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A Lógica do Absoluto - Os Escritos Metafísicos de René Guénon

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Paganus

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René Guénon (1986-1951), notável expositor francês da philosophia perennis, tem desfrutado de uma reputação entre os que estão familiarizados com seus escritos como, talvez, o metafísico proeminente do século XX.

Embora sua obra completa compreende por volta de vinte e três volumes, o núcleo de sua exposição metafísica pode ser encontrado em três obras: O Homem e seu Devir Segundo o Vedanta, o Simbolismo da Cruz, e os Estados Múltiplos do Ser. Todas as três obras complementam atentamente uma a outra e devem ser tomadas como um todo, a fim de ser devidamente compreendidas. No entanto, cada uma possui um carácter distintivo: O Homem e seu Devir, está intimamente ligado às categorias conceituais específicas e a terminologia do Advaita Vedanta; O Simbolismo da Cruz, tanto um estudo do simbolismo, bem como da metafísica, demonstra a gama de domínio doutrinário de Guénon através das tradições, enquanto articula a metafísica tradicional em um modo particularmente geométrico. Estados Múltiplos, o mais puro trabalho metafísico de Guénon, é uma demonstração lógico-dedutiva de princípios metafísicos, categorias e relações de uma clareza e profundidade surpreendente.

Apesar de suas diferenças de modo e ênfase, todas as três obras são possuídas pela mesma animadora pergunta: "O que é possível para o ser humano" Simplesmente render-se a resposta surpreendente de que Guénon afirma não serviria, pois, se é para ser aceita, ainda que provisoriamente, ela deve ser conquistada, seguindo a cadeia inferencial de idéias que levam inexoravelmente em direção a ela. É neste contexto que o temperamento e formação de Guénon como matemático são particularmente evidentes: para ele, afirma-se primeiramente os princípios axiomáticos e, em seguida, se prossegue, em uma maneira quase-lógica de uma prova, na direção consequentes conclusões.

Guénon começa sua demonstração com um axioma primário, ou primeiro princípio, que ele chama de infinito metafísico. Para aqueles familiarizados com as fontes tradicionais, é claro que ele está evocando a mesma noção como que expressa no Brahman do Shankaracharya, o Gottheit do Meister Eckhart, o Tao do Lao Tzu, o Uno de Plotino, ou al-Dhat do Ibn 'Arabi. No entanto, ele deliberadamente forja um vocabulário independente dessas menções tradicionais, pois, ao abordar um público contemporâneo tipicamente não familiarizados com essas fontes, ele deseja uma doutrina essencial para valer por si própria, através da sua coerência intrínseca e independentemente de quaisquer associações. Guénon é cuidadoso em distinguir o Infinito metafísico do infinito matemático, que é finito, na medida em que se limita ao domínio dos números. O Infinito metafísico é simplesmente, e mais convincente, aquilo que não tem limites de qualquer tipo.

Várias características necessárias seguem sobre esta definição essencial: O Infinito não possui qualquer limitação, restrição ou determinação, pois tal anularia claramente a sua infinitude. Ele é único, abrangente, e uma absoluta totalidade, pois se alguma coisa existir fora dele, ele não seria o Infinito. É sem partes, pois qualquer parte seria relativo e finito e poderia, assim, não ter nenhuma medida ou relacionamento comum a ele. É absolutamente indeterminada, pois qualquer determinação positiva serviria como uma delimitação e, portanto, não poderia aplicar-se a ele. Pela mesma medida, é absolutamente afirmado, pois sua indeterminação - a negação de qualquer definição limitadora - é equivalente à negação da negação como tal e assim, uma afirmação total. Finalmente, é incontestável, pois sua indeterminação absoluta implica que não pode ser definido, discutido ou, desta forma, contestado.

A definição essencialmente apofática da noção do Infinito metafísico implica também - assim como ele não pode ser racionalmente contestado - que não está aberto a prova racional. Em vez disso, um outro modo de discernimento deve ser utilizado, que poderia ser chamado de "intuição intelectual". Ananda Coomaraswamy, a este respeito, tem escrito sobre a doutrina tradicional como que possuí uma "inteligibilidade que se auto-autentica", na medida em que as idéias metafísicas trazem em si sua própria evidência suficiente. No entanto, tais elementos de prova pode não se esperar falar para todos: como Frithjof Schuon afirma:

"O Infinito é o que é;
pode-se entender ou não entender."


O Infinito metafísico, como um todo-abrangente, totalidade absoluta, pode ser previsto em um aspecto como um todo universal, ou Possibilidade Universal, como Guénon expressa. A Possibilidade Universal abrange o total, menos o estritamente impossível, que, como pura negação, é literalmente um nada e, portanto, não é nenhum limite sobre a infinitude do Todo. A relação entre o Infinito e Possibilidade Universal podem, a partir de uma perspectiva, ser concebida como a da perfeição ativa e passiva, de essência e substância. De um outro ponto de vista, esta relação pode ser considerada como princípio e o recipiente. Em ambos os casos, apenas há o único Infinito, pois o Todo de forma alguma é distinto do Infinito como tal.

Tudo o que é possível encontra o seu lugar em relação ao Infinito, o que pode ser visto como de uma só vez o seu próprio princípio gerador e seu recipiente abrangente. Neste sentido, e na medida em que está dentro da Possibilidade Universal e, portanto, sendo não impossível, cada possibilidade pode se dizer ser real. Isso não significa, porém, que todas as possibilidades se manifestam. Em geral, qualquer possibilidade pode ser uma possibilidade de manifestação ou uma possibilidade de não-manifestação. Esta distinção, entre manifestação e não-manifestação, é a mais fundamental e universal que pode ser feito dentro da Possibilidade Universal. Aqui, Guénon distingue entre os dois domínios de não-manifestação e manifestação. Dentro do domínio de não-manifestação são encontrados tanto o não-manifestável (aquelas possibilidades de não-manifestação), bem como o manifestável (aquelas possibilidades de manifestação na medida em que não se manifestaram). Dentro do domínio da manifestação são encontrados os manifestados (aquelas possibilidades de manifestação na medida em que se manifestam). Juntos, os domínios de não manifestação e manifestação compreendem toda a Possibilidade Universal.

As possibilidades manifestáveis e não-manifestáveis dentro do domínio de não-manifestação compreendem dois modos distintos e gerais, cada um em conformidade com sua respectiva natureza. Em contraste, as possibilidades de manifestação - vistas dentro do domínio tanto de não-manifestação como de manifestação - possuí um caráter radicalmente diferente nas suas condições não-manifestadas e manifestadas. No domínio da não-manifestação, todas as coisas subsistem eternamente em princípio, em permanência absoluta, indiferenciadas, incondicionadas por quaisquer fatores contingentes ou limitantes. Por outro lado, no domínio da manifestação, todas as coisas são transitórias, diferenciadas, condicionadas e contingentes. Em essência, o domínio de manifestação é o campo de diferenciação, multiplicidade, contingência, e das alterações, ao passo que o domínio de não-manifestação - ao mesmo tempo mais simples e principial - antecede a estas condições.

Mesmo quando se manifesta, cada possibilidade de manifestação permanece fundamentada em seu princípio imediato, que não é outro senão o seu estado como pura possibilidade de não-manifestação. É através deste fato que esta encontra a sua subsistência duradoura, independente das condições particulares e limitantes inerentes à manifestação. O mesmo caso para as possibilidades individuais de manifestação também vale para os domínios de não-manifestação e manifestação como tal. Em certo sentido, não-manifestação e manifestação podem ser considerados como dois domínios separados e independentes. Em outro, em um sentido mais profundo, o domínio de não-manifestação pode ser visto como o solo e fundamento da manifestação, da qual se extrai toda a sua realidade.

Tal como Guénon expressa a articulação da Possibilidade Universal em termos de manifestação, assim também ele expressa essa articulação em termos do Ser. Estes dois modos de expressão são intimamente equivalentes, ainda que não exatamente idênticos: por um lado, ele faz uma distinção entre as categorias de não-manifestação e manifestação; por outro, entre Não-Ser, Ser e Existência. Ao esclarecer a relação entre estas duas articulações, podemos dizer que a não-manifestação e Não-Ser são equivalentes e co-extensivos, assim como são a manifestação e Existência. Ser é uma categoria intermediária: não-manifestada mas ainda assim distinta do Não-Ser; a primeira manifestação, ainda assim distinta da Existência. Em certo sentido, o Ser pode ser dito aquele aspecto do Não-Ser que é o princípio imediato para a Existência como tal, ou Não-Ser na medida em que é exprimível à Existência; no entanto, em um sentido mais profundo, Não-Ser é anterior ao Ser, que é a primeira determinação em direção à Existência, a primeira distinção para a diferenciação, enquanto o Não-Ser, em si, é indeterminado e indistinto.

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Se o Infinito metafísico pode ser visto sob um duplo aspecto de princípio e recipiente, de modo que se pode falar de uma só vez de Infinito metafísico e Possibilidade Universal, essa perspectiva gêmea também é encontrada nas categorias metafísicas subsequentes de Não-Ser e Ser. Assim, o Não-Ser pode ser visto como o princípio que contem ou o solo que abrange o Ser, assim como o Ser carrega essa mesma relação dupla em respeito com a Existência. Esta relação dupla do princípio e de recipiente é fundamentalmente inerente: cada categoria antecedente, como a fonte ou base da categoria subsequente a ela, necessariamente compreende e abrange, em princípio, a totalidade dessa categoria. Expressando este duplo aspecto metaforicamente, pode-se observar que o fruto do carvalho é a "semente" do carvalho, ao mesmo tempo em que abrange, em princípio, todos os aspectos de seu crescimento e forma subsequente.

Um par de imagens sugestivas pode tornar as relações fundamentais entre categorias metafísicas mais claras. Considere quatro círculos ou esferas de assentamento, cada uma associada a uma categoria metafísica particular. Na [Imagem 1], sugerindo a perspectiva em que cada categoria antecedente engloba a categoria subsequente, o círculo externo representa Possibilidade Universal, o próximo o Não-Ser, o próximo o Ser, e do círculo mais íntimo e final, a Existência. Cada círculo contém o subsequente a ele, de forma decrescente, traçando a partir Possibilidade Universal à Existência. Na [Imagem 2], sugerindo a perspectiva em que cada categoria antecedente é o princípio imediato da categoria subsequente, podemos empregar os mesmos quatro círculos de assentamento, mas com uma inversão das relações, pois agora o círculo mais íntimo representará o Infinito Metafísico, o próximo o Não-Ser, o próximo o Ser, e o círculo externo e final, a Existência. Cada círculo é o princípio daquele que o sucede, de uma forma radiante, traçando do Infinito metafísico até a Existência.

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Duas consequências adicionais e gerais podem ser verificadas a partir dessas relações categóricas. Em primeiro lugar, mesmo que uma categoria antecedente seja metafisicamente distinta da categoria subsequente, não é isolada dela. A relação principial entre as categorias, na qual a categoria subsequente é fundamentada e de onde retira sua realidade de seu antecedente, implica, de certa maneira, que a antecedente participa dela, ou equivalentemente, "participa pelo” seu antecedente. Mais uma vez, expressando metaforicamente, um fruto e um carvalho são claramente distintos, mas há também uma continuidade evidente, na medida em que o fruto participa principialmente no desdobramento subsequente do carvalho.

A importante e segunda consequência é que, enquanto que a "continuidade na distinção" entre as categorias é mais imediatamente relevante entre uma dada categoria e seu antecedente imediata, a extensão de seus princípios deixam claro que a continuidade deve persistir entre uma categoria e todo o seu conjunto de antecedentes, pois cada um em sua vez possui uma continuidade em relação ao anterior. Assim, a Existência participa não só pelo Ser, seu anterior imediato, mas também pelo Não-Ser e no Infinito metafísico também. O corolário decisivo é que o Infinito metafísico, enquanto transcendentalmente único, principialmente participa e está presente na totalidade das subsequentes categorias metafísicas, até e incluindo a totalidade da Existência. Em última instância, existe apenas um único Princípio: o próprio Infinito metafísico.

A linguagem da metafísica, necessariamente uma de alta abstração, torna-se mais acessível por Guénon através do emprego de várias metáforas adequadas. Assim como o termo Infinito metafísico de uma só vez evoca e transcende o infinito matemático, Guénon extende essa metáfora numérica para as outras categorias metafísicas. Assim, o Não-Ser, em sua indiferenciação não-manifestada, pode ser considerado com o "Zero metafísico"; O Ser, como a diferenciação primordial, pode ser considerado como "Unidade"; A Existência, tomada em sua abrangência, é uma "Unicidade", que compreende a multiplicidade como tal, tomada na indefinitude de suas possibilidades manifestas. A Unidade pode ser vista como a afirmação do Zero, assim como a Unicidade preserva uma unidade essencial, que, entretanto, expressa a multiplicidade. Em termos geométricos, pode-se considerar o Não-Ser como aquele que antecede o espaço e a extensão, o Ser como o ponto primordial, sem espaço em si, mas possuindo todo o espaço na virtualidade, e a Existência como a totalidade do espaço, em sua indefinitude da extensão. Da mesma forma, em termos da fala, pode-se considerar o Não-Ser como o silêncio, como tudo o que é inexprimível, o Ser como o som puro, ou a pura possibilidade da expressão, e a Existência como a totalidade do exprimível, de tudo o que é falado.
A Existência, com o reino das possibilidades manifestas em toda sua diversidade, em sua multiplicidade diferenciada, está necessariamente composta de diversos graus ou modos, cada um formado por um conjunto de possibilidades compatíveis sujeitos a condições em comum, tais como o espaço, tempo, forma e corporeidade. Dentro desta concepção geral, o ser humano individual pode ser visto como uma certa coleção de possibilidades manifestas, tanto corporais quanto sutis, sob certas condições definidoras. Como tal, um dado ser humano é composto de um determinado grau ou estado da Existência universal entre a indefinitude de outros. Se a Existência fosse isolada de sua categoria metafísica antecedente, então um ser humano não seria mais do que uma unidade fragmentada, presente entre uma diversidade indefinida, isolado em si mesmo de qualquer outro estado. No nível da individualidade humana, esta é precisamente a nossa condição existencial. No entanto, a Existência está principialmente "participada" por suas categorias metafísicas antecedentes, assim como cada possibilidade manifestada dentro do domínio de Existência é fundamentada em seu princípio não-manifestado.

A "continuidade na distinção" entre as categorias metafísicas implica que um ser humano é mais do que a sua individualidade particular, pois ele carrega em si a marca principial de todos os antecedentes metafísicos que participam dele. Assim como isto é verdade para um ser humano em um estado particular de existência, também é válido para todos os Estados, independentemente da sua natureza. E, no entanto, no final, há apenas um princípio antecedente - o Infinito metafísico - presente em todas as suas reverberações ao longo de todas as categorias metafísicas e todas aquelas possibilidades que compreendem. Neste sentido, pode-se considerar o Infinito metafísico ainda noutro aspecto, para além da Possibilidade Universal, aquilo que Guénon chama de Ser integral ou total. Este Ser - que deve ser claramente distinguido tanto do Ser como uma categoria metafísica, bem como do ser humano individual - pode ser entendido como o Infinito metafísico em seu aspecto em que principialmente participa ao longo de toda Possibilidade Universal. Como tal, ele é ao mesmo tempo singular em si mesmo, mas diferenciado entre as categorias metafísicas e possibilidades.

Um termo estreitamente relacionado que Guénon emprega é "o Si." Fundamentalmente, o Si é idêntico ao Ser total, mas a partir do ponto de vista do indivíduo humano, o Si é aquele princípio último através do qual todo o conjunto de possibilidades manifestas e não-manifestas que subsistem o ser humano. O Si, então, pode ser entendido com o Ser total visto sob o aspecto particular e limitativo de um determinado indivíduo humano. Sob este aspecto, pode-se dizer, metaforicamente, que se o Ser total é um sol, então o Si é um raio; se o Ser total é uma tapeçaria, então o Si é um fio. O Si, como princípio, é a verdadeira realidade do ser humano, a individualidade sendo só uma modificação transitória e contingente.

O indivíduo humano, do ponto de vista de sua individualidade, é, na melhor das hipóteses, um fragmento dentro da vasta multiplicidade de manifestação. Como participado pelo Si, no entanto, o indivíduo tem sua raiz e remonta ao próprio Infinito metafísico, do qual o Si é um aspecto particular. Tem que ser assim, pois sem essa continuidade essencial, o indivíduo estaria completamente sem realidade, desligado de sua sustentação. Esta continuidade, por toda sua importância fundamental para o indivíduo, não é sentida, é despercebida e desconhecida. É isso que é ao mesmo tempo a tragédia e a promessa da condição humana: uma tragédia, pois sem este conhecimento, esta gnosis, experimentamos a nós mesmos de maneira estreita, fragmentária com a qual estamos muito familiar; uma promessa, pois nenhuma outra correção é exigida para esse conhecimento libertador. Nós não podemos fazer nada, pois não há nada a ser feito; precisamos apenas saber o que é, o que sempre foi, e do que deve ser.


O que é possível para o ser humano é realizar sua identidade essencial com o Si, e, portanto, com o Ser integral e total, o Infinito metafísica em seu aspecto participativo dentro Possibilidade universal. Com essa realização, o ser humano transcende sua individualidade particular, sua humanidade, sendo não mais um fragmento, mas uma totalidade. Guénon descreve esta condição final nas palavras do grande sábio vedântico Shankaracharya: "O iogue, cujo intelecto é perfeito, contempla todas as coisas como habitando em si mesmo e, portanto, pelo olho do Conhecimento, ele percebe que tudo é o Si. Ele sabe que todas as coisas contingentes não são diferentes do Si e que, além do Si, não há nada."

The Logic of the Absolute
The Metaphysical Writings of René Guénon
by Peter Samsel
Parabola 31:3 (2006), pp.54-61.


Fonte
 
Eu tinha lido em algum lugar sobre o caso do mistério do infinito objetivo ser tão grande quanto o do infinito subjetivo (o infinito que habita dentro das pessoas, na alma delas). E que o universo infinito subjetivo permaneceu inexplorado, muito pouco estudado.

Carl Jung chegou a abordar o assunto da subjetividade, da importância daquilo que é intuitivo no sentido de que o futuro do subjetivo é vir a se materializar um dia no mundo concreto. Esse raciocínio valeria para cada pequeno gesto das pessoas, primeiro um sonho, depois a concretização do sonho.

No que de um ponto de vista oriental da encarnação, a personalidade humana manifestada neste mundo é classificada como uma fração mínimia da personalidade real espiritual deixada no mundo não-físico (sendo o mundo material uma ilha física com o nosso universo dentro do reino de Deus). Uma pessoa é apenas por volta de 1% da força natural que realmente representa antes de vir.

Nesse âmbito, ao morrerem parentes, amigos e conhecidos se tornam em alguém diferente daqueles que conhecemos um dia como fulano ou beltrano e assumiriam uma personalidade original com condições diferentes de subjetividade e objetividade porque o período de vida fora temporário e era necessário ter um conjunto específico e pequeno de qualidades para realizar uma missão restrita em vida.

Biblicamente falando, se a pessoa for fiel no pouco deve ser compensada sendo colocada sobre muito e assim por diante.
 
O problema do idealismo subjetivista é errar o alvo, ou um erro de foco. O eu infinito não é a base de mensuração da realidade, o postulado fundamental do Infinito metafísico, mas é justamente o contrário, a infinitude do Eu transcendental, do atman, está estritamente ligada ao seu desdobramento na manifestação a partir do Outro. Na verdade, falar de Eu e de Outro já é cair em dualismo, já é cindir a Unidade Metafísica. O Eu e o Outro se relacionam em um estado não-manifestado, mas já não é mais o Imanifestado.

Em outras palavras, existe dualidade, mesmo a mais originária, apenas em um sentido relativo, já atualizado do Ser. Daí que só se postula a Unidade a partir do Eu de um ponto de vista igualmente relativo, ascensional. Aqui não é a síntese dialética platônica que procede do Uno, perpassa a estrutura dialética das Ideias para reconstituir o real até o limite do sensível, mas justamente o contrário. É o trabalho penoso, ascético, do filósofo que ascende misticamente a graus cada vez menos condicionados de saber-existência, de theoria, contemplação, para se realizar metafisicamente no Uno.

Todas essas confusões modernas sobre psiquismo, psicanálise, subconsciente, reencarnacionismo são deformações de um conhecimento antigo e parcialmente esquecido da estrutura ascensional, do aspecto metafísico relativo à busca da Identidade Suprema. Seria custoso detalhar isso aqui. Esses desenvolvimentos são ininteligíveis sem ter em profunda conta os complexos desenvolvimentos da tradição filosófica ocidental, principalmente a partir de Descartes, embora muitos erros metafísicos já existissem desde Santo Agostinho.

Agora o seu post faz todo o sentido do mundo se se fixar menos nesses desenvolvimentos e mais no aspecto existencial dessa busca, e mais ainda no caráter de evento das possibilidades do ser que se mostram no nosso estado individual e seus desdobramentos em estados superiores. Falo no sentido de um 'telos', uma direção, um destino.
 
Todas essas confusões modernas sobre psiquismo, psicanálise, subconsciente, reencarnacionismo são deformações de um conhecimento antigo e parcialmente esquecido da estrutura ascensional, do aspecto metafísico relativo à busca da Identidade Suprema. Seria custoso detalhar isso aqui. Esses desenvolvimentos são ininteligíveis sem ter em profunda conta os complexos desenvolvimentos da tradição filosófica ocidental, principalmente a partir de Descartes, embora muitos erros metafísicos já existissem desde Santo Agostinho.

Logo agora que fiquei interessado. :lol:
 
Logo agora que fiquei interessado. :lol:

Mas você sabe, não é?

Veja o exemplo de Santo Agostinho.

Para os Santos Padres a ascensão teria termo na deificação da hipóstase humana, o composto integral da pessoa humana formado pela alma (psyche), inteligência (nous) e corpo (soma). Essa deificação presume uma participação integral da pessoa humana na vida divina e, com ela, toda a criação seria curada da Queda ontológica que os primeiros pais trouxeram a ele pelo primeiro pecado. Para os Santos Padres, essa vida divina, a direta manifestação de Deus na história assume diversas formas, mas é sempre a mesma Luz Incriada que se manifesta, seja aos patriarcas, profetas e reis do Antigo Testamento, seja na Luz do Tabor, o Monte onde Cristo se transfigura, revelando sua natureza divina aos Apóstolos.

Essas aparições confirmam que apesar de ser totalmente transcendente, portanto, nem Ser nem não-Ser, por transcender absolutamente essas categorias, Deus Se revela, Se dá a Si mesmo de maneira kenótica (kenosis = rebaixamento) em suas energias incriadas. Esse termo vem da energeia aristotélica, que não é nem potência nem atualidade, mas uma determinada maneira ativa, intensamente ativa, de existir, de subsistir em movimento. Assim é que os Padres se referiam à ousia, a substância divina, de maneira analógica, visto que Deus transcende absolutamente o Ser, e a distinguiam da energeia divina, Sua atualidade ativamente manifesta no Ser, que impede que na manifestação o Ser se feche ao Supra-Ser, à Divindade Supra-essencial.

O pensamento de São Dionísio, o Areopagita, é ainda mais claro. Para ele qualquer nome que se use para Deus, Bom, Belo, Misericordioso, Justo, são aplicáveis apenas analogicamente já que Deus é impredicável, tudo que a imperfeita linguagem humana possa Dele dizer, por mais relativamente justo que seja referente à relatividade cognitiva, espistemológica, do estado individual humano (e suas limitações expressivas, linguísticas), é absolutamente inócuo, imperfeito, falho, idolátrico para se referir à Realidade Absolutamente Transcendente, totalmente Outra, de Deus. Os Nomes Divinos ('Dos Nomes Divinos' é o nome do tratado metafísico de São Dionísio) se referem às energias operativas e imanentes de Deus que, ainda que coextensivas ao Ser supra-essencial da Divindade, são distintas de Sua essência (ousia) totalmente transcendente. Essas energias ou nomes são os arquétipos divinos que estruturam e enformam transcendentalmente toda a realidade, mas estão distante de Deus em Sua essência. Até o nome de Deus é uma energia, Deus em Si mesmo é Hypertheos, além-Deus.

Essa é a base da teologia apofática.

E o que Agostinho faz? Identifica Deus ao Ser!

Por mais que Agostinho reconhecesse ser impossível conhecer a essência divina, ainda afirmava que essa essência era a base do Ser, colocando-a como um princípio imanente do Ser, uma transcendência pura e imóvel, que subordina o próprio dogma da Trindade a uma unidade metafísica racionalista, que fecha o Supra-essencial em uma Essência fundadora, ignorando a distinção entre o ôntico e o ontológico, entre o Mesmo e o Outro que fundam o Ser, como este fixa o Movimento e o Repouso dialeticamente.

Agostinho ignorava totalmente o grego e, portanto, toda a tradição teológica mística e ascética da Igreja oriental, daí ter recorrido a heresias teológicas e metafísicas tão graves. Do ponto estritamente metafísico, ele cometeu um crime, uma blasfêmia ontológica, ao fechar o não-Ser, ou além-Ser, no Ser. E daí foi um passo relativamente curto para toda a teologia ocidental subsequente fechar ainda mais esse círculo com o Ato Puro de Tomás de Aquino, que destruiu completamente qualquer oportunidade de recuperar a distinção entre a super-ousia divina (agora rebaixada a um mero Ser, ainda que fundacional) e as energias (rebaixadas a atos divinos criados, contingentes), inviabilizando qualquer doutrina de deificação e trazendo uma antropologia ruinosa.

Você vê como as coisas andam relacionadas, a atribuição do Ser fundante ao Hiper-Ser prende o Ser a qualquer transcendência, o mutila, e inviabiliza a ascensão, que toma um caráter de mimesis religiosa de atos e ordens divinas estabelecidas in illo tempore, destruindo a liberdade humana e lhe desfigurando a face, abrindo o caminho para desvirtuações metafísicas (deísmo, nominalismo, fenomenismo, racionalismo, ceticismo ontológico).

Esse exemplo é um de muitos, é uma narrativa dentre muitas do grande processo de desagregação da metafísica ocidental do seu Princípio fundante.
 
Foi a força do hábito. Fico de sobreaviso pensando que tenho insuficiente quantidade de material sobre a história da construção das abordagens das fenomenologias, incluindo os fenômenos divinos e espirituais no ocidente e oriente. De certa forma, pra mim, é uma espécie de tentativa de se reconstruir a história da tecnologia (algo como "A TECNOLOGIA" final e definitiva do mundo ou para além dele) É sempre bom aumentar as referências pra eu poder procurar textos.

Imagina traduzir o significado de eventos espirituais semelhantes entre diferentes doutrinas espirituais orientais-ocidentais e construir modelos práticos pra aplicar o que cada um traz de bom.
 
Imagina traduzir o significado de eventos espirituais semelhantes entre diferentes doutrinas espirituais orientais-ocidentais e construir modelos práticos pra aplicar o que cada um traz de bom.

Esse exatamente é o intuito de Guenon e de todo o tradicionalismo. ;)
 

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