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Autor da Semana Psicologia da Composição (João Cabral de Melo Neto)

Melian

Período composto por insubordinação.
Introdução


Thomas Edison dizia que um gênio é 1% de inspiração e 99% de transpiração. Mallarmé dizia que a palavra tem de significar apenas 1/4, 3/4 é sugestão. As duas afirmações anteriores sugerem que o trabalho artístico (aqui, especificamente, falo do trabalho com a palavra, do trabalho poético) não é fácil. Não tem de ser fácil, mas exige dedicação, uma dedicação que consiga colocar a palavra como cerne do trabalho. A palavra sugere, não o autor. O autor trabalha na palavra, retira-lhe os excessos, a faz pedra, para que ela possa concretamente, se presentificar no lócus textual.

Na estrutura da Lírica Moderna, podemos destacar duas grandes linhas de poesia: a primeira é a chamada "Festa do intelecto", composta por poetas que valorizavam a razão como fonte suprema de criação poética. O maior representante dessa vertente, é o Valéry. A segunda vertente, a da "Derrocada do intelecto", é marcada pela negação da presença da razão no texto literário. Temos, nessa linha, o apogeu do automatismo da escrita, do sonho.

A Psicologia da Composição, de João Cabral de Melo Neto, pode ser lida na perspectiva da "Festa do intelecto". Essa obra pode funcionar como um trabalho poético do autor que mostra a sua angústia, a sua inquietação quanto à atividade da escrita. Mostra que os poetas que optam pelo trabalho de arte não alcançam seus objetivos literários por meio da inspiração, mas pela dedicação.

Ao lermos o título "A Psicologia da Composição", somos diretamente levados ao "Filosofia da Composição", de Edgar Allan Poe. No seu ensaio, Poe analisa o processo da criação do seu famoso poema, "O corvo", e, nessa análise, ele deixa transparecer o trabalho de arte que envolve a sua poética.

Edgar Allan Poe disse:
Muitos escritores, especialmente os poetas, preferem ter por entendido que compõem por meio de uma espécie de sutil frenesi, de intuição estática; e positivamente estremeceriam ante a ideia de deixar o público dar uma olhadela, por trás dos bastidores, para as rudezas vacilantes e trabalhosas do pensamento, para os verdadeiros propósitos só alcançados no último instante, para os inúmeros relances de ideias que não chegam à maturidade da visão completa, para as imaginações plenamente amadurecidas e repelidas em desespero como inaproveitáveis, para as cautelosas seleções e rejeições, as dolorosas emendas e interpolações; numa palavra, para as rodas e rodinhas, os apetrechos de mudança no cenário, as escadinhas e os alçapões do palco, as penas de galo, a tinta vermelha e os disfarces postiços que, em noventa e nove por cento dos casos, constituem a característica dos histrião literário.

Em consonância com Poe em "Filosofia da Composição", em "A Psicologia da Composição", João Cabral utiliza-se de um tom, claramente, metalinguístico, para "dessossar" o processo da construção do texto literário.

"Psicologia da Composição" (1946-1947) é uma trilogia, composta pelos poemas: "Psicologia da Composição", que dá título à trilogia; "Fábula de Anfion" e "Antiode". Em "Psicologia da Composição" temos acentuadíssimas reflexões sobre a criação poética. "Fábula de Anfion" é um poema narrativo onde o anti-herói procura despojar a poesia de sua afetividade. Com "Antiode" o poeta coloca-se contra a forma de poesia entendida tradicionalmente como profunda: o poema é construído através da objetividade da palavra escrita e não através dos "estados da alma" da tradição romântica.

A trilogia é dedicada a Lauro Escorel: que foi um crítico literário e embaixador brasileiro no México. Ele é autor de "A pedra e o rio", um ensaio, de 1973, sobre a poesia de João Cabral. Após a dedicatória, temos a epígrafe "riguroso horizonte" (de Jorge Guillén). Está epígrafe, uma citação de um poeta espanhol, indica o sentido de rigor formal dos três poemas de João Cabral. Esse ideal de perfeição, entretanto, deve ter abertura para o mundo (o horizonte); o poeta não pode fechar-se em si mesmo.


Algumas considerações sobre "Fábula de Anfion"



Anfion, de acordo com a mitologia grega, era filho de Júpiter e Antíope (rainha de Tebas). Dotado de um grande talento para a música, Anfion recebeu uma lira de Apolo. Ao som dessa lira, construiu, depois, a muralha de Tebas; as pedras iam-se colocando umas sobre as outras, sem qualquer esforço. João Cabral substituiu a lira por uma flauta rústica e interpretou o mito com liberdade de criação, associando os motivos temáticos: pedra/palavra. O poema cabralino se divide em três partes: O Deserto, O acaso e Anfion em Tebas.

Em "O Deserto", Anfion está se preparando para construir Tebas, o poema. É interessante os significados que o Deserto, neste contexto, pode assumir. Ele tem o sentido simbólico e tem o sentido de que o próprio Anfion também é deserto. Ele está fundido a esse espaço.

No deserto, entre a
paisagem de seu
vocabulário, Anfion,

[...]

na areia, gesto puro
de resíduos, respira
o deserto, Anfion.

Em "O Deserto" temos uma estrofe que é, para mim, a mais bonita da poesia brasileira:

Ali, não há como pôr vossa tristeza
como a um livro
na estante.

Em "O Acaso", acontece algo que frustra os planos de Anfion. O acaso prejudica o projeto de depuração, mineralização os objetos, porque ele aparece inexplicavelmente, com toda uma vitalidade biológica. É uma força instintiva e anárquica que rompe com a aridez perseguida pelo poeta.

O acaso, raro
animal, força
de cavalo, cabeça
que ninguém viu;
ó acaso, vespa.

Em "Anfion em Tebas", percebemos a angústia de Anfion por ele não conseguir dominar a flauta, instrumento da poesia, porque ela se assemelha a um cavalo louco, que não pode ser domado. E, em sua origem, ela, a flauta, recebeu grãos de vento. Assim, o poema termina com o fracasso de Anfion, que não conseguiu fazer uma poesia PURA.


Algumas considerações sobre "Psicologia da Composição"



Psicologia da Composição é dedicado ao poeta Ledo Ivo, que é o principal mentor da Geração de 45, na qual João Cabral costuma ser enquadrado tradicionalmente (cronologicamente, não esteticamente, claro). Neste poema, temos uma reflexão sobre que forma o poeta quer dar ao seu poema. Ele diz não à "forma encontrada como concha perdida", não à "forma obtida em lance santo ou raro", porque o que ele deseja é

mas a forma atingida
como a ponta do novelo
que a atenção, lenta,
desenrola,

aranha. como o mais extremo
desse fio frágil, que se rompe
ao peso, sempre, das mãos
enormes.

Nesse trecho percebemos que algo angustia o poeta: a sutileza do trabalho artístico contrasta com suas mãos enormes que podem, por um descuido, estragar o trabalho de arte, o trabalho de "cultivar o deserto como um pomar as avessas". Ele não quer firulas na linguagem, ele quer a linguagem árida.


Algumas considerações sobre "Antiode"



Em "Antiode", o subtítulo "contra a poesia dita profuna", já é anunciada a tônica do poema. A Ode é uma forma artística de origem grega, que é uma espécie de homenagem, feita em tom grave e solene. João Cabral propõe, neste poema, uma antiode, uma negação à ode.

Flor é o salto
da ave para o vôo;
o salto fora do sono
quando seu tecido

se rompe; é uma explosão
posta a funcionar,
como uma máquina,
uma jarra de flores.

Poesia, te escrevo
agora: fezes, as
fezes vivas que és.
Sei que outras

Palavras és, palavras
impossíveis de poema.
Te escrevo, por isso,
fezes, palavra leve,

contando com sua
breve. Te escrevo
cuspe, cuspe, não
mais: tão cuspe

como a terceira
(como usá-la num
poema?) a terceira
das virtudes teologais.

Na definição da "flor", o poeta conscientiza-se de que ela não pode ser alienada: é "palavra", é "salto", é "explosão". Mais ainda: é matéria impura como as "fezes". A profundidade da ode tradicional é, pois, ilusória: a realidade que atravessa o poema transforma-a, na verdade, em uma antiode.
 
Última edição por um moderador:
Ali, não há como pôr vossa tristeza
como a um livro
na estante.
:grinlove:
 
Obrigada, Belzinha.

E, gente, procurando estes tópicos, eu me dei conta do quanto eu estava com saudades d'O Literatura, que sempre foi a minha parte preferida do fórum Valinor. Sério, amo muito esse cantinho, aqui. E, na verdade, só preciso dele para ser feliz nesse fórum. Ainda bem que ele está aqui, lindo, porque eu acho que não aguentaria ficar sem o Meia Palavra e sem o Literatura do fórum Valinor ao mesmo tempo.
 
Obrigada, Belzinha.

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Tirando o Autor da Semana, sem você ficou meio parado mesmo.

Anw, é minha parte preferida do fórum depois do CdA. 2011 marcou o Autor da Semana, o Clube e dezenas de tópicos memoráveis, e eu aproveitei bastante, aprendi muito e foi essa área querida do fórum que me levou a ler livros que se tornaram meus preferidos. Além do espaço pra compartilhar minhas impressões e experiências de leitura. Amo demais o Literatura, e foi o que me levou ao Meia. Pena que lá nunca tive tempo de aproveitar. :lol:
 

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