, o Fundeb também está fora do teto. Então a educação fundamental não deve ser afetada por esse teto. Digo por esse teto porque a maioria dos estados está em situação fiscal complicadíssima, e com margem de manobra muito mais limitada que a esfera federal, o que deverá levá-los a medidas semelhantes para contenção de despesas. Aí sim educação e saúde poderão ser afetados, a depender de como ocorra esse ajuste ao nível estadual.
 
obrigada pelas respostas, fea. eu tenho lido um monte de coisa sobre a pec há meses, honestamente não consegui encontrar uma resposta clara e direta como a sua. a sensação que tenho é que a polarização política atrapalha demais o debate, porque as pessoas pensam que é uma questão de defender ou criticar totalmente a pec (como uma espécie de validação ou invalidação do governo atual), e aí há um certo melindre por parte de quem é a favor em tocar nos assuntos mais espinhosos (da mesma forma que quem é contra fica só repetindo frase feita sem nem ler o texto da pec).

mas tenho outras perguntas :dente:

Vamos lembrar que os gastos limitados pelo teto são os gastos federais. E a parcela do governo federal destinada à educação é sobretudo para a educação superior. Gastos estaduais e municipais não serão afetados, pois o teto não se aplica para as transferências para estas entidades.

não? eu tinha entendido pela pec que afetaria - até por causa daquela punição para estado/município que extrapolasse o gasto. ou entendi errado? de qualquer forma, como fica com município que arrecada pouco e depende basicamente do repasse da união para manter a educação?

Além disso, o Fundeb também está fora do teto.

minha professora de ppe falou esses dias um negócio que me deixou com a pulga atrás da orelha mas confesso que não me cocei de ir atrás e pesquisar. ela disse com todas as letras: fundeb tem prazo de validade, acaba em 2020. vamos supor que isso que ela disse esteja certo, 2020 seria o terceiro ano da pec - ou seja, ainda não haveria a correção lá dos 10 anos. como fica sem fundeb?


Então a educação fundamental não deve ser afetada por esse teto. Digo por esse teto porque a maioria dos estados está em situação fiscal complicadíssima, e com margem de manobra muito mais limitada que a esfera federal, o que deverá levá-los à medidas semelhantes para contenção de despesas. Aí sim educação e saúde poderão ser afetados, a depender de como ocorra esse ajuste ao nível estadual.

esse é meu medo. pega estado como o rio, que está parcelando salário de professor, pagando atrasado. ou aqui no paraná, que já está voltando atrás na promessas de reajustes porque a grana já está ficando curta - como isso vai se desdobrar? é meio que essa a minha dúvida inicial: se as coisas estivessem nos eixos, a medida para mim seria mais do que lógica. só que é um ciclo vicioso, não? nossa crise é sobre má administração, e a má administração pode dificultar a aplicação da pec.

e pensa na aplicação da reforma do ensino médio lá no rio, que tá quebrado. como vão oferecer aula no período integral se eles não conseguem bancar nem o normal?

sobre afetar ensino superior, isso poderia afetar as pesquisas como li em algum canto ou é uma outra verba que não entra como gasto primário?
 
Sim, é isso. Esse "próximo de zero" ocorre pelo seguinte: suponha que esse ano a inflação seja de 8%. Então o teto do próximo ano será reajustado em 8%. Mas ao longo do próximo a inflação poderá ser de 5%. Então essa diferença entre a inflação do ano-base pro reajuste (8%) menos a inflação verificada de fato no ano em questão (5%) nos dá a taxa de variação que de fato se efetivou. Nesse caso, 3%.

Mas isso vale para baixo também, não? Se a inflação do ano corrente for maior que a do ano anterior, então há uma redução no tamanho real das despesas.

De um modo geral, é perfeitamente compreensível que um plano de contenção de gastos é necessário. Mas 20 anos, ou mesmo 10 + 10, não é pouco tempo, consequência de a PEC não ter sido discutida de forma mais ampla pela sociedade - e parece que ela vai ser aprovada mesmo assim.

10 anos são o resto do governo Temer e mais dois mandatos inteiros.
 
a sensação que tenho é que a polarização política atrapalha demais o debate, porque as pessoas pensam que é uma questão de defender ou criticar totalmente a pec (como uma espécie de validação ou invalidação do governo atual), e aí há um certo melindre por parte de quem é a favor em tocar nos assuntos mais espinhosos (da mesma forma que quem é contra fica só repetindo frase feita sem nem ler o texto da pec).

Também vejo dessa forma. Quem é contra parece se posicionar dessa forma muito em função de ser contra o governo Temer. Já vi coisas das mais absurdas nesse sentido. Até gente que faz doutorado comigo falando que "quem é a favor dessa PEC é porque não leu ela, só quer ser contra a esquerda. Se leu e é a favor, então é burro ou tem má-fé." Embora eu concorde que há sim muita gente apoiando sem conhecer e apenas para se opor aqueles que são contrários à PEC, esse tipo de afirmação é um baita exemplo dessa polarização emburrecedora. E o pior: mesmo gente letrada, com os mais altos níveis educacionais, não está imune a isso. Bem triste.


não? eu tinha entendido pela pec que afetaria - até por causa daquela punição para estado/município que extrapolasse o gasto. ou entendi errado? de qualquer forma, como fica com município que arrecada pouco e depende basicamente do repasse da união para manter a educação?

Não, as punições são apenas para os poderes da União e orgãos da esfera federal que descumprirem os limites. Municípios e estados não são abordados pela PEC.

E os repasses da União para estas esferas também não são afetados pela PEC:

Art. 102.

§ 6º Não se incluem nos limites previstos neste artigo:

I - transferências constitucionais estabelecidas pelos art. 20, § 1º, art. 157 a art. 159 e art. 212, § 6º, e as despesas referentes ao art. 21, caput, inciso XIV, todos da Constituição, e as complementações de que trata o art. 60, caput,inciso V, deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

Indo na Constituição, o Artigo 20, § 1º, fala sobre as receitas de exploração de recursos naturais:

Art. 20.
§ 1º É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

Os artigos 157 e 158 dizem respeito às receitas que pertencem aos estados e municípios:

Art. 157. Pertencem aos Estados e ao Distrito Federal:

I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem;

II - vinte por cento do produto da arrecadação do imposto que a União instituir no exercício da competência que lhe é atribuída pelo art. 154, I.

Art. 158. Pertencem aos Municípios:

I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem;

II - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo a totalidade na hipótese da opção a que se refere o art. 153, § 4º, III;

III - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus territórios;

IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios:

I - três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios;

II - até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal.

Já o artigo 159 fala diretamente sobre os repasses da União:

Art. 159. A União entregará:

I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, 49% (quarenta e nove por cento), na seguinte forma:

a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal;
b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios;
c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer;
d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano;
e) 1% (um por cento) ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de julho de cada ano;

II - do produto da arrecadação do imposto sobre produtos industrializados, dez por cento aos Estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados.

III - do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico prevista no art. 177, § 4º, 29% (vinte e nove por cento) para os Estados e o Distrito Federal, distribuídos na forma da lei, observada a destinação a que se refere o inciso II, c, do referido parágrafo.

§ 1º Para efeito de cálculo da entrega a ser efetuada de acordo com o previsto no inciso I, excluir-se-á a parcela da arrecadação do imposto de renda e proventos de qualquer natureza pertencente aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, nos termos do disposto nos arts. 157, I, e 158, I.

§ 2º A nenhuma unidade federada poderá ser destinada parcela superior a vinte por cento do montante a que se refere o inciso II, devendo o eventual excedente ser distribuído entre os demais participantes, mantido, em relação a esses, o critério de partilha nele estabelecido.

§ 3º Os Estados entregarão aos respectivos Municípios vinte e cinco por cento dos recursos que receberem nos termos do inciso II, observados os critérios estabelecidos no art. 158, parágrafo único, I e II.

§ 4º Do montante de recursos de que trata o inciso III que cabe a cada Estado, vinte e cinco por cento serão destinados aos seus Municípios, na forma da lei a que se refere o mencionado inciso.

O artigo 212. § 6º, fala da receita destinada para o ensino pelas esferas estaduais e municipais:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

§ 6º As cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do salário-educação serão distribuídas proporcionalmente ao número de alunos matriculados na educação básica nas respectivas redes públicas de ensino.

O Artigo 21, inciso XIV, fala apenas da manutenção serviços no DF:

Art. 21. Compete à União:

XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio;

Por fim, o Art. 60, inciso V, é o que trata dos repasses da União para o Fundeb:

Art. 60. Até o 14º (décimo quarto) ano a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as seguintes disposições:

V - a União complementará os recursos dos Fundos a que se refere o inciso II do caput deste artigo sempre que, no Distrito Federal e em cada Estado, o valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente, fixado em observância ao disposto no inciso VII do caput deste artigo, vedada a utilização dos recursos a que se refere o § 5º do art. 212 da Constituição Federal;

Então tudo isso aí fica fora do teto.

minha professora de ppe falou esses dias um negócio que me deixou com a pulga atrás da orelha mas confesso que não me cocei de ir atrás e pesquisar. ela disse com todas as letras: fundeb tem prazo de validade, acaba em 2020. vamos supor que isso que ela disse esteja certo, 2020 seria o terceiro ano da pec - ou seja, ainda não haveria a correção lá dos 10 anos. como fica sem fundeb?

Essa eu não estava sabendo. Fui conferir e realmente é isso, vale até 2020 (a Emenda do Fundeb foi feita em 2006, e ele vale por 14 anos, como tá ali em cima no Art. 60). Eu vejo dois cenários possíveis:
1 - Como o Fundeb já está fora do teto, ele tem chances de ser renovado. Mas isso vai depender de a situação fiscal já estar em trajetória de melhora em 2020 - que é o que se espera, com a contenção dos gastos e uma retomada de crescimento (que, se tudo seguir de acordo, deve ocorrer principalmente a partir de 2018).
2 - O Fundeb pode ser extinto. Como temos ainda 4 anos pela frente, eu acho que uma antecipação desse cenário requer a instauração de medidas de avaliação do gasto público em educação para procurar aumentar sua eficiência. Afinal, nosso problema não é gastar pouco na educação. É gastar mal.


esse é meu medo. pega estado como o rio, que está parcelando salário de professor, pagando atrasado. ou aqui no paraná, que já está voltando atrás na promessas de reajustes porque a grana já está ficando curta - como isso vai se desdobrar? é meio que essa a minha dúvida inicial: se as coisas estivessem nos eixos, a medida para mim seria mais do que lógica. só que é um ciclo vicioso, não? nossa crise é sobre má administração, e a má administração pode dificultar a aplicação da pec.

e pensa na aplicação da reforma do ensino médio lá no rio, que tá quebrado. como vão oferecer aula no período integral se eles não conseguem bancar nem o normal?

O buraco dos estados é mais embaixo mesmo. Como saída eu acho que é preciso pensar em mecanismos tocando nos seguintes pontos:
- A União permite aos estados renegociarem/aumentarem temporariamente suas dívidas. Não sei dizer em que medida isso seria possível, porque a própria União está comprometida, como estamos vendo.
- Com um fôlego a mais, é preciso criar uma série de outras restrições e punições no âmbito fiscal dos estados, para evitar que eles incorram nesse erro de novo. É preciso remover qualquer incentivo que os gestores possam ter no sentido de deixar a coisa voltar a degringolar.
- É preciso rever urgentemente a despesa com pessoal dos estados, que é a principal responsável pela atual situação. Isso envolve mudar a forma de cálculo dessas despesas - visto que lobbies de suborçamentos setoriais se valeram de brechas na LRF e mudaram as regras para cálculo desses gastos, repassando inativos e pensionistas para o orçamento do governador, o que lhes deu mais margem para aumentar quadros funcionais e seus salários (limitados a 60% da receita corrente). Isso precisa ser revertido, e deverá envolver reduções nos quadros. Educação e saúde deverão sofrer nesse ponto, pois são áreas intensivas em mão de obra. Nessa parte é que será primordial que se analisem maneiras de aumentar a eficiência desses recursos, que são muito mal aplicados.

Vai envolver algum sacrifício, mas no cenário atual, é isso ou o caos. Esse é o custo da ingerência de regras mal elaboradas.

sobre afetar ensino superior, isso poderia afetar as pesquisas como li em algum canto ou é uma outra verba que não entra como gasto primário?

Pode afetar a pesquisa sim. Mas como a educação tem um piso, ela terá seu quinhão mantido - ainda que talvez não cresça. Com esse recurso, caberá ao órgão responsável definir as prioridades. Acho que pode ser uma oportunidade para rever programas caros e de pouco retorno, como o Ciência sem Fronteiras (sobretudo para alunos de graduação), bem como pensar em um sistema em que famílias com renda acima de certo limite paguem algum valor pela educação de seus filhos nas universidades públicas. De maneira geral, não vejo o ensino superior sendo prejudicado - até porque historicamente ele foi muito beneficiado em relação ao ensino de base, e também porque as projeções de nossa pirâmide etária mostram que a população jovem seguirá tendência de queda, o que não gera pressão adicional por mais vagas nesse nível de ensino.
** Posts duplicados combinados **
Mas isso vale para baixo também, não? Se a inflação do ano corrente for maior que a do ano anterior, então há uma redução no tamanho real das despesas.

De um modo geral, é perfeitamente compreensível que um plano de contenção de gastos é necessário. Mas 20 anos, ou mesmo 10 + 10, não é pouco tempo, consequência de a PEC não ter sido discutida de forma mais ampla pela sociedade - e parece que ela vai ser aprovada mesmo assim.

10 anos são o resto do governo Temer e mais dois mandatos inteiros.

Vale. Mas como a trajetória é de queda, a tendência (ao menos pelos próximos anos) é de que ocorra um cenário mais próximo do que eu descrevi (mas com valores cada vez menores ao longo do tempo). Eventualmente, com as contas sob contrle e uma política monetária correta, esses valores nunca seriam muito distantes de 0,5% ou 1%.

O prazo de 10 anos tem como reflexo o nível do nosso quadro. Mesmo com a PEC, ainda deveremos levar alguns anos para obter superávits. Além disso, fornece tempo para que as reformas necessárias sejam feitas. Outra questão tem a ver com a sinalização de estabilidade das contas por um horizonte de tempo razoável, o que deve servir como estímulo mais crível para retomar os investimentos. Mas eu concordo que talvez esse ponto pudesse ser mais debatido. 6 + 10, ou 8 + 8 anos poderiam ser alternativas.
 
obrigada por tirar minhas dúvidas, fea. uma pena que para cada um de você nessa discussão existam 10 que achem que meme e descer ocrinho encerra uma discussão (aliás, a discussão nem deve ser encerrada, né). eu confesso que tendia a ser contra por causa dessas questões que coloquei aqui para você, é aquele enorme receio de voltar para um ponto. até porque tenho uma fé gigante na educação - que acabou se fortalecendo ainda mais depois de ler um artigo do naercio menezes filho sobre a redução da desigualdade estar de certa forma atrelada ao aumento de alunos no ensino médio. meu raciocínio era: entramos em um processo de melhoria e de repente colocamos tudo a perder? mas vendo as coisas como você coloca, estou achando que o problema de como fica/ficará a educação não é a pec - mas a administração de estados e municípios. só que aí o buraco é mais embaixo e não boto fé que as coisas se arrumem tão cedo, infelizmente.
 
obrigada por tirar minhas dúvidas, fea. uma pena que para cada um de você nessa discussão existam 10 que achem que meme e descer ocrinho encerra uma discussão (aliás, a discussão nem deve ser encerrada, né). eu confesso que tendia a ser contra por causa dessas questões que coloquei aqui para você, é aquele enorme receio de voltar para um ponto. até porque tenho uma fé gigante na educação - que acabou se fortalecendo ainda mais depois de ler um artigo do naercio menezes filho sobre a redução da desigualdade estar de certa forma atrelada ao aumento de alunos no ensino médio. meu raciocínio era: entramos em um processo de melhoria e de repente colocamos tudo a perder? mas vendo as coisas como você coloca, estou achando que o problema de como fica/ficará a educação não é a pec - mas a administração de estados e municípios. só que aí o buraco é mais embaixo e não boto fé que as coisas se arrumem tão cedo, infelizmente.

Eu entendo e compreendo perfeitamente seu receio. Assim como compreendo perfeitamente quem tem objeções contra a PEC, porque ela realmente não é perfeita, e não é varinha de condão. Só não consigo aturar a turminha do meme ou que tenta resumir os argumentos em uma imagem com pseudo-argumentos. Nessas horas facebook mais atrapalha do que ajuda a discussão.

Sobre a educação, é exatamente isso que você disse. Não é que ela não corre risco, mas sim que a PEC não é o motivo desse risco. A ameaça à educação está nas contas dos estados. Se for para se preocupar com uma piora (!) na educação e na saúde, é para os estados que devemos olhar. E motivos para essa preocupação não faltam. Eu acho que sem uma melhoria considerável na qualidade da aplicação desses recursos nesses setores, eles inevitavelmente vão sofrer.

O Raul Velloso (talvez o nosso maior especialista em contas públicas) diz que o problema do desperdício é a garantia indiscriminada de recursos: quanto maiores os orçamentos e mais fácil for para aumentá-los, maior o desperdício. Com o aperto, os setores deverão necessariamente buscar ganhos de eficiência. Vamos esperar que sim, e que o aperto também não seja forte ao ponto da asfixia.
 
O Raul Velloso (talvez o nosso maior especialista em contas públicas) diz que o problema do desperdício é a garantia indiscriminada de recursos: quanto maiores os orçamentos e mais fácil for para aumentá-los, maior o desperdício. Com o aperto, os setores deverão necessariamente buscar ganhos de eficiência. Vamos esperar que sim, e que o aperto também não seja forte ao ponto da asfixia.

concordo totalmente com isso. tive uma professora que apontou exatamente isso, mas do jeitão mais destrambelhado dela. falou que a federal passou por um período que entrava tanta, mas tanta grana que era completamente mal administrada. e que quando começou a apertar o cinto começou o deus nos acuda. ela contou de um caso que acho emblemático sobre como se gasta o dinheiro no brasil: tinha lá um projeto aleatório que foi aprovado, aí concluíram que seria mais barato comprar tablets para cada professor do que comprar livros. ok. só que aí por alguma dessas bizarrices burocráticas, parece que deu problema no inventário ou algo que o valha e ninguém podia usar os tablets. resultado: tiveram que comprar livros (e os tablets ficaram trancados no armário, sem uso). se jogar no papel deve ter sido coisa de uns 50.000 jogados fora. "nhaaa, que é 50.000 pra 1 bilhão?". mas é tipo torneira pingando a noite toda. não chega a inundar sua cozinha, mas no fim do mês a conta vem claramente mais alta.
 
concordo totalmente com isso. tive uma professora que apontou exatamente isso, mas do jeitão mais destrambelhado dela. falou que a federal passou por um período que entrava tanta, mas tanta grana que era completamente mal administrada. e que quando começou a apertar o cinto começou o deus nos acuda. ela contou de um caso que acho emblemático sobre como se gasta o dinheiro no brasil: tinha lá um projeto aleatório que foi aprovado, aí concluíram que seria mais barato comprar tablets para cada professor do que comprar livros. ok. só que aí por alguma dessas bizarrices burocráticas, parece que deu problema no inventário ou algo que o valha e ninguém podia usar os tablets. resultado: tiveram que comprar livros (e os tablets ficaram trancados no armário, sem uso). se jogar no papel deve ter sido coisa de uns 50.000 jogados fora. "nhaaa, que é 50.000 pra 1 bilhão?". mas é tipo torneira pingando a noite toda. não chega a inundar sua cozinha, mas no fim do mês a conta vem claramente mais alta.

Eu já tive várias experiências, na UFV e aqui na UFMG, que vão pelo mesmo caminho. Desperdício de recursos com equipamentos caros que não são utilizados, ou são sub-utilizados. Reformas que levam uma eternidade. Construção de novos prédios que não são ocupados, ou ficam quase vazios. E enquanto isso tem salas de aula com quadro-negro e cadeiras caíndo aos pedaços. Até giz/marcador e apagador eu já tive que levar de casa pra poder dar aula. E esse tipo de problema é generalizado no setor público. Sem instrumentos adequados para avaliar e acompanhar os gastos e as políticas públicas de maneira geral, o desperdício se torna regra.
 
@Fëa, gostei de alguns pontos e tenho questionamentos a outros, mas acho melhor não quotar para a discussão não ficar enfadonha. Só queria te fazer as perguntas que, mesmo com os seus esclarecimentos, ainda me deixam com um pé atrás com a PEC:

1. Sobre o raciocínio aparentemente óbvio de "se tem déficit, vamos cortar", eu li o artigo de um economista contrário à medida (não vou lembrar a fonte agora) listando alguns exemplos de países que conseguiram superar a recessão apostando justamente no contrário: investindo MAIS (política anti-cíclica). Pelo que eu entendi, esse é um pensamento keynesiano, então talvez você discorde, mas não queria ficar discutindo teoria. A pergunta é: por que isso não pode dar certo no nosso caso, e quais exemplos concretos temos de países que insistiram na lógica cíclica e se saíram melhor da crise?

2. Ainda que nos saiamos bem na balança, não é temerário, a longo prazo, ficarmos tanto tempo estagnados nas áreas que terão os investimentos congelados?

3. Que história é essa de que a PEC não afetará saúde e educação? Passei um olho no texto e não vi essa ressalva. Pelo que ouvi dizer, tentaram, mas não conseguiram que passasse.

4. Há uma lógica liberal na PEC, não é só de mera economia em tempos de crise, certo? Há algum tempo eu achava que os liberais eram somente ricos e classe média insensíveis à pobreza, mas aprendi com você e outros que também existe uma crença na teoria para redução da pobreza, então ando querendo aprender mais. O que falta ainda para me convencer a ser liberal (sério!) é que nunca fui deram exemplos de países subdesenvolvidos, que têm tudo a perder para potências menores, que apostaram num liberalismo autêntico para se saírem bem em índices sociais. Temos?

5. Sobre a questão dos juros. O que impede o Brasil de baixá-los hoje? Alguns economistas temem que investidores tirariam o capital daqui, outros dizem que é balela, que essa redução é tudo que precisamos para que a nossa economia seja reaquecida de dentro. Os primeiros dizem que têm que ficar altos para controlar a inflação, os outros dizem que os juros que administramos não têm impacto sobre a inflação brasileira, porque ela é causada por fatores independentes (variação cambial e preços administrados pelo governo). Teoria, pelo que eu vejo, tem para todos os lados, mas como qualquer ciência humana a gente sabe que pode estar a serviço de interesses. Você, como isento, pensa o quê?

6. O que impede o Brasil de fazer auditoria da dívida pública, você ou alguém sabe?

7. Acho que não dava bilhão! :rofl: Mas ainda assim acho inaceitável ameaçar quem já é desprestigiado sem antes tirar privilégios injustificáveis de quem já tem demais.
 
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1. Sobre o raciocínio aparentemente óbvio de "se tem déficit, vamos cortar", eu li o artigo de um economista contrário à medida (não vou lembrar a fonte agora) listando alguns exemplos de países que conseguiram superar a recessão apostando justamente no contrário: investindo MAIS (política anti-cíclica). Pelo que eu entendi, esse é um pensamento keynesiano, então talvez você discorde, mas não queria ficar discutindo teoria. A pergunta é: por que isso não pode dar certo no nosso caso, e quais exemplos concretos temos de países que insistiram na lógica cíclica e se saíram melhor da crise?

A gente já veio ampliando gastos nos últimos anos, e isso não impediu nossa economia de afundar. O problema dessa receita (que é keynesiana, sim) é ignorar a questão da eficiência do gasto público e dar menor atenção para o fato de que, ao mesmo tempo em que os benefícios são incertos (pois dependem tanto da eficiência do setor público quanto de uma série de outros fatores, conjunturais e estruturais), os custos são garantidos. E se os benefícios não vierem na dimensão almejada, esses custos podem agravar o problema. Aí entra uma questão particular de cada economia que é fundamental levar em consideração: o nível e a estrutura da dívida pública. No nosso caso, nossa dívida não é pequena (em comparação com países semelhantes), e está crescendo numa velocidade impressionante. Pior do que isso: pagamos juros elevadíssimos sobre essa dívida. Então arriscar uma política que provavelmente vai afetar para pior a dinâmica dessa dívida pelos próximos anos é um passo muito arriscado.

Sobre a austeridade ou a "lógica cíclica", é preciso primeiro notar que ela pode ser aplicada de diferentes formas. Pode ser tanto através de tentantivas de aumentar receitas (através de aumento de impostos, por exemplo), quanto de cortar despesas, ou ambas as medidas em conjunto. E cada uma dessas medidas pode ser aplicada de diferentes formas, enfatizando aspectos e setores específicos. Sobre os casos de sucesso, podemos mencionar Alemanha, Áustria, Eslováquia, Eslovênia, Estônia. Vou aproveitar essa deixa pra pegar as conclusões de um artigo que eu acho bem relevante nesse sentido:

On a simple reading of the analysis presented here, it would seem that fiscal consolidation (and discipline) can only work in open economies and high quality-of-government countries. A seemingly obvious – but ultimately erroneous – conclusion would then be that fiscal austerity should not be applied to less extrovert economies with weaker institutional capacities and lower quality of government. And that, moreover, such countries should be allowed to ‘inflate their way’ out of any fiscal problems – presumably with the support, via fiscal transfers, of more extrovert and institutionally stronger countries. This would of course create an immense moral hazard problem: it would introduce strong adverse incentives for public administrations, incentivising them to become less effective so as to fend-off external pressures for fiscal consolidation and justify the prolongation of fiscal laxity. Rather than being an argument in favour of the latter, the policy lesson that emanates from our analysis is that, for such countries, the design of austerity and fiscal consolidation measures needs to pay more attention to improving government quality and modernising the economic structure at the same time with – or even prior to – the implementation of fiscal consolidation measures.

[...] Moving forward, the lesson deriving from this analysis is that fiscal consolidation can work (and, indeed, in many cases has worked); but that this requires a ‘qualitative jump’, a shift of attention from the question of whether to implement austerity to the question of how to implement it.

Enfim, a coisa é complicada, e não se pode negar que a aplicação de medidas de austeridade pode sair pela culatra, a depender de como a coisa for feita, e qual o contexto. Só pra ter uma ideia de outro fator relevante: a sequência das medidas a serem tomadas. O Raul Velloso, por exemplo, acha que a reforma da previdência deveria vir antes da PEC. Outros acham que aquela só será viabilizada por esta. A coisa pode ir pelo buraco apenas por uma inversão das ordens. Há alguma garantia de que estamos indo na ordem correta? Infelizmente, não. Só o teste do tempo dirá.

2. Ainda que nos saiamos bem na balança, não é temerário, a longo prazo, ficarmos tanto tempo estagnados nas áreas que terão os investimentos congelados?

Sempre há o risco. Eu acho que para não ficarmos estagnados temos que pensar naquelas medidas que devem ser concomitantes à PEC, sobretudo a questão da eficiência do gasto. Não dá pra continuar acreditando que vamos melhorar apenas por gastar mais. Outro ponto que acho relevante na questão de investimentos é saber fazer programas de abertura para a iniciativa privada. Isso vale sobretudo para questões de infra-estrutura, inclusive nas rodovias - onde o governo historicamente tem muita resistência em fazer parcerias com o setor privado.

3. Que história é essa de que a PEC não afetará saúde e educação? Passei um olho no texto e não vi essa ressalva. Pelo que ouvi dizer, tentaram, mas não conseguiram que passasse.

O artigo 104 do texto original da PEC garante os valores mínimos:

Art. 104. A partir do exercício financeiro de 2017, as aplicações mínimas de recursos a que se referem o inciso I do § 2º e o § 3º do art. 198 e o caput do art. 212, ambos da Constituição, corresponderão, em cada exercício financeiro, às aplicações mínimas referentes ao exercício anterior corrigidas na forma estabelecida pelo inciso II do § 3ºe do § 5ºdo art. 102 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

O Artigo 198 da CF versa sobre a saúde e seus gastos:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:

I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento);

§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:

I - os percentuais de que tratam os incisos II e III do § 2º;

II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais;

III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;
No caso do inciso I do § 2º , o Art. 2º da Emenda Constitucional 86/2015 instituia uma progressividade para os gastos:

Art. 2º O disposto no inciso I do § 2º do art. 198 da Constituição Federal será cumprido progressivamente, garantidos, no mínimo:

I - 13,2% (treze inteiros e dois décimos por cento) da receita corrente líquida no primeiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;

II - 13,7% (treze inteiros e sete décimos por cento) da receita corrente líquida no segundo exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;

III - 14,1% (quatorze inteiros e um décimo por cento) da receita corrente líquida no terceiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;

IV - 14,5% (quatorze inteiros e cinco décimos por cento) da receita corrente líquida no quarto exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;

V - 15% (quinze por cento) da receita corrente líquida no quinto exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional.
Mas esse artigo é revogado pela PEC: "Art.2º Fica revogado o art. 2º da Emenda Constitucional nº 86, de 17 de março de 2015."

No texto original não era proposto nada no lugar, ou seja, o mínimo não estaria mais vinculado à receita corrente de maneira alguma, mas sim ao seu valor passado corrigido pela inflação (como consta no artigo 104 da PEC). Na nova versão da PEC, contudo, foi feita uma alteração que define um regime particular para 2017, que na prática estabalece o piso da sáúde como igual àquele do inciso V acima (e que seria vigente sem a Emenda 86/2015): 15% da receita corrente líquida. Sem essa alteração e sem a PEC, esse mínimo seria atingido apenas em 2020. Então esse piso está sendo adiantado para 2017 (como o Mansueto já explicou) para a partir daí valer a regra de reajuste pela inflação.

Isso consta no Art. 105 do novo texto:

Art. 105. Na vigência do Novo Regime Fiscal, as aplicações mínimas em ações e serviços públicos de saúde e em manutenção e desenvolvimento do ensino equivalerão:

I - no exercício de 2017, às aplicações mínimas calculadas nos termos do inciso I do § 2º do art. 198 e do caput do art. 212, da Constituição; e

II - nos exercícios posteriores, aos valores calculados para as aplicações mínimas do exercício imediatamente anterior, corrigidos na
forma estabelecida pelo inciso II do § 1º do art. 102 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Já o caput do Artigo 212 da CF é o que fala sobre o mínimo garantido à educação:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Mas lembrando que a PEC versa apenas sobre gastos da União, de modo que o mínimo das outras esferas não é afetado.

4. Há uma lógica liberal na PEC, não é só de mera economia em tempos de crise, certo? Há algum tempo eu achava que os liberais eram somente ricos e classe média insensíveis à pobreza, mas aprendi com você e outros que também existe uma crença na teoria para redução da pobreza, então ando querendo aprender mais. O que falta ainda para me convencer a ser liberal (sério!) é que nunca fui deram exemplos de países subdesenvolvidos, que têm tudo a perder para potências menores, que apostaram num liberalismo autêntico para se saírem bem em índices sociais. Temos?

Sim, há uma lógica liberal, que é a lógica de que os gastos públicos devem ser contidos e responsáveis, que o equilíbrio fiscal é essencial para o desenvolvimento econômico, e de que precisamos de mecanismos que impeçam uma escalada do gasto público. O que temos de específico agora, nesses tempos de crise, é a drasticidade da medida.

Sobre casos de sucesso, temos sim. Mas antes é preciso cuidado com o que significa "liberalismo autêntico". Se pensarmos em uma economia totalmente livre, um laissez-faire puro, já começaremos nos distanciando da prática. Não existe, nem nunca existiu, algum país que tenha adotado esse modelo em plenitude. Existem os que apostaram mais e os que apostaram menos, ou ignoraram completamente. O que a experiência histórica mostra é uma relação muito positiva entre a liberdade econômica e o desenvolvimento econômico. E isso vale também para países subdesenvolvidos, de hoje ou de períodos recentes. Veja o que eram Hong Kong e Cingapura em 1950, e compare com o que são hoje. A diferença desses lugares está em sua aposta nesse modelo de economia livre. Países como Nova Zelândia e Austrália também se desenvolveram apostando em pouca intervenção do estado na economia. Na África temos o caso de Botswana, que é o país que mais tem crescido no continente há décadas, e que apostou nesse modelo, sendo a economia mais livre do continente.

Mas essas considerações precisam de uma boa pitada de sal: não podemos falar apenas em intervenções do governo sem levar em consideração o ambiente institucional desses países. Uma coisa é um estado que não interfere muito em países onde há instituições sólidas, rule of law, direitos de propriedade bem definidos. Outra coisa é falar em pouca intervenção econômica em países com instituições em frangalhos, que vivenciam conflitos civis, politicamente instáveis, etc. Essas coisas trabalham em conjunto.

5. Sobre a questão dos juros. O que impede o Brasil de baixá-los hoje? Alguns economistas temem que investidores tirariam o capital daqui, outros dizem que é balela, que essa redução é tudo que precisamos para que a nossa economia seja reaquecida de dentro. Os primeiros dizem que têm que ficar altos para controlar a inflação, os outros dizem que os juros que administramos não têm impacto sobre a inflação brasileira, porque ela é causada por fatores independentes (variação cambial e preços administrados pelo governo). Teoria, pelo que eu vejo, tem para todos os lados, mas como qualquer ciência humana a gente sabe que pode estar a serviço de interesses. Você, como isento, pensa o quê?

Por aqui, a medida dos juros varia sobretudo em função de dois fatores: i) necessidade de controlar os preços; ii) prêmio pelo risco da dívida.
Minha visão (que não vou dizer que é totalmente isenta, uma impossibilidade) é: os dois fatores conjugam sim para que tenhamos uma elevada taxa de juros atualmente, pois ela afeta diretamente as duas questões.

Ignorar impacto dos juros sobre a inflação é ignorar toneladas de evidências empíricas. É claro também existem outros fatores importantes para a dinâmica de preços, e eu acredito que vários deles deveriam ser atacados para que fossemos menos dependentes do mecanismo dos juros. Por exemplo: a concentração econômica (oligopolização) das atividades, que deriva em grande parte de sermos uma economia fechada e com altíssimo custo para empreender (burocracia, complexidade tributária, crédito caro). Em estruturas oligopolizadas, os ofertantes estabelecidos no mercado possuem maior capacidade de definir preços (menor concorrência), e portanto conseguem empurrar mais seus custos para o consumidor. Resultado: inflação maior. Sobre variação cambial: afeta também, já que à medida que precisamos importar insumos e maquinários, uma depreciação da nossa moeda se reflete em aumento destes custos (esse repasse do câmbio para os preços internos é o chamado efeito pass-through do câmbio). Sobre preços administrados, também é verdade, como vimos recentemente. Quando eles deixaram de ser represados, a inflação acelerou. Mas ela já não era baixa antes disso (e antes da desvalorização do real). O impacto desses fatores não anula a importância atual da taxa de juros no controle de preços (até porque, por exemplo, os juros também ajudam a controlar o câmbio).

Eu acho que poderíamos sim tentar começar a reduzir gradativamente os juros, uma vez que a inflação já dá sinais claros de movimento para baixo. Tem que observar também a viabilidade no lado do prêmio pelos títulos públicos. Uma taxa de juros menor pode exigir a colocação de títulos de prazo menor, ou de mais títulos indexados/pós-fixados (i.e., redução na participação dos títulos pré-fixados), o que é ruim, pois piora a composição da dívida. Mas com a economia dando sinais de melhora, o risco deve diminuir, dando espaço para redução nos juros.

6. O que impede o Brasil de fazer auditoria da dívida pública, você ou alguém sabe?

Acho que temos que deixar claro que existem mecanismos oficiais de auditoria (TCU, que o faz anualmente), e que existe ampla disponibilidade dos dados referentes à dívida [1] [2]. Mas também é importante que a sociedade esteja atenta a isso. Por isso acho esse link aqui bem importante:

Faça aqui sua auditoria da dívida pública

Veja, por exemplo, que eles mencionam a CPI da dívida feita em 2010, que não encontrou indícios de ilegalidade. CPI inclusive que contou com a assessoria técnica da Maria Lúcia Fattorelli, que encabeça aquele Auditoria Cidadã da Dívida, que espalha por aí a baboseira de que a dívida consome metade do orçamento.

7. Acho que não dava bilhão! :rofl: Mas ainda assim acho inaceitável ameaçar quem já é desprestigiado sem antes tirar privilégios injustificáveis de quem já tem demais.

Que fique claro que eu também acho absurdo.
 
Sim, há uma lógica liberal, que é a lógica de que os gastos públicos devem ser contidos e responsáveis, que o equilíbrio fiscal é essencial para o desenvolvimento econômico, e de que precisamos de mecanismos que impeçam uma escalada do gasto público. O que temos de específico agora, nesses tempos de crise, é a drasticidade da medida.

Sobre casos de sucesso, temos sim. Mas antes é preciso cuidado com o que significa "liberalismo autêntico". Se pensarmos em uma economia totalmente livre, um laissez-faire puro, já começaremos nos distanciando da prática. Não existe, nem nunca existiu, algum país que tenha adotado esse modelo em plenitude. Existem os que apostaram mais e os que apostaram menos, ou ignoraram completamente. O que a experiência histórica mostra é uma relação muito positiva entre a liberdade econômica e o desenvolvimento econômico. E isso vale também para países subdesenvolvidos, de hoje ou de períodos recentes. Veja o que eram Hong Kong e Cingapura em 1950, e compare com o que são hoje. A diferença desses lugares está em sua aposta nesse modelo de economia livre. Países como Nova Zelândia e Austrália também se desenvolveram apostando em pouca intervenção do estado na economia. Na África temos o caso de Botswana, que é o país que mais tem crescido no continente há décadas, e que apostou nesse modelo, sendo a economia mais livre do continente.

Acho que, à parte de todos os méritos próprios que eu acho que existem, algumas coisas devem ser levadas em consideração ao se falar de Hong Kong e Cingapura. O primeiro é que são cidades-estado. Metrópoles tendem a ter quase sempre um PIB e indicadores sociais mais elevados que seus subúrbios, cidades pequenas ou, mais ainda, o meio rural - até porque a atividade econômica aumentada é a razão de ser do espaço urbano. A urbanização permite economias de escala e efeitos de rede que facilitam o surgimento de novos negócios e a melhoria de indicadores sociais. Cingapura tem um PIB per capita de mais de 80000 dólares, em paridade de poder de compra, segundo mais de um órgão mundial. Mas Frankfurt tem um PIB per capita nominal de 82000 euros, e uma tabela da OCDE também demonstra isso. Não duvido que Hong Kong e Cingapura também teriam se enriquecido se fossem países comuns, com áreas metropolitanas, pequeno-urbanas e rurais, mas certamente não teriam resultados per-capita tão acima do resto do mundo desenvolvido.

Outro fator é que países pequenos, urbanos ou não, podem se beneficiar de tributações baixas para atrair capitais - não falo só de paraísos fiscais como os do Caribe, que são só um caso particular dessa tendência, mas mesmo da taxação mais baixa de Hong Kong e Cingapura. Em países maiores esses benefícios seriam muito pulverizados, não sendo por si só suficientes para promover um magnífico crescimento econômico.

Não li muito sobre a política de Hong Kong, mas sei que Cingapura teve, em seu histórico, uma série de intervenções estatais também - sobretudo o Fundo Providente Central, um enorme plano de poupança compulsória que junta FGTS, poupança-educação, poupança-saúde e aposentadoria numa única conta. Há também uma atuação firme do governo no mercado imobiliário da cidade. Serviços de saúde e educação superior também são subsidiados diretamente pelo Estado.

Afora que os esquemas não são perfeitos aos olhos dos cidadãos: Hong Kong, depois de muita pressão social e internacional devido às condições dos mais velhos, instituiu um programa de previdência pública.

Mas interessante que todos os exemplos que você citou estão, de uma forma ou de outra, na esfera anglo-saxã, já que todos esses países foram colônicas britânicas. Centro-esquerda x centro-direita parece ser muito um debate positivismo continental x liberalismo anglo-saxão.

Eu tendo a achar que certa liberdade econômica é importante, mas também que o capitalismo não resolve por si só, e aliás não deixa de criar, seus problemas sociais. O trabalho relegado aos menos produtivos (menor escolaridade, deficientes, jovens e idosos, menor capital cultural e networking, estrangeiros não plenamente integrados, etc.) não necessariamente é o suficiente para a manutenção de um padrão de vida digno e para garantir o potencial de participação política do sujeito. Serviços sociais como saúde, educação (básica e a possibilidade meritocrática da superior) e previdência são extremamente importantes para viabilização da inclusão social e da estabilidade democrática.

E a PEC 241 peca se impactá-los de forma desmensurada nesses 10 ao 20 anos.
 
Calma, ET :lol:, eu sei de todas essas peculiaridades de Hong Kong e Cingapura - mas não convinha entrar em detalhes. O ponto era simplesmente que eles são casos que aplicaram um liberalismo econômico com grande êxito, muito embora é claro que cada caso tenha suas particularidades e que nas duas situações não se trata de um liberalismo puro, algo que não existe na prática. Até por isso eu fiz a ressalva: "não podemos falar apenas em intervenções do governo sem levar em consideração o ambiente institucional desses países". =]

Eu tendo a achar que certa liberdade econômica é importante, mas também que o capitalismo não resolve por si só, e aliás não deixa de criar, seus problemas sociais. O trabalho relegado aos menos produtivos (menor escolaridade, deficientes, jovens e idosos, menor capital cultural e networking, estrangeiros não plenamente integrados, etc.) não necessariamente é o suficiente para a manutenção de um padrão de vida digno e para garantir o potencial de participação política do sujeito. Serviços sociais como saúde, educação (básica e a possibilidade meritocrática da superior) e previdência são extremamente importantes para viabilização da inclusão social e da estabilidade democrática.

Nenhum "sistema" é perfeito (aspas no sistema porque não existe uma definição inequívoca de capitalismo, nem uma medida exata de seu funcionamento em cada contexto). Dito isto, é evidente que sempre existe espaço para melhora. A questão sempre é como. Afinal, intenções não bastam - é preciso que o meio escolhido de fato promova melhora. A manutenção pública de alguns serviços (ou o subsídio a eles), como os que você mencionou (sobretudo educação e saúde), são quase que consensuais nas práticas políticas, e não vão necessariamente de encontro com o liberalismo econômico. Se você olhar para os rankings de liberalismo econômico, encontrará países que conjugam considerável liberdade de mercado, com a manutenção desses serviços fundamentais, muitas vezes gastando montantes consideráveis nos mesmos. Exceto pelos anarquistas, quase nenhum liberal irá defender a ausência total do estado nesses assuntos. Mas a maioria dos liberais vai ser da opinião que você não consegue implantar generosos sistemas de educação e saúde (e outros serviços de bem-estar, se desejar) sem antes ter como financiá-los de maneira sustentável. Colocar a carroça na frente dos bois pode colapsar as contas públicas e compromenter as próprias tentativas de tornar o sistema mais justo.

E a PEC 241 peca se impactá-los de forma desmensurada nesses 10 ao 20 anos.

Concordo - mas expus acima os motivos pelos quais acredito que isso não vá acontecer (desde que as demais condições necessárias também sejam atendidas).

A propósito, vou deixar aqui um vídeo do Mansueto, explicando com mais detalhes aquilo que ele disse ao Valor Econômico, bem como falando sobre a questão da previdência:

 
Calma, ET :lol:, eu sei de todas essas peculiaridades de Hong Kong e Cingapura - mas não convinha entrar em detalhes. O ponto era simplesmente que eles são casos que aplicaram um liberalismo econômico com grande êxito, muito embora é claro que cada caso tenha suas particularidades e que nas duas situações não se trata de um liberalismo puro, algo que não existe na prática. Até por isso eu fiz a ressalva: "não podemos falar apenas em intervenções do governo sem levar em consideração o ambiente institucional desses países". =]

Eu sei que você sabe. Mas é que, já que você citou, achei que convinha expor as peculiaridades desses lugares, e em especial aquelas que constituem exceção a um ambiente de liberalismo econômico. Mas você tem razão, não é assunto para discussão delongada neste tópico.
 
Pqp, tio @Fëanor matou a pau. Obrigada por limar mais essa aresta na minha ignorância, cara.
Eu lia os memes e comentários no face e preferia ficar quieta pra não passar vergonha. :clap:
 
@Fëanor, eu tenho tanta coisa para perguntar em cima das suas respostas que só fazendo uma lista para o próximo come-água*. Mas vou me ater só a um ponto que acho que é central:

Sim, há uma lógica liberal, que é a lógica de que os gastos públicos devem ser contidos e responsáveis, que o equilíbrio fiscal é essencial para o desenvolvimento econômico, e de que precisamos de mecanismos que impeçam uma escalada do gasto público. O que temos de específico agora, nesses tempos de crise, é a drasticidade da medida.
Quando quis dizer "lógica liberal" me referi à ideia de que podem haver maiores benefícios com a redução do papel do Estado. Essa parece ser a linha que o governo está seguindo, mas claramente não quer assumir porque sabe que é impopular, aí mascara a questão como se fosse uma contenção momentânea, que não atingirá determinados setores, que sem isso o Brasil vai para o buraco, mas não era o que queríamos, é só enquanto há necessidade... Talvez, se o propósito ideológico fosse esclarecido, o debate seria mais produtivo.

O que mais me incomoda é que essa opção que o governo faz de pôr em risco os investimentos de base pelos próximos X anos é típico do que acontece na área pública, que eu já sofro como servidor de baixo escalão e agora vejo acontecer em grau maior: sempre sobra pro lado político mais fraco. Reduziu o orçamento do município: vai baixar os supersalários e retirar adicionais imorais? Não, vai demitir um número maior de servidores em estágio probatório para cobrir o rombo. Orçamento do Judiciário está prejudicado. Vai acabar com auxílio-moradia e abono de férias (que são duas por ano) dos juízes? Não, vai descumprir a lei que estabelece os planos de cargos e salários e nem conte com reajustes inflacionários, que já não são pagos. O governo federal não está fazendo diferente. Além dos exemplos de voluptuosidades que eu dei, que por obrigação moral e lógica do argumento "crise" deveriam ser cortados antes (ainda que não chegassem às mesmas cifras), por que não aproveitar a maioria que se tem hoje no congresso para fazer passarem reformas que mexem com a receita, antes de mexer com a despesa de áreas que já são defeituosas? Na aprovação da urgente reforma tributária, poderíamos estabelecer a tributação sobre os dividendos, por exemplo (o Brasil é um dos poucos do mesmo padrão em que isso não há). Isso daria bilhão e muito!

A gente não pode ficar sempre aceitando levar na cara quando a coisa aperta. Você entende que a longo prazo isso vai ser bom para os pobres e a classe média, torço para que sim (mesmo porque o cenário político é todo favorável a essa PEC passar), mas você não acha que o custo poderia ser mais baixo para quem tem menos?


* Expressão baiana que quer dizer "encontro amistoso com bebidas alcoólicas, de preferência cerveja".
 

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