Morfindel Werwulf Rúnarmo
Geofísico entende de terremoto
Um dos legados da chamada “Primavera das Mulheres”, a onda de protestos que tomou as ruas e as redes sociais em 2015, foi o despertar de uma nova geração de feministas. De meninas e mulheres que agora se percebem alinhadas às ideologias do movimento - até então visto de forma estereotipada e pejorativa.
Semanas atrás um post da ativista Nádia Lapa, especialista em gênero e sexualidade, chamou minha atenção. Ela perguntou às seguidoras que expressões do feminismo gostariam de entender melhor. Surgiram coisas como “sororidade”, “gaslighting”, “empoderamento”, “mansplaining”… Aprendi meia dúzia de palavras que antes não me diziam nada. Descobri que um monte de coisas que eu vivi e presenciei têm nome!
Por que raios não colocamos tudo isso em português e numa linguagem acessível? Não seria melhor difundir o conhecimento sobre as formas de abuso e violência que sofremos diariamente - e talvez nem saibamos? “Sem dúvida é necessário que tenhamos um jeito mais simples de nos comunicar”, diz Nádia. “Um erro nosso é presumir que todas as mulheres entendem do que estamos falando, mas estamos tentando mudar”.
A feminista Nádia Lapa, especialista em gênero e sexualidade, traduziu termos que você deve ter visto no noticiário de 2015 (Arquivo Pessoal)
Ela também acredita que “não podemos menosprezar o conhecimento da vivência”. Como as adolescentes da periferia para quem já deu aula. Meninas que falavam de machismo e violência doméstica com um engajamento que ela própria não tinha aos 15 anos. “Não é à toa que mostraram tanta força na ocupação das escolas. Elas são politizadas. Elas são revolucionárias”, diz.
Enviei à Nádia alguns termos que apareceram com frequência em artigos e reportagens deste ano, pedindo que traduzisse tudo pra gente. Então, vamos ao pequeno dicionário feminista…
- Patriarcado
Este é um conceito que não é consenso. Há quem diga que ele é anterior ao capitalismo, que é posterior, que nem sequer existe. Gosto da explicação de Saffioti, que liga o patriarcado ao contrato social (e sexual). Ela diz que o patriarcado “não se trata de uma relação privada, mas civil; dá direitos sexuais aos homens sobre as mulheres; configura um tipo hierárquico de relação, que invade todos os espaços da sociedade; tem uma base material; corporifica-se; representa uma estrutura de poder baseada tanto na ideologia quanto na violência”. O último ponto é essencial: patriarcado é poder, poder este que tem relação com gênero e classe social, e nem sempre é óbvio. Está tão intrinsecamente ligado a como vivemos que não o percebemos. Ele se faz invisível.
- Mansplaining
Taí algo que toda mulher já sofreu e nem sabia o nome: é a ideia de que o homem sabe mais sobre um assunto. Qualquer homem, sobre qualquer assunto, mesmo que não seja da área de conhecimento dele. No feminismo é especialmente irritante. Vários homens tentam nos dizer como conduzir a militância, o que está certo e o que está errado, o que é importante. O pior é ver as pessoas compartilhando textos de caras dizendo exatamente o que qualquer feminista já disse, como se eles fossem um gênio.
- Gaslighting
É a manipulação emocional dentro de um relacionamento abusivo. O parceiro mina a autoestima da mulher, até que ela duvide da própria capacidade. Aproveitando-se desta fragilidade, o abusador se contradiz, deturpa o que foi dito, deixando a parceira ainda mais confusa. A cereja do banana split é quando ele a chama de louca - e por ter sido manipulada, ela até acha que ele está certo.
- Manterrupting
Parceiro do mansplaining. Sabe quando você tenta falar e o homem simplesmente não deixa? Fica interrompendo, fazendo comentários inúteis, mostrando pseudo sabedoria? Muitas mulheres se calam porque querem evitar a fadiga (é exaustivo mesmo!) ou por acharem que suas opiniões não importam. Importam, sim! Importam muito. “Eu ainda não acabei de falar” é uma frase que temos de incorporar ao nosso discurso. E nada de dizer “posso acabar de falar?”. Não temos de pedir permissão para nos expressar.
- Bropriating
Outro irmão gêmeo do mansplaining. O homem pega uma ideia que é da mulher e a requenta, dizendo que é sua. A gente vê muito disso em textões de facebook, mas podemos ir lá atrás na história e encontrar outros exemplos. Há incontáveis cientistas que se apropriaram do trabalho das mulheres, sendo laureados e elas, esquecidas. Há quem diga que parte das obras de Rodin foram feitas por Camille Claudel…
- Misoginia
Ódio às mulheres. “Mas eu não odeio ninguém”, alguns podem dizer. Mas o ódio se mostra em muitas faces: o desprezo pela mulher é uma delas.
- Objetificação
Transformar a outra pessoa em objeto. Ainda que haja quem defenda que a objetificação atinja homens, ela não é sistemática como a das mulheres. O corpo feminino serve para vender produtos e se vender, também.
- Empoderamento
Mais um conceito controverso. É a tradução do termo “empowerment”. Para feministas liberais, o empoderamento pode ser individual, isto é, uma mulher se sentir bem (com seu corpo, por exemplo) ou chegar à presidência de uma empresa é empoderamento. Na minha linha de estudo, não é suficiente que parte das mulheres ocupe posições de poder tradicionalmente ocupadas por homens. É necessário que todas as mulheres, como classe, como categoria social, sejam livres e tenham real poder de escolha. Para isso acontecer, é imprescindível a total ruptura dos valores do patriarcado.
- Sororidade
Vem de “sóror”, que significa “irmã”. É, portanto, a ligação, os laços entre mulheres, o reconhecimento de nós mesmas nas outras, o amor e o respeito entre nós.
- Feminicídio
Finalmente virou uma qualificadora do crime de homicídio! Infelizmente a imprensa ainda não aprendeu a usar o termo… é o assassinato de mulheres por serem mulheres. Não é qualquer tipo de assassinato (uma confusão bastante comum). Se a mulher for lamentavelmente morta em um assalto, é latrocínio (roubo seguido de morte). O feminicídio ocorre dentro de uma relação doméstica e/ou quando a mulher é assassinada em razão do seu sexo. Homens matam parceiras e ex-parceiras não por ciúme ou por “amar demais”. É feminicídio, é ódio ao feminino, é se achar dono da mulher.
- Heteronormatividade
Tudo no mundo é pensado para os heterossexuais. Inclusive a norma em si - o casamento entre pessoas do mesmo sexo ainda não é uma realidade. Presume-se que a norma é ser hétero; tudo o que não se enquadra nisso é desviante e, muitas vezes, merecedor de retaliação e violência.
*Nathalia Ziemkiewicz, autora desta coluna, é jornalista, educadora sexual e idealizadora do blog Pimentaria.
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