Ciência da Terra-média: Dragões!

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Escrito por Reinaldo José Lopes
Após um longo e tenebroso verão e começo de outono, estamos de volta com mais Ciência da Terra-média! E já gostaria de começar lançando uma polêmica aqui: quando o assunto é dragões, Morgoth provavelmente teria mais facilidade em criar um Glaurung do que um Ancalagon ou um Smaug. Entenda o porquê nos parágrafos a seguir, intrépido leitor.
 

Considerando que um dragão não é, em essência, algo muito diferente de
um réptil supercrescido, biologicamente está claro que esse tipo de
criatura não só existe (crocodilos e dragões-de-komodo, certo?) como já
existiu em dimensões até mais assustadoras.

Um dos verdadeiros problemas para a biologia da Terra-média é, eu
diria, a elevada inteligência dos dragões tolkienianos — de fato,
nunca vimos um réptil com um cérebro tão turbinado. Capacidade de
falar, então? Aí complicou. Mas vamos deixar de lado esse aspecto, até
por uma questão de metodologia — imaginemos que a suposta inteligência
dos dragões é um elemento folclórico introduzido por gerações de
humanos que não conviveram com o bicho verdadeiro e só contam histórias
sobre ele. Desconsiderando a inteligência e a fala, quase todo mundo
vai concordar que o elemento definidor de um dragão é sua capacidade de
cuspir fogo. E aí, rola?

Besouros incendiários
Rola, propõe o biólogo britânico Henry Gee, autor do livro "The Science
of Middle-earth" e editor da respeitada revista científica "Nature".
Por analogia com os dragões, Gee lembra que inúmeros animais produzem
substâncias com potência destruidora em suas glândulas. O caso mais
relevante para a nossa discussão é o dos besouros-bombardeiros, que
produz uma mistura de peróxido de hidrogênio e hidroquinona.

Esse bicho, quando ameaçado, lança as duas substâncias numa "câmera de
combustão", na qual elas reagem com a ajuda de uma enzima (proteína que
acelera reações químicas). Resultado: um jato tóxico e fervendo de
benzoquinona, que é lançado contra o atacante do besouro e pode até
matar outros insetos.

Gee sugere que micróbios simbióticos, "morando" nas glândulas salivares
dos dragões, poderiam transformar os açúcares da alimentação do bicho
em éter dietílico. Essa molécula tem a vantagem de ser facilmente
inflamável e muito volátil — ou seja, vira gás facinho, facinho.
Segundo Gee, bastaria que o dragão ejetasse com força a substância que
o calor de sua garganta seria suficiente para gerar um jato de fogo.

E o éter, claro, tem outra vantagem. Como sabemos ao ler as aventuras
de Bilbo ou de Túrin Turambar, o bafo dos dragões é uma droga poderosa,
capaz de causar entorpecimento — igualzinho ao que o éter faz. Com
tudo isso em vista, até fica menos absurdo imaginar criaturas como
Glaurung, um dragão soltador de fogo hipnotizador não-alado.

Cadê as asas?

O bicho realmente pega quando pensamos nas asas. Considere o seguinte:
as asas dos dragões são um terceiro par de membros numa espécie de
vertebrado. O problema é que nenhum vertebrado tem mais do que dois
pares de membros.

Ao longo da evolução, esse padrão foi definido para todos os
vertebrados terrestres — provavelmente porque ele deriva dos nossos
ancestrais, os peixes, que também possuem dois pares de nadadeiras na
parte de baixo de seu corpo.

Muito provavelmente seria preciso reorganizar brutalmente o programa de
desenvolvimento embrionário de um réptil para conseguir produzir um par
extra de membros e transformá-la em asas sem produzir um lagarto
gigante com poliesculhambose congênita. Nada que os engenheiros
genéticos de Angband não fossem capazes de fazer com milênios de
pesquisa, claro.

E no próximo Ciência da Terra-média: Noldor, cientistas?

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