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Detetive literário

Melian

Período composto por insubordinação.
Comentei, no tópico Eu quase que nada não sei, mas desconfio de muita coisa, que acredito que Édipo tenha sido o primeiro detetive da literatura. Para desvendar os mistérios inerentes a ele, desvendava os enigmas que cruzavam o seu caminho. É meio que uma relação de espelhamento resultante do fato de que o "eu" só se constitui em relação a um "tu".

A proposta deste tópico é que sejamos detetives literários. A causa não é tão nobre quanto a do Édipo, mas, ainda assim, não deixa de ser relevante.

No ano passado, enquanto lia A página assombrada por fantasmas, de Antônio Xerxenesky fiquei um tanto quanto interessada no segundo conto do livro, intitulado "Esse maldito sotaque russo". No conto, somos apresentados a um detetive literário. E eu aposto o dinheiro que não tenho que pessoas que amam literatura ficariam felicíssimas ao saberem o que esse detetive pesquisa. Quem nunca deu uma de stalker quando o assunto é os seus escritores preferidos, hein? Com quem o escritor dorme ou deixa de dormir não vai influenciar na qualidade da obra dele, mas saber disso é algo que todo fã julga OBRIGATÓRIO. E, confessem, vocês ficam em êxtase quando descobrem qualquer curiosidade, ínfima que seja, sobre seus escritores preferidos.

Abril de 2007

É em São Petersburgo que inauguro as primeiras linhas deste diário. Todos esperavam que eu já tivesse retornado ao Brasil, e estou certo de que me procuram por lá, então, por isso, busquei refúgio no frio incontornável de São Petersburgo. Admito que escolhi esta cidade graças a Dostoiévski e Gogol, e quem me conhece bem entenderia meus motivos. Como seria diferente? A Rússia inteira espraiada no mapa, com suas milhares de províncias para eu me refugiar, opto por aquela mais literária, único critério para solucionar praticamente todos os dilemas que encontrei em minha vida.

Se foram aquelas centenas de romances policiais o que me levou a buscar uma carreira como detetive - investigador particular, como gosto de me autodenominar -, foi a paixão pela literatura em si que determinou minha especialidade na área. "Detetive literário". Está escrito no meu cartão.

Na minha casa no Leblon, Rio de Janeiro, tenho algumas horas de vídeos gravadas com a vida cotidiana de J.D. Salinger, escritor norte-americano afastado da mídia e da vida social, catapultado à fama graças ao seu Apanhador no campo de centeio e também ao mau uso deste romance feito por certo assassino célebre. Possuo microfilme inclusive de páginas de seu "moleskine", provando que sim, ele continua escrevendo. Inícios de romances, contos breves, e até algumas tentativas de sonetos. Tudo registrado em microfilme. O trabalho foi comissionado por um figurão de Brasília, um político intelectual, ou seja, um ser humano que decidiu unir o conhecimento à sede de poder, mistura perigosa. Até hoje não sei pra que serviu todo o material que encontrei pra ele. Talvez use os trechos do vídeo de Salinger para impressionar jovens estudantes de literatura que leva para a cama.


Trecho do conto "Esse maldito sotaque russo", compilado no livro A página assombrada por fantasmas, do Antônio Xerxenesky.

Proponho que, neste tópico, sejamos detetives literários e que possamos sair por aí garimpando curiosidades sobre os nossos escritores preferidos e pesquisando as lendas urbanas literárias que tanto nos atraem para postarmos aqui. Exemplos de curiosidades? O sumiço (de arquitetura da própria) da Rainha do Crime. O fato de que João Cabral de Melo Nelo não gostava de ser chamado de poeta. A curiosa história de que Murilo Rubião só foi ler Kafka (com quem era, exaustivamente, comparado) tempos depois de já ter publicado muitos dos seus contos. O fato de Machado de Assis, no leito de morte, não ter aceitado que chamassem um padre para dar-lhe a extrema unção porque queria ser coerente com o que tinha acreditado durante a sua vida. A belíssima crônica que a Clarice Lispector escreveu sobre o Botafogo, o seu time do coração. A bonita fala do Jonathan Franzen na qual ele destaca que as pessoas mais divertidas que conheceu eram deprimidas. Etc.
 
Vou postar uma "ironia" que vi ainda na escola, no ensino médio. A professora estava falando sobre o parnasianismo, e mostrou o poema de uma poetisa não muito conhecida: Francisca Júlia.

Francisca_Julia_Madura.JPG

Dêem uma olhada:

Musa Impassível I

"Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de um Jó, conserva o mesmo orgulho, e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.
.
Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave o idílico descante.
Celebra ora um fantasma angüiforme de Dante;
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.
.
Dá-me o hemistíquio d'ouro, a imagem atrativa;
A rima cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d'alma; a estrofe limpa e viva;
.
Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos."


Ironicamente, a morte de Francisca foi o completo oposto do que dizem seus versos. Ela morreu no dia do velório do marido, após tanto ter ingerido sedativos; alguns dizem que ela se jogou em cima do caixão dele e ali morreu.

Uma parnasiana que teve morte romântica! :dente:
 
Não me lembro de muitas... Lembro-me mais de coisas sobre o Joyce.

Joyce tinha medo de trovões.

Quando escrevia o Finnegans Wake, ele chegou a fazer uma espécie de brincadeira com alguns amigos para ver quem adivinhava o título. A obra até então era só Work in progress. Mas ninguém se animou em continuar. Acho que só a Sylvia Beach ou a a Harriet Shaw Weaver que continuaram na brincadeira até o fim... Não lembro direito.

Uma vez, quando jovem, ele chegou a aprender norueguês para ler Ibsen no original. Escreveu uma resenha sobre uma peça dele e chegou a receber uma carta do Ibsen em resposta! Foi um dos momentos mais importantes de sua vida, é claro (imaginem recebem uma carta de seu escritor favorito!).

Acho que não deve ser novidade que o Joyce tinha uma filha com um quadro psicológico grave (esquizofrenia). O Joyce chegou até mesmo a interná-la com o Jung. Existem episódios bem tristes sobre isso, como o de que uma vez ela cortou a linha do telefone da casa. Aí os Joyces recolocaram. Ela cortou de novo.

Lembro-me também que ela gostava do Beckett, que era um admirador do Joyce que tinha uma certa familiaridade. Certa feita o Joyce chegou até mesmo a pedir pro Beckett se afastar deles (mas o Beckett não tinha culpa nenhuma).

Sobre o Jung, uma vez ele fez uma resenha e deu a entender que conseguia ler o Ulysses de traz pra frente :lol:

O filho do Joyce, quando adolescente, gostava de implicar com o pai. Uma vez ele disse que Dostoiévski era o maior escritor de todos, e Joyce respondeu: "Não entendo como um livro sem nenhum crime pode ter um título desses." (algo assim)

Outra que me lembro é a dos planos do Joyce de deixar o resto da escrita do Finnegans Wake para um conhecido seu, o James Stephens. O primeiro encontro entre eles não foi nada amistoso, mas depois eles descobriram que tinham muitas coisas em comum (em especial o Joyce, que era bem supersticioso). O lance é que o Joyce não acreditava que iria terminar o FW... Ele estava bem debilitado, em especial dos olhos. Fez cerca de 10 cirurgias ao longo da vida e enxergava pouquíssimo. Tem fotos que mostram ele lendo com uma lupa...

Quando o T. S. Eliot escreveu o The Waste Land, o Joyce confessou que não esperava que o Eliot escreveria um poema assim, que poria fim na poesia para madames.

Acho que todos devem saber do lance do Joyce e do Proust, né? Sim, os dois caciques da prosa do século XX se encontraram numa festa. Tinha mais gente famosa lá. Proust reclamou da coluna (acho) e Joyce dos olhos. Existem mais algumas conversas presumíveis, mas geralmente se dá a entender que os dois ficaram de briguinha ao longo da festa. É mentira: tanto é que o Joyce compareceu ao enterro do Proust.

Certa vez, numa conversa com Nabokov, Joyce disse que parafrasear Homero no Ulysses foi um erro. Não deixou claro o porquê.
 
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Eu gosto, absurdamente, do Jonathan Franzen. Sim, estou falando do escritor, mesmo, eu não gosto só das obras dele, eu gosto dele também. Ou melhor, eu gosto da faceta dele que posso observar. E gosto, também, das coisas sobre ele que são de "domínio público", como o fato de ele ter fascínio por pássaros (somos parecidos! Ele ama pássaros, eu amo dinossauros, os dinossauros viraram pássaros... :dente:, tá, parei), ao contrário do seu amigo-rival David Foster Wallace, que tinha uma certa fobia de "coisas voantes". Mas uma das coisas que descobri sobre O Franzen que mais me emocionaram é a relação tristemente linda que ele tem com Peanuts :grinlove:. Descobri isso quando li "A zona do desconforto" (nunca resenhei o livro, acho que me faltaram palavras ou, talvez, eu vá me sentir muito exposta se falar, detalhadamente, sobre este livro). A minha paixão por Peanuts é muito lendária. Tenho toda uma trajetória (desde a infância) com esses quadrinhos que arrisco dizer que Peanuts ajudou a moldar o meu caráter (não sei até que ponto isso é bom ou ruim). Até costumo dizer que há dias em que me sinto totalmente Lucy Van Pelt (geralmente, em dia de clássico. Ah! dia 3 de fevereiro...). Apelidei um amigo de Minduim, etc. Sentir, por meio das palavras, a ligação do Franzen com Peanuts, me emocionou. Porque, no fundo, acho que todos nós, assim com o Franzen, queríamos "viver num mundo de Peanuts, onde a raiva fosse engraçada e a insegurança, adorável" (A zona do desconforto, p. 62).
 
Outra coisa que me lembrei ontem (não sei até que ponto é verdade, mas já li em muitos lugares): no início da carreira, Shakespeare não foi sempre Shakespeare. Ele fez de tudo no teatro. Começou guardando os cavalos das pessoas que iam assistir as peças. E se meu raciocínio está certo, em outras palavras: ele começou de flanelinha. Depois ele passou para "ponto", isto é, aquele carinha que fala:

"Sr. Burbage, sua entrada é daqui a pouco."

Só depois é que ele trabalhou como adaptador de textos, evoluindo até o ponto em que ele mesmo escrevia as peças.

Rola uma história também que ele morreu numa farra, mas não botam muita fé nessa não...
 
rola muita história sobre ele. a principal é de que ele (o indivíduo) não existiu, era na verdade um grupo de pessoas. o greenblatt rebate muito bem essa teoria em "como shakespeare se tornou shakespeare". vale a pena ler esse livro dele para saber mais do "antes da fama" do shakespeare, aliás >> http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12874


edit: depois que eu vi que eu devo ter selecionado uma parte do texto e apaguei sem querer, tinha ficado meio sem sentido. arrumei agora
 
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Gente, eu achei o máximo quando soube que o Isaac Asimov :grinlove: participou do grupo de entusiastas de Sherlock Holmes :grinlove:, a saber: Baker Street Irregulars. E, sim, sei que isso é uma coisa fácil de descobrir, é só ler a Wikipédia, mas eu acho a coisa muito fofa.
 
Machado de Assis :grinlove:, quando criança, vendia doces, balas e era engraxate. Mesmo sem ter tido educação formal, Machadão falava e escrevia em francês. Acredita-se que ele tenha aprendido a língua com um padeiro. Ele aprendeu inglês e alemão sozinho e traduziu "Os trabalhadores do mar", de Victor Hugo.
Tem como eu não IDOLATRAR esse homem, gente?
 
Machado de Assis :grinlove:, quando criança, vendia doces, balas e era engraxate. Mesmo sem ter tido educação formal, Machadão falava e escrevia em francês. Acredita-se que ele tenha aprendido a língua com um padeiro. Ele aprendeu inglês e alemão sozinho e traduziu "Os trabalhadores do mar", de Victor Hugo.
Tem como eu não IDOLATRAR esse homem, gente?

É, mas seu Machado não é unanimidade entre os tradutores, não. Ele é que nem Erico Veríssimo e Monteiro Lobato traduzindo - recria o texto em vez de mantê-lo de acordo com os aspectos formais do original dentro do máximo possível. Mas enfim, foi um feito. Só a produção literária dele já é de impressionar. :)
 
É, mas seu Machado não é unanimidade entre os tradutores, não. Ele é que nem Erico Veríssimo e Monteiro Lobato traduzindo - recria o texto em vez de mantê-lo de acordo com os aspectos formais do original dentro do máximo possível. Mas enfim, foi um feito. Só a produção literária dele já é de impressionar. :)
Sim, sim, eu sei que as traduções dele estão na linha da transcriação (ok, estão para além da transcriação, tá mais para recriação, na qual se pega a ideia defendida pelo autor, e não as palavras propriamente ditas), mas, mesmo assim, como cê mesmo disse, se considerarmos o histórico da coisa (o fato de ele ter sido autodidata e coisa e tal), foi um feito e tanto.

E a obra dele é coisa linda de todos os deuses. :grinlove:
 
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