O Encontro

Escrito por Fábio Bettega
Lúthien
Era noite de uma lua cheia e branca. Sua luz iluminava timidamente as florestas e lugares abertos, enquanto os lugares escuros escondiam-se de sua cara pálida. Parou. Apeou as coisas no chão, cansado. Desistira de caçar o animal que tanto procurara; à luz da lua não iria encontrá-lo. Sentou-se um pouco afastado da estrada, recostado nas raízes de um grande pinheiro. As estrelas – até então veladas pela escuridão dos céus – saíram e brilharam, e brincavam de se refletir na luz de seus olhos cinzentos.
 
 
Tirou o cachimbo da pequena bolsa que trazia consigo e acendeu-o. Sentia-se estranho, desconfortável e intimidado. Fechou os olhos tentando relaxar e se distraía, esperando que o sono viesse lhe fechar as pálpebras até a manhã seguinte. O frescor repentino da noite sussurrou entre as árvores e balançou levemente os longos fios de seu cabelo escuro. Um cheiro doce de flores silvestres chegou aos seus sentidos e ele, anestesiado pelo silêncio da floresta, adormeceu. Seu pensamento voava longe: pousava em bosques e pradarias muito distantes dali, de terras e ramos verdes, nas montanhas de picos brancos de neve, e, mais além, no grande Mar. Nunca havia o visto. Sentia saudades do que não sabia, saudades de conhecer o desconhecido.

Em seus sonhos freqüentemente chegava-lhe aos ouvidos o som das ondas batendo nas pedras, a textura da areia branca e fofa em seus pés e a paisagem de uma vasta e bela praia estendendo-se até o horizonte, além. Acordava sempre com saudades da visão e um anseio pelo mar dormitava em seu coração. Procurava encontrá-lo, incessante.

Seu pensamento voava longe.

Sua figura apagada pelas sombras da noite era imóvel, uma estátua esculpida em pedra. O único relance de luz que se via era o brilho da brasa que o cachimbo produzia. Ficou não sabe por quanto tempo dormitando.

De súbito, despertou. Um ruído que não era de galhos balançando ao sabor da brisa desviou-lhe de seus pensamentos. Entreabriu os olhos, pensando que o ruído fizera parte das visões e, olhando ao redor, viu que a noite havia se aprofundado. Sentiu frio. Um vento gelado não muito acolhedor soprava, fazendo as folhas das árvores falarem. O ruído continuou. Movimentos muito sutis, passos leves pisando na grama chegaram aos seus ouvidos.

Cuidadosamente levantou-se, apoiado no tronco do pinheiro, encostando as costas na árvore, fazendo suas sombras se confundir. A lua iluminava agora mais forte, como se um fogo branco lhe acendesse todas as camadas de seu véu angelical. Ele tirou a espada da bainha, cauteloso, procurando não fazer barulho. Olhava para os lados, procurando o que encontrar, principalmente para a outra margem da estrada, de onde parecera vir o ruído. Ficou por um tempo assim, parado, espreitando. Uma brisa amena que lhe trazia à lembrança sua terra primaveril soprou e ele sentiu as dores do corpo, gritantes, implorando por sossego. Quando ia se deitar novamente, sonolento e menos alarmado, pareceu escutar o canto de um rouxinol. Como um cão, atentou suas orelhas "deve estar amanhecendo", pensou. Mas não era possível. Olhou para o céu e viu a grande lua bem em cima de sua cabeça. Devia ser pouco mais de meia-noite.

Por uma fração de segundos, pensou ter visto um brilho de relance por entre as árvores do outro lado da estrada. Atordoado, esfregou os olhos e, no momento em que os abria novamente, o brilho novamente piscou. Não, não era uma visão. "Não pode ser", pensou ele. Hipnotizado, em sua cabeça ouvia a luz chamando seu nome. Resolveu segui-la, atraído. Atravessava a estrada quando o brilho piscou mais uma vez, como se lhe indicasse o caminho, e o rouxinol principiou a cantar. O brilho piscava lentamente, o rouxinol cantava em sincronia, aumentando o tom e engrossando a voz.

Dirigia-se às cegas pela floresta adentro, seguindo seus ouvidos e olhos, na direção daquilo que o atraía loucamente. O rouxinol cantava cada vez mais limpidamente à medida que ele se aproximava da luz. O canto penetrava em seus tímpanos e ele agarrava com força nas árvores, se segurando, com a impressão de que iria cair, pois sentia seus pés levitando. Sua alma estava tranqüila e o coração pulsava numa alegria incompreensível. Por fim, viu à sua frente que a floresta toda se iluminava com uma cor azulada, que variava entre tons de roxo e branco. Seus pés pareciam ter criado vida própria, conduzindo-o involuntariamente pela floresta, até a abertura de uma clareira.

Viu então que a luz toda provinha da clareira. A luz era quase cegante no negrume da noite. O canto do rouxinol era agora melancólico, e parecia comandar todos os movimentos alheios do lugar por milhas e milhas. Algumas árvores separavam a mata da clareira. Ele parou atrás de um grande salgueiro, escondendo-se do círculo, ainda atordoado com o brilho da luz e com o canto que penetrava em seu cérebro. Não conseguia mexer o resto do corpo. Demorou um tempo até que conseguisse controlar os próprios movimentos e livrar-se da leveza. Era como se tivesse tomado jarras e jarras de vinho, porém sem a sensação ruim que o álcool lhe proporcionava.

Estivera andando por muitos e longos dias. Escapara vivo de uma armadilha ao seu povo e principiara a vagar pelas montanhas, passando por lugares sombrios e perigosos. Chegara àquela floresta por acaso e entrara a procura de abrigo, sem saber exatamente o que iria encontrar. Não via habitações ou casas. A floresta parecia vazia e abandonada. Mas, apesar da noite escura e dos tempos malignos, um bem atuava naquele lugar. Ele podia sentir. E foi isso que decidira procurar desde que realizou ser um proscrito em terras ermas. Esfregava os olhos enquanto pensava nisso tudo, tentando se livrar da embriaguez involuntária. Perguntava-se se não havia sido a erva, enquanto ia adentrando o círculo da clareira.

Porém, ao olhar para o centro do círculo arregalou os olhos, sem conseguir piscar. Uma jovem moça sentada num montículo de pedra reluzia com o brilho da lua e parecia ela refletir o brilho que emanava por todo lugar. Bela, bela ela era. A seus pés cresciam pequenas e delicadas flores prateadas, que exalavam o cheiro doce e silvestre que sentira do outro lado da estrada. Mais bela do que qualquer outra que já havia pensado em ver. Seus longos e negros cabelos caíam sobre a pele branca como a noite envolve a lua. Sua roupa azul refletia o branco do luar e emanava uma luz púrpura.

O rouxinol pousava em seu fino dedo e ela sorria ao vê-lo cantar, alegre. Ela principiou seu canto, acompanhando a melodia do rouxinol e criando uma incrível harmonia. Uma voz límpida, cristalina. Ele não conseguia tirar-lhe os olhos: estava atônito. Gostaria de se aproximar, mas estava paralisado. A moça e o rouxinol cantaram mais forte, mais alto, como se dissessem para todos os habitantes a ouvirem suas vozes e obedecerem às suas palavras. Quanto mais ela cantava, mais tudo ao seu redor parecia belo e divino. Ela cantava como se tivesse a potência de um coro de muitas vozes belas e de muitos tons. Ele tentava entender o que aquelas palavras diziam, mas estava impressionado demais e só conseguia prestar atenção em seus traços e movimentos. Na escuridão da noite, ela era o sol das sombras. Viu então que o rouxinol era branco como a neve e, conforme as melodias variavam, a lua brilhava ainda mais forte, colorindo o rouxinol de púrpura com o reflexo do vestido da moça, e as cores se misturaram.

Ficou parado por um tempo, observando, bestificado. Como era possível ser tão graciosa? Ar divino tinha ela. Quando sorria, ele sentia seu coração apertar, pensando que ficaria cego, pois seus olhos não suportavam tamanha beleza. E ela, sem perceber o rapaz a observá-la, continuou cantando alegremente sua canção. Sua voz ecoava como música vinda das profundezas da terra. Num movimento leve e rápido, ela se levantou e começou a dançar sobre a relva fofa. Seu vestido azul parecia se mexer. Ao olhar atentamente, viu que era feito de um tecido diferente, estranho. As dobras e curvas eram como o ondular de um rio corrente. Ele pensou no mar. Ela era as ondas da praia que ele tanto havia visto em seus sonhos e visões. Fazia o barulho da água, como se estivesse garoando. Olhou para o céu, mas tudo aquilo era real e não o que sua mente queria fazê-lo acreditar.

Os cabelos negros da jovem esvoaçavam com seus movimentos delicados e ágeis, como se ela fosse de vento e, com um sopro, seria levada embora. Conforme seus pés tocavam o chão, pequenas e lindas flores prateadas cresciam como se estivessem a recebê-la. O chão todo ficara florido refletindo as estrelas no chão, e o pequeno rouxinol cantava ao seu redor. Ele estava completamente extasiado. Gostaria que aquele momento jamais acabasse, e que pudesse ficar ali até o fim de seus dias. Seria a paisagem paradisíaca que alegraria seu coração, corpo e alma nas horas em que sua mente não agüentasse mais a solidão. E então, desejou-a. Observava apenas, enquanto ela dançava e coloria tudo a sua volta. Os galhos farfalhavam com sua música como se dessem risada, contentes; a lua brilhava nos céus e o rouxinol iluminava e clareava as mentes perdidas na floresta. Todos que ali estivessem encontrariam seus caminhos: o da saída ou o da morte. Mas isso dependia do que diziam seus corações e suas intenções, como se fosse um encantamento.

E ali estava ele, observando a mais bonita de todas as criaturas que o mundo já viu. A cada pensamento que tinha, um passo aproximava-se da moça. E seu pensamento sorria. Ela cantava, como a chamar-lhe a alma para fora, o coração para si. Até que pararam, um de frente para o outro. Fitaram-se. Finalmente ele viu seu rosto de perto. Linda, encantadora! Suas bochechas levemente rosadas coravam a pele branca como os raios da lua, como o eterno brilho dos astros. Os olhos cinzentos atraíam-no para sua profundidade, sabedoria. Via ali, refletido, o brilho das primeiras estrelas a surgirem nos céus. Ele sorriu com todas essas idéias e estendeu a mão para tocá-la, como se sua visão tivesse se estendido de sua mente para seus olhos e tudo que sempre sonhara estivesse ali, ao alcance de seus braços.

Ela não lhe sorriu de volta, mas seus olhos brilharam audazes e ávidos, e ela se foi. Virou de costas e correu para o outro lado da floresta. Correu como uma gazela de pés de vento, levando consigo toda luz e beleza. "Rouxinol!", gritou atordoado. E se foi. O breu tomou conta de seus olhos e eles ficaram cegos. "Rouxinol! Volte, volte!" gritava agoniado. Mas ela não voltou. Ele correu para o lado em que ela poderia ter ido. Não enxergava um palmo a sua frente, mas continuou correndo e balançando as mãos como se quisesse se livrar de qualquer coisa que se interpusesse em seu caminho. A lua foi encoberta por nuvens escuras e as estrelas intimidaram-se com as sombras. Sentiu medo. Lágrimas escorriam de seus olhos, quentes. Seu coração se apertava em pontadas incessantes. De repente, caiu e sua mente se apagou. Seu pensamento voou para longe.

Entreabriu os olhos, sonolento e com a cabeça pesada. Um feixe da luz do sol vinha diretamente em seu rosto. Amanhecera e ele estava numa das bordas da clareira, exatamente do lado oposto de onde havia entrado na noite anterior. Levantou-se vagarosamente, sentindo intensamente as dores do corpo, e olhou para os lados: a jovem se fora, de fato. Viu a pedra que o fizera tropeçar e perder-se de seu caminho. Mais ao longe, viu sua espada caída no chão. Lembrou-se de como ela estava pesada e rude perto de algo tão majestoso como sua princesa das flores. Deixara-a cair de sua mão, e ficara completamente desprotegido. A pedra na qual a jovem sentara não estava mais rodeada por flores prateadas. Elas haviam se fechado para o sol, agressivo, dando lugar a flores coloridas e tão belas quanto as damas da noite. Estas esperariam a noite chegar e sua musa inspiradora aparecer novamente. Olhou ao seu redor e viu que o chão estava repleto de flores de todas as cores imagináveis. Os raios do sol entravam sutis por entre os ramos verdes das árvores, iluminando aqueles que pediam por luz. Os pássaros cantavam, alegres.

Lembrou-se do pequeno rouxinol e procurou em todas as árvores por ninhos, ovos, penas. Procurou no chão alguma pista que poderiam ter deixado. Rastros dos delicados pés da jovem ou penas de seu companheiro alado. Mas nada. Nenhum sinal. Pensou em gritar por ela novamente, mas realizara o quão insensato fora fazendo aquilo. Se gritasse novamente, quem estivesse procurando pelo dono dos gritos seria facilmente guiado até ali, imaginava. Precisava se esconder. Passou a mão calejada pelo corpo dolorido. Imaginou quantas criaturas não teriam vindo espreitar seu sono. Precisava sair dali.

Passara tempo demais abertamente em terras desconhecidas. Pegou sua espada no chão, embainhando-a. Fitou a pedra. Pensou em sua jovem e seu coração bateu forte. "Ela só pode ser uma princesa, para ser tão bela, tão… mágica!", pensava. Precisava encontrá-la a todo custo. Enquanto pensava no que fazer, sentou-se na pedra. Seu corpo todo doía, mas, de certa forma, sentia-se bem, renovado. Refletiu para saber onde estava e como sairia dali; queria achar um modo de encontrar a jovem e, ao mesmo tempo, não podia ser descoberto. Concluiu que ficar ali, exposto, não ajudaria em nada. Precisava arranjar um lugar para ficar. Ouvira dizer uma vez que um povo selvagem e nômade vivia mais ao sul de sua terra, onde imaginava estar, então não seria difícil achar uma cabana abandonada na qual pudesse se abrigar de olhares indesejáveis.

Levantava-se devagar pensando em tudo isso, quando ouviu zunidos de flechas e pisadas fortes no chão. Distantes, mas perto demais.

Não seria pego de surpresa. Com movimentos de raposa, desembainhou a espada, correu para entre as árvores e ficou a espreitar a clareira alerta, com a espada reluzente na mão. Ouviu vozes roucas e rudes, gritando, blasfemando. Silêncio. Ouviu também belas vozes, cristalinas, respondendo à ameaça. Golpes de espadas, flechas, gritos, tombos e sons de corpos caindo no chão. Combatiam. Logo podiam ser ouvidos como se estivessem ao lado da moita, por toda a floresta, em uníssono. Não sabia o motivo pelo qual poderiam estar brigando, mas, naqueles tempos, o mundo todo estava em guerra. Não era exatamente a melhor hora para sair correndo do perigo, pois ele mesmo poderia se tornar o alvo.

Aproveitou a chance que tinha de passar despercebido e incólume, colocou seu capuz até quase o nariz e enrolou-se na longa capa marrom, que ia até os tornozelos. Com isso, correu para fora da batalha. Fora motivo suficiente para tirá-lo dali. Precisava de comida, mas não podia perder a trilha de sua jovem estrela terrestre. Não o queria. Foi por aquele mesmo caminho, contudo, não pela trilha habilmente feita. Andava a alguns metros por entre as árvores, no meio do mato, sempre atento.

E andou durante muito tempo. O sol da manhã sutilmente foi caminhando para o oeste, esquentando seu interior com o fogo das terras de lá, esfriando o mundo de cá. Ele se abaixava periodicamente para analisar o solo e escutar sua voz, na esperança de ouvir leves e delicados passos na grama. Nada. Levantou-se após sua última análise e olhou para o pedaço de céu azul que brilhava entre as folhas das árvores. O cheiro doce das flores entorpecia sua visão e um calor incompreensível queimava debaixo de sua roupa. Suado e exausto tirou a capa, não mais se importando em se esconder; só conseguia pensar no calor. O ar abafado e sufocante retardava seus pensamentos e ele sentia suas pernas moles, podendo ouvir o próprio coração palpitando. "Um pouco não fará mal", disse em voz alta, como se diz a alguém que o descanso é necessário. Encostou-se nas raízes de uma grande árvore que desconhecia e adormeceu profundamente.

Não era normal. Estava acostumado a dormir pouco ou quase nada e não entendia o porquê do cansaço mental. Debatia-se num duelo mortal no qual dormir parecia o mais sensato, mas seu coração dizia-lhe para sair dali o mais depressa possível. Não conseguia se mover. Por fim, desistiu. A lerdeza o venceu e ele se deixou embalar pelo doce canto dos galhos e ramos acima de sua cabeça.

O crepúsculo o envolvia quando conseguiu abrir os olhos novamente. Não se sentia mais descansado. Pelo contrário. Seu coração pulsava como se fosse saltar fora de seu corpo. Precisou lutar muito consigo mesmo até que conseguisse domar os próprios movimentos e se obrigasse a levantar. Precisava de água fria e procurar uma cachoeira pareceu-lhe razoável. Sua visão melhorava gradativamente, acostumando-se à luz do fim do dia e sua mente parecia menos confusa. Apoiou-se na árvore, respirando, com grande esforço. Quando ia tomar o rumo de sua própria trilha, pensou ter ouvido um rouxinol cantar. Parou, e seu coração pulou de alegria. Não hesitou. Só poderia ser a dama que procurava. Rouxinóis não cantavam durante o crepúsculo; eles apenas choravam a partida da lua e saudavam o sol. Saiu correndo como um alucinado para dentro da floresta. Seguindo a luz, o canto, como antes. Porém sentia-se muito mais lúcido e consciente. Não se importava mais com os muitos olhos que o espreitavam. E corria, rindo, gargalhando, como se estivesse pronto para adentrar as portas do paraíso.

Até que foi obrigado a parar. A luz era tão ofuscante que doía seus olhos. Piscou muito até que se acostumasse a enxergar perfeitamente. Viu que estava ao sopé de uma colina coberta de um tapete verde reluzente. A colina era cortada, como se tivesse sido rachada ao meio, e, por entre a rachadura, um rio límpido corria, caindo numa adorável cachoeira. Ao final da cachoeira e de toda a espuma branca, uma piscina de águas claras e limpas banhava toda a vida ao redor de sua margem. A visão da água era uma benção aos olhos e o respingo da queda batia-lhe no rosto graciosamente, como a acariciar-lhe. Porém, não viu sinal da jovem. Ele sentia que ela estava por perto, mas não sabia onde. Resolveu descer até a concavidade mais próxima para molhar o rosto e as mãos cansadas.

Agachou-se e, com calma, lavou-se diversas vezes. A água refrescava-o e ele bebeu vários goles. Ao olhar para o reflexo da lua na superfície, pôde ver o reflexo de uma bela jovem a apreciar-lhe os movimentos e a sorrir. O susto foi maior ao ver que ela estava tão perto e ele não sentira sua presença. Virou-se rapidamente e se levantou assustado. Sua bela jovem estava ali, a esperar que a notasse, ingênua. Ela sorriu-lhe, como se visse um outro homem, diferente daquela noite, pego desprevenido. Ele, contudo, também via outra jovem. Ela estava muito mais próxima e era muito mais real, mas via em seus olhos o mesmo brilho audaz e lépido que vira outrora. Era terrestre e ao mesmo tempo divina. Uma deusa ao alcance de seu toque.

Sem saber o que fazer, ele abaixou a cabeça, envergonhado. Ela soltou uma risada alta, alegre como o amanhecer, e pegou em sua mão. Àquele toque, ele sentiu a mão delicada da jovem estremecer e sentiu o calor que dela emanava. Um calor bom e aconchegante. Seus olhares finalmente se encontraram e ambos ficaram estarrecidos pelas muitas coisas que souberam um do outro naquele instante.

De mãos dadas em frente à cachoeira, dois vultos altivos e etéreos. Quem os visse diria que eram dois espíritos das florestas, dois amantes se encontrando após longos séculos de espera. As estrelas brilhavam como que a saudá-los, a lua nova nasceu para vê-los, o rouxinol cantava, as pequenas flores prateadas brotavam de seus pés, exalando o mesmo cheiro doce e silvestre, forte e reconfortante. Uma luz tênue e fina envolvia os dois jovens, como se fossem intocáveis. A roupa dela emanava o mesmo brilho e luz. Sua energia concentrava-se em seu olhar. Finalmente, ele sorriu. A hora que antecede a aurora havia chegado e ali, no meio da floresta desconhecida, eles se amaram.

A partir daí, uma nova história começa. Os feitos e realizações posteriores não pertencem a este conto e não cabe a mim contá-los.

(baseado na lenda de Beren e Lúthien)

Acompanhar
Avisar sobre
guest

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários
0
Gostaríamos de saber o que pensa, por favor comentex