CUIDADO**** Este post está cheio de spoilers sobre o livro, e eu não vou colocar as partes dentro da caixinha de spoilers...
Eu esperei quase vinte anos para ler Drácula, contando do momento em que ele entrou no meu radar cultural, com o filme do Coppola. Nesse meio tempo eu vi uma infinidade de filmes de vampiros, joguei Vampiro a Máscara, criei uma personagem vampira, li The Vampyre do John Polidori, li Crepúsculo e li Anne Rice. Sim, nesta ordem. Posslo dizer que quando a oportunidade de ler Drácula finalmente apareceu eu estava mais do que ansiosa para ler o livro. E talvez isso tenha diminuído o brilho da minha experiência.
Drácula é, definitivamente, um clássico do gênero. Toda a cultura de vampiros a partir do século XX se compara, direta ou indiretamente, ao Conde criado por Bram Stoker. E o vampiro, como personagem, é tão ou mais fascinante do que o retrato que dele faz o Bela Lugosi, ou o Gary Oldman. Aliás, todos os personagens tem um potencial absurdo. São homens e mulheres inteligentes e esclarecidos, a nata do século XIX, têm um conhecimento raro da tecnologia da sua época e raciocínios brilhantes. É praticamente um romance epistolar, formado pelos diários dos protagonistas e também de algumas cartas e notícias anexadas a eles. Contam da viagem de Jonathan Harker à Transilvânia, como solicitador, para tratar da compra de um imóvel em Londres. Da paixão e morte de Lucy Westenra. Da convivência de Dr. Seward com seu paciente lunático Renfield e também da corrida contra o tempo para destruir o Conde. Um romance que tinha tudo para me agradar, e que me decepcionou.
Parte da culpa advém da minha insatisfação com a tradução. A edição que li, da L&PM e traduzida por Theobaldo de Souza. Alguns parágrafos não faziam muito sentido para mim, então me aventurei no Project Gutenberg (
http://www.gutenberg.org/ebooks/345) e acabei descobrindo que ele escolheu traduzir lunch como "lanche" e birthday como aniversário natalício. É uma birra que tenho com tradução de clássicos, principalmente do inglês e francês - idiomas que eu conheço. Eles teimam em deixar a linguagem mais complicada do que é no original. Percebi também que ele pulou frases inteiras, o que deixou alguns textos totalmente sem objetivo.
Mas não foi só isso. Me incomodei muito com o rumo que Stoker deu para a história. Adorei a primeira metade do livro, até a morte final de Lucy, mas quando Mina e Jonathan se unem ao quarteto liderado por Van Helsing, pra mim a coisa começou a degringolar. Uma delas, a maneira como cinco homens inteligentes, que já passaram por tudo o que passaram, um no castelo do Conde, e quatro acompanhando a agonia de Lucy, não perceberam que Mina tinha sido mordida. Ela apresentou exatamente os mesmos sintomas, a fraqueza, a palidez, e ninguém teve o senso de dar uma olhadinha no seu pescoço? Mesmo sabendo que aconteceu logo depois da primeira noite que passaram separados? E esses mesmos homens que demoraram eras pra descobrir que a Mina estava se transformando descobrem bastante rápido o paradeiro do Conde e como matá-lo (apesar de que, admito, o lance da Kukri foi legal). Me empolguei com a parte da perseguição, o que quase me fez esquecer a obtusidade dos caras, mas esperava um confronto final mais, sei lá, "confrontoso". Era o Drácula, poxa! Achei também o Van Helsing um cara muito chato. Fazendo mistérios sobre o que conhecia, indo e voltando nos assuntos, sem a capacidade de falar objetivamente com ninguém em nenhuma circunstância, característica que confronta diretamente com suas atitudes de homem prático.
E aí tem a parte que me incomoda por ser uma leitora do século XXI, que talvez não incomodassem um leitor contemporâneo. A primeira é que Van Helsing é um cara muito machista, e acaba contaminando todos os homens da trupe, inclusive o marido de Mina. Outra são as quatro transfusões de sangue em Lucy, coisa que me incomodou, mas como descobri que a tipagem sanguínea é coisa do século XX e o fator RH também, acabei me convencendo que funciona para a história - ainda que na minha cabeça a Lucy seja sangue AB positivo, só por via das dúvidas). E, algo que um amigo apontou e que eu acabei percebendo também, a pouca diferenciação nas vozes das personagens. Os diários eram muito parecidos entre si, apesar de serem pessoas a princípio muito diferentes.
De toda forma, escrevendo agora sobre o assunto, me dei conta que eu entrei o suficiente na história para me irritar com seus personagens, e não tanto com a forma de Bram Stoker (ou o tradutor), escrever. E por isso só, o livro merece o título de clássico e, ainda que eu tenha me decepcionado com ele, não me arrependo por um minuto de tê-lo lido. Ele tem informações valiosas para mim sobre a sociedade do fim do século XIX, e sua leitura também me levou a uma longa pesquisa (online) sobre a vida e os costumes de seu autor, como a inspiração deste para criar o Drácula, o ator Henry Irving.