Morfindel Werwulf Rúnarmo
Geofísico entende de terremoto
Imagine-se dormindo em um sono profundo. De repente, você se dá conta que está sonhando e começa a observar tudo que acontece, podendo até mesmo controlar a narrativa do seu sonho, de acordo com sua vontade e fazer coisas “impossíveis”, como voar ou mudar o cenário em seu entorno. Apesar de parecer um delírio, os cientistas chamam essa experiência de “sonho lúcido” e pode ser vivenciado por portadores de transtornos mentais e por sujeitos não-psicóticos.
Para entender qual a relação entre os sonhos lúcidos e as psicoses, pesquisadores do Instituto do Cérebro (ICe) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) investigaram 45 pacientes com sintomas psicóticos, sendo 25 portadores de Esquizofrenia e 20 portadores de Transtorno Bipolar do Humor, e um grupo controle de 28 pessoas não-psicóticas.
A psiquiatra e pesquisadora do ICe, Natália Mota, explica que tanto nos sonhos lúcidos quanto nas psicoses o indivíduo acredita em realidades fora do normal sem fazer qualquer crítica, como se fosse possível, por exemplo, “os alienígenas invadirem a terra enquanto está tomando café e olhando pela janela a invasão”, exemplifica.
Um dos resultados do estudo mostra que cerca da metade dos sujeitos com sintomas psicóticos, assim como metade dos não-psicóticos, relataram ter sonhos lúcidos. No entanto, quando o primeiro grupo tem sonhos lúcidos eles conseguem controlar mais frequentemente a realidade do sonho (67% esquizofrenia e 73% transtorno bipolar) que os não-psicóticos (23%).
Outra descoberta foi que, entre os portadores de transtorno mental, aqueles que apresentaram sonhos lúcidos mostraram ser mais retraídos emocionalmente que os outros os quais não tinham sonhos lúcidos. Além disso, contaram seus sonhos de maneira menos complexa, apresentando nos relatos de seus sonhos, características relacionadas a déficits cognitivos - característica medida por meio da análise de grafos de palavras. “Esse resultado parece revelar que a realidade interna em psicóticos com sonhos lúcidos fica ainda mais fortalecida e dificulta a socialização deles com o mundo exterior”, esclarece Natália Mota.
Ao despertar do sonho lúcido, a maioria dos participantes (psicóticos e não-psicóticos) afirmou ter uma experiência positiva. A prática produz um fortalecimento psicológico na população não-psicótica, no entanto, a neurocientista chama a atenção para o fato de que, nos pacientes com psicose, o sonho lúcido pode aumentar o engajamento em sua realidade interna, dificultando seu contato com a realidade externa e sua comunicação com pessoas do seu entorno.
A maior dificuldade do estudo para os pesquisadores foi ter acesso a um fenômeno íntimo como os sonhos. “Foi necessário muito esforço no contato com cada paciente para estabelecer uma relação de confiança, de forma que eles pudessem relatar seus sonhos”, conta Natália.
O próximo passo da pesquisa é estudar os sonhos lúcidos em laboratório com registro eletrofisiológico em sujeitos não-psicóticos, para que seja possível compreender o que acontece na função cerebral quando ocorre lucidez durante sonhos. Além de Natália Mota, o estudo foi realizado por Sidarta Ribeiro (ICe-UFRN), Adara Resende (ICe-UFRN), Sérgio Arthuro Mota-Rolim (ICe-UFRN e Hospital Universitário Onofre Lopes-UFRN) e Mauro Copelli (Universidade Federal de Pernambuco).
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