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Quatro Soldados (Samir Machado de Machado)

Clara

Perplecta
Usuário Premium
Nos últimos anos da guerra contra índios e jesuítas, quatro jovens têm seus caminhos entrelaçados. Um alferes que, ainda adolescente, recebe seu primeiro comando, um rígido e melancólico capitão de cavalaria, um desertor que vive do contrabando de livros e um tenente de motivações sempre ambíguas.

Em comum, possuem a mesma inquietação com o papel que lhes é destinado no mundo, enquanto vão e vêm no espaço mítico e nebuloso da fronteira brasileira no século XVIII. Entre labirintos perdidos e viagens subterrâneas, entre o Iluminismo e o Terremoto de Lisboa, nenhum deles, nem mesmo o narrador, consegue passar incólume. Talvez nem mesmo você.

Conheço o autor pela organização (e alguns contos) da série Ficção de Polpa.

Esse livro "Quatro Soldados" (pela Não Editora) está sendo vendido na Amazon BR (e-book) por R$ 18,76.
Queria saber se alguém aqui leu, o que achou e se vale a pena comprar. :think:
 
Sim, vale muito a pena. Eu não escrevo resenhas etc. porque sou vagal e não adquiri esse hábito (até acho que devia tentar e tal...) Mas é um livro muito bom, mesmo. :)
O @Tilion pode rasgar uma seda aí também. Hehe.
 
Minha resenha:

Quatro Soldados, de Samir Machado de Machado

Uma vez que cabe a mim, teu narrador, a obrigação de narrar, e a ti, meu leitor, a de ler – se assim te apraz -, faz-se mister, por questões de cortesia, que nos apresentemos.


...mas como num romance inglês do século XVIII, não, não será tão fácil que o narrador se apresente.


“Quatro Soldados” trata justamente de quatro soldados. Mas não, eles não são nem Power Rangers nem um quarteto à la Mosqueteiros. O romance se divide em quatro partes que se interseccionam para narrar os eventos que envolvem cada um dos quatro.


O plano de fundo é o século XVIII, em meio aos eventos que levarão às Guerras Guaraníticas, empreendimentos de parte das tribos indígenas com o apoio dos jesuítas para resistir à investida espanhola de demarcar o território e movê-los para outros lugares. Os soldados do Regimento de Dragões de Rio Pardo, em Minas Geraes, acaba sendo envolvido nos eventos justamente por responder aos interesses da coroa portuguesa, que acabara de assinar o Tratado de Madri com a Espanha para definir a divisão do território brasileiro.


A história começa com os eventos fantásticos que levam à formação do jovem soldado Licurgo, abandonado na infância pelo pai. Acolhido pelo oficial Antônio Coluna e crescendo dentro do regimento, é enviado para uma missão: descobrir o que há num forte espanhol aparentemente abandonado.


No caminho, perguntaram ao índio sobre o que sabia do entreposto espanhol. Miguel os olhava de modo desconfiado, como se a pergunta em si fosse absurda. Respondeu: o demônio, é claro. Contou que volta e meia alguém [...] tentava chegar ao entreposto atravessando o jardim, e todos sabiam que o encontrariam morto no dia seguinte, sem os pulmões.


A resposta para o mistério, claro, não é óbvia, e os eventos, cada vez mais estranhos, se encontram no limiar de uma narração de um Baudolino ou um Marco Polo. Aliás, as alusões literárias e míticas não faltam, principalmente quando os eventos da torre remetem a um clássico contemporâneo, “O Nome da Rosa”.


Se ao leitor, quando chegar na quarta parte, onde uma referência curiosa de “As Loucas Aventuras de James West” – referência óbvia, mas talvez não a pensada originalmente pelo autor – for uma forçada de barra, é preciso lembrar que a protagonista dessa última parte é justamente um homem erudito que engana a todos com sua devassidão. Quando um padre é encontrado morto, o Andaluz, outro dragão, se lança ao desafio como um Iluminado:


- Ora, senhores! [...] Vamos usar dum pouco de raciocínio lógico, vivemos em plena era das luzes. Não vamos confundir a verdade com o plausível, e sim formar nossos princípios com base em observações racionais.


A referência ao Andaluz vai de Sherlock a Guilherme de Baskerville e termina obviamente no Padre Brown. Se o desenvolvimento de Licurgo é de um Adso de Melk que experimenta o mundo para saber de si, Samir já nos entrega uma personagem encantadora de pronto, que na segunda parte havia complementado com Coluna na formação de Lico (risos) – Coluna cede a pragmática, e Andaluz o apetite intelectual.


- Já me disseram para esgotar os clássicos antes de partir para os novos – lembrou [Licurgo]. – Afinal, não já tempo para se ler tudo... ainda mais que os tais romances não distinguem os fatos da ficção, não é o que dizem? Inventando geografias falas e seres que não existem?

- Ah, agora tudo se explica! Quem te meteu um dislate desses na cabeça?! – o Andaluz exaltou-se [...]. – Se queres conhecer o passado, busca os clássicos, se queres prever o futuro, vá a um astrólogo... mas para interpretar os dias em que vivemos, só vais encontrar as respostas lendo a ficção do nosso tempo.


A defesa de Andaluz é pertinente hoje mesmo em que eruditos gostam de declarar que “a poesia está morta”, que “tudo já foi escrito”, que “não há nada de novo sobre a terra”, que “tudo é repetição, então tudo é vaidade”. Machado de Machado, como um Pynchon de Terra Brasilis, não aceita isso – por que outro motivo um romance histórico que procura soar de fato como o período em que se passa precisaria ser escrito nos dias de hoje? Porque o questionamento da realidade é sempre presente. Para Sterne, deixar uma página em branco era um modo de confrontar o leitor com a realidade. Para Machado, a voz de um morto despido de limites morais e éticos tinha a mesma intenção – como continua Andaluz:


“Todo homem anseia por ver cousas impossíveis, inimagináveis, não apenas para divertir e entreter seus sentidos, mas para ser deslumbrado ao confrontar o que antes julgada inconcebível.”


E essa incapacidade de cogitar o inconcebível é a matriz do fantástico, do metafórico, mesmo do confessional. Esse viver reprimido é que anula o imaginário humano, possivelmente a própria vontade de viver e experimentar melhor o mundo, como o próprio Coluna irá descobrir ao confrontar o quarto soldado, anônimo, na terceira parte da obra, um exercício escrito que já se prenuncia trágico com a entrada de um coro.


Ao ser incumbido de proteger uma família no caminho para uma cidade, Coluna acaba tendo de confrontar-se com suas próprias ansiedades e com um vilão que realmente parece encarnar o Mal acreditando estar com a razão – uma reflexão sobre o terrorismo, talvez? Não à toa, a primeira referência que pode cruzar a mente do leitor é o assassino albino de “O Código da Vinci”. Como se vê, Machado de Machado consegue fazer essa ponte entre o popular e o erudito, mesmo que possivelmente acidental.


Mas o que importa dizer sobre o texto de Samir Machado de Machado é que ele é fluido. O autor procurar deixar tudo às claras para o leitor, mas sempre fazendo questão de mostrar que fez a lição de casa: a tipografia, a estrutura, a voz do narrador, mesmo a personalidade de cada uma das personagens convence o leitor de que estamos experimentando eventos passíveis de terem acontecido no século XVIII. O exercício da verossimilhança mimética, apesar das meta-referências, é convincente, como num livro de Thomas Pynchon.


Se há algum objetivo visado pelo autor – se é que há um objetivo – é que provavelmente os questionamentos e os vislumbres são uma constante. Não importa o zeitgeist, a curiosidade humana não se dá por satisfeita. E o primeiro passo é explorar o mundo – como Coluna -, querer aprender sobre ele – como Licurgo -, e não querer parar – como o Andaluz. O quarto soldado, que vê tudo como garantido, que deixa que façam dele o que quiserem, ou seja, que não vê sentido em nada e que introjeta aquele que lhe dão, não por acaso é o vilão.


Autor: Samir Machado de Machado (1981-) nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. É um dos fundadores da Não Editora. É responsável pela organização dos contos da Ficção de Polpa, voltado aos pulp fiction.

Fonte: https://demaisconsideracoesliterari...-quatro-soldados-de-samir-machado-de-machado/

Mals aí a demora. :P
 

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