IÄ! IÄ! HASTUR FHTAGN! CARCOSA NYTHLGUA XUL MGAH'HALI FHTAGN!
Este relato servirá como registro para os Irmãos da grande jornada por nós empreendida em plena selva brasileira para contribuir com a volta dos Antigos. Nós, da Irmandade, que sabemos o verdadeiro caminho para os Grandes Antigos. Nós, que conhecemos que há uma ordem na loucura, uma beleza na desistência da moral; que há peças a serem encenadas, máscaras a serem usadas. E que devemos ser pacientes. O Inominável dorme e sonha sob as águas do Lago Hali, em Carcosa, e não tem pressa...
Nós, do Senado Secreto, daremos a glória ao Inominado. Para aquele que é o único, o verdadeiro Rei.
Diga-me, Irmão, já viu o Sinal Amarelo?
Cabe-me antes de tudo traçar para os iniciantes os acontecimentos pregressos que nos trouxeram até este momento glorioso.
Sabe-se que 1895 nós tentamos invocar o Rei em Farrapos em Paris, de forma sutil, de modo a influenciar pouco a pouco a mente dos falhos. Eu mesmo fazia parte da assembleia que montou, produziu e apresentou a peça de Castaigne. Castaigne, o gênio indomado que não suportou a revelação. Castaigne, inspirado por Xastur, que deu forma escrita ao périplo do Estrangeiro, emissário do Rei. Castaige, que terminou a redação do trabalho iniciado por Marlowe e Shakespeare, dois não-iniciados que receberam as graças dAquele que dorme sob o lago. Notem nossa diferença em relação aos seguidores de Cthulhu, os degenerados: enquanto eles acolhem em seu seio toda ralé que aceita urrar e circunvoltear o fogo e a estátua, nós somos os eleitos, pois H*st*r só inspira os melhores, os que tem os dons das artes, os gênios da raça destinados a ajudar no retorno.
A peça foi preparada para a noite da conjunção de Aldebaran em Híades com o Sol em Touro. Tudo indicava uma invocação perfeita, se os espíritos da plateia fossem cooptados de maneira correta. Mas algo falhou. Não previrámos a fragilidade da mente dos falhos, que não estavam preparados para o átimo de Verdade que lhes era ofertado. Perderam o controle e tudo resultou num aparente fracasso. Sim, pois se as autoridades falhas “proibíram” a montagem da peça e a circulação do texto, isso só aguçou a curiosidade dos intelectuais e artistas despertos em toda a Europa. Logo “O Rei em Amarelo” foi traduzida e impressa na Inglaterra, e versões paralelas em outros idiomas não tardaram a surgir. Nossos Irmãos trabalharam rápido, e bem.
Naquela noite de 1895 tive a oportunidade de conhecer aquele que viria a se tornar um Irmão devotado e figura-chave para a consecução de nossos planos na Amazônia: PM, um jovem brasileiro com a veneração estampada nos olhos, os conhecimentos e os recursos materiais para uma nova tentativa. M. era herdeiro de um fortuna feita da borracha amazônica e apreendera parte da Verdade em contatos com tribos afastadas de sua terra natal. E mais: sabia de um tomo de saber de grande valia escrito por colonizadores portugueses em séculos passados. Chama-se esse livro “Ang Mbaë Aiba”, “O Livro da Alma Profunda do Mal”, que trazia descrições de rituais dos primitivos habitantes daquelas terras em devoção aos Antigos. E ele soube de um exemplar que ainda existia no Brasil e que estava na Biblioteca Pública de Manaós. Infelizmente o tomo estava em tupi, língua que ele não conhecia e não conseguia dominar apesar de seus esforços.
Sedento por mais conhecimento foi que viajou para a Europa em 1895 e que por essa sede nos conhecemos. Na apresentação, foi da plateia um dos poucos que entendeu a genialidade do que via e não se perdeu. Isso me chamou a atenção nele. Apresentei-me e descobri nele um bom interlocutor. Falou-me do livro em tupi e como já lera algo, sem profundidade, sobre as manifestações do Indizível, interessei-me de imediato. Contou-me da tribo dos Maku-nhaimã, que adoravam o “rebento da fruta”, provável forma local do Rei, que conheciam a árvore da angakuara e dominavam o segredo da fabricação da mbaë-ú, a bebida que nos coloca em sintonia direta com o Sonhador.
Embora atribulações tenham me impedido de viajar imediatamente ao Brasil, comecei a estudar a língua dos indígenas. M. tornou-se um neófito e passou a vir à Europa constantemente para ver nossas apresentações “clandestinas” da peça, apenas para os iniciados. Mas sabíamos que ela fora escrita para liberar a mente dos falhos, sobretudo dos de grande influência e poder, a fim de colocá-los em contato com a Verdade e que eles a fariam espargir pelo Globo.
Os cálculos astrológicos mostraram que a oportunidade perfeita seria quando da passagem do cometa de Halley (Halley/Hali...), em 1910. Teríamos alguns anos para a preparação perfeita do cerimonial. M. adquiriu cada vez mais prestígio em sua cidade e passou a ser um “patrocinador das artes”. Enquanto isso, eu escolhia os irmãos mais devotados para a tarefa gloriosa. M. mandava fazer cópias manuscritas do Ang Mbai Aiba e do “Sacramentus Crudelissimus in Terra Brasilis”, mas que pouco me ajudavam.
Em 1905 estive pessoalmente em Manáos e comecei a fazer minhas próprias anotações desses tomos, já dominando bem a língua tupi. M. descobrira algumas árvores Angakuara e tomara posses dessas terras. Começamos também a estabelecer relações mais amistosas com membros dos Maku-nhaimã que não tinham passado por uma interessante metamorfose. Essa mudança é uma forma de contato total com o Indizível, e é admirável, mas pouco útil para nossos planos, já que o indivíduo se torna aversivo aos olhos dos falhos. É causada pelo uso constante da mba-ú.
Aprendi rituais interessantíssimos que pude transcrever nos arquivos da Irmandade quando voltei à Europa. Pratiquei alguns deles recentemente e se mostraram muito úteis para os momentos que se aproximam. Como sabem, fiz o Juramento Indizível e passeei entre reinos. Meu corpo se deteriora desde então, mas alcancei um degrau mais alto. Quando desta casca nada restar, já terei feito meu papel e recebido o Soberano.
Passados os anos, chegamos finalmente ao momento esperado. Nossos mentores K´Nyan, esperançosos com o sucesso da cerimônia, deram-me a honra de enviar um sacerdote do povo Tcho-tcho para liderar o ritual final, Py On py, um Mestre Oh-Go de 7º Nível!!! Chegamos ontem a essa terra bárbara, e longe dos malditos Mi-go, pudemos nos concentrar totalmente na montagem do cenário e na obtenção dos elementos indispensáveis ao nosso sucesso.
Montamos as pedras sacrificiais e os dois portais, um no teatro e outro nas terras de M., o que nos tomou várias noites para a energização de um lado e de outro, com uma cansativa viagem de barco. Com o portal, isso não é mais necessário. Nossos outros irmãos ficaram na casa de M. preparando-se. Py on conseguiu os dois cordeiros perto do rio. O sacerdote vem dirigindo cerimônias para visualização do Inominável na cidade e fazendo experiências misturando a mba-e e a lótus negra, com resultados animadores.
Vários falhos importantes foram iluminados a passaram a enxergar através da bebida. Alguns trabalhadores e novatos não resisitiram ao primeiro contato com a Verdade. Falhos demais, não são dignos de contemplar a chegada do Rei. A extração vai bem e em breve as primeiras caixas com a raiz devem chegar em Marselha, e daí para nossos irmãos por toda a Europa. Eliminamos um pequeno obstáculo curioso, nada pode se interpor entre nós e nosso objetivo.
Em breve estrearemos. O resultado ficará evidente para os irmãos. Para os falhos, não passará de mais um acidente. Mas o Rei terá sido coroado e seus súditos leais multiplicados e espalhados, como deve ser.