"Idade média"? Suponho que tu quis dizer "Terra-média" ali, já que não era intenção alguma de Tolkien emular a Idade Média em suas obras (até porque a Idade Média real européia não poderia estar mais longe do que é a Terra-média).
Quanto à tradução dos poemas, nesses é necessário fazer mais concessões quanto à liberdade do tradutor do que com os trechos em prosa, visto a dificuldade inerente de se traduzir poesia.
O tradutor tem sempre três saídas possíveis: 1) ou traduzir pelo sentido, em detrimento da sonoridade, 2) ou traduzir pela sonoridade, em detrimento ao sentido, 3) ou tentar fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Desnecessário dizer que a 3 é praticamente impossível e, quando de fato consegue-se realizá-la, há dois fatores que geralmente são constantes: 1) a similaridade das duas línguas (ex: traduzir um poema do espanhol para o português) e 2) a habilidade do tradutor, que não raro é ele mesmo um poeta.
Muita gente costuma olhar os poemas do SdA e do
Hobbit e torcer o nariz para eles, achando que Tolkien não era lá muito bom como poeta. Isso evidencia principalmente duas coisas (hoje estou numerando tudo, hehe): 1) que a pessoa leu apenas a tradução, o que por definição reproduziria a poesia de forma "inferior" e 2) caso a pessoa também tenha lido em inglês, não compreendeu o estilo poético empregado por Tolkien, o que então é uma falha do próprio conhecimento da pessoa, não necessariamente do autor.
O fato é que Tolkien sabia muito bem o que estava fazendo (de modo bem satisfatório) ao compor os poemas. Há poemas em diversas de suas obras, não só nas principais; é uma forma literária que o atraía muito e na qual procurava se expressar geralmente através de um estilo que por definição não é familiar nem para os próprios falantes nativos do inglês: o da poesia anglo-saxã. O poema anglo-saxão
Beowulf foi sua inspiração não só por diversos temas, mas também na própria forma, por seu verso aliterativo. Nessa forma de poesia, não se dá prioridade para rimas no final dos versos, mas para a repetição dos sons no início de cada palavra. Tolkien chegou escrever a própria "Balada dos Filhos de Húrin" nesse modo, mas não concluiu o poema (como de costume). Eis um trecho do poema, versos 57-77, presente no vol. 3 da HoME,
The Lays of Beleriand ("As Baladas de Beleriand"):
‘I know and I hate. For that knowledge I fought thee
by fear unfettered, nor fear I now,’
said Thalion there, and a thane of Morgoth
on the mouth smote him; but Morgoth smiled:
‘Fear when thou feelest, and the flames lick thee,
and the whips of the Balrogs thy white flesh brand.
Yet a way canst win, an thou wishest, still
to lessen thy lot of lingering woe.
Go question the captives of the accursed people
I have taken, and tell me where Turgon is hid;
how with fire and death I may find him soon,
where he lurketh lost in lands forgot.
Thou must feign thee a friend faithful in anguish,
and their inmost hearts thus open and search.
Then, if truth thou tellest, thy triple bonds
I will bid men unbind, that abroad thou fare
in my service to search the secret places
following the footsteps of these foes of the Gods.’
‘Build not thy hopes so high, O Bauglir —
I am no tool for thy evil treasons;
torment were sweeter than a traitor's stain.’
Coloquei uns algumas partes em negrito. Percebam como esses sons se repetem dentro dos versos. Há ainda a questão da tônica, mas não vou entrar em mais detalhes aqui, pois a coisa se alongaria interminavelmente, mas recomendo que dêem uma olhada na tradução de
Tree and Leaf feita pelo Reinaldo "Imrahil", na qual há justamente uma discussão sobre essa forma poética.
A tradução dos poemas do SdA e do
Hobbit buscou na maior parte das vezes aquela terceira opção que citei ali em cima, a de tentar manter o significado e a sonoridade dos versos - e foi feliz em grande parte. Há poemas que simplesmente imploram para que sejam "recriados" na tradução, como as canções
nonsense de Tom Bombadil, e o efeito final dessas é bem satisfatório. Das vezes em que percebi em que não há uma maior preocupação com a sonoridade, há com o sentido do poema, pois tal era de maior relevância para a história no momento.
Toda tradução sempre será sujeita a críticas, e nenhuma será mais criticada do que a tradução de poesia. Se for para fazer uma comparação entre a tradução da prosa e da poesia do SdA e do
Hobbit, a última leva uma clara vantagem, por mais defeitos (naturais) que possa ter.