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Autor da Semana O Humanitismo: caricatura do comportamento humano

Melian

Período composto por insubordinação.
Interessa-me, para o início dessa reflexão, um diálogo entre o protagonista de "Nada e a nossa condição", de Guimarães Rosa, e uma de suas filhas: "- Pai, a vida é feita só de traiçoeiros altos-e-baixos? Não haverá, para a gente, algum tempo de felicidade, de verdadeira segurança?" E ele, com muito caso, no devagar da resposta, suave a voz: "-Faz de conta, minha filha... faz de conta".

Nesse "faz de conta" rosiano, podemos inserir Pedro Rubião de Alvarenga, personagem do romance "Quincas Borba", de Machado de Assis. Não é surpresa que a figura do Quincas Borba, personagem de Memórias póstumas de Brás Cubas, criador do Humanitismo, apareça, também, no romance homônimo, quando o narrador funde-se ao próprio autor, afirmando: Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler as Memórias póstumas de Brás Cubas é aquele mesmo náufrago da existência, que ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado, e inventor de uma filosofia.

Machado criou o personagem Quincas Borba, fundador da filosofia Humanitista, destinada a ser a mais abrangente de todas as filosofias, a ponto de vir a ser, mesmo, uma nova religião. Quincas Borba era mineiro, de Barbacena. O outro sobrenome de Quincas é "Santos", e ele se vê como Santo Agostinho, conforme relata em uma carta que envia ao seu pupilo, Rubião. Coincidentemente, o Quincas tinha o mesmo nome do Machado, Joaquim. Se associarmos o nome ao sobrenome Borba e suas significações, temos o construir de um dos artifícios da técnica narrativa machadiana, na qual a antítese se faz recorrente. Joaquim, do hebraico, é Javé, "o que levanta e restabelece". Mas quando chegamos ao Quincas, temos a noção de "quinquilharia", coisa de pouco valor. Já o sobrenome Borba nos permite diversas leituras: do celta, pode ser ligado a fontes e nascentes; do francês bourbe, pode-se fazer a associação com lama e lodo; o termo borboró significa gago (MACHADO ERA GAGO!); borbulha, ligado à bolha, é metáfora fundamental na teoria do filósofo. Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias (...) Bolha não tem opinião. (Quincas Borba)


Por que eu não comecei o tópico falando do Humanitismo em Memórias póstumas de Brás Cubas? Porque eu quero confundir alhos com bugalhos. sei que Memórias póstumas mais pessoas leram, nem que tenha sido apenas por causa do vestibular, então, acho melhor utilizá-lo para desenvolver um pouco a proposta do tópico. Mas não se prendam tanto aos detalhes, façam uso da velha e boa verborragia, para filosofarmos sobre filosofias e não filosofias.

Eu poderia dizer que Memórias póstumas é a obra inaugural do Realismo no Brasil. Mas isso não diz nada. Eu poderia dizer, também, que é uma obra espetacular de um escritor fenomenal. Mas isso, também, não diz nada. Eu posso dizer, embora já seja do conhecimento de vocês, que Memórias Póstumas é o meu livro preferido. Mas isso, mais uma vez, não diz nada. Pode não dizer a vocês, mas diz a mim. Diz que Machado soube observar os podres poderes (Olá, Caê!) desse mundo.

Ele exibiu uma burguesia com a tinta do ridículo, a burguesia que é insegura de sua força e de seus poderes, e deseja ser nobre, fidalga, valendo-se de todos os meios: a imaginação, a falsificação ou a imitação. Para exemplificar, vamos à raiz: o pai de Brás, que deseja para a origem dos Cubas alguém que não cheirasse à tanoaria (cuba é tonel, vasilha, barril). Daí, a origem foi deslocada para um licenciado, Luís Cubas, bacharel e amigo do vice-rei. Imagina-se, também, o nome Cubas associado a um mentiroso feito heróico (um ancestral arrebatou trezentas cubas aos mouros).

Paradoxalmente, na decomposição do cadáver de Brás, observa-se a edificação de uma personalidade narcísica, vaidosa, orgulhosa. Afinal, quais as primeiras palavras da dedicatória? AO VERME... que pode se tornar, facilmente, AO VER-ME. Isto é, a chamada segunda fase do romance machadiano inicia-se com um poderoso e afiado olhar para a interioridade humana, extraindo daí o egoísmo, o interesse, a desagregação e o nada. Acho que “Eu sou egoísta”, do Raul, sintetiza, na medida do possível, a personalidade de Brás Cubas, e, por extensão, do enredo de Memórias Póstumas.


Sabemos que a filosofia humanista tem como meta o bem estar do homem. Nessa perspectiva, os recursos da natureza seriam controlados pelo homem em prol do seu bem comum. Diante disso, é possível dizer que a filosofia humanitista, desenvolvida por Quincas Borba em Memórias Póstumas de Brás Cubas, é uma paródia do Humanismo. Sabendo-se que a paródia é um processo intertextual que caracteriza-se por descentralizar a ideologia dominante expressa no texto parodiado, o Humanitismo revela-se como uma paródia do Humanismo na medida em que demonstra, de forma realista, que ao invés de o homem dominar a natureza, é a natureza quem o domina.

A obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas” é sustentada por essa filosofia humanitista. Filosofia essa que revela-se como caricatura, isso é, uma imitação exagerada, do comportamento humano, na medida em que realça o seu egoísmo, indiferença, inveja, mesquinharia, que resulta, como afirma Brás Cubas, no capítulo denominado "Das negativas", na realização do nada. A vida passou e Brás não fez outra coisa, senão sustentar sua vaidade e egoísmo, se utilizar da "Lei do mais forte", por exemplo, quando criança, espancou um escravo, chamado Prudêncio, deixando bem claro que ele "pertencia-lhe", era "sua propriedade".

O Humanitismo revela-se como uma crítica irônica a todos os "ismos" que começaram a surgir no início do século IXX , porque seus idealizadores acreditavam que tudo podia ser explicado pela Ciência, o que não condiz com a narrativa das Memórias, pois no seu decorrer, somos direcionados pela ideia de que a vida é luta. O sofrimento e a dor são vistos como inerentes a condição humana, o que se pode notar no capítulo "O delírio", no qual a Natureza ou Pandora diz ao Brás que o maior benefício que ela deu ao homem foi o sono. Isso porque dormindo, você não está vivendo, (a vida é dor), o sono seria o alívio. Quando estamos dormindo, não estamos vivendo, não estamos sofrendo.

Enfim, pode-se depreender do Humanitismo que embora o homem possa temporariamente dominar os outros ele acabará sendo dominado, pois na lei do mais forte, vence a natureza. Ela é mais forte do que o homem.
 
Última edição por um moderador:
Interessante a filosofia-paródia do Quincas Borba porque ela me lembra o nietzscheanismo. Bastante pela posição da luta enquanto principal fundamento da existência e a natureza como dominadora do homem, quebrando os vínculos com qualquer tipo de metafísica que valoriza o irreal e falseia a realidade, idolatra a razão humana e a ciência. "A guerra é a mãe de todas as coisas', dizia Heráclito de Éfeso, proclamando o hino dos irracionalistas. Eu me identifico tanto com esse pensamento! :think:

Não basta Machado apresentar todas as contradições do comportamento humano, ironizá-las, apresentá-las sob uma luz exagerada, ou só descrever tais contradições. Ele não explora os estados psicológicos com a eficiência e profissionalismo de um Dostoievski, nem apresenta um projeto de superação do homem pela luta amoral e transvalorativa de um Nietzsche. Ele não precisa se deter em minúcias psicológicas nem mesmo apresentar soluções, expor um pensamento.

Ele apenas apresenta situações, alguns sentimentos, umas descrições leves e profundas de trejeitos, discursos, impressões, ele tem aquela maestria ímpar em ridicularizar a humanidade e suas certezas sem usar de discursos inflamados ou minúcia. Machado é um artista, é um pincel que desliza e deixa pequenas marcas de impressão, de enfrentamento que põe a realidade tal e qual é, ao esfregar na cara das convenções, ideias e sentimentos aquilo que lhes é próprio, lhes desnudar e morder, mastigar, ruminar a contradição que há entre elas e a realidade nua e crua. Não é dissecação, repito. É o artista-Deus que conhece suas criaturas e não precisa de mais que umas pinceladas para lhes despir e imprimir sobre a consciência do leitor o baque gigantesco, o peso enorme da consciência oprimida por um mundo irreal e fantasioso, um choque mais profundo, mais íntimo, mais seco.
 
Ele apenas apresenta situações, alguns sentimentos, umas descrições leves e profundas de trejeitos, discursos, impressões, ele tem aquela maestria ímpar em ridicularizar a humanidade e suas certezas sem usar de discursos inflamados ou minúcia. Machado é um artista, é um pincel que desliza e deixa pequenas marcas de impressão, de enfrentamento que põe a realidade tal e qual é, ao esfregar na cara das convenções, ideias e sentimentos aquilo que lhes é próprio, lhes desnudar e morder, mastigar, ruminar a contradição que há entre elas e a realidade nua e crua. Não é dissecação, repito. É o artista-Deus que conhece suas criaturas e não precisa de mais que umas pinceladas para lhes despir e imprimir sobre a consciência do leitor o baque gigantesco, o peso enorme da consciência oprimida por um mundo irreal e fantasioso, um choque mais profundo, mais íntimo, mais seco.

Não gosto de me quotar mas... nessa época eu só tinha lido alguns contos e Dom Casmurro. Nem dá pra acreditar que isso foi antes de 'Brás', 'Quincas Borba' e 'Aires'.
 
O ruim de eu ter ressuscitado este tópico é que, agora, estou com vontade de reler Machado. Ok, eu tenho vontade de reler Machado todos os dias.
 

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