Maria Pretinha
Usuário
Não sei se vocês acompanham pendengas literárias, mas um drama recente me deixou com a pulga atrás da orelha e me lembrou um pouco as discussões do tópico ‘Rubem Fonseca, hoje, não seria publicado’.
Resumão: Stacey Jay é uma autora de YA que perdeu o contrato com sua editora depois de não vender "o suficiente". Stacey, porém, ainda queria escrever uma continuação para seu último livro, Princess of Thorns (pedida por vários leitores). Ela decidiu então criar uma campanha no Kickstarter para arrecadar 10 mil dólares, o que permitiria que ela se dedicasse à escrita do livro e ainda cobrisse os custos de publicação. Note-se que esse valor é 60% menor do que ela recebeu da editora pelo primeiro livro. Uma doação de 10 dólares daria direito à um exemplar, doações maiores ganhariam outras recompensas variáveis, etc. Até aí, uma campanha normal do Kickstarter. Porém, Jay teve a infelicidade de detalhar seus custos, incluindo na lista aluguel, comida, conta de luz e por aí vai.
Ela é uma escritora profissional, propondo um projeto de escrita profissional e pedindo como remuneração o valor mínimo para sua sobrevivência durante o tempo necessário para completá-lo: menos de 11 dólares a hora para manter o room of her own. Antes de avaliar o caso, vale lembrar que o Kickstarter é uma plataforma de financiamento coletivo voluntário, que já arrecadou quase 6 milhões de dólares para um filme da série Veronica Mars (do qual eu participei ) e mais de 55 mil dólares para um zézinho fazer uma salada de batatas.
Para mim, a lógica é simples: te interessa ler a continuação de Princess of Thorns o mais rápido possível? Doe e espere. Não te interessa, segue em frente, tem outrostroféu projetos. É um simples pre-order. Porém, a interwebs, essa bandida, pensou diferente e decidiu presentear a pobre da Stacey com uma enxurrada de chorume. Alguns deles (e minhas considerações rápidas porque não quero que o "textão" se concentre em rebater esses argumentos esdrúxulos) listei a seguir:
"Ela está querendo ser sustentada pelos fãs" - Não seriam todos os artistas (que vivem da sua arte) sustentados pelos fãs, de um jeito ou de outro?
"O Kickstarter não foi criado pra isso, ela quer lucrar em cima do público" - Não vejo o mínimo necessário para que ela se sustente enquanto dedica suas horas de trabalho à um projeto como lucro.
"Por que ela se acha tão importante / especial assim que deva ser sustentada para escrever?" - Ela vai entregar um produto para quem se interessa por aquele produto e, em troca, vai ser paga por isso. Uma escritora sendo remunerada pelos seus leitores - assim como ela seria remunerada pelos seus leitores se fosse publicada da forma tradicional, com a diferença de que parte daquela remuneração ficaria com a editora.
"Ela está fazendo os leitores reféns: 'ou vocês pagam ou não tem livro' " - Ahn? Se ela conseguir o dinheiro, pode dedicar o tempo necessário à escrita do livro, se não, vai ter que se dedicar a outras atividades profissionais. Pode ser que ela escreva aos pouquinhos, pode ser que ela consiga outra editora, pode ser que ela nunca tenha tempo / energia para tal. Mas, se você quiser o livro daqui a seis meses, eu preciso de 10 mil dólares. Faz sentido.
"Eu trabalho 15 horas por dia, tenho 10 filhos, 5 cachorros, faço voluntariado, corro maratonas e escrevi um livro nas minhas horas vagas, por que ela não faz o mesmo?" - Porque ela não quer e, se existe alternativa, não deve.
"Vai arranjar um trabalho de verdade como todo mundo faz" - E ser escritor(a) não é um trabalho de verdade?
O que me leva à segunda parte do título: o escritor como artista da fome.
Pra quem nunca leu, O Artista da Fome é um conto de Kafka que retrata um artista jejuador que, esquecido em sua jaula por um público que não se importa mais pelo seu único talento (o de jejuar), acaba por morrer de fome. Antes de perecer, ele admite que sempre quis ser admirado por sua arte, mas que não o deveria ser, porque "eu não pude encontrar o alimento que me agrada. Se eu o tivesse encontrado, pode acreditar, não teria feito nenhum alarde e me empanturrado como você e todo mundo".
Todo mundo pode ficar sem comer (até certo ponto), mas o artista da fome não podia comer e reivindicava admiração por isso. Ele deveria ser admirado? Ele merecia ser admirado? Qual a utilidade de seu jejum? Por que ele deveria ser pago para não comer? Qual o papel do artista? O artista é um ser especial? O fazer artístico é inútil?
Há quem ache que qualquer um pode escrever e que, portanto, escritores medianos não merecem sucesso (meaning, dinheiro), afinal, "eles não são especiais". Há quem acredite que "a verdadeira" escrita é reservada aos gênios e acontece independentemente do dinheiro. O escritor é um artista, mas ai daqueles que quiserem viver da sua arte! Ele tem de viver na jaula e ficar lá, quietinho, padecendo aos poucos, em silêncio.
Resumão: Stacey Jay é uma autora de YA que perdeu o contrato com sua editora depois de não vender "o suficiente". Stacey, porém, ainda queria escrever uma continuação para seu último livro, Princess of Thorns (pedida por vários leitores). Ela decidiu então criar uma campanha no Kickstarter para arrecadar 10 mil dólares, o que permitiria que ela se dedicasse à escrita do livro e ainda cobrisse os custos de publicação. Note-se que esse valor é 60% menor do que ela recebeu da editora pelo primeiro livro. Uma doação de 10 dólares daria direito à um exemplar, doações maiores ganhariam outras recompensas variáveis, etc. Até aí, uma campanha normal do Kickstarter. Porém, Jay teve a infelicidade de detalhar seus custos, incluindo na lista aluguel, comida, conta de luz e por aí vai.
Ela é uma escritora profissional, propondo um projeto de escrita profissional e pedindo como remuneração o valor mínimo para sua sobrevivência durante o tempo necessário para completá-lo: menos de 11 dólares a hora para manter o room of her own. Antes de avaliar o caso, vale lembrar que o Kickstarter é uma plataforma de financiamento coletivo voluntário, que já arrecadou quase 6 milhões de dólares para um filme da série Veronica Mars (do qual eu participei ) e mais de 55 mil dólares para um zézinho fazer uma salada de batatas.
Para mim, a lógica é simples: te interessa ler a continuação de Princess of Thorns o mais rápido possível? Doe e espere. Não te interessa, segue em frente, tem outros
"Ela está querendo ser sustentada pelos fãs" - Não seriam todos os artistas (que vivem da sua arte) sustentados pelos fãs, de um jeito ou de outro?
"O Kickstarter não foi criado pra isso, ela quer lucrar em cima do público" - Não vejo o mínimo necessário para que ela se sustente enquanto dedica suas horas de trabalho à um projeto como lucro.
"Por que ela se acha tão importante / especial assim que deva ser sustentada para escrever?" - Ela vai entregar um produto para quem se interessa por aquele produto e, em troca, vai ser paga por isso. Uma escritora sendo remunerada pelos seus leitores - assim como ela seria remunerada pelos seus leitores se fosse publicada da forma tradicional, com a diferença de que parte daquela remuneração ficaria com a editora.
"Ela está fazendo os leitores reféns: 'ou vocês pagam ou não tem livro' " - Ahn? Se ela conseguir o dinheiro, pode dedicar o tempo necessário à escrita do livro, se não, vai ter que se dedicar a outras atividades profissionais. Pode ser que ela escreva aos pouquinhos, pode ser que ela consiga outra editora, pode ser que ela nunca tenha tempo / energia para tal. Mas, se você quiser o livro daqui a seis meses, eu preciso de 10 mil dólares. Faz sentido.
"Eu trabalho 15 horas por dia, tenho 10 filhos, 5 cachorros, faço voluntariado, corro maratonas e escrevi um livro nas minhas horas vagas, por que ela não faz o mesmo?" - Porque ela não quer e, se existe alternativa, não deve.
"Vai arranjar um trabalho de verdade como todo mundo faz" - E ser escritor(a) não é um trabalho de verdade?
O que me leva à segunda parte do título: o escritor como artista da fome.
Pra quem nunca leu, O Artista da Fome é um conto de Kafka que retrata um artista jejuador que, esquecido em sua jaula por um público que não se importa mais pelo seu único talento (o de jejuar), acaba por morrer de fome. Antes de perecer, ele admite que sempre quis ser admirado por sua arte, mas que não o deveria ser, porque "eu não pude encontrar o alimento que me agrada. Se eu o tivesse encontrado, pode acreditar, não teria feito nenhum alarde e me empanturrado como você e todo mundo".
Todo mundo pode ficar sem comer (até certo ponto), mas o artista da fome não podia comer e reivindicava admiração por isso. Ele deveria ser admirado? Ele merecia ser admirado? Qual a utilidade de seu jejum? Por que ele deveria ser pago para não comer? Qual o papel do artista? O artista é um ser especial? O fazer artístico é inútil?
Há quem ache que qualquer um pode escrever e que, portanto, escritores medianos não merecem sucesso (meaning, dinheiro), afinal, "eles não são especiais". Há quem acredite que "a verdadeira" escrita é reservada aos gênios e acontece independentemente do dinheiro. O escritor é um artista, mas ai daqueles que quiserem viver da sua arte! Ele tem de viver na jaula e ficar lá, quietinho, padecendo aos poucos, em silêncio.