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Sabedoria de Sandor Labadal - A Importância da Palavra Falada

Gerbur Forja-Quente

Defensor do Povo de Durin
Sabedoria de Sador Labadal - A Importância da Palavra Falada

Estou lendo "Os Filhos de Húrin" e tem muitas frases sábias nesse livro.

Estou no começo ainda, mas o engraçado é que acho que as frases mais sábias não são as de Thingol ou Melian, mas de Sador "Labadal", o servo manco da família de Húrin, que acaba se tornando um tutor importante na infância de Túrin.

O trecho que me chamou a atenção foi quando Morwen conta a Túrin seu plano de enviá-lo à Doriath para que ele não se torne um escravo dos lestenses que estão ocupando Hitlum. A primeira coisa que Túrin faz quando sua mãe lhe diz isso é ir falar com o seu tutor e confidente. Sador fica contente com a notícia, pois por mais dura que ela pareça ela é também uma oportunidade para que a linhagem de Húrin prospere. Mas o menino começa a chorar e muito sabiamente Sador questiona o garoto (mais ou menos assim):

_ Mas onde está aquele menino que disse que não via a hora de chegar o tempo em que ele poderia partir para ser o cavaleiro de algum rei élfico?

E Túrin enxuga as lágrimas e se lembre de ter dito isso respondendo:

_ Já que o filho de Húrin disse isso, não chorarei e cumprirei com a minha palavra. Mas sempre quando digo que vou fazer isso ou aquilo é sempre diferente de quando chega a hora de fazê-lo. Vou me policiar para não dizer mais tantas coisas.

Agora vem a frase foda do Sador:

_ É uma sábia decisão – Responde Sador – É o que muitos homens ensinam e poucos aprendem. “Deixe que os dias invisíveis passem. O dia de hoje é o bastante”.

Eu achei simplesmente incrível essa frase. Fiquei filosofando sobre ela e a relendo muitas vezes. O que ela de fato diz? Que dias invisíveis são esses? Porque o dia de hoje é o bastante? O que tudo isso tem a ver com o que falamos no dia-a-dia? Depois de muito refletir, cheguei a uma opinião do que essa frase de Sador disse para mim:

Cada palavra é uma pequena promessa. É um contrato.

Nesse momento Sador está ensinando honra ao garoto Túrin. Está dizendo que temos que ter cuidado com o que falamos, pois para os honestos, palavras não são vento, são contratos. Quando dizemos qualquer coisa temos que estar dispostos a agir da forma como falamos. Voltar atrás é coisa de moleque. Nem isso, pois mesmo as crianças são capazes de entender o certo e o errado e devem honrar o que dizem.

A palavra é um contrato. Quando se diz algo você se pronuncia, através da palavra falada. Não é a palavra escrita, mas ainda assim, é palavra. Quando se fala, não se assina um papel, mas coloca-se tua assinatura em teu destino. Se você cumprir com o que disse, começa a trilhar o caminho de uma pessoa honesta. Se você não dá valor à sua palavra e não a faz valer, começa a trilhar o caminho da desonestidade. Do engano. Da trapaça. O caminho fácil. O caminho de uma pessoa sem palavra.

Por isso é tão importante ser cuidadoso com o que se diz e honrar o que é dito.

Aquele que fala demais logo se transforma num mentiroso, pois logo as verdades que ele conhece se acabam e ele precisa inventar pequenas mentiras para poder continuar falando sem parar, como gosta. E com o tempo, sua palavra não vale mais nada. Pois todos sabem que pouco do que essa pessoa diz pode ser levado à serio. Uma vez que a pessoa não tem mais compromisso com as verdades que sua palavra carrega, desde que ela continue sempre sendo dita.

Olha que bonito isso. Quanto valor Tolkien dá a palavra falada. Ela tem igual importância quanto a palavra escrita. Palavra é palavra. Palavra é contrato. A palavra que você diz, define teu destino. O define enquanto ser humano, e com o tempo todos que olharem para você saberão quem você é por causa das coisas que você diz. Bonito, né? Para alguns, bonito e assustador, rs.

Sendo assim, Sador diz: “Deixe que os dias invisíveis passem. O dia de hoje é o bastante”.

Para mim, os “dias invisíveis” são os dias cotidianos, em que a cartilha de tua história é seguida à risca, o dia em que o ontem não se difere do hoje, tampouco do amanhã. O xérox do xérox. Dias assim são numerosos, mas não são a nossa vida.

A nossa vida é meia dúzia de dias em que as nossas palavras pesaram em nossos destinos. Dias em que suas ações honraram ou desonraram suas palavras. Dias memoráveis em que algo importante foi dito. Em que algo que foi dito foi realizado. Em que você foi marcado por algo que às vezes você não disse, mas escutou, e esse dia você nunca mais esqueceu. E essa palavra você carregou pelo resto de sua existência. Esses são os dias importantes, quando um tutor nos diz algo na infância, para Túrin esse mestre era Sador, para muitos de nós são nossos pais. Ou então aquele dia em que se disse pela primeira vez “eu te amo” para a pessoa amada, palavras difíceis de sair dos pulmões, você teve que juntar toda sua coragem para dizê-la, para admiti-la e assim pirografar tua alma com tuas juras. E depois que disse seu corpo ficou mais leve, pois o peso dessa verdade você arrancou de seu peito para apoiar em teu destino. Dói dizer isso (e se não dói, deveria). Ou então é aquele dia em que se brigou sério com alguém que tu gosta. Em que uma grande amizade foi rompida. Laços foram partidos. E a força das palavras ditas naquele dia foi tão grande que mesmo depois de anos nunca mais se reestabeleceu amizade com essa pessoa. Por medo ou vergonha de dizer a palavra “perdão”. Nem se lembra mais a causa da discussão mas seus efeitos são perenes, pois eles pesam no seu destino e mudam sua história. Todos os outros dias são invisíveis, mas estes não.

Os dias invisíveis são os dias em que você se segura para não dizer nada que tem vontade, mas que sabe que se dizer vai se arrepender pelo resto de seu tempo neste mundo. Então Sador diz, “deixe que esses dias passem”. A palavra é um contrato. Depois que você diz não há maneira de voltar atrás. Às vezes é melhor se calar e deixar que esse dia se transforme num dia invisível e seja apagado de sua memória.

Esse exercício é tão importante, quanto o de ter a coragem de se dizer algo que se deve dizer e arrancar aquele dia do esquecimento e da invisibilidade trazendo-lhe a luz do destino e registrando-lhe na alma. Transformando-o num dia importante o suficiente para ser sempre lembrado no decorrer da vida. Transformando o dia de hoje em um dia que se basta em si mesmo. Pois você não tem poder sobre o dia que passou nem sobre o que virá. Só se tem poder no dia de hoje. No dia presente. Hoje você pode mudar sua história. Hoje você pode reescrever seu destino. Mas só hoje, não ontem, nem amanhã. Somente hoje. Completando assim o ensinamento de Labadal: “O dia de hoje é o bastante”.

E a magia de tudo isso é que essas coisas acontecem pelo poder da palavra. Mesmo a falada. Quando você fala você escreve a história da sua vida.
 
Última edição:
Gostei de abrirem esse personagem para análise.

Certamente Ulmo teria algo a dizer sobre a relação entre Túrin e Labadal.

O Vala da água trabalhava com um elemento que separa uma vida de outra. Era na água que a música era sentida pelos seres vivos. Até os vírus usam água para se reproduzir porque a água separa as coisas em favor da vida. O que nos leva a perguntar "Qual era a distância que havia entre o filho de Húrin e o servo?"

Uma das questões levantadas com o destino de Húrin (que se envolveu com os elfos) é da inserção do indivíduo Labadal no círculo familiar de Túrin, carregando com ele (o servo) todo o significado que nele havia e do que cada palavra enunciada pelo servo dizia sobre o próprio Sador.

Eu penso que por causa disso ocorrera o episódio da faca. Que Túrin percebera a sabedoria de Labadal e com isso foi cegado para não perceber a falha de Labadal.

Nota-se que o personagem do servo, particularmente, é dotado de uma qualidade compensatória. Quer dizer, ele procura compensar um problema físico com habilidades que pudessem ser úteis aos senhores (inteligência).

O texto do servo possui mais de uma camada e que não era corretamente percebido por Túrin (infelizmente).

Talvez pela ausência do pai, se Turambar fosse mais a fundo enxergaria que apesar de Labadal não fazer por mal cada linha de seus conselhos trazia implicações verdadeiras que deveriam ser escolhidas por Túrin para torná-las verdadeiras ou não. E por alguma razão, Túrin não percebeu a separação entre ele e o servo. De modo que se ensaiava um destino trágico ao não escolher apenas a melhor das implicações de cada verdade.

Ambos possuíam um mecanismo compensatório. Enquanto Túrin pensava em compensar a presença do pai Labadal queria compensar seu acidente e ambos estavam ofuscados pela dor.

E tudo isso ocorreu rápido como um golpe de espada, em poucas palavras, que na época Túrin não podia ver, que o texto viaja também na direção do passado e do futuro, com várias implicações verdadeiras e que podem ser separadas umas das outras em prol das melhores.

O que sobrava da relação de Túrin estava na fatalidade da espada (ou a forma como via as espadas) e é também bastante conhecido o fim da história. Depois da fuga e do tormento de Melkor as decisões que tomava eram duras como uma lâmina.

Na mente de Túrin ele devia ter permanecido com as próprias decisões (devia ter esquecido o assunto militar) mas foi mudado a força pelo tempo de sombra em que viveu. Ao mudar de idéia ao ser forçado devido às palavras antigas ele começa a usar a espada de má vontade (com dureza).

Penso que essa confusão pode ser colocada na conta de Labadal. Porque aquilo que um "senhor criança" fala precisava ser levado dentro do contexto de uma criança e não de um adulto. Novamente, se Húrin não estivesse ocupado com a guerra e ficasse ali para aconselhar o filho ele teria ido com alegria viver com os elfos ao invés de carregar o pesar da espada. De alguma forma, Sador influenciou Túrin a viver o seu destino de servo.

Aconteceu tudo depressa demais. A escravidão cultural dos povos invasores já havia tocado Labadal simbolicamente e a família já estava exposta a Melkor. Se o filho de Húrin ficasse mais um pouco naquela terra ele cairia e precisava sair urgentemente para longe.
 
Última edição:
Não tem muito mais o que falar além dos posts de vocês! :clap:

Apenas gostaria de dizer que esse "poder da palavra", que cria o destino,está extremamente banalizado hoje em dia. Tudo é dito, "prometido", sem esperar consequências. É uma pena, pois creio eu que todo vento que vai, acaba voltando. Não há como fazer algo assim e passar incólume.

Parabéns pelo excelente tópico.
 
Não tem muito mais o que falar além dos posts de vocês! :clap:

Apenas gostaria de dizer que esse "poder da palavra", que cria o destino,está extremamente banalizado hoje em dia. Tudo é dito, "prometido", sem esperar consequências. É uma pena, pois creio eu que todo vento que vai, acaba voltando. Não há como fazer algo assim e passar incólume.

Parabéns pelo excelente tópico.

Por isso eu respondo tantas perguntas com depende...

Gosto de seguir essa ideia, de que se digo algo, devo viver pelo que digo...

Pois é, Lindoriel e Abylos, concordo com vocês.

Hoje em dia a palavra vale muito pouco (para não dizer "nada"). As pessoas falam e mentem demais o tempo todo. As pessoas se acostumaram a usar das pequenas mentiras para resolver os problemas do dia-a-dia, de forma que isso ficou banalizado.

Outro dia eu estava numa reunião (que estava começando) e o telephone do palestrante da reunião tocou. Ele atendeu e disse: "Ah, sim! Daqui 1 minutinho eu já te envio". Poxa, acho que isso pegou tão mal para ele. Todo mundo na reunião se entre-olhou com um risinho, porque sabíamos que a reunião demoraria algumas horas, então ele obviamente, mentiu. Ou seja, o cara se queimou com todo mundo por causa de muito pouco. Porque ele "resolveu" um problema cotidiano banalizando sua palavra, jogando-a no lixo na frente de todos. É tão difícil assim dizer a verdade? Ser transparente? Porque ele não disse: "Olha, estou começando uma reunião agora. Te envio o arquivo daqui 2 horas, ok?". O que o outro cara iria dizer: "Não, eu preciso agora"? O cara ia ter que esperar a reunião acabar, não tinha alternativa. Só que ele receberia uma resposta transparente e não ia ficar as 2 horas de espera até o arquivo chegar amaldiçoando a pessoa que disse que enviaria em 1 minuto.

Então hoje acabamos nos queimando a toa. Não conseguimos mais ser transparentes e recorremos a mentira para resolver problemas pequenos, que a verdade poderia muito bem resolvê-los. A palavra hoje em dia perdeu muito poder.

Eu falei em "maldição" e isso me fez lembrar mais 1 argumento que mostra como a palavra perdeu poder. Antigamente para se amaldiçoar alguém fazia-se isso através da palavra. Isildur ao ver que um exército da sua hoste se recusou a lutar contra Sauron e fugiu amaldiçoou-os, falando. E depois eles se tornaram o exército dos mortos de Dimholt, que o Aragorn recrutou 1 Era depois. Nos dias atuais não se fala mais para amaldiçoar ninguém. Porque a palavra perdeu poder. Como se faz isso? Olhando. Hoje em dia existe o "mau-olhado", é a forma como os povos amaldiçoam agora. Olhando com pensamentos negativos, sem dizer as palavras, sem usar da transparência. A malícia impera. Sorria-se na frente da pessoa, mas pelas costas dirigi-lhe "maus-olhados". Nos rebaixamos muito atualmente.

Gostei de abrirem esse personagem para análise.

Certamente Ulmo teria algo a dizer sobre a relação entre Túrin e Labadal.

O Vala da água trabalhava com um elemento que separa uma vida de outra. Era na água que a música era sentida pelos seres vivos. Até os vírus usam água para se reproduzir porque a água separa as coisas em favor da vida. O que nos leva a perguntar "Qual era a distância que havia entre o filho de Húrin e o servo?"

Uma das questões levantadas com o destino de Húrin (que se envolveu com os elfos) é da inserção do indivíduo Labadal no círculo familiar de Túrin, carregando com ele (o servo) todo o significado que nele havia e do que cada palavra enunciada pelo servo dizia sobre o próprio Sador.

Eu penso que por causa disso ocorrera o episódio da faca. Que Túrin percebera a sabedoria de Labadal e com isso foi cegado para não perceber a falha de Labadal.

Nota-se que o personagem do servo, particularmente, é dotado de uma qualidade compensatória. Quer dizer, ele procura compensar um problema físico com habilidades que pudessem ser úteis aos senhores (inteligência).

O texto do servo possui mais de uma camada e que não era corretamente percebido por Túrin (infelizmente).

Talvez pela ausência do pai, se Turambar fosse mais a fundo enxergaria que apesar de Labadal não fazer por mal cada linha de seus conselhos trazia implicações verdadeiras que deveriam ser escolhidas por Túrin para torná-las verdadeiras ou não. E por alguma razão, Túrin não percebeu a separação entre ele e o servo. De modo que se ensaiava um destino trágico ao não escolher apenas a melhor das implicações de cada verdade.

Ambos possuíam um mecanismo compensatório. Enquanto Túrin pensava em compensar a presença do pai Labadal queria compensar seu acidente e ambos estavam ofuscados pela dor.

E tudo isso ocorreu rápido como um golpe de espada, em poucas palavras, que na época Túrin não podia ver, que o texto viaja também na direção do passado e do futuro, com várias implicações verdadeiras e que podem ser separadas umas das outras em prol das melhores.

O que sobrava da relação de Túrin estava na fatalidade da espada (ou a forma como via as espadas) e é também bastante conhecido o fim da história. Depois da fuga e do tormento de Melkor as decisões que tomava eram duras como uma lâmina.

Na mente de Túrin ele devia ter permanecido com as próprias decisões (devia ter esquecido o assunto militar) mas foi mudado a força pelo tempo de sombra em que viveu. Ao mudar de idéia ao ser forçado devido às palavras antigas ele começa a usar a espada de má vontade (com dureza).

Penso que essa confusão pode ser colocada na conta de Labadal. Porque aquilo que um "senhor criança" fala precisava ser levado dentro do contexto de uma criança e não de um adulto. Novamente, se Húrin não estivesse ocupado com a guerra e ficasse ali para aconselhar o filho ele teria ido com alegria viver com os elfos ao invés de carregar o pesar da espada. De alguma forma, Sador influenciou Túrin a viver o seu destino de servo.

Aconteceu tudo depressa demais. A escravidão cultural dos povos invasores já havia tocado Labadal simbolicamente e a família já estava exposta a Melkor. Se o filho de Húrin ficasse mais um pouco naquela terra ele cairia e precisava sair urgentemente para longe.

Neoghoster, interessante seu post cara. Da para fazer uma análise bacana disso que você disse. Dessa "simbiose" Túrin-Sador. Do mestre transformando-se em servo e vice-versa (uma vez que Sador era o tutor).

Mas quanto ao ensinamento de Sador em si, acho que ele lembrou Túrin de suas próprias palavras para matar 2 coelhos com uma cajadada só:

1 - Ensinar honra a Túrin. Sim, porque hoje temos a errônea idéia que porque a pessoa é criança devemos permitir a elas absolutamente tudo. Morre-se de medo de corrigir uma criança justificando que "ela é só uma criança". Assim, as crianças hoje em dia são pequenas tiranas. Elas fazem o que elas querem. Elas compram o que elas querem. Elas tiram seus pais de festas e encontros familiares (o popular "vamos embora") quando elas querem. Na idade média (e na época de nossos pais) não era assim. Ensinava-se coisas as crianças. Nunca se esperou que elas se transformassem em cidadãs adultas automaticamente. Isso era ensinado, era construído de acordo com o que a criança ia errando no dia-a-dia. Hoje não se faz mais nada. A criança faz o que quer e quem vai ensinar a ela os limites da sociedade é a vida adulta, quando não, a polícia.

Penso que isso é igual time de futebol. Não se espera da criança que ela nasça ou desenvolva sozinha o amor por um determinado time. Vai-se cultivando isso. Damos a ela camisetas de um time, bolas de futebol. Levamos ela a um jogo. Jogamos pelada com ela. Não é assim? Aí chega um momento que a criança "escolhe" seu time. Mas isso não ocorreu automaticamente. Nós construímos isso nela. Porque não fazemos isso também com a educação, a moral e a honra? Porque quando se trata das coisas realmente importantes nós deixamos "para lá"? Permitimos que a criança "aprenda sozinha"? Penso que justamente por elas serem crianças é que temos que ensinar. Temos que educar. Não podemos deixar nada "acontecer sozinho". Não vai acontecer. Ela vai se transformer num tirano. Quando ela é pequena só vai "querer" (leia-se "exigir") aquela determinada bolacha no supermercado. Quando tiver 18 anos vai "querer" um carro, não uma bolacha.

2 - Sador sabia que era melhor para Túrin deixar Dór-Lomin. Dessa forma ele não seria transformado num escravo nem morto, caso os lestenses descobrissem sua real identidade. Então usou as palavras de Túrin para encorajá-lo a se desapegar de tudo o que conhecia para conseguir dar esse importante passo na vida dele. A idéia não era simplesmente de "prendê-lo" a palavras que ele disse, mas deixar o rio seguir seu curso. Criar coragem nele para ele deixar para trás sua casa, sua mãe e até Labadal. E assim transformar-se num "cavaleiro de algum rei élfico" que era seu sonho de criança e no momento era o mais seguro a Túrin. Era o correto a se fazer.
 
Última edição:
Isso tudo realmente aconteceu, Gerbur. E deve-se acrescentar que além disso aconteceram outras coisas. Vamos entrar ainda mais no círculo que envolvia Turin.

Não duvido que os conselhos do servo tenham sido de boa vontade e sem maldade (com boa intenção) e havia sabedoria neles maior que a sabedoria de Túrin daquela época. Mas o que me perturba, por exemplo, é que na visão dos livros os elementos do mundo aparecem cada vez mais misturados e impuros, e é muito difícil separar quando as máculas morais estão ou não se manifestando na fisicalidade e por causa dela "a falha de Labadal" aparece com um peso semelhante ao de outras falhas como a "falha de Maglor". Que Melkor, para além da ironia do destino, usava outros a distância sem que a pessoa soubesse de forma indireta.

No frigir dos ovos qual o resultado prático dessa ação? As palavras ditas por Labadal (ocupando o posto de homem mais influente depois de Húrin na vida de Túrin) estavam desde o princípio reservadas a Húrin para que o pai ensinasse ao filho. Papel que é sugerido de forma a dar a entender que Labadal pudesse estar indevidamente inserido por força da guerra e que foram todos usurpados por Morgoth quando roubara de Túrin a oportunidade de ser educado mais perto do pai. E ocorreu que no caso da faca o servo fica abalado vindo a falhar parcialmente com Túrin porque Turin desmoronou antes do servo (na frente dele) falhando completamente com o servo. Visto desse modo a falha parcial de Labadal é melhor e mais sábia que a falha completa de Túrin quando se desfez da faca (e do legado) do pai. (os dois tinham dores que cegavam, mas Turin possuia um poder de destruição muito maior)

Para contextualizar melhor, se compararmos o próximo homem da história portador de problemas físicos (já durante na caçada de Glaurung) observamos que um servo funciona como transmissor ou condutor de um destino trágico. Ou seja, que Túrin atraía elementos forjadores da "tragédia de Túrin".

Alguns dos elementos atraídos tinham consciência do problema que geravam, uma vez que Saeros sabia o que estava fazendo. Outros podiam não saber de sua própria manipulação e penso que esse pode ter sido o caso das pessoas que habitavam a região de Túrin incluindo Labadal.

Voltando no tempo nós vemos que naquela região ocorre inicialmente perda de identidade e personalidade (ausência de Húrin e seus soldados) deixando que a massa do povo fique amorfa e sem vontade pronta para ser invadida por homens menores e piores. De Túrin ficamos sabendo que caminha cada vez mais no sentido de perder a identidade até assumir um nome anônimo e sem valor, um apelido hesitante. De modo que a sabedoria parcial de Labadal acaba pelo menos guardando as palavras de Túrin mas o servo as guarda aos pedaços de modo a deixá-lo angustiado (Túrin havia esquecido o sentido completo daquilo que havia falado quando jovem e sobrou na lembrança apenas o esqueleto morto guardado pelo servo). Daí a confusão de Labadal na cabeça de Túrin.

Nos últimos dias, das terras de Turambar, as decisões foram inspiradas no medo (perseguição), na dor e desespero de sua família. Eu penso que aconteceu com muita intensidade, que a diferença entre Húrin num tempo de paz e Labadal num tempo de guerra seja a quantidade de amor e medo do conselho. Quero dizer, penso que existe o brilho de Labadal quando compararmos a outros da região de Túrin mas globalmente é preciso ter cautela porque pode ser sabedoria sincronizada com os planos de Melkor e em outras terras não maculadas saberíamos melhor do bem e mal realizados.

Uma das qualidades de Morgoth era a habilidade com palavras. Talvez por isso seja melhor eu usar "sincronizado" ao invés de "comprometido".

Um pouco mais de desafio na educação de Túrin impediria essa sincronia negra e criaria uma criança com ação mais positiva. Mas pelo que conta a história os desafiantes da casa de Túrin foram levados para a guerra e à exceção de Húrin, morreram todos restando pessoas de vida machucada.

Que é um detalhe importante, que o universo de significados e dimensão das palavras de Túrin trazia um alcance mais pobre que o do pai.

A medida que o tempo voa nota-se que para o elmo de dragão a palavra felicidade (bem como todo o vocabulário do dicionário) se assemelha cada vez mais com um monte de cinzas num poço sem fim sem ter impactos benéficos. Não é por acaso que quando Turin cruza com outro caminhante famoso na estrada eles não tenham palavras para trocar. O universo de significados buscado pelo outro espadachim estava em outra esfera e em um lugar que Turin não podia acessar.
 
Última edição:
Isso tudo realmente aconteceu, Gerbur. E deve-se acrescentar que além disso aconteceram outras coisas. Vamos entrar ainda mais no círculo que envolvia Turin.

Não duvido que os conselhos do servo tenham sido de boa vontade e sem maldade (com boa intenção) e havia sabedoria neles maior que a sabedoria de Túrin daquela época. Mas o que me perturba, por exemplo, é que na visão dos livros os elementos do mundo aparecem cada vez mais misturados e impuros, e é muito difícil separar quando as máculas morais estão ou não se manifestando na fisicalidade e por causa dela "a falha de Labadal" aparece com um peso semelhante ao de outras falhas como a "falha de Maglor". Que Melkor, para além da ironia do destino, usava outros a distância sem que a pessoa soubesse de forma indireta.

No frigir dos ovos qual o resultado prático dessa ação? As palavras ditas por Labadal (ocupando o posto de homem mais influente depois de Húrin na vida de Túrin) estavam desde o princípio reservadas a Húrin para que o pai ensinasse ao filho. Papel que é sugerido de forma a dar a entender que Labadal pudesse estar indevidamente inserido por força da guerra e que foram todos usurpados por Morgoth quando roubara de Túrin a oportunidade de ser educado mais perto do pai. E ocorreu que no caso da faca o servo fica abalado vindo a falhar parcialmente com Túrin porque Turin desmoronou antes do servo (na frente dele) falhando completamente com o servo. Visto desse modo a falha parcial de Labadal é melhor e mais sábia que a falha completa de Túrin quando se desfez da faca (e do legado) do pai. (os dois tinham dores que cegavam, mas Turin possuia um poder de destruição muito maior)

Hmm... vamos esclarecer alguns pontos, mestre Neoghoster:

1 - Túrin falhou com Labadal ao lhe entregar a faca? Porquê?

Túrin diz que entregou a faca ao servo porque o amava e sentia pena dela por conta de sua deficiência física.

A isso, seu pai, Húrin, responde: "Os três são seus para dar a quem quiser: o amor, a piedade e a faca".

Porque você acha que Túrin falhou então?

Por que ele se desfez de um presente (legado) do pai? Mas o próprio pai disse que era dele para ele dar a quem ele queria.

2 - Qual a falha de Labadal?

Aceitar o presente? Ele estava numa situação difícil. Recusar o presente não poderia ser visto como uma desfeita?

Mais para frente também, Sador tenta devolver o presente, mas Túrin não aceita, por honra. Não se aceita um presente de volta. Túrin diz que Sador pode dá-la (a faca) a que ele quiser, menos a ele (Túrin), o antigo dono do objeto.

Para contextualizar melhor, se compararmos o próximo homem da história portador de problemas físicos (já durante na caçada de Glaurung) observamos que um servo funciona como transmissor ou condutor de um destino trágico. Ou seja, que Túrin atraía elementos forjadores da "tragédia de Túrin".

Alguns dos elementos atraídos tinham consciência do problema que geravam, uma vez que Saeros sabia o que estava fazendo. Outros podiam não saber de sua própria manipulação e penso que esse pode ter sido o caso das pessoas que habitavam a região de Túrin incluindo Labadal. (...)

Nos últimos dias, das terras de Turambar, as decisões foram inspiradas no medo (perseguição), na dor e desespero de sua família. Eu penso que aconteceu com muita intensidade, que a diferença entre Húrin num tempo de paz e Labadal num tempo de guerra seja a quantidade de amor e medo do conselho. Quero dizer, penso que existe o brilho de Labadal quando compararmos a outros da região de Túrin mas globalmente é preciso ter cautela porque pode ser sabedoria sincronizada com os planos de Melkor e em outras terras não maculadas saberíamos melhor do bem e mal realizados.

Uma das qualidades de Morgoth era a habilidade com palavras. Talvez por isso seja melhor eu usar "sincronizado" ao invés de "comprometido".

Sincronia com Morgoth...

Interessante isso. Mas não acho que era o caso de Labadal. Penso que (além de Saeros) Thingol estava muito mais sincronizado com o vala que Sador.

Quando Túrin fica adulto e pede armas e soldados a Thingol para tentar reconquistar Dór-Lomin e expulsar os lestenses, o rei rapidamente lhe dá as armas. Mas nenhum soldado. Ele retira seu apoio nesse momento. De certa forma "abandona" seu filho adotivo a própria sorte, uma vez que não ajuda Túrin em sua demanda. Ele permite que Túrin parta sozinho. Ele não compra o problema de Túrin para si, como faria um pai normal. O problema do meu filho é meu problema. Depois dele eu sou o principal interessado em resolvê-lo. Não é mesmo? Thingol não faz isso.

Depois do episódio com Saeros. Thingol julgou Túrin muito depressa. Teve um julgamento duro. Estava prestes a condená-lo sem ouvir a testemunha mais importante: Nellas. Que é a elfa que Melian colocou na floresta para acompanhar Túrin à distância. Ele se esqueceu de ouví-la e se não fosse pela intervenção de Beleg, não ouviria e condenaria seu filho ao exílio de Doriath e a morte. Isso para mim é sincronia com Morgoth. O que Labadal fez foi o contrário: incentivou Túrin a ir para Doriath, não deixá-la. Porque Sador estaria então sincronizado com Morgoth e a maldição que ele lançou a família de Húrin?
 
Hmm... vamos esclarecer alguns pontos, mestre Neoghoster:

1 - Túrin falhou com Labadal ao lhe entregar a faca? Porquê?

Túrin diz que entregou a faca ao servo porque o amava e sentia pena dela por conta de sua deficiência física.

A isso, seu pai, Húrin, responde: "Os três são seus para dar a quem quiser: o amor, a piedade e a faca".

Porque você acha que Túrin falhou então?

Por que ele se desfez de um presente (legado) do pai? Mas o próprio pai disse que era dele para ele dar a quem ele queria.

2 - Qual a falha de Labadal?

Aceitar o presente? Ele estava numa situação difícil. Recusar o presente não poderia ser visto como uma desfeita?

Mais para frente também, Sador tenta devolver o presente, mas Túrin não aceita, por honra. Não se aceita um presente de volta. Túrin diz que Sador pode dá-la (a faca) a que ele quiser, menos a ele (Túrin), o antigo dono do objeto.



Sincronia com Morgoth...

Interessante isso. Mas não acho que era o caso de Labadal. Penso que (além de Saeros) Thingol estava muito mais sincronizado com o vala que Sador.

Quando Túrin fica adulto e pede armas e soldados a Thingol para tentar reconquistar Dór-Lomin e expulsar os lestenses, o rei rapidamente lhe dá as armas. Mas nenhum soldado. Ele retira seu apoio nesse momento. De certa forma "abandona" seu filho adotivo a própria sorte, uma vez que não ajuda Túrin em sua demanda. Ele permite que Túrin parta sozinho. Ele não compra o problema de Túrin para si, como faria um pai normal. O problema do meu filho é meu problema. Depois dele eu sou o principal interessado em resolvê-lo. Não é mesmo? Thingol não faz isso.

Depois do episódio com Saeros. Thingol julgou Túrin muito depressa. Teve um julgamento duro. Estava prestes a condená-lo sem ouvir a testemunha mais importante: Nellas. Que é a elfa que Melian colocou na floresta para acompanhar Túrin à distância. Ele se esqueceu de ouví-la e se não fosse pela intervenção de Beleg, não ouviria e condenaria seu filho ao exílio de Doriath e a morte. Isso para mim é sincronia com Morgoth. O que Labadal fez foi o contrário: incentivou Túrin a ir para Doriath, não deixá-la. Porque Sador estaria então sincronizado com Morgoth e a maldição que ele lançou a família de Húrin?

Úia que tá dando umas oportunidades muito boas para abordar o mundo de Túrin. Mais uma vez obrigado por abrir esse tópico Gerbur!

Penso nessa teoria porque o caso ocorreu de forma pouco linear. Até um Vala acharia difícil separar até onde vai a fisicalidade no caráter dos personagens que cercam Túrin (apesar dela existir).

1- Por causa do que sempre acontece depois a família de Húrin é julgada pelo futuro, pelo passado e pelo presente. Húrin era o mais sábio dos três indivíduos mas para detectar o futuro escuro de Melkor sua visão não alcançava. De modo que quando Melkor aperta o cerco Túrin fica sem o pai e a lembrança física dele fora doada em um momento rápido e descuidado demais (como costumava ser com Túrin) que não podia ver (puxando ao pai) vindo a adquirir em substituição uma outra lâmina simbólica mas que dessa vez era cruel (outro mecanismo compensatório trocando algo bom por algo pior) que depois usa para tirar a própria vida. Em um mundo sem Melkor Labadal não estimularia pena, Húrin seria mais aguçado e ficaria mais com o filho, Túrin daria mais valor a símbolos (como os bens que desfez sem pensar, entre eles a mãe e a irmã esquecidas que ele olhou com desespero ao ver o que tinha feito). Foi uma cadeia de fatos em que nos planos de Melkor a piedade de Túrin, a visão de Húrin e a sabedoria de Labadal estavam maculados porque serviam aos Noldor exilados e fadados a destruição. Muito do que havia de bom em Húrin começou a ter ação invertida quando se tratava da família. Para Húrin um gesto de atenção virava um gesto de desatenção nos planos futuros do mundo. O padrão se repete até a família ser dizimada em meio a confusão gerada pela inversão.

2-Minha teoria para isso é porque ocorre de nos livros a fisicalidade dos homens ser fatal no desenrolar do destino do mundo. Principalmente em homens que se envolveram com os elfos. Quando Túrin depende demais de pessoas fisicamente enfraquecidas, o universo de Morgoth criado por Tolkien não perdoa e cobra os defeitos físicos e fraquezas passando do símbolo para a fisicalidade. Túrin começa com Labadal e passa a depender mais e mais de pessoas maculadas pela guerra em vários níveis de escuridão. Segundo a ordem de acontecimentos, há gradual escurecimento da terra e das pessoas de Túrin e o símbolico é transformado em algo físico imediatamente pelo poder de Melkor. Quer dizer, são conselhos de um reino tocado diretamente pela escuridão, inimigos que homens não conseguem enfrentar e palavras que com mais frequência podem refletir o prenúncio da decadência igual em Númenor.

Isto foi diferente dos elfos cujos erros estavam ligados ao primeiro erro (saída de Aman e desejo das jóias) e raramente algo novo aparecia. Nesse sentido a sintonia de Thingol aparecia por causa das jóias enquanto Túrin começa a criar novas sincronias com Melkor ao ponto de se matar (Thingol não chegou a se matar diretamente porque sua queda estava ligada as jóias). Túrin se matou porque as palavras não alcançavam mais.

Quero dizer, penso que o mal infiltrou a terra de Húrin em várias frentes bem cedo (desde antes da doença que levou a irmã de Túrin com o acordo com os Noldor). Mas entendo seu ponto. Nós vemos de forma diferente o vínculo da família de Húrin com a tragédia. XD

O que não deixa de ser excitante porque várias facetas da história podem ser analisadas.
 
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Vi no facebook e lembrei desse tópico:

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—Uma dica boa é que alt+0151 escreve o travessão, já que não há teclas para substituir esse símbolo nos nossos teclados.
 

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