As Grandes Amizades

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Escrito por Ives Gandra

I) INTRODUÇÃO

Este é o título do mais conhecido livro escrito por Raïssa Maritain (1883-1960), esposa do notável filósofo francês Jacques Maritain (1882-1973), falando da intelectualidade católica francesa do começo do século XX e da estreita amizade que existia entre seus integrantes (cfr. “As Grandes Amizades” , Agir – 1947 – Rio de Janeiro, tradução de Josélia Marques de Oliveira, publicado originalmente em 1941). Obra que tanto influenciou a minha juventude e a do Ministro Antonio José de Barros Levenhagen, com quem ingressei no Tribunal Superior do Trabalho em 1999, iniciando fraterna amizade.

O que unia tão intensamente aqueles homens e mulheres de que Raïssa Maritain nos conta a história não era apenas compartilhar os mesmos gostos e preferências. Isso explica as amizades. O que faz nascer as Grandes Amizades é a comunhão dos mesmos valores intelectuais e morais e o desejo de difundir a fé que se possui.

É o que explica as grandes amizades decantadas na literatura, entre John Ronald Reuel Tolkien (1892-1973) e Clive Staples Lewis (1898-1963), entre Gilbert Keith Chesterton (1874-1936), Hilaire Belloc (1870-1953) e George Bernard Shaw (1856-1950), entre Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), Henri Guillaumet (1902-1940) e Jean Mermoz (1901-1936)… entre o elfo Legolas e o anão Gimli: algo inimaginável (dentro da lógica do mundo fantástico da Terra Média concebido por Tolkien), ao ponto daquele conseguir introduzir este na Terra Abençoada de Aman, em face da profunda amizade que se estabeleceu entre ambos (cfr. J.R.R. Tolkien, O Senhor dos Anéis, Volume Único, Martins Fontes – 2001 – São Paulo, pg. 1145).

II) A AMIZADE NA VISÃO INTUITIVA DE SAINT-EXUPÉRY

O nascer de uma amizade é bem descrito e radiografado por Antoine de Saint-Exupéry, no estilo platônico dos diálogos, em sua pequena grande obra “O Pequeno Príncipe” (Gallimard – 1946 – Paris; Agir – 1979 – Rio de Janeiro), especialmente no Capítulo XXI, em que se desenvolve o diálogo entre o Pequeno Príncipe e a Raposa (aqui transcrito em seus melhores momentos):

“E foi então que apareceu a raposa:

– Bom dia, disse a raposa.

– Bom dia, respondeu polidamente o principezinho (…) Quem és tu? (…)

– Sou uma raposa, disse a raposa.

– Vem brincar comigo, propôs o principezinho. Estou tão triste…

– Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda (…)

– Que quer dizer cativar? (…)

– Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras? (…)

– (…) Eu procuro amigos. Que quer dizer cativar?

– É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa criar laços.

– Criar laços?

– Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo…

– Começo a compreender, disse o principezinho. Existe uma flor… eu creio que ela me cativou…

– Vês, lá longe os campos de trigo? (…) O trigo é para mim inútil (…) Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti (…) Por favor… cativa-me!

– Bem quisera, disse o principezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.

– A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não tem mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!

– Que é preciso fazer?, perguntou o principezinho.

– É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não me dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto… (…) Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três começarei a ser feliz. (…) Descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração… É preciso ritos.

– Que é um rito? Perguntou o principezinho.

– É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas.

(…) Assim, o principezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:

– Ah, eu vou chorar (…) Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos. (…) Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.

O principezinho, como se vê, procura amigos porque está triste. A amizade é, em primeiro lugar, fonte de alegria e de consolo. É com os amigos que nos podemos abrir e desafogar, encontrando quem nos quer bem e compreende. Temos necessidade deles. Vae solis, diziam os romanos: ai dos sós!

Mas para isso é preciso cativar (apprivoiser) os amigos, ganhar as pessoas, transformá-las de conhecidas em amigas. Senão, não é possível essa abertura, confiança e procura mútua. Para isso, a raposa ensina o caminho: é preciso ter paciência e investir tempo. Sem doação de nós mesmos aos outros, não é possível fazer amigos. Doação desinteressada, que só quer o bem do outro. E, como dizia S. João da Cruz, onde não há amor, se coloca amor e se tira amor.

O diálogo no original é atrativo e vale a pena frisar suas frases antológicas:

– Je ne puis pas jouer avec toi, dit le renard. Je ne suis pas apprivoisé (…).

– Qu’est-ce que signifie apprivoiser?

– C’est une chose trop oubliée, dit le renard. Ça signifie créer des liens (…) Si tu m’apprivoises, nous aurons besoin l’un de l’autre. Tu seras pour moi unique au monde. Je serai pour toi unique au monde…

A necessidade mútua estabelece a procura do amigo nos momentos de alegria e de tristeza, porque a alegria compartilhada aumenta e a tristeza dividida diminui.

Os amigos são únicos: os grandes amigos se contam nos dedos das mãos, e é capaz de sobrar dedos. Como o bom vinho, quanto mais antiga, mais saborosa é a amizade, e mais fraterna.

Correndo o risco de pecar por omissão (como sempre ocorre nas nominata de sessões de posse e cerimônias solenes, e por isso já pedindo veniam et poenitentiam), posso referir as amizades de há 25 anos como as de Paulo, Gilmar, Guilherme… Há as de há 15 anos como as de Gáudio, Leo, Michelle… Há os amigos de infância (meio esquecidos, pela distância): Robson e Fernandinho. Há os novos amigos daqui, como Renato, Luiz, Fran & Saul, Mari, Pedro, Marcelo, Lídia & Gabriel, José Antônio… Há os novos amigos de alhures como Roberto, Vinícius, Mônica

Todos, no dizer de Nelson Rodrigues, são velhos amigos, pois a amizade não se mede só pelo tempo, mas pela intensidade e profundidade. Buscamos sempre novos amigos, não só se os antigos não correspondem ou se distanciam (o que ocorre não poucas vezes e determina o coeficiente de reposição…), mas pela tendência humana natural a des amis a découvrir et beaucoup de choses a connaître, como dizia o Petit Prince. O ideal seria fazer de cada colega um amigo, de verdade, querido, compreendido. Isso depende, no entanto, da correspondência do outro e do tempo de que dispomos para o convívio mais próximo.

Em nossa Corte, o TST, criou-se o costume de almoçarmos juntos durante a semana. Compartilhar as refeições é das coisas que mais unem os homens. Não é por menos que, apesar de alguns debates mais acalorados que possam surgir durante os julgamentos, o reencontro na hora do pranzo recompõe os valores e se percebe que o principal é o convívio fraterno entre todos nós. Como dizia Nelson Rodrigues, o amigo é o acontecimento, o resto é paisagem… (e vejam que a do restaurante dos ministros do TST é belíssima, com a vista do lago Paranoá…).

A expectativa do encontro com cada amigo do peito é sempre excitante e já enche o coração de alegria:

Si tu viens, par exemple, à quatre heures de l’après-midi, dès trois heures je commencerai d’être heureux.

A separação e a distância é causa de dor, mas a certeza de que se tem um ponto de referência, um exemplo e um porto seguro ao qual retornar em momentos de tormenta, é um dos ingredientes mais aprazíveis e fortalecedores da amizade (sem esquecer que, nos dias de hoje, o correio eletrônico encurta as distâncias e aproxima as pessoas). Isso fica mais do que assentado na antológica conclusão do citado capítulo do Petit Prince:

– Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé.

Somos eternamente responsáveis pelos nossos amigos. Nesta vida e pensando na outra. Se, na perspectiva cristã, a amizade é o âmbito próprio do apostolado, ou seja, de fazer dos nossos amigos amigos de Deus, então todo encontro é apostólico: nossa presença e conversa pode afastar ou aproximar de Deus.

Até fofocar pode ter seu estilo apostólico, quando se sabe que ninguém é melhor do que ninguém, que todos temos defeitos… Só a Bailarina, do Chico Buarque, é que não tem…

Para Saint-Exupéry, seus colegas aviadores Guillaumet e Mermoz eram os amigos, os pontos de referência e de convergência, os exemplos de pessoa humana. Todos os três morrerão em missões de combate, ainda jovens, na 2a. Guerra Mundial. Uma amizade curta, profunda e eterna, lembrada nos difíceis tempos em que prosperou, no Terra dos Homens (Nova Fronteira – 2006 – São Paulo).

III) A AMIZADE NA VISÃO ANALÍTICA DE ARISTÓTELES

Enquanto Platão filosofava através de seus diálogos (ao estilo do que vimos no Pequeno Príncipe), levando o ouvinte ou leitor a inferir das situações concretas as normas e condutas mais desejáveis, Aristóteles desenvolvia, em seus escritos, uma análise pormenorizada das questões que se propunha a estudar, dissecando conceitualmente os fenômenos, de modo a tornar mais compreensível a realidade. É o caso da análise que faz da amizade, tratada especialmente nos Livros VIII e IX do “Ética a Nicômaco” .

Para servir de norte às considerações que faremos neste artigo, apresentamos o seguinte resumo tópico dos referidos livros, que mostra bem o valor que os antigos davam à amizade e como Aristóteles faz derivar essa virtude daquela relativa à justiça (o que aparecer em itálico no resumo é transcrição literal ou termo grego):

Livro VIII

1) A amizade (filia) é uma virtude e constitui uma das exigências mais imprescindíveis da vida: ninguém optaria por viver sem amigos, mesmo que possuísse todos os outros bens. E com amigos, conseguimos todos os outros bens. A amizade seria o vínculo que une o Estado.

2) O que desperta a amizade e o amor é a bondade, utilidade ou o prazer que o outro pode proporcionar. A afeição, quando é recíproca, se torna amizade, desde que haja mútuo conhecimento dessa benevolência recíproca.

3) As amizades fundadas na utilidade e no prazer não são verdadeiras e duradouras amizades, uma vez que cada um só busca o proveito próprio (os jovens o prazer e os velhos as vantagens). A forma perfeita de amizade é aquela entre indivíduos bons e mutuamente semelhantes em matéria de virtude, uma vez que amam o amigo por si mesmo e desejam o seu bem.

4) A amizade fundada no prazer e, entre homem e mulher, no amor sexual, tende a diminuir quando se envelhece e murcha a beleza do ser amado. E a fundada na vantagem quando não se extrai mais nada do chamado amigo. Esse tipo de amizade pode existir entre homens maus e entre homens bons com maus, mas não impera entre os bons, que fundam a amizade em mais sólido apoio. Os homens bons são amigos absolutamente, porque querem uns aos outros pelo que são. Os homens maus ou que buscam apenas prazer ou vantagem em relação aos outros são amigos acidentalmente. Daí se percebe como a palavra amigo pode ser empregada em sentidos diversos e para situações diferentes, que não caracterizam perfeitamente a amizade.

5) A amizade corresponde tanto à disposição virtuosa (ser amigo) quanto à prática virtuosa (conviver com o amigo). A falta de convivência pode levar à diminuição da amizade: muitos encontram o fim da amizade por falta de conversação com o amigo. A mútua aceitação, quando não se busca a mútua companhia, representa mais o bom relacionamento do que a amizade. As pessoas velhas e rabugentas não se prestam às amizades, pela dificuldade que os demais têm de conviver com elas. Enquanto o afeto é uma emoção, que se pode sentir até por uma coisa, a amizade é uma disposição estabelecida, que só se pode ter com pessoas, pela reciprocidade da afeição.

6) Não é possível ter muitos amigos no sentido estrito da palavra, como também não é possível estar apaixonado por mais de uma mulher, pois a amizade supõe convivência mais estreita e maior afinidade de interesses. Pessoas detentoras de poder tem mais bajuladores que amigos, que lhes dão prazer ou vantagem, mas não verdadeira amizade.

7) Há um tipo de amizade que implica superioridade de uma parte sobre outra, como é aquela entre pais e filhos, velhos e jovens, marido e mulher, mandante e mandado. Nelas o afeto será proporcional à condição de cada parte, mas não segundo a justiça. Daí que, quando a distância é muito grande, torna-se mais difícil a amizade.

8) A maioria dos homens está mais preocupada em receber do que conceder afeto. Por isso lhes agradam os bajuladores, que, por sua vez, esperam receber vantagens futuras dos poderosos. No entanto, na sua essência a amizade parece consistir mais em dar do que em receber afeto, como se vê com as mães em relação aos filhos, que gozam só de ver os filhos prosperando, independentemente da correspondência. Assim, o que distingue um bom amigo é o afeto que nos tem. Isso é o que torna duradoura uma amizade. Amigos verdadeiros não se conferem préstimos que sejam moralmente degradantes. Já os homens maus não conseguem permanecer leais nem a si mesmos, quanto mais aos outros.

9) A amizade está ligada à virtude da justiça, pois supõe a reciprocidade no afeto. Daí que o cometimento da falta se torna crescentemente mais grave proporcionalmente ao grau de intimidade da amizade. Em toda parceria encontramos direitos mútuos e algum sentimento de amizade: os militares e os membros de uma associação chamam uns aos outros de “meu amigo”. Desde as associações menores, como a família e as agremiações profissionais, até o Estado, as relações entre os homens deve ser de amizade, o que deve ser fomentado pelo legislador.

10) Os Estados podem ser constituídos em monarquias (governo de um só), aristocracias (governo dos melhores) e timocracia (governo dos que tem renda), onde, se os governantes estão bem atendidos em suas necessidades, estarão voltados à busca do bem comum. A degeneração dessas formas de governo gerará a tirania (governo de um só), oligarquia (governo de uns poucos) e democracia (governo de todos), nas quais os governantes tem como preocupação a satisfação de seus próprios interesses. Na própria sociedade familiar se poderão verificar essas formas de governo: monarquia no governo do pai sobre os filhos, aristocracia na divisão de tarefas entre marido e mulher, timocracia no escalonamento de autoridade entre os irmãos conforme a idade, tirania na centralização de poderes nas mãos do marido e democracia quando ninguém manda na casa e todos fazem o que querem.

11) Em cada forma de governo há um grau de amizade e justiça entre quem governa e quem é governado, sendo Deus, a pátria e os pais maximamente merecedores de afeto, pelo débito maior que se tem com eles. Nas formas corrompidas de governo, torna-se quase inexistente a amizade entre governantes e governados, pois aqueles usam estes como instrumentos, sem se preocupar com o seu bem. Não existe amizade entre senhor e escravo, enquanto escravo (por ser objeto), mas pode haver enquanto ser humano (por ser pessoa).

12) Os pais amam os filhos como partes de si mesmos, ao passo que os filhos amam seus pais como a fonte de sua existência. Os irmãos se amam por pertencerem à mesma fonte, uma vez que sua identidade com ela os torna idênticos entre si. A amizade entre irmãos é também grandemente estimulada por sua educação comum e idade semelhante. A amizade conjugal parece existir por força do instinto, uma vez que o ser humano é, por natureza, um animal que acasala, ainda mais do que um animal político, na medida em que a família é uma instituição mais antiga e mais fundamental do que o Estado. No animal, a união dos sexos é apenas para a procriação; no homem também para a mútua ajuda. Os filhos ajudam a cimentar essa união.

13) Na amizade fundada na utilidade surgem queixas de que não se recebe tanto quanto se dá. Nesse tipo de amizade, não há doações, mas favores, que se espera ver retribuídos e na mesma moeda. Já na amizade fundada no prazer, se faltar este, simplesmente cessa a amizade. Só na amizade fundada no bem do outro não há queixas ou rupturas.

14) Na amizade entre rico e pobre, ao primeiro se tributa honra e ao segundo se dá vantagem pecuniária. Num Estado, quem não colabora com o bem público, não pode esperar vantagem pessoal. Nas relações entre superiores e inferiores e entre pais e filhos, a retribuição dos segundos será de acordo com sua possibilidade e não segundo o merecimento dos primeiros.

Livro IX

1) As amizades baseadas em qualidades particulares dos amigos são efêmeras, ao passo que as fundadas no caráter (ethon) tendem a ser duradouras. A quem cabe fixar o que é devido a cada um? Ao credor ou ao devedor? Como quem interesse é que sabe o quanto está disposto a pagar, o valor dos bens deve ser fixado pelo devedor, segundo a lei da oferta e da procura.

2) A nenhuma pessoa cabe deferência ilimitada. Regra geral, deve-se antes saldar as dívidas do que prestar favor aos amigos, se não for possível fazer ambas as coisas. Devemos dar a cada um o que lhe cabe, diferenciando segundo o grau de proximidade e de mérito.

3) Uma amizade pode ser rompida quando os amigos mudam seu modo de ser, se era fundada na utilidade ou no prazer, mas seria crime gravíssimo se se desse a entender que era fundada no bem-querer da pessoa e depois se rompe. Se a mudança é de caráter, não se deve abandonar a amizade, mas ajudar o amigo a se recuperar. Apenas se a corrupção do amigo é irrecuperável é que se justificará o rompimento da amizade. Já no caso da diferença ser de formação entre amigos de infância, a distância intelectual ou moral pode dificultar grandemente a continuidade da amizade.

4) Um amigo é definido como alguém que deseja e promove através da ação o bem real ou aparente de um outro indivíduo  (…)  alguém que faz companhia ao outro, e alguém que deseja as mesmas coisas que ele deseja, ou alguém que compartilha as alegrias e tristezas do outro (…)  O amigo é como um outro eu (….) a amizade de grande intensidade assemelha-se à auto-estima (…)pois o homem bom deseja sua própria companhia, pois frui estar sozinho visto que dispõe de memórias agradáveis do pretérito e boas esperanças para o futuro. Já o homem mau vive dilacerado entre a virtude que admira e o vício no qual está atolado, perdendo a auto-estima e buscando a companhia dos outros para esquecer de suas angústias.

5) A boa vontade parece ser o início da amizade, tal como o prazer do olhar é o começo do amor. Ninguém se apaixona antes de se sentir atraído pela beleza, mas é possível deleitar-se com a beleza alheia sem necessariamente estar apaixonado; alguém está apaixonado somente se experimentar saudade da pessoa amada. A amizade surge com o afeto, que nasce da benevolência em relação a quem se percebe seu valor e virtude. No caso do prazer e utilidade, não há benevolência, mas apenas concupiscência.

6) A concórdia entre as pessoas é outro elemento da amizade. Não significa consenso de opinião, mas capacidade prática de chegar a um acordo, por terem o interesse no bem comum.

7) Tem maior amor pelo amigo o benfeitor do que o beneficiado, quer humanamente, por poder esperar retribuição futura, enquanto o favorecido tem memória curta, quer por ser mais trabalhoso, e portanto mais meritório, dar que receber.

8) Em princípio, o homem não deve amar nenhum ser humano mais do que a si mesmo, mas o parâmetro máximo da amizade é amar tanto quanto a si mesmo. O amante de si mesmo no sentido pejorativo é aquele que busca primeiro para si os prazeres, dinheiro e honras. Mas o homem virtuoso é aquele capaz de dar a vida pelos amigos, porque toma a porção maior de nobreza moral para si mesmo.

9) Perguntando-nos sobre se os amigos são necessários para a felicidade, conclui-se que, da mesma forma que as virtudes são o maior bem interno que podemos adquirir, os amigos são o maior bem externo que se pode ter. Daí se conclui que o homem feliz necessita de amigos, até para manifestar sua benevolência. Como a felicidade não é só um estado, mas atividade, as ações boas do amigo causam alegria a si mesmo, pois a atividade e alegria do homem bom ficam potenciadas pelas ações dos amigos, com os quais convive e compartilha o diálogo e a comunicação de seus pensamentos numa vida prazerosa, fundada na virtude.

10) Não é possível ter um número muito grande de amigos, pois será difícil conviver mais íntima e diuturnamente, e a amizade exige essa convivência mais estreita. Pessoas de muitos amigos não são reais amigos de ninguém. Uma amizade intensa só é possível com poucas pessoas.

11) Precisamos dos amigos tanto na adversidade quanto na prosperidade. Na tristeza, para ter consolo; na alegria, para compartilhá-la. E a maior felicidade da pessoa é a companhia dos amigos, com os quais realiza muitas de suas atividades: beber e fazer esporte, estudar e filosofar.

Resumindo o próprio resumo, poderíamos dizer que, para Aristóteles, as notas distintivas da verdadeira amizade seriam:

a) a admiração pela excelência alheia (especialmente moral), que atrai e faz desejar a amizade;

b) o mútuo afeto, com cada um dos amigos querendo fundamentalmente o bem do outro;

c) a afinidade de gostos, valores e ideais, que aproximam, identificam e tornam amigas as pessoas, despertando o bem-querer recíproco;

d) a convivência habitual, de modo a que os laços de afeição não se vão tornando tênues;

e) a troca de atenções e afeição, nas múltiplas manifestações de amor, cortesia, deferência e ajuda que se notam entre os amigos;

f) o compartilhamento de alegrias e tristezas, que consola e anima, fortalece e faz a vida mais feliz.

Como se verifica a teoria na prática?  Pinçamos, por gosto pessoal, dois grupos de amigos franceses (os de Saint-Exupéry e de Raïssa Maritain) e dois de amigos ingleses (os de Chesterton e de Tolkien). E elegemos um da ficção, que tanto nos tem atraido ultimamente, servindo de paradigma até para o trabalho no Gabinete, paralelo à labuta num navio de combate, onde a união de todos é o segredo da vitória e da sobrevivência.

IV) AS GRANDES AMIZADES DE RAÏSSA MARITAIN

O elemento de aglutinação das grandes amizades decantadas por Raïssa Maritain foi Léon Bloy (1846-1917), com quem ela e seu noivo Jacques Maritain travaram contato durante o processo interior da conversão dos dois. Esse processo, terrível na sua coerência, mas fantástico na sua conclusão, começou pela decepção de ambos com o racionalismo reinante na Sorbone no começo do século XX, que apresentava aos jovens universitários franceses uma visão de mundo puramente mecanicista e materialista e, portanto, carente de um sentido mais elevado e profundo.

Assim começa Raïssa o capítulo III, em que fala de seu ingresso na Sorbone:

Dezessete anos! Apenas dezessete anos, e as mais profundas exigências do espírito e da alma já se fazem ouvir. Toda uma vida já foi vivida: a da infância, a da confiança ilimitada. Agora, eis a adolescência, com o seu cunho próprio: uma exigência total. A adolescência enfrenta, realmente, o universo, intima-o a comparecer, a prestar contas, a se explicar e a se justificar, pois já acusa a vida. Enfrenta os seus mestres, com um olhar límpido, um espírito ardente, as mãos bem abertas, vazias ainda de qualquer fruto de ciência ou de sabedoria, mas puras como o seu olhar (pg. 37).

Sentindo, pois, no coração uma sede de infinito e de perenidade, mas vendo a ausência de sentido para o mundo que lhes era apresentado nas aulas, decidem os dois jovens namorados, numa coerência extrema e terrível, que, se ao final de mais um ano de estudos, não encontrassem respostas cabais para suas dúvidas existenciais, iriam se suicidar, pois não valeria a pena viver.

Foi com esse espírito e decisão que se inscreveram nas aulas do Prof. Henri Bergson (1859-1941), que ensinava no Collège de France, ao lado da Sorbone, animados por um de seus primeiros amigos daqueles tempos: Charles Péguy (1873-1914). O vitalismo do professor, oposto ao racionalismo vigente, foi um sopro de ar puro na atmosfera intelectual rarefeita na qual estudavam.

Renascendo para a vida, travam contato, através de uma resenha de jornal, com o escritor Léon Bloy, que será, a partir de então, o centro aglutinador de um seleto grupo de amigos e escritores. A resenha é do livro La Femme Pauvre, em que Léon Bloy deixa frases antológicas, que retratam bem a sua vida:

Não se entra no Paraíso nem amanhã, nem daqui há dez anos, entra-se hoje, quando se é pobre e crucificado (escrevia falando da alegria que encontrara na vida de escritor, cheia de necessidades econômicas e embates ideológicos em defesa da fé num mundo racionalista).

Só há uma tristeza, é de não sermos santos (pensava em que não se dá para transformar e revolucionar o mundo se não se está disposto a mudar a si mesmo).

Raïssa e Jacques, impressionados com o romance, escrevem a Léon Bloy e enviam-lhe uma quantia de francos de ajuda financeira. Recebem carta datada de junho de 1905, com a qual começa uma grande e frutuosa amizade, na qual Léon Bloy termina:

Dentro de um mês terei 59 anos e ainda luto pelo meu pão, é verdade; mas mesmo assim socorri e consolei muitas almas e isso é para o meu coração um paraíso.

Quanta sabedoria nesse parágrafo, quando pensamos que uma vida sacrificada gera muitos frutos de felicidade para si e para outros, pois não se fecha no egoísmo de se pensar apenas na própria excelência e bem-estar.

Bloy dedicará a Raïssa, a sua judiazinha querida, seu livro La Salut par Les Juifs, fazendo-o com as seguintes palavras, que tocam no fundo a alma de Raquel (que esse é o significado do nome russo Raïssa), levando-a, no futuro, ao batismo:

A

Raïssa Maritain

Dedico estas páginas

Escritas para a glória católica

ao Deus

de Abrão

de Isaac

e de Jacó.

As novas amizades vão se somando: Ernest Psichari (1883-1914), Pierre e Christine Van Der Meer e vários outros que seriam os intelectuais que revitalizariam o pensamento francês, europeu e mundial no século XX.

Os valores cristãos, que passam a ser o cimento da amizade entre esses jovens franceses, discípulos de Léon Bloy, são descobertos por Ernest Psichari em sua dimensão conformadora da própria civilização ocidental numa experiência singular. Desenganado em seu amor não correspondido pela irmã de Jacques, e desesperado pelas experiências amargas que tem a seguir, chega a tentar o suicídio. Acaba decidindo buscar na disciplina militar o meio de colocar ordem em sua vida, como escreverá no L’Appel des Armes: Somos dos que têm sede de se submeter para se tornarem livres.

Pois bem: será na Legião Estrangeira, nos desertos africanos, que se reencontrará consigo mesmo e se encontrará com Deus. E tudo começando pela amizade com Mohammed Fadel, um jovem mouro que o acompanhará numa longa missão pelo deserto e que impressionava Psichari pela sua fé e coerência de vida. Um dia perguntou-me com verdadeira ansiedade se os franceses acreditavam num só Deus ou em três, conta Ernest em seu Les Voix qui crient dans le Désert. Nesse momento se dá conta de que a civilização ocidental e o cristianismo estão umbilicalmente ligados e passa a falar ao amigo como quem vive aquilo que ainda não entende nem acredita. E lá, na solidão das areias infindáveis, tem tempo de sobra para meditar na vida e em seu sentido mais profundo. Convertido, paradoxalmente, por um muçulmano, à fé de seus pais, voltará para a França e acabará tombando nos campos de batalha da 1ª Guerra Mundial junto com Charles Péguy.

Nesses pouquíssimos exemplos tirados das memórias de Raïssa, cuja leitura se recomenda vivamente, se percebe como as inquietações espirituais são um terreno propício para se lançar raízes de grandes amizades, que crescem como árvores frondosas pela comunhão de valores espirituais e dão flores e frutos de crescimento como pessoas e de serviço real aos demais.

V) A LONGA E CONTURBADA AMIZADE ENTRE J.R.R.TOLKIEN E C.S.LEWIS

Amizade semelhante, cimentada não só pelos gostos literários comuns, mas pelos valores cristãos compartilhados e defendidos, é aquela que será vivenciada, com momentos de maior proximidade ou afastamento, durante 40 anos, por J.R.R. Tolkien e C.S.Lewis, tão bem retratada no livro de Colin Duriez O Dom da Amizade (Editora Nova Fronteira – 2006 – Rio de Janeiro, tradução de Ronald Kyrmse), como também na biografia do escritor sul-africano escrita por Paulino Arguijo (Tolkien, Ediciones Palabra – 1992 – Madrid).

Não é por menos que a obra prima de Tolkien O Senhor dos Anéis (publicada atualmente pela Martins Fontes em suas várias edições) só tenha sido concluída graças ao alento de Lewis, para quem Tolkien passava os originais, esperando suas críticas e opinião. Já Lewis se inspirou no mundo fantástico da Terra Média para criar as suas Crônicas de Nárnia (publicadas no Brasil pela Martins Fontes em 1997), com um mundo não menos fantástico, tendo ambas as obras sido recentemente levadas às telas do cinema, com milhões de espectadores se deliciando com as aventuras vividas nessas sagas, restauradoras de grandes ideais na alma de todos.

Cada um acabou figurando na obra do outro plasmado num personagem, que sintetiza bem o modo de ser do amigo: o jeito de ser, falar e pensar de Lewis está representado no Barbárvore da saga dos anéis. E Tolkien é, nitidamente, o Dr. Elwin Ramson das obras de ficção científica escritas por Lewis.

É interessante notar, na relação Tolkien-Lewis, a preocupação do primeiro na conversão do segundo de seu ateísmo. Tolkien havia recebido a fé católica de sua mãe Mabel, valorizando-a como seu maior tesouro, pois viu como custou para sua mãe vivê-la, em face das incompreensões e discriminações que sofreu, percebendo o valor que ela dava à sua fé.

A de Tolkien segue na linha direta da tradição da mais expoente figura do catolicismo inglês, que foi o Cardeal John Henry Newman (uma ótima biografia do Cardeal é Newman: 1801-1890, escrita por José Morales Marin, Rialp – 1990 – Madri). Como Tolkien, Newman foi professor em Oxford e, como fellow da Universidade, liderou o que ficou conhecido como o Movimento de Oxford, que pretendia encontrar no anglicanismo a via média entre o catolicismo, que consideravam inflexível e esclerosado, e o protestantismo, que lhes parecia flexível demais com doutrinas e ritos. A tarefa que Newman se propôs era a de demonstrar que o cristianismo original dos primeiros tempos da Igreja só havia sido preservado na Igreja Anglicana. Após 5 anos de estudos meticulosos dos primeiros escritores eclesiásticos – os denominados Padres da Igreja – chegava, no entanto e humildemente, à conclusão de que, não obstante falhas pessoais de clérigos e leigos que se pudessem encontrar na Igreja Católica, inclusive de papas, era ela que havia preservado de forma miraculosa a doutrina original de Cristo em seu Credo.

Newman pediu, então,  com toda simplicidade, para ser admitido na Igreja Católica (o que ocorreu em 9 de outubro de 1845) e veio a fundar o Oratório de S. Felipe Néri em Birmingham (em 2 de fevereiro de 1849), no qual Mabel e sua irmã May serão recebidas, tendo o Pe. Francis Xavier Morgan, pároco do Oratório, não só ajudado a família Tolkien, mas educado John Ronald e Hilary Arthur, desenvolvendo neles as convicções morais e religiosas que viverão e defenderão até o final de suas vidas.

Tolkien conseguirá, através de sua amizade literária, trazer Lewis para a fé cristã, ainda que, apesar do esforço, não tenha conseguido fazer que passasse da Igreja da Inglaterra para a Igreja Católica. É certo que, no final da vida de ambos, haverá um esfriamento dessa amizade, motivado possivelmente por uma decepção de Tolkien com o amigo, achando que teria emulado seu mundo imaginário, sem reconhecimento referencial e com distorção conceptiva. Seria justo o aborrecimento de Tolkien?

De qualquer modo, Lewis, uma vez convertido, escreverá alguns livros de fantástica sabedoria, tais como Mero Cristianismo, O Grande Abismo, O Sentido do Sofrimento e, que nos interessa mais por agora, Os Quatro Amores (Martins Fontes – 2005 – São Paulo), no qual fala da amizade.

Os quatro amores, numa escala crescente de importância e densidade, seriam:

a) amor de complacência (ou afeição), quando alguma coisa ou pessoa nos agrada;

b) amor de concupiscência (ou eros), quando alguma coisa ou pessoa nos atrai e a queremos para nós;

c) amor de benevolência (ou caridade), unicamente pessoal, quando queremos não a pessoa para nós, mas o bem e felicidade do outro;

d) amor de amizade, que é a mútua benevolência ou bem-querer correspondido.

Ora, como já víamos acima, só há verdadeira amizade onde há doação. Daí que Lewis fizesse uma segunda distinção no campo do amor:

a) amor-necessidade, que todos temos, de sermos queridos e compreendidos;

b) amor-doação, que é a essência do amor, pela entrega sacrificada à pessoa amada, pois, do contrário, o que há é egoísmo e não amor.

Escreve Lewis que, na relação do homem com Deus, o amor do homem é amor-necessidade e o de Deus amor-doação. No entanto, como o binômio necessidade-doação é conformativo de todo amor humano, a correspondência do homem ao amor de Deus se plasma na doação ao próximo por amor a Deus.

Também lembra o insigne professor de Oxford que a amizade surge quando duas pessoas se admiram e descobrem que têm uma visão das coisas que, em parte, é comum somente a elas. E se essa amizade é verdadeira, o fato de encontrarem um amigo comum, com essa mesma visão, não faz enfraquecer a amizade entre ambos, mas ainda a reforça, pois a amizade não é possessiva, mas tende a estender-se a outros, sempre que possível.

Muito do que Lewis escreveu sobre o amor e o sofrimento nas verdadeiras amizades fica excepcionalmente retratado no filme Terra das Sombras (Shadowlands – 1993), em que o escritor inglês é representado pelo ator Anthony Hopkins e a escritora americana com quem desenvolve uma grande amizade – Joy Greesham – pela atriz Debra Winger.

VI) A SINGULAR AMIZADE ENTRE G.K. CHESTERTON E BERNARD SHAW

Ao pensar na singular amizade que se desenvolveu entre Gilbert Keith Chesterton e George Bernard Shaw, lembrei-me dos 2 anos em que trabalhei na assessoria jurídica do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no Palácio do Planalto (1997-1999), passando por não menos singular experiência.

Ao ter de debater com senadores e deputados no Congresso os projetos de lei enviados pelo governo, ao me apresentar, ouvia amiúde o seguinte comentário: “Você é filho do Ives? Gosto muito de seu pai; sou amigo dele!”. O comentário, com essas ou semelhantes expressões, era feito por parlamentares dos mais diferentes partidos e linhas ideológicas, do governo e da oposição, o que me fez buscar uma explicação para o fenômeno, já que meu pai, em seus artigos, palestras e conferências, sempre foi contundente ao defender seus pontos de vista.

E encontrei a resposta na forma como sempre se relacionou com as pessoas: atacava as idéias que entendia equivocadas, mas prestigiava as pessoas que as defendiam, no que tinham de nobre e idealista. A atenção que tinha com todos, especialmente os mais simples, a quem chamava de “professor fulano… professora fulana” (quando perguntavam o porquê do título, recebiam como resposta que sempre aprendia alguma coisa com eles), talvez dê uma pista para compreender esse amplo bem-querer.

Divirto-me ainda ao ver minha mãe, quando meu pai chama pessoas que ela nem conhece, de grande amigo, revidar: Ives, grandes amigos temos poucos na vida! Ao que meu pai contesta que no seu caso é diferente. Chego à conclusão de que tem dilatado o coração (sempre cheio de detalhes para com todos, sem esquecer do que lhe dizem ou pedem, o que sempre me admirou).

Essas reminiscências, como dizia, vêm-me à cabeça ao pensar na amizade que se estabeleceu entre Bernard Shaw, renomado escritor inglês, e aquele que seria seu eterno algoz intelectual, G.K. Chesterton, notável jornalista e polemista, com amplo círculo de amizades, bem descritas por Luis Ignácio Seco (Chesterton – Un Escritor para todos los tiempos, Ediciones Palabra – 1997 – Madrid).

O bem-querer entre Chesterton e Shaw, pelas afinidades intelectuais, não necessariamente ideológicas que tinham, era de tal ordem que, nos debates públicos que travavam em programa de rádio na BBC de Londres, assistido ao vivo nos próprios estúdios por pequenas multidões de fãs, as ridicularizações das incoerências racionalistas de Shaw feitas por Chesterton arrancavam estrondosas gargalhadas do público, sem que, pelo carinho de amigo com que eram feitas, desgostassem efetivamente Shaw, remarcado pessimista.

Shaw definia Chesterton como um querubim gigantesco: um menino disfarçado de adulto, com sua cara gorda e redonda e sua expressão infantil, compensada por uma enorme capacidade de trabalho e uma inteligência privilegiada, em permanente ebulição.

Para se ter uma idéia da transparência de Chesterton e de como sabia criticar idéias sem ferir as pessoas que as defendiam, publica em 1905 um livro que cairá como uma bomba nos meios intelectuais ingleses: Heretics, obra em que ataca, com fino humor e numa lógica desconcertante, todos os ídolos literários da época, por considerar que, através deles, estaria se dando o envenenamento intelectual de toda uma geração. Assim, condena como hereges a George Moore (1873-1958), pelo seu subjetivismo ético, a Bernard Shaw, por seu socialismo desumanizador, a Rudyard Kipling (1865-1936), por seu imperialismo discriminatório, a H. G. Wells (1866-1946), por seu historicismo naturalista, e a Oscar Wilde (1854-1900), por seu esteticismo aético. Os amigos não escapam de sua pena, que esgrime com elegância e sem ira.

Hereges termina por consagrá-lo e granjear-lhe novos e importantes amigos, provenientes de distintos círculos literários: Joseph Conrad (1857-1924), Henry James (1843-1916), Baden Powell (1857-1941), Winston Churchill (1874-1965) e Thomas Hardy (1840-1928), entre os mais destacados. O segredo de sua popularidade é a força da sua autenticidade, que defende aquilo em que realmente acredita e não por mera retórica ou interesse pessoal.

O ano de 1908 vê publicadas duas obras-primas de Chesterton: The Man Who Was Thursday e Orthodoxy. O primeiro, que recebe o cognome de A Nigthmare (Um Pesadelo), é um romance alegórico em que Chesterton, de forma divertida, mas profunda, expõe, através dos personagens da novela, suas próprias crises espirituais dos anos de juventude. Em O Homem que foi Quinta-feira, a mensagem básica (entre as muitas que se podem tirar) é a de que tanto o bem quanto o mal provêm da mesma origem: não há, no universo, um princípio do bem e outro do mal. O mal é apenas a ausência do bem devido (permitido, em face da liberdade humana). A luta entre a anarquia e a ordem, que permeia todo o livro, em cujo desenrolar os anarquistas (que recebem os nomes dos dias da semana) vão descobrindo que são todos policiais infiltrados na organização anarquista comandada pelo “Domingo”, o enigmático personagem central do livro, é o pano de fundo para a exposição de suas teses. O livro recebeu, de pronto, as críticas positivas de C. S. Lewis e de Ronald Knox (1888-1957), que encorpam o nutrido clã de seus amigos.

Ortodoxia será a resposta a um desafio. Um tal G. S. Street publica, nesse ano, o livro G.K. Chesterton – Estudo Crítico, reconhecendo o talento de Chesterton, mas criticando acerbamente suas obras, ao fundamento de que destruir e atacar todo mundo é fácil, como o fez em Hereges; difícil mesmo é construir uma visão sólida e coerente do mundo. Conclui o estudo dizendo: Começarei a preocupar-me de definir minha própria filosofia quando Chesterton nos tenha mostrado a sua. Chesterton não se faz de rogado: vai para casa preparar a resposta, sempre disposto a escrever um livro à menor provocação.

Trata-se, efetivamente, de uma de suas obras-primas. Nela traça os parâmetros de suas mais arraigadas crenças e dá testemunho de seu próprio processo interior de conversão. Brotam, assim, algumas de suas idéias-chave: 1) o racionalismo exacerbado, separado do senso comum, conduz ao suicídio do pensamento; 2) o reconhecimento do caráter democrático da tradição (dar o direito de voto aos nossos antepassados); 3) a teoria da felicidade condicional (moral do país das fadas, onde tudo é permitido, em troca de uma pequena coisa que é negada); 4) o acerto paradoxal da doutrina cristã (o ponto de equilíbrio entre virtudes contrárias); 5) o otimismo e a alegria como o segredo que o próprio Deus escondia em sua passagem pela terra, dificilmente compreendidos em toda a sua dimensão pelo homem.

Em 1909 escreve um ensaio sobre seu amigo e principal rival de debates “George Bernard Shaw”, no qual discute mais as idéias do vegetariano socialista ateu irlandês do que os fatos de sua vida, dizendo, numa expressão que retrata o que é uma amizade verdadeira: sou o único que o entende e não estou de acordo com ele”. Ou seja, gosto tanto de meu amigo que, se puder, quero melhorá-lo no que vejo que não anda bem.

Há uma foto curiosíssima dessa época, em que aparecerem Chesterton e Shaw vestidos de cowboys, quando aceitaram participar de um filme de Western dirigido pelo célebre autor de Peter Pan, James Barrie (1860-1937). O filme, que começou a ser rodado em 1914 e não foi para frente, proporcionou momentos divertidos para os dois amigos, prelúdio de “O Gordo e o Magro”:

Chesterton: – Bernard, quem o vir pensará que estamos passando fome na Inglaterra.

Shaw: – Gilbert, quem o vir pensará que és a causa dessa fome.

Outro amigo de Chesterton se tornará personagem de seus romances policiais. Trata-se do sacerdote católico irlandês, Pe. John O’Connor, que o admira e lhe agradece por suas obras, e que se transformará no Pe. Brown, um clérigo baixinho, de rosto afável e expressão de duende, como o definirá Chesterton, inspirado na figura do Pe. O’Connor. Assim, sairão publicados A Inocência do Padre Brown (1911), A Sabedoria do Padre Brown (1914), A Incredulidade do Padre Brown (1926), O Segredo do Padre Brown (1927) e O Escândalo do Padre Brown (1935).

Uma decisão, que vinha amadurecendo ao longo de 10 anos, é finalmente concretizada por Chesterton: sua conversão ao catolicismo. Já a havia anunciado ao Pe. O’Connor em 1912, mas não chegava a ultimá-la. Seus amigos Maurice Baring (convertido em 1909) e o Pe. Ronald Knox serão os que mais o ajudarão a dar esse passo, superando os preconceitos tipicamente britânicos em relação à Igreja de Roma (Baring, além disso, pedirá a muita gente que reze pela conversão de Chesterton). Finalmente, em 1922, Chesterton pede ao Pe. O’Connor que venha a Top Meadow para conversar com Frances. Esta, apesar de não ver com clareza a sua própria mudança do anglicanismo, diz que ficará aliviada ao ver o marido seguindo o caminho que vê, com evidência, ser o seu. Chesterton então se prepara para o grande passo de sua vida: estuda, como uma criança, o pequeno catecismo que o Pe. O’Connor lhe dá, faz sua confissão com esse sacerdote, a profissão de fé católica, e recebe o batismo sub conditione no domingo, 30 de julho de 1922.

Chesterton dará a notícia de sua conversão ao amigo Belloc numa carta em que dirá: A Igreja Católica é o lar natural do espírito humano. A estranha perspectiva da vida, que ao princípio parece um quebra-cabeça sem sentido, tomada sob esse ponto de vista, adquire ordem e sentido. Quando se sabe da novidade pela imprensa, chegam-lhe cartas de felicitações de todo o mundo, que não compreendia porque havia tardado tanto. Tratou-se, no entanto, de um processo lento e profundo, ao estilo de Chesterton, que só se decidiu definitivamente ao perceber, participando de uma conferência sobre controle da natalidade, em que os anglicanos sustentavam a necessidade de adaptar a moral aos novos tempos, que aquela já não era a sua Igreja: os tempos é que deveriam abrir-se à moral cristã.

Já não tendo o peso de um jornal para dirigir, Chesterton dedica os anos de 1923 e 1924 a preparar, com pausa e tranqüilidade, aquela que será, para alguns, a sua melhor obra: The Everlasting Man, publicada em 1925. O Homem Eterno segue na esteira de Ortodoxia (sendo-lhe uma continuação), no qual Chesterton expõe sua filosofia da História: uma verdadeira novela da Humanidade, em que fala do homem, desde suas origens, e do Homem que fez o Mundo, Jesus Cristo. Mais uma vez, dirige a obra especialmente aos seus amigos, especialmente os que ainda são céticos: H. G. Wells e Bernard Shaw (a obra é verdadeiro contraponto à História Universal de Wells, opondo à visão cética, naturalista e evolucionista deste, um panorama do homem mais realista e condizente com o que conhecemos pelos vestígios históricos).

Em 1925 Chesterton começa a publicar no GK’s Weekly os capítulos de A Volta de Dom Quixote, uma novela semanal em defesa da Idade Média. O capítulo inaugural já atrai o público e elucida o título: vai ser representada uma peça teatral num colégio e os alunos não encontram quem possa representar o rei; propondo ao bibliotecário da escola que o faça, ele se desculpa, por ser entendido apenas em civilizações antigas; convencido pelos alunos, passa a estudar o período histórico e seu personagem; a peça é um sucesso, especialmente pela representação perfeita do rei; mas qual não é a surpresa geral ao verem, à tarde, passeando pela escola, o bibliotecário, ainda com as vestes “reais”, falando como se ainda estivesse na Idade Média. Os demais capítulos vão se seguindo, com as mais divertidas situações do bibliotecário, encarando todos os problemas modernos à luz do pensamento medieval, que os resolveria melhor.

Este último livro pode ser o resumo da quixotesca vida de alguém que, levado pela amizade, faz-se tudo para todos, para salvar a todos (I Cor 9, 22), na conhecida expressão de São Paulo.

VII) AS GRANDES AMIZADES NA LITERATURA DE FICÇÃO: O MESTRE DOS MARES

As amizades entre pessoas tão diferentes, mostrando também o caráter complementar de temperamentos que faz nascer a amizade, é bem retratada na literatura, como são exemplos, para não nos estendermos demais, a série de 20 livros de Patrick O’Brien (1914-2000), protagonizados pelo Capitão da Marinha Inglesa Jack Aubrey e o Médico Irlandês-Catalão Stephen Maturin, levados ao cinema no filme O Mestre dos Mares, estrelado por Russel Crowe.

O primarismo impulsivo combinado com um moralismo vitoriano de Jack contrastando com o sentimentalismo racionalista de Stephen, que tudo esquadrinha e tenta mensurar e explicar,  fazem uma combinação que arranca boas gargalhadas do leitor, obviamente no bom estilo do humor inglês, sutil e velado, nunca grosseiro.

Alguns comentários de Maturin, descrevendo o amigo capitão, mostram bem o senso comum de comandante de Jack, que sabe compreender seus subordinados e os querer de verdade. Sobre a inspeção que fazia ao navio: viu o que deveria ser visto e ficou cego para o que não deveria ser visto. Sabe passar por cima os defeitos, enquanto não os puder superar.

Jack sentia, no navio, mais do que nunca a necessidade de um amigo, pois se sabia isolado no comando. Para a tripulação, o capitão era um deles, ou seja, dos distantes homens do poder, enquanto os membros da tripulação eram dos nossos. A saída do capitão do navio era comentada como Jeová já não está entre nós, tal a distância criada na Marinha (o comandante não podia ser popular). Como combinar autoridade e amizade? Em Stephen, Jack tinha o amigo ideal, pois não sendo marinheiro, não sentia aquela distância, e sendo o único nessas condições no navio, era seu desaguadouro.

O amável trato mútuo era bem inglês (seguem algumas expressões tiradas dos vários livros O Mestre dos Mares, O Capitão, A Fragata Surprise, O Lado mais Distante do Mundo, editados no Brasil Pela Record):

Stephen, poderia dar-nos o benefício das suas luzes? (…)

– Jack, dou pouca importância aos almirantes na escala dos seres inteligentes (…)

– Stephen, vamos nos atrasar se você não desfraldar um pouco mais de pano! (…)

Jack, a vantagem de não se saber nadar é não alongar a agonia de um naufrágio (…)

– Stephen, notei que o seu coração estava abandonando o posto (…)

– Jack, a amizade dá o direito, mais do que o dever, de dizer as verdades (…)

– Stephen, não se necessita de recompensa pela virtude, pois a virtude é a própria recompensa (…)

– Jack, a insistência na justificativa é a prova da mentira (…)

– Stephen, na guerra, ter um navio é tão importante para um marinheiro como ter um esposa (…).

– Jack, Butler teve ontem sua primeira experiência na angústia do comando

As observações mútuas mostram diferentes pontos de vista e a liberdade de expressão de cada um para com o outro, divertidas na sua forma, suficientes para bons entendedores e amigos de longa data.

Por outro lado, pensando no navio que irá comandar por muitos anos, o HMS Suprise, Jack fala a Stephen sobre o sentido do coleguismo, tendendo para a amizade, que deve haver em qualquer equipe de trabalho:

Sem haver um bom entendimento entre os oficiais, um navio não consegue ser feliz: e um navio feliz é o seu bom navio de combate.

Patrick O’Brien, no livro A Fragata Surprise, tem um trecho que coincide admiravelmente com a visão de Saint-Exupéry sobre os ritos e as rotinas como dando um encanto às relações humanas e às amizades, por mais que o dia-a-dia possa parecer monótono:

Era a palavra verdadeira: assim que a “Surprise” tinha virado para o sul, passando pelo Ceilão e indo para o mar de Java, a rotina tomou conta de todos. O raspar das pedras no convés, o som dos clambazes e da água nos conveses às primeiras luzes; macas entrincheiradas, o desjejum e seus cheiros agradáveis; a sucessão invariável dos quartos de serviço; passagem meridiana e a altura do sol, jantar, grogue; Rosbife da Velha Inglaterra ao soar do tambor, para os oficiais; festa moderada; paradas, o toque de recolher, o troar vespertino dos canhões, velas de gávea rizadas, o estabelecimento da tabela de serviço; e depois as noites longas, quentes, iluminadas pelas estrelas, frequentemente passadas no tombadilho, com Jack guiando seus dois aspirantes inteligentes através das intricadas delícias da navegação astronômica. Essa vida, com seu padrão rígido pontuado pelo som agudo e imperativo dos toques de sinos, parecia assumir algo da natureza da eternidade enquanto eles se desviavam em direção ao equador, atravessando-o a noventa e um graus de longitude a leste de Greenwich. As paradas das divisões, da formatura para verificação da presença, igreja, os Artigos de Guerra, marcavam a devida ordem do tempo, mais do que sua passagem; e antes que fossem repetidas duas vezes a maior parte do pessoal da fragata sentia o passado e o futuro se turvar, diminuindo quase até a insignificância. Uma impressão ainda mais forte porque a “Surprise” estava de novo num mar solitário, duas mil milhas de água azul-escura sem jamais uma ilha para romper sua curvatura perfeita e nem o mais leve cheiro de terra até mesmo na brisa mais forte – o navio era um mundo contido em si mesmo, nadando entre dois horizontes perpetuamente renovados. Mais forte ainda porque nessas águas não havia uma impaciência ansiosa para ver além do horizonte a leste: eles navegavam sem qualquer relação com um inimigo, nem com qualquer presa de guerra potencial. Os holandeses estavam entocados; os franceses tinham desaparecido; os portugueses eram amigos (pg. 277).

Nessa viagem singular, levando o representante da Coroa Inglesa para estabelecer relações diplomáticas com a Indonésia, que adoece gravemente, Stephen reflete sobre sua missão de médico:

Este era um caso em que a atenção hipocrática deveria tomar o lugar dos medicamentos; o paciente estava fraco demais, a doença era muito pouco entendida, para qualquer medida radical; e ele ficava sentado à beira da cama do Sr. Stanhope um quarto depois do outro enquanto o navio se deslocava em silêncio pelo mar fosforescente. Essa, refletiu, era sua verdadeira ocupação; isto, e não a perseguição autodestrutiva de uma mulher que estava muito fora do seu alcance.

É que, no período em que viveram na Inglaterra, Jack e Stephen haviam sido amantes da mesma mulher, Diana Villiers, ao que Jack, percebendo a influência que a beldade ainda tinha sobre o amigo, tenta livrá-lo dela. As aventuras pelas quais cada um deles passa para ajudar o outro nas várias situações do período das Guerras Napoleônicas é a melhor descrição dos sacrifícios que toda a amizade supõe, feitos com gosto, quando é para o amigo.

VIII) O GRANDE AMIGO

Pensando em todas as qualidades elencadas por Aristóteles e outros autores que tratam do tema da amizade, quem não sonha em ter o amigo ideal? Milton Nascimento já decantava esse amigo nas conhecidas estrofes: Amigo é coisa pra se guardar debaixo de 7 chaves… do lado esquerdo do peito… dentro do coração… Roberto Carlos fez o mesmo ao cantar o Amigo, reconhecendo que é quem me diz as verdades com frases abertas, amigo você é o mais certo das horas incertas. Ou seja, não é o adulador, mas o apoio que leva para cima, precisamente nos momentos em que estamos no caminho errado.

Tolkien, falando da morte de sua mãe, faz uma revelação pouco comum para o recato e discrição de um inglês:

Testemunhei, compreendendo pela metade, os sofrimentos heróicos e a morte prematura de minha mãe, que me conduziu à Igreja; e recebi a espantosa caridade de Francis Morgan. Mas apaixonei-me pelo Santíssimo Sacramento desde o começo (cfr. Duriez, op. cit., pg. 25) (grifos nossos).

É notável a confissão de Tolkien de seu amor precoce à Eucaristia. Teria ele descoberto, desde cedo, que o Grande Amigo estava escondido no Sacrário?

Quando a cidade do Rio de Janeiro foi eleita para sediar a Olimpíada de 2016, o jornal Correio Braziliense publicou na capa uma foto do Cristo Redentor do Corcovado, de página inteira, com a manchete sui generis, mas que dizia muito: Nosso Senhor dos Anéis (referência óbvia aos Anéis Olímpicos, de uma parte, e ao livro, levado ao cinema, de Tolkien, de outra). Mas penso que diz um pouco mais, servindo de reflexão sobre o papel de Cristo em nossas vidas.

S. Josemaría Escrivá, em seu clássico Caminho, tem 3 pontos que apontam para essa mesma descoberta da maior das amizades que podemos ter na vida:

422. Jesus é teu amigo. – O Amigo. – Com coração de carne como o teu. – Com olhos de olhar amabilíssimo, que choraram por Lázaro… – E, tanto como Lázaro, te ama a ti.

426. Em Cristo temos todos os ideais: porque é Rei, é Amor, é Deus.

537. Quando te aproximares do Sacrário, pensa que Ele!… faz vinte séculos que te espera.

Quem ainda não fez a experiência de, num dia de extremo desânimo e abatimento, passar por uma igreja, entrar e ficar sentado num banco, olhando para o Sacrário, e descobrir que lá está Alguém que prometeu “vinde a mim todos os que estais fatigados e sobrecarregados e eu os aliviarei; tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e encontrareis repouso para as vossas almas; pois o meu jugo é suave e a minha carga leve” (Mt 11, 28-30), e que consegue, efetivamente, aliviar o coração, num diálogo inefável, porque é O Amigo, não sabe o que está perdendo… e ainda não entendeu nada do que é a verdadeira amizade!

IX) CONCLUSÃO

Ao concluir estas singelas reflexões sobre a amizade e suas características, vem-me à cabeça a despedida recente do Ministro José Simpliciano Fernandes, do Tribunal Superior do Trabalho. Despedida sentida, diante de sua precoce jubilação. Despedida doída, pela amizade que criou com todos os colegas, decantada na última sessão de que participou na Corte, pelo seu trato amável sem ser bajulador, brincalhão sem ser vulgar, espiritualizado sem ser piegas, firme sem ser opressivo, conversador sem deixar de ouvir, dado sem esperar retorno.

Falou-se repetidas vezes nessa ocasião sobre santidade. Penso que santos só os temos nos Céus. Na Terra somos todos pecadores, ainda que possamos sinceramente buscar a santidade. E ser boa praça não é sinônimo de ser santo. Até porque o santo é, não raramente, sinal de contradição no ambiente em que vive, lembrando com a vida algumas obrigações que preferiríamos esquecer.

Penso, de qualquer forma, que o Feliciano, pois é assim que o chamo, por seu perene bom humor (a mim me chama carinhosamente de Ivezinho), soube cultivar as amizades e ser um grande amigo. Oxalá o convívio com ele durante tantos anos me ajude a ser melhor amigo de meus colegas (de todos), compreendendo-os e querendo-os, aprendendo deles e respeitando-os como são, na esperança, no entanto, de que possam sempre ser melhores, com a graça de Deus.

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