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1984 - Quem realmente entendeu esse clássico?

Outlaw

Usuário
Olá a todos, tenho acompanhado o fórum há algum tempo, mas só agora resolvi me cadastrar, acho que vai ser bom discutir literatura com pessoas que tem algo a comentar além de 50 tons ou o livro moda do momento... :roll:

Nada melhor que começar propondo uma discussão, então vamos lá... Esse ano estou com um plano de ler as grandes obras da ficção científica separado por assuntos e em ordem quase cronológica, no momento estou lendo as distopias, e acabei de ler 1984.

Achei um livro incrível, o tom pesado, sombrio e claustrofóbico que o autor passa pra estória eu nunca tinha visto igual. Realmente um livro merecedor de toda fama que tem. Como bem disse um cara lá no posfácio: "mais do quê uma crítica a determinado sistema o livro é um alerta para zelarmos pela liberdade".

Mas teve um detalhe que eu não entendi, e por isso peço ajuda de vcs...

SPOILERS ABAIXO


Sobre o tal livro proibido de Goldstein que o protagonista encontra no meio da trama e até transcreve certas partes, mais pra frente quando ele é preso e torturado, o cara do núcleo do Partido, O'Brien diz que Goldstein realmente existe, mas o livro é falso, foi escrito pelos especialistas do Partido, sendo que ele próprio participou da redação. Isso parece meio estranho, sendo que o pilar daquele sistema era a alteração do passado através destruição de documentos que o comprometeriam, por quê eles criariam um livro que expõe a injustiça daquele mundo de forma tão clara?

Valeu! :mrgreen:
 
Olá a todos, tenho acompanhado o fórum há algum tempo, mas só agora resolvi me cadastrar, acho que vai ser bom discutir literatura com pessoas que tem algo a comentar além de 50 tons ou o livro moda do momento... :roll:

Nada melhor que começar propondo uma discussão, então vamos lá... Esse ano estou com um plano de ler as grandes obras da ficção científica separado por assuntos e em ordem quase cronológica, no momento estou lendo as distopias, e acabei de ler 1984.

Achei um livro incrível, o tom pesado, sombrio e claustrofóbico que o autor passa pra estória eu nunca tinha visto igual. Realmente um livro merecedor de toda fama que tem. Como bem disse um cara lá no posfácio: "mais do quê uma crítica a determinado sistema o livro é um alerta para zelarmos pela liberdade".

Mas teve um detalhe que eu não entendi, e por isso peço ajuda de vcs...

SPOILERS ABAIXO


Sobre o tal livro proibido de Goldstein que o protagonista encontra no meio da trama e até transcreve certas partes, mais pra frente quando ele é preso e torturado, o cara do núcleo do Partido, O'Brien diz que Goldstein realmente existe, mas o livro é falso, foi escrito pelos especialistas do Partido, sendo que ele próprio participou da redação. Isso parece meio estranho, sendo que o pilar daquele sistema era a alteração do passado através destruição de documentos que o comprometeriam, por quê eles criariam um livro que expõe a injustiça daquele mundo de forma tão clara?

Valeu! :mrgreen:

Nossa, pra mim isso me pareceu tão claro! Quer uma maneira melhor de encontrar rebeldes em potencial que soltando uma isca?
 
Nossa, pra mim isso me pareceu tão claro! Quer uma maneira melhor de encontrar rebeldes em potencial que soltando uma isca?
Sobre a necessidade de ter uma isca eu entendi, tanto que a isca é o O'Brien convidar ele pra ir até o seu apartamento. O que eu não entendi foi porquê precisa existir o livro impresso e porquê ele foi escrito de forma tão clara a mostrar a contradição daquele sistema. Sendo que há toda uma organização empenhada em destruir e alterar documentos achei isso contraditório.
 
Sobre a necessidade de ter uma isca eu entendi, tanto que a isca é o O'Brien convidar ele pra ir até o seu apartamento. O que eu não entendi foi porquê precisa existir o livro impresso e porquê ele foi escrito de forma tão clara a mostrar a contradição daquele sistema. Sendo que há toda uma organização empenhada em destruir e alterar documentos achei isso contraditório.

Pensa só: você está no controle de um regime ditatorial e, por mais controlada que as coisas estejam, é possível que surja uma ou outra voz discordante. Não só isso: pode ser que essa "voz" descubra tudo que há por trás do regime e resolva expô-lo às claras. O que você faz, então? Se adianta a essa "voz". Deixa claro como tudo funciona justamente para que o pensamento não surja de forma "original" aos outros. Assim, caso alguém seja pego pela "isca", você vai saber qual foi o trajeto realizado pelo indivíduo rebelde, já que toda ideia que tiver será derivada daquela "isca" que você plantou.
 
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Winston, pura e simplesmente, caiu numa brilhante armadilha. A ideia da "Fraternidade" e o Livro eram as iscas perfeitas para capturar potenciais rebeldes/hereges.

Perceberam duas coisas em "1984"? Que o Partido tolerava o suicídio de quem o odiava e que Julia não foi vencida pela tortura, que, para dobrá-la, o Partido a submeteu a uma lobotomia, ou seja, ela é a heroína da obra, contrariando quem comenta que "1984" é um livro sem heróis.

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Última edição:
Pensa só: você está no controle de um regime ditatorial e, por mais controlada que as coisas estejam, é possível que surja uma ou outra voz discordante. Não só isso: pode ser que essa "voz" descubra tudo que há por trás do regime e resolva expô-lo às claras. O que você faz, então? Se adianta a essa "voz". Deixa claro como tudo funciona justamente para que o pensamento não surja de forma "original" aos outros. Assim, caso alguém seja pego pela "isca", você vai saber qual foi o trajeto realizado pelo indivíduo rebelde, já que toda ideia que tiver será derivada daquela "isca" que você plantou.
Entendi. Mas me pareceu fora do contexto, não havia necessidade dessa "voz". O próprio Winston fala que no instante que começou a escrever aquele diário, o destino dele estava traçado, ele fala isso o tempo todo: "não é SE me pegarem, é QUANDO me pegarem". Ele repete o tempo todo que é um homem morto.
E a ideologia daquele regime não é coerente a ponto de precisar de justificativas pra pegar os rebeldes, (poder pelo poder) tem um cara que foi preso porquê tava falando dormindo 8-O
Se naquele mundo até pensar diferente era crime porquê dar essa isca pra ser trabalhada?

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Winston, pura e simplesmente, caiu numa brilhante armadilha. A ideia da "Fraternidade" e o Livro eram as iscas perfeitas para capturar potenciais rebeldes/hereges.

Perceberam duas coisas em "1984"? Que o Partido tolerava o suicídio de quem o odiava e que Julia não foi vencida pela tortura, que, para dobrá-la, o Partido a submeteu a uma lobotomia, ou seja, ela é a heroína da obra, contrariando quem comenta que "1984" é um livro sem heróis.

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Ela é a heroína, mas foi vencida sim. Conseguiram fazer ela deixar de amar o Winston através da tortura.

Ela é a heroína, no sentido que sendo nascida naquela geração pós-golpe, já dentro da histeria do Partido; conseguiu se manter alheia aquela propaganda alienadora.

Qual versão vc leu? :D Na minha (Cia das Letras) eles se referem a "Confraria" e não "Fraternidade". É incrível que nunca sabemos se ela realmente existe.
 
Entendi. Mas me pareceu fora do contexto, não havia necessidade dessa "voz". O próprio Winston fala que no instante que começou a escrever aquele diário, o destino dele estava traçado, ele fala isso o tempo todo: "não é SE me pegarem, é QUANDO me pegarem". Ele repete o tempo todo que é um homem morto.
E a ideologia daquele regime não é coerente a ponto de precisar de justificativas pra pegar os rebeldes, (poder pelo poder) tem um cara que foi preso porquê tava falando dormindo 8-O
Se naquele mundo até pensar diferente era crime porquê dar essa isca pra ser trabalhada?

A-há, você descobriu a utilidade do "doublethink", rs.
Consideremos que Goldstein é útil como propaganda principalmente. Ele é um inimigo do estado - e que foi criado por ele. A questão toda que isso envolve é: como fazer as pessoas aceitarem a "Verdade" do estado? Apresente uma ideologia oposta. Veja até onde ela está disposta a acreditar nisso. Prove que "2+2=5". Pronto: é ótimo para reconhecer ameaças em potencial e para verificar quem realmente está comprometido a despeito de tudo ser incoerente ou contraditório. Convenhamos: as pessoas fazem isso o tempo todo. :osigh:
 
Última edição:
Entendi. Mas me pareceu fora do contexto, não havia necessidade dessa "voz". O próprio Winston fala que no instante que começou a escrever aquele diário, o destino dele estava traçado, ele fala isso o tempo todo: "não é SE me pegarem, é QUANDO me pegarem". Ele repete o tempo todo que é um homem morto.
E a ideologia daquele regime não é coerente a ponto de precisar de justificativas pra pegar os rebeldes, (poder pelo poder) tem um cara que foi preso porquê tava falando dormindo 8-O
Se naquele mundo até pensar diferente era crime porquê dar essa isca pra ser trabalhada?

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Ela é a heroína, mas foi vencida sim. Conseguiram fazer ela deixar de amar o Winston através da tortura.

Ela é a heroína, no sentido que sendo nascida naquela geração pós-golpe, já dentro da histeria do Partido; conseguiu se manter alheia aquela propaganda alienadora.

Qual versão vc leu? :D Na minha (Cia das Letras) eles se referem a "Confraria" e não "Fraternidade". É incrível que nunca sabemos se ela realmente existe.

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Como o próprio O'Brien (meu vilão favorito da literatura "séria", diga-se de passagem) diz, ao Partido, não interessa apenas destruir os seus inimigos, mas, principalmente, transformá-los, convertendo o ódio em amor e a repugnância em devoção. Aquela oligarquia acreditava que somente desta maneira era possível perpetuar-se no poder, daí a necessidade de todo aquele ritual.

Julia "traiu" Winston após ser lobotomizada (lembre-se da cicatriz em sua fronte), ou seja, o Partido não conseguiu vencê-la enquanto seu cérebro esteve intacto (Julia 1 x 0 Ingsoc), ao contrário de Winston, este sim um "caso de cartilha".

Li o original em inglês, no ano de 1984 [sim, fui vítima da moda, afinal naquele ano lançaram o filme (uma droga, diga-se de passagem, também) com o John Hurt no papel de "Winston" e Richard Burton como "O'Brien"], no original "A Fraternidade" é "The Brotherhood". Depois li a edição nacional mutilada (sem o apêndice) de uma namorada minha, uns dois anos depois de ter lido a versão original em inglês, gostei do uso da palavra "Fraternidade" como tradução para "Brotherhood" e o adotei.

PS: Prestou atenção no apêndice? Ali fica implícito que aqueles regimes ruiram.

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Última edição:
vc já leu o livro nós, d evgueny zamiatin? dizem q orwell se inspirou nele.
 
A-há, você descobriu a utilidade do "doublethink", rs.
Consideremos que Goldstein é útil como propaganda principalmente. Ele é um inimigo do estado - e que foi criado por ele. A questão toda que isso involve é: como fazer as pessoas aceitarem a "Verdade" do estado? Apresente uma ideologia oposta. Veja até onde ela está disposta a acreditar nisso. Prove que "2+2=5". Pronto: é ótimo para reconhecer ameaças em potencial e para verificar quem realmente está comprometido a despeito de tudo ser incoerente ou contraditório. Convenhamos: as pessoas fazem isso o tempo todo. :osigh:
Caramba agora tudo faz sentido! 8-O Que volta incrível... Isso acontece o tempo todo, é verdade, mas a forma como é exagerado no livro pra dar a noção de ser incoerente é incrível.

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Como o próprio O'Brien (meu vilão favorito da literatura "séria", diga-se de passagem) diz, ao Partido não intressa apenas destruir os seus inimigos, mas, principalmente, transformá-los, convertendo o ódio em amor e a repugnância em devoção. Aquela oligarquia acreditava que somente desta maneira era possível perpetuar-se no poder, daí a necessidade de todo aquele ritual.

Julia "traiu" Winston após ser lobotomizada (lembre-se da cicatriz em sua fronte), ou seja, o Partido não conseguiu vencê-la enquanto seu cérebro esteve intacto (Julia 1 x 0 Ingsoc), ao contrário de Winston, este sim um "caso de cartilha".

Li o original em inglês, no ano de 1984 [sim, fui vítima da moda, afinal naquele ano lançaram o filme (uma droga, diga-se de passagem, também) com o John Hurt no papel de "Winston" e Richard Burton como "O'Brien"], no original "A Fraternidade" é "The Brotherhood". Depois li a edição nacional mutilada (sem o apêndice) de uma namorada minha, uns dois anos depois de ter lido a versão original em inglês, gostei do uso da palavra "Fraternidade" como tradução para "Brotherhood" e o adotei.

PS: Prestou atenção no apêndice? Ali fica implícito que aqueles regimes ruiram.

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Mas aí vc parte do pressuposto que a cicatriz é uma lobotomia, não fica claro isso, pode ser inúmeras coisas: os ratos, machucado comum. A própria Julia fala algo nesse sentido, "tem certas coisa com que te ameaçam, que vc não pode suportar, vc pede que ponham outro no lugar, depois disso aquela pessoa perde o significado que tinha pra vc". Ela se lembra do amor que tinha por ele, só vê as coisas de outra maneira, não vi razão pra achar que mexeram no cérebro dela.

Vi que no original é Brotherhood, acho que Confraria ficou uma boa adaptação, até porquê não existe um sentimento fraternal na ordem. Ou será que existe? Não sabemos... Na versão do O'Brien não.

Qual dos apêndices? O que fala sobre o novo idioma? Sim percebi que os regimes caíram... Fiquei curioso pra saber quem escreveu aquele apêndice, fica implícito que foi alguém que conheceu o Winston. Julia?

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vc já leu o livro nós, d evgueny zamiatin? dizem q orwell se inspirou nele.
Não. Vi ele sendo citado nos apêndices e me interessei, mas tá fora de catálogo parece. Vc recomenda?
 
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Penso que O"Brien mentiu no caso dela para desestimular o Winston, e que de tão treinada a fingir pela vida, só mesmo uma lobotomia seria capaz de domá-la.

Ela era o real perigo, não Winston.

Vou pensar na hipótese de, que quem escreveu o apêndice, ter sido alguém que conheceu o Winston.

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Última edição:
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Penso que O"Brien mentiu no caso dela para desestimular o Winston, e que de tão treinada a fingir pela vida, só mesmo uma lobotomia seria capaz de domá-la.

Ela era o real perigo, não Winston.

Vou pensar na hipótese de, que quem escreveu o apêndice, ter sido alguém que conheceu o Winston.

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"Eles podem fazer vc dizer qualquer coisa, mas não pode fazer vc acreditar nisso, não podem entrar em vc"
"Você só é rebelde da cintura pra baixo" o Winston sobre ela :grinlove:

Grande personagem a Julia.
 
Acredito mesmo que o O'Brien só deu migué pra poder identificar, ou porque não incriminar ainda mais, o Winston. Certamente ele já sabia do seu comportamento inortodoxo. Quis encher ele com esperanças de que havia esperança, mas no fundo era tudo armadilha.
Apenas sugerir uma lobotomia é algo que o Orwell fez porque tem culhão pra isso, o livro se encaixa em diversas interpretações como um todo. Mas é o que melhor pode explicar o fato de ela ter confessado e perdido todo o amor que sentia pelo Winston.
Já li teorias que sugerem que ela também foi uma armadilha pro Winston, alguém concorda?
Acho ela incrível demais para isso! Ela desequilibra a estória, é o ponto de partida pro Winston! Quando ouvi falar sobre o livro, jamais imaginei que o romance dentro da história existiria e seria tão bem feito. Sem ser enfadonho, mas verdadeiro e que dá um oxigênio ao ambiente sufocante da Londres de 84.
 
George Orwell explica 1984
26 julho 2016, 1:58 pm

1984 é um dos romances mais influentes do século XX. Lançada poucos meses antes da morte de George Orwell, é uma obra magistral que ainda se impõe como uma poderosa reflexão ficcional sobre a essência nefasta de qualquer forma de poder totalitário. Em 1944, três anos antes de escrever 1984 e cinco antes de sua publicação, George Orwell encaminhou a um certo Noel Willmett uma carta em que detalhava a tese de seu grande romance. A seguir, leia esta carta publicada no site Open Culture e conheça mais sobre o que pensava o autor de um dos clássicos modernos mais importantes da literatura mundial.

* * *
Para Noel Willmett
18 de maio de 1944
10a Mortimer Crescent NW 6



Caro Sr. Willmett,



Muito obrigado pela sua carta. O senhor pergunta se o totalitarismo, culto ao caudilho etc. estão em ascensão de fato, ressaltando que essas coisas, aparentemente, não registram crescimento aqui na Inglaterra e nos Estados Unidos.

Insisto que acredito, ou temo, que quando se observa o mundo em sua totalidade, essas coisas estão aumentando. Claro, não restam dúvidas de que Hitler em breve será passado, mas somente às custas do fortalecimento de (a) Stálin, (b) dos milionários anglo-americanos e (c) de todo tipo de fuhrerzinho à la de Gaulle. Para onde quer que se olhe, todos os movimentos nacionalistas, mesmo os que surgiram como forma de resistência ao domínio alemão, parecem assumir formas não-democráticas, organizando-se em torno a algum tipo de fuhrer sobre-humano (Hitler, Stálin, Salazar, Franco, Gandhi, De Valera e vários outros modelos) e adotando a teoria dos fins que justificam os meios. Por toda parte, o mundo parece convergir para economias centralizadas, que podem até “funcionar” no sentido econômico do termo, mas que não são democraticamente organizadas, possuindo o pendor a estabelecer um sistema de castas. Acrescente-se a isto o horror do nacionalismo exacerbado e uma tendência à descrença na existência das verdades objetivas, já que todos os fatos têm que se adequar às palavras e profecias de algum fuhrer infalível. Na verdade, em certo sentido, a história já deixou de existir, não havendo mais uma história contemporânea que possa ser universalmente aceita, e as ciências exatas também estarão ameaçadas tão logo não se precise mais do exército para manter a ordem. Hitler pode dizer que os judeus começaram a guerra, e se ele sobreviver, isso passará a ser a história oficial. Mas ele não pode dizer que dois mais dois são cinco, porque para os objetivos, digamos, da balística é preciso que essa soma continue sendo quatro. Mas se o tipo de mundo que eu temo vier a se tornar realidade, um mundo de dois ou três grandes super Estados incapazes de conquistar um ao outro, dois mais dois será cinco se o fuhrer assim o desejar. E é para aí, até onde posso enxergar, que estamos nos movendo de fato, embora, claro, esse processo seja reversível.

No que respeita à comparativa imunidade da Inglaterra e dos Estados Unidos, digam o que disserem os pacifistas etc., ainda não trilhamos o caminho do totalitarismo, o que é um bom sinal. Eu acredito profundamente, o que expliquei em O leão e o unicórnio, no povo inglês e em sua capacidade de centralizar sua economia sem destruir a liberdade no processo. Mas é preciso recordar que a Inglaterra e os Estados Unidos não foram de fato postos à prova, nenhum deles sofreu uma derrota ou perda severa, e que há alguns maus sintomas que podem desequilibrar os bons. Comecemos com a falta de preocupação generalizada com a decadência da democracia. O senhor se dá conta, por exemplo, que na Inglaterra de hoje, ninguém com menos de 26 anos vota e que, pelo que se pode constatar, a grande maioria dos que estão nessa faixa etária não dá a mínima para isso? Acrescente-se que os intelectuais são mais propensos a soluções totalitárias que o vulgo. Os intelectuais ingleses, é verdade, se opuseram majoritariamente a Hitler, mas somente às expensas de aceitar Stálin. A maioria deles está perfeitamente pronta para os procedimentos ditatoriais — polícia secreta, falsificação sistemática da história etc. –, desde que a percepção deles indique que isso esteja “do nosso” lado. Na verdade, a afirmação de que não temos um movimento fascista na Inglaterra significa mais que os jovens, no momento, buscam seu fuhrer em outro lugar. Não é possível assegurar que isso não vá mudar, nem que a gente comum não vá daqui a dez anos pensar como os intelectuais ingleses pensam agora. Eu espero que não, eu chego a acreditar que não vão, mas se for assim, não será sem conflito. Simplesmente afirmar que tudo vai bem, sem identificar alguns sintomas sinistros, apenas ajuda a fazer do totalitarismo uma possibilidade mais próxima.

O senhor também me pergunta se, uma vez que julgo que o mundo está rumando em direção ao fascismo, por que então apoio a guerra. Trata-se de uma escolha entre dois males — creio que toda guerra o é. Eu conheço o imperialismo britânico o suficiente para não o apreciar, mas eu o apoiaria contra os imperialismos nazista e japonês, como o mal menor. Do mesmo modo, eu apoiaria a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas contra a Alemanha, por julgar que a URSS não pode, a um só tempo, fugir do seu passado e manter o suficiente dos ideais originais da Revolução Russa, o que faz dela um fenômeno mais esperançoso que o da Alemanha Nazista. Eu acredito, e é isso o que penso desde que a guerra eclodiu, por volta de 1936, que nossa causa é a melhor, mas que temos que continuar a fazer com que ela evolua, e isso implica um constante exercício crítico.



Sinceramente, seu,

Geo. Orwell

Tradução de Carlos Alberto Bárbaro
 
Muito legal a carta @Bruce Torres .
Pode-se dizer que ele acertou em relação aos novos fuhrers? Talvez a URSS caminhou pra esse lado.
O imperialismo americano foi mais democrático, pelo menos em termos de chefes de estados.
Os dois impérios pós-guerra URSS e EUA podem representar o que ele pensava, mas após o fim da guerra fria tudo mudou e não chegamos a viver o 1.984.
Há de se lembrar das ditaduras ao redor do mundo (sul-americanas entre elas) que se assemelharam(?) ao 1.984 tirante as guerras.
Enfim, prever não é fácil não.
 
O Orwell viveu literalmente entre guerras. É natural que algumas de suas obras fossem influenciadas em maior ou menor grau por isso.
E justamente atravessando períodos emblemáticos da história na primeira metade do século passado, sem ter muita certeza como poderia ser o futuro da humanidade ele tentou fazer seus exercícios de futurologia.

E independente do que na realidade deu certo ou não, pra mim nunca deixarão de ser pontos de vista interessantes.
 
Ressuscitando mais um tópico aqui (desculpem...)

Mas fiquei meio alarmada ao ver vocês falando desse tal apêndice. Que apêndice??? Eu li o livro em e-book e não tinha apêndice nenhum. Sabem me dizer qual edição tem esse tal apêndice?

Outra coisa: atualmente, pelas notícias limitadas que chegam até nós, tenho a forte impressão que se tem algum estado que realmente se assemelhou a viver dentro do livro 1984, este é a Coreia do Norte.
Já vi relatos de fugitivos dizendo que eles tem medo de pensar, porque são levados a crer que o líder / presidente / ditador é capaz de ler mentes!
 
Faz um tempão que li a obra e nem tenho mais meu exemplar, mas o apêndice é aquele em que o Orwell fala um pouco sobre os princípios da novilíngua. Eu presumo que na edição da Cia das Letras deva ter. Nessa resenha o autor pelo menos fala que o apêndice foi mantido.
 
Faz um tempão que li a obra e nem tenho mais meu exemplar, mas o apêndice é aquele em que o Orwell fala um pouco sobre os princípios da novilíngua. Eu presumo que na edição da Cia das Letras deva ter. Nessa resenha o autor pelo menos fala que o apêndice foi mantido.

Obrigada
Eu vou verificar no meu e-book que está num tablet que nem uso mais... terei que carregar ele... pra ver se tem mesmo esse apêndice ou não. Faz uns anos que li o livro e agora estou em dúvida se tinha ou não... mas não lembro de ter lido o apêndice.
 

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