O Cohabit

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Escrito por ungoliant
NOTA DO AUTOR:

O seguinte texto, intitulado “O Cohabit”, foi concebido com o único intuito de ser uma paródia do livro “O Hobbit” (escrito por J.R.R. Tolkien) e para divertir os fãs da obra e qualquer um que venha a ler. Em nenhum momento o texto é para insultar, ofender ou difamar os pagodeiros ou pessoas que morem em cohab’s, que pelo contrário, merecem todo o nosso respeito. O nome cohabit foi usado pra fazer um trocadilho com a palavra hobbit e de maneira alguma os personagens foram descritos com a intenção de ofender os moradores.
Eu não moro em São Paulo e muito menos conheço as ruas, então se um lugar ficar a km de distância do outro não reparem.

 

PREFÁCIO

A respeito dos cohabits

Os cohabits são um povo alegre e festivo. Eles possuem uma estatura média se comparados às outras raças, podem chegar a medir em média um metro e setenta e vivem por volta de quarenta anos. Suas vestimentas são simples a não ser pelo gosto extravagante por acessórios, não importando se usam em excesso ou mesmo se as peças combinam. Eles gostam de usar brincos, grandes colares, anéis, pulseiras, óculos escuros, mesmo que durante a noite. O ouro e a prata são os seus ornamentos favoritos. Os cabelos são encaracolados e a grande maioria gosta de raspar a cabeça, mas existem aqueles que usam cabelos compridos parecidos com samambaias ou então fazem pequenas trancinhas. Seus maiores prazeres são a música e o futebol, mas eles também se interessam por outras atividades como dança, televisão e é claro cerveja. Litros e litros de cerveja eram consumidos por dia, de preferência assistindo a um bom programa pela televisão. O futebol era a atividade mais praticada na cohab, a terra dos cohabits. E aos domingos quando não estavam jogando, eles pegavam trens e viajam horas e horas para assistir os jogos do seu time favorito, o Corinthians, que na língua élfica era chamado de “timinho da marginal sem número e sem passaporte”.
A música era a segunda grande paixão dos cohabits. Apesar das músicas serem repetitivas e as letras sem nenhum significado ou profundidade, os cohabits se acham grandes compositores em todos os sentidos, e isso transcende o aspecto musical já que eles também criavam danças igualmente ruins para acompanhar suas músicas.
Ao anoitecer eles saem do trabalho e se reúnem nos bares da região, em especial no Bar do Bira, que é o mais alegre e movimentado da região. Dentro dos bares eles bebem, riem, cantam e dançam suas músicas, levando suas vidas de forma alegre e organizada.
A espécime dos cohabits pode ser dividida em três categorias basicamente: os peladeiros; os pançadechopp e por fim os braçocurtos. Os peladeiros são aqueles que descendem da mais antiga família de cohabits, que tem por ancestrais os primogênitos da espécie. Por serem os mais antigos, eles possuem porte atlético, são mais fortes e ágeis podendo viver mais, geralmente até os sessenta e cinco anos, e por isso são os únicos cohabits que conseguem a grande proeza de sair da cohab e virar jogador de futebol. Atualmente a raça dos peladeiros, que outrora foi a mais numerosa, está sumindo lentamente e já faz quatro anos desde que o último cohabit conseguiu ingressar em um clube. Os pançadechopp são os cohabits que preferem uma caneca de cerveja a um jogo de futebol, a não ser que seja pela televisão. Eles são exatamente o contrário dos peladeiros, possuem uma barriga avantajada que na maioria das vezes chega a cair sobre o corpo, os pés largos para facilitar o equilíbrio e o caminhar, além de serem os mais alegres e festivos dos cohabits. Não dispensam uma festa desde que ela contenha comida e claro muita cerveja. Por causa de sua compulsão pela comida e pela bebida, eles são os cohabits que vivem menos chegando raramente aos trinta e cinco anos de vida. Os pançadechopp surgiram anos depois que os ancestrais deixaram de ser nômades e fixaram moradia na cohab, e coincide também que a primeira família pançadechopp foi a de Levedura Pançadechopp, um dos cohabits mais notáveis da historia, sendo ele o descobridor da primeira receita de cerveja e das técnicas de plantação que tornam os pançadechopp os cohabits mais talentosos para a agricultura. Os braçocurtos são o resultado do cruzamento entre peladeiros e os pançadechopp. Eles não são nem fortes nem fracos, não são gordos nem magros. Eles são os menores chegando a medir um metro e sessenta, são do tipo mirrados e possuem braços e pernas curtas. Por não terem o porte físico para serem atletas, ou para trabalharem nos campos, os braçoscurtos se tornaram em sua maioria os artistas mais talentosos da cohab. Eles são exímios tocadores de pandeiro, cavaquinho, cuíca e outros instrumentos que possam tocar com seus pequenos braços, sendo os autores das músicas e aclamados por todos. Os braçoscurtos que não se tornam músicos de respeito, geralmente acabam trabalhando como office-boys ou entregadores, já que devido às suas pernas curtas eles conseguem caminhar durante muito tempo sem se cansarem, chegando a serem mais resistentes ao cansaço do que os peladeiros.

I – Uma visita inesperada

Em um apartamento no terceiro andar vivia um cohabit. Não era um apartamento espaçoso ou luxuoso, mas era o tipo de moradia que agradava a um cohabit. Os movéis comprados à prestação na base do quer pagar quanto quer pagar quando, preenchiam o quarto, sala e cozinha com sutileza, tornando o apartamento um lugar agradável de se estar. A cozinha, o lugar preferido dos cohabits, estava com a geladeira cheia como de costume, latas e latas de cerveja estavam empilhadas pelos cantos junto com grandes caixas de cestas básicas, como se houvesse uma guerra e a necessidade de estocar alimentos. Mas não havia nenhuma guerra, esse era apenas o modo de vida de um cohabit. O domingo avançava lentamente, já eram quase quatro horas, a hora do futebol, hora sagrada para qualquer cohabit que se preze e ele se preparou como de costume, uma caixa de cerveja, um prato com alguns sanduíches de mortadela, sentou-se no sofá com os pés esticados sobre uma pequena almofada e começou a assistir o jogo.
O jogo era decisivo, o Corinthians lutava contra o rebaixamento e esse era o último jogo do campeonato, o jogo que poderia decretar a queda para a segundona e justamente contra o seu maior rival, o Palmeiras. O cohabit estava nervoso, não parava no sofá, já havia bebido quatro latas e ainda não tinha conseguido se acalmar, afinal com vinte minutos de jogo o seu time perdia por um a zero e quase levara o segundo gol, definitivamente a situação não estava boa para o Corinthians. Quando a partida chegava aos trinta minutos, ele escuta a campainha tocar.
– Ó céus, quem poderia ser a essa hora? Disse o cohabit.
Mas ele recusou-se a levantar e continuou a assistir o jogo quando a campainha soou mais uma vez, e dessa vez tocou continuadamente fazendo o cohabit levantar mesmo contra a sua vontade, e abrir a porta. Abrindo a porta, encontra um senhor alto de ca
belos compridos e brancos, segurando um cajado e uma boina, com uma barba comprida e cheia, e ele estranhou pois a barba era branca com três listras verticais pretas, parecendo teclas de piano, mas antes que pudesse rir ou dizer qualquer coisa o homem falou:
– Boa tarde, estou à procura do sr. Bobo Pagodeiro.
Por um momento o cohabit hesitou, afinal nunca tinha visto tal pessoa, e franzindo a testa disse:
– Eu sou Bobo Pagodeiro e o sr. quem é ?
– Finalmente minha busca acabou. Disse o homem.- São tantos prédios, tantos blocos que acabam confundido a cabeça de qualquer um. Meu nome é Cachaçalf, o mago da barba alvinegra e estou feliz por encontrá-lo senhor Pagodeiro.
Bobo não prestava atenção às palavras de Cachaçalf, estava totalmente concentrado no jogo e a única coisa que conseguiu dizer foi:
– Muito obrigado mas eu não estou interessado, agora se você me der licença eu tenho que voltar aos meus …
Mas Bobo não teve sequer tempo para terminar sua frase. Com a voz soando igual a um trovão, Cachaçalf disse:
– Bobo Pagodeiro! Neto de Tonto Pagodeiro, filho de Mané Pagodeiro, isso é jeito de receber um velho amigo da família? Tenho certeza de que não foi assim que meu estimado amigo Tonto Pagodeiro lhe ensinou. Agora seja um bom anfitrião, me convide para entrar e me sirva um rabo de galo.

Ao ver como o velho havia se transformado, Bobo rapidamente pegou o cajado e a boina e pendurou-os sobre um tripé que havia ao lado da porta e puxou uma cadeira para ele.
– O que o senhor deseja de mim? Disse Bobo. Eu tenho uma certeza quase absoluta de que nunca o vi antes, eu digo isso porque minha memória anda falhando ultimamente, mas mesmo assim eu acho que não nos conhecemos.
– Por enquanto traga apenas o rabo de galo. Disse Cachaçalf. – Tudo ao seu tempo sr. Pagodeiro.
Enquanto caminhava em direção à cozinha, Bobo aproveitou para espiar a televisão e com um aperto no coração viu que sua angústia estava longe do fim, o Corinthians perdia agora por dois a zero, e só tinha o segundo tempo para tentar virar o placar, um velho desconhecido estava sentado em sua sala, e para terminar a maré de má sorte, a última garrafa de conhaque que havia no armário, não tinha sequer uma gota para contar história.
– Sr. Cachaçalf. Disse Bobo com a voz trêmula.- Sinto muito mas estou sem conhaque, o sr. aceitaria somente uma branquinha?
Os olhos do mago se incendiaram ao ouvir tal palavra.
– Sim, sim sr. Bobo, uma branquinha está de bom tamanho.
Bobo mal teve tempo de buscar a garrafa e de servir o mago quando novamente ouve o som da campainha.
Atenda sr. Pagodeiro. Disse Cachaçalf tomando todo o líquido do copo.- Devem ser os convidados que estamos esperando.
– Convidados? Disse Bobo a si mesmo. – Mas eu não estou esperando nenhum convidado.
Ao abrir a porta Bobo deu de cara com quatro sambundões, a raça dos sambistas que ocupavam todas as terras ao sul do rio Tietê. E impressionado, pois nunca tinha visto um, apenas havia ouvido canções e histórias sobre eles no Bar do Bira, ficou olhando para eles enquanto entravam.
– Entrem, entrem todos vocês sete. Disse o mago
– Sete ? Disse Bobo.- Mas são apenas quatro Cachaçalf.
– Quatro ? Tem certeza? Disse o mago enquanto esfregava os olhos e se apoiava na parede.
Os sambundões entraram e se acomodaram rapidamente na sala e começaram a se apresentar.
– Boa tarde sr. Pagodeiro. Meu nome é Vouvou.
Bobo fez um aceno com a cabeça enquanto Vouvou se sentou e o outro levantou.
– Meu nome é Cumpadím. Disse o sambundão enquanto fazia uma grande reverência.
Bobo olhava para Cachaçalf enquanto ele sorvia as últimas gotas da garrafa e tentava enfiar a língua por dentro do gargalo, como que na tentativa de lamber o seu interior.
– Prazer em conhecê-lo sr. Pagodeiro meu nome é Tantã.
E por fim o líder do sambundões se apresentou.
– Sr. Bobo Pagodeiro. Disse ele. – Meu nome é Bambby e eu sou o líder dos sambundões. Viemos até aqui por insistência de Cachaçalf que nos disse que o sr. pode ser de grande valia para os nossos planos.
Bobo percebeu que os três sambundões vestiam-se da mesma maneira, a única diferença era a cor da camisa. Cada um usava uma calça branca com sapato prateado e um lenço amarrado ao pescoço da mesma cor da camisa. Vouvou usava uma camisa vermelha, enquanto Cumpadím usava uma verde e Tantã usava uma camisa amarela. Apenas Bambby o líder, trajava camiseta branca regata, calça branca e andava descalço.

O que Bobo estranhava e não entendia é que eles ficavam parados, Bambby na frente e ou outros três atrás lado a lado, na esquerda estava Vouvou, no meio Cumpadím e na direita Tantã. Eles ficavam com os punhos fechados na altura do peito, os polegares esticados para cima com um sorriso de orelha a orelha mostrando todos os dentes e rebolando vagarosamente, isso intrigava e ao mesmo tempo assustava o cohabit que no momento só pensava em uma coisa, onde está Cachaçalf?

II – Muitas Explicações

O barulho da descarga e de um pequeno vaso caindo ao chão e quebrando em vários pedaços dizia que Cachaçalf estava no banheiro. O mago vinha pelo corredor apoiado em seu cajado e tropeçando em toda e qualquer coisa que estivesse em seu caminho, até que Bobo veio ao seu encontro e levou-o até o sofá.
– Você realmente deveria mandar alguém acabar com esses ratos. Disse o mago. – Eles fazem muito barulho, além de terem quebrado aquele pequeno vaso rosa do banheiro.
O vaso rosa, herança de sua bisavó, no momento era a menor das suas preocupações juntamente com o jogo que terminara quatro a zero para o Palmeiras, determinando assim o rebaixamento do Corinthians para a segunda divisão. No momento só havia uma pergunta a ser feita.
– Cachaçalf. Disse Bobo.- Você pode me explicar quem são eles, o que eles estão fazendo na minha casa e o que querem de mim?
– Bobo Pagodeiro meu amigo. Disse o mago enquanto tentava fazer a sala parar de girar.- Seu avô Tonto Pagodeiro foi um grande cohabit. Ele foi um dos maiores tocadores de cavaquinho que já caminhou por essas terras. E eu garanti ao senhor Bambby, líder dos sambundões, que você igual ao seu avô é um ótimo músico.
– Isso mesmo Bobo. – Disse Bambby.- Nós temos uma apresentação marcada no sambódromo e precisamos de alguém para tocar cavaquinho. Você sabe como funciona uma banda não é mesmo? Um fica na frente cantando, outros três ficam atrás sorrindo com o polegar esticando e rebolando, e um tem que fingir que toca alguma coisa.
– Mas logo eu ? Um músico ? Disse Bobo.
Bobo sabia que era um péssimo músico, ele não tinha talento para nenhum instrumento, tanto que seu sustento vinha dos trabalhos que fazia como office-boy e uma apresentação estava fora de cogitação.
– Bom, como está tudo resolvido. Disse Cachaçalf. Partiremos pela manhã.- Agora vamos até o Bar do Bira.
– Mas Cachaçalf! Disse Bobo com a voz apertada.- Eu não sou músico, não quero ser.- Eu estou feliz com a minha v
ida aqui e não quero fazer nenhuma apresentação.
– Calma sr. Pagodeiro. Disse Tantã.- O sr. não precisa saber tocar nada.- Nenhum de nós sabe, apenas fingimos enquanto o playback toca, aliás o nosso playback foi uma obra prima de nosso povo, o refrão só repete dezenove vezes.
– Isso mesmo. Concordou Vouvou.
– Não precisa ter medo. Disse Cumpadím.
– O sr. será recompensado. Disse Bambby. – cinco por cento do cachê será seu sr. Pagodeiro, além das despesas de viagem logicamente.

Quando Bobo ia falar Cachaçalf o interrompeu.
– Você é um braçocurto Bobo. Disse o mago com ternura na voz.- Vocês são os melhores músicos que já caminharam por essas terras. Não deixe o medo impedir você de cumprir o seu destino. Uma sorte maior o aguarda longe dos muros da cohab meu pequeno, apenas tenha coragem para encará-lo.
Ao ouvir as palavras ditas pelo mago, Bobo fechou os olhos e sentiu o coração bater devagar, respirou fundo e pela primeira vez pensou com clareza.
– Você está certo Cachaçalf. Disse Bobo.- Eu sou um braçocurto, eu vou tocar, meu destino não é ficar aqui até o fim dos meus dias.
Nisso o cohabit abre os olhos e procura Cachaçalf, mas o mago não esta na sala.
– Onde está ele? Disse Bobo.- Onde está o Cachaçalf?
– Ele foi até o Bar do Bira. Disse Tantã.- É para nós partirmos amanhã com a primeira luz do sol.
– Então partiremos. Disse Bobo.- Partiremos e amanhã terá inicio a nossa aventura.

III – O Bar do Bira

Bira era um cohabit da família dos pançadechopp. Tinha a cara redonda com poucos cabelos e um grande bigode preto que se enrolava conforme descia pelo seu rosto. Sua barriga era grande e quase não cabia atrás do balcão, o avental que usava estava sempre caindo e ele tinha grande dificuldade para amarrá-lo. O Bar naquele momento estava vazio, a não pela presença daquele velho de barba alvinegra que parecia estar falando sozinho. Bira foi até lá ver como ele estava e escuta o velho resmungando.
– Tudo bem amigo? Disse Bira.
– Quem é você? Disse o mago. – Porque me incomoda?
– Meu nome é Bira, eu escutei você falando e pensei que poderia estar precisando de alguma coisa.- Qual o seu nome?
– Meu nome é Cachaçalf.- O grande mago de barba alvinegra.
– Um mago? Disse Bira com um sorriso cínico. – Essa é boa, eu ainda não tinha ouvido essa.
– Você duvida do meu poder? Disse Cachaçalf apertando as sobrancelhas.
– Claro que não grande mago. Disse Bira desafiando o mago.- Mas você sabe fazer algum truque?
– Algum truque? Disse o mago em meio a gargalhadas.- Sim, eu sei fazer alguns truques.
– Então faça algum que eu quero ver. Disse Bira
– Muito bem. Está vendo esse copo? Disse Cachaçalf.
– Sim estou. Disse Bira.
– Encha ele até a borda com o seu melhor whisky. Disse o mago.
– Está bem. Disse Bira indo desconfiado até o balcão e voltando com uma garrafa de Blue Label de doze anos.
– O copo está cheio. Disse Bira. – O que você vai fazer ?
– Vou fazer todo o líquido desaparecer. Disse o mago olhando fixamente para o copo.

Bira começou a prestar atenção ao mago que fazia grandes movimentos com as mãos e falava palavras em um outro idioma que ele não entendia, talvez fosse um idioma dos magos, ou mesmo um idioma élfico. Nesse momento os olhos do mago começaram a brilhar e o cohabit ficou impressionado, pensando no que tinha provocado.
– Conte até três. Disse o mago com a voz inflexível.
Bira começou a falar com a voz trêmula, e antes que pudesse chegar ao dois, Cachaçalf em um movimento rápido, pegou o copo com a mão direita e virou todo o conteúdo em um gole só, lambendo os lábios e limpando a boca na manga de seu manto enquanto soluçava.
Bira em um acesso de raiva começa a gritar e gesticular com o mago, que parecia nem prestar atenção nas palavras do cohabit. Cachaçalf calmamente se levanta da mesa e com todo o cuidado pega o cajado que está ao lado e caminha em direção à porta. Ao colocar o pé para fora do Bar, Cachaçalf encontra os quatro sambundões e o cohabit com mochilas nas costas e prontos para a viagem.
– Está um belo dia para viajar não é senhores? Disse o mago enquanto os olhos irritados tentavam se acostumar à luz do dia.
– Sim Cachaçalf. Disse Bambby.- É uma longa caminhada até a estação dos trens.- O sr consegue andar?
– É claro que sim. Disse Cachaçalf escorado em seu cajado.- Nunca subestime um mago certo sr. Pagodeiro?
– Acho que sim. Disse Bobo.
E assim os seis partiram rumo ao portão sul da cohab até chegarem as ruas e a grande avenida que os levaria até a estação.

IV – Dentro da Tempestade

A comitiva seguia vagarosamente. Cachaçalf ia devagar, vez ou outra tropeçando em pedras pelo caminho ou mesmo em suas próprias pernas, sendo constantemente amparado pelo Vouvou e pelo Tantã. Os dois caminhavam ao seu lado e a qualquer sinal de queda eles rapidamente seguravam o mago.
Tirando um tropeço ou outro de Cachaçalf a caminhada transcorria tranqüilamente, apesar de conhecer tudo ao redor Bobo olhava com atenção, como se fosse a primeira vez que estivesse passando por ali.
Com o amanhecer, e com o tempo que não estava tão frio como costumava ser nessa época do ano, Bobo se sentiu leve e alegre por estar saindo de sua terra natal e começou a cantar uma musica que tinha aprendido há muito tempo atrás e era mais ou menos assim que ele a cantava.

Toda vez que eu chego em casa
A barata da vizinha ta na minha cama
Toda vez que eu chego em casa
A barata da vizinha ta na minha cama

A música foi interrompida pelos sons do vômito do Cachaçalf que não resistiu e colocou tudo pra fora. Bobo tentou não olhar e fingia que nada acontecia, mas o cheirinho de azedo que tomou conta do lugar logo o fez lembrar o que estava acontecendo.
Eles aproveitaram essa parada forçada para descansar já que estavam andando há duas horas seguidas, Cachaçalf parecia se recuperar rapidamente, a palidez estava cedendo e logo seu rosto estava corado de vermelho.

Após quase uma hora parados o mago levantou, seu rosto estava sóbrio, austero, imponente e com a voz firme ordenou:
– Rápido. -Levantem todos, devemos seguir sem descanso até o fim.
Todos se levantaram rapidamente e seguiram pelo caminho. A rua seguia reta por uns duzentos metros e ao final fazia uma pequena curva pra esquerda alongando-se por mais cinqüenta metros e depois descia e subia, até onde a vista alcançava.
Na frente iam Vouvou e Cumpadím, seguidos por Bobo e Tantã e por fim Bambby e Cachaçalf. A paisagens que até alguns momentos atrás era verde com árvores e plantas, dava lugar agora a galpões abandonados e a depósitos de pneus. O tempo que parecia claro e firme, começa a se fechar trazendo nuvens carregadas.
– Uma tempestade está se formando. Disse Bambby.
– Nem tudo é o que parece. Respondeu Cachaçalf.
– Sim, mas se come&
ccedil;ar a chover vai ser impossível atravessar as ruas do vale. – O risco de enchentes vai ser grande. Disse Bambby.
– Eu sei. Disse o mago.- Por isso devemos nos apressar para atravessar o vale antes da chuva.
Eles continuavam a caminhar com o passo firme, estavam marchando há três horas sem fazer nenhuma parada e os primeiros sinais de cansaço começavam a aparecer.
– Vamos fazer uma parada. Disse Cumpadím. – Não estou agüentando mais, minha mochila está pesada.
– Eu também não agüento. Emendou Tantã.
Bobo não reclamava. Apesar de sua vida sedentária, ele estava acostumado a fazer algumas caminhadas e até agora não sentia nenhuma dificuldade.
– Não podemos parar. Disse o mago.- A tempestade se aproxima, não podemos perder tempo.
Como se o pedido do mago fosse atendido, a chuva começou a cair forte e de forma violenta. Junto com a água vinham pedras de gelo que machucavam e feriam quem ficasse em seu caminho.
– O que faremos agora Cachaçalf? Perguntou Bambby.- Estamos sem nenhum abrigo e no meio de uma tempestade.
– Vamos para a galeria. Disse Bobo.- Ela não fica muito longe daqui. – Lá nós podemos nos proteger da chuva e cruzar até a estação.- Ela é uma espécie de atalho, não sei como não me lembrei dela antes.
A galeria, pensou Cachaçalf. Só a menção desse nome já lhe causava pavor, ele pensou em fazer todo esse caminho para desviar de lá e o destino lhe prega essa peça. Mas nessa situação era o único caminho a ser tomado.
– Para a galeria, rápido. Ordenou o mago.
A galeria já fora em outros tempos um lugar tranqüilo, com lojas e restaurantes, um lugar freqüentado por todo os tipo de pessoas, mas que com o passar dos anos, o Senhor do Metal começou a dominar e influenciar a pessoas, que adotaram aquela construção como um templo de adoração ao senhor do metal. Galeria do Rock, ele se lembra muito bem, esse foi o nome que os seguidores de Eddie, o Senhor do Metal, deram a aquele prédio. Mas talvez ele pudesse contar com a sorte, talvez pudesse cruzar os quatro andares e sair em segurança do outro lado, na frente da estação. Teria que ser uma passagem rápida e silenciosa, já que uma galeria repleta de seguidores no Senhor do Metal não era o lugar mais seguro para os cohabits e muito menos para os sambundões.
Após uma corrida de dez minutos, cruzando as quatro ruas que os separavam da galeria, eles chegam até os portões e contemplam o grande prédio negro, de aparência terrível e sinistra.

V – A Galeria

Ao verem os portões da galeria, sentiram um aperto e o medo invadiu seus corações. Eles estavam apavorados e os sambundões mais do que todos, já que eles eram inimigos declarados dos metaleiros. Bambby ficou apavorado só de ouvir os hinos que eram entoados dentro do prédio, e num ataque de nervos começou a chorar desesperadamente.
– Nós não vamos conseguir, nós não vamos conseguir. Dizia Bambby entre soluços.
– Calma rapaz. Tentava tranqüilizar Cachaçalf.- O desespero aqui não vai ajudar em nada, temos que permanecer frios e calculistas, é o único jeito de passarmos.
Falando isso ele pegou um pequeno cantil de couro que carregava consigo e ofereceu ao Bambby e aos demais.
– O que é isso? Perguntou Bambby.- Alguma poção mágica para dar coragem aos desesperados?
– Não. Disse o mago tomando um grande gole do cantil.- Isso é tequila. O que eu não daria por um punhado de sal e algumas fatias de limão pensou Cachaçalf.
– Vamos depressa. Ordenou Cachaçalf- Não se deixem impressionar por nada lá dentro. Nem pelas músicas, nem pelas lojas, por nada.
Talvez para demonstrar coragem, Bobo o menor de todos, foi o primeiro a subir as escadarias, seguido pelos sambundões e por último Cachaçalf.
O começo da travessia foi difícil, a galeria aparentava estar vazia, um silêncio assustador ocupava os salões, as visões das lojas eram aterradoras, pôsteres de bandas que ele nunca ouviram falar, bandeiras de caveiras, monstros e máquinas. Bambby e os outros sambundões estavam apavorados, eles nunca estiveram tão perto assim do Senhor do Metal, e agora que estavam perto, mais do que nunca desejavam estar longe.
Com passos rápidos e silenciosos, eles alcançam o fim do primeiro andar mas Cachaçalf estava apreensivo, pois estava tudo muito tranqüilo e quieto, mas foi só chegar ao segundo andar que seus temores se concretizaram, um som que começou baixo e foi aumentando gradativamente foi tomando conta do prédio. Guitarras distorcidas, bumbos velozes, baixos frenéticos, explodiam através dos amplificadores, os sambundões se apavoraram e o desespero tomou conta de seus corações, em uma reação automática eles se jogaram no chão com as mãos nos ouvidos, tentado impedir que o som entrasse em suas cabeças. Cachaçalf tentou ajudá-los mas foi em vão, no mesmo momento portas se abriram e centenas de metaleiros com camisetas pretas e cantando músicas invadiram o prédio. Tinha todo o tipo delas, camisetas do Iron Maiden, Metallica, Helloween, Judas Priest, Nightwish, Blind Guardian entre muitas outras. Os metaleiros rapidamente pegaram os sambundões e levaram pra dentro da galeria, Cachaçalf bateu o seu cajado no chão e pronunciando algumas palavras mágicas desapareceu em meio à multidão negra e enquanto isso Bobo Pagodeiro não pensou em mais nada, apenas atirou-se escada abaixo desejando nunca ter aceitado fazer essa apresentação e pensando no que aconteceria aos pobres sambundões.

IV – Sozinho no Escuro

Após rolar os vinte e seis degraus que separavam os dois andares, Bobo saiu correndo sem olhar para trás. Ele seguiu por um corredor estreito que estava de frente para escada e que terminava em uma porta. Com medo de ser perseguido pelos metaleiros, Bobo abriu a porta e desceu as escadas sem sequer ver para onde ia, quando chegou ao fundo percebeu que estava em um lugar abandonado, uma espécie de porão. A luz que chegava lá embaixo era pouca, e o cohabit apenas enxergava alguns vultos na penumbra. Andando sem direção e com passos curtos, Bobo tropeçou em um objeto que estava no chão, sem saber o que é, ele o guarda na mochila e segue em frente tentando achar uma saída. Após seguir pelo porão onde parecia estar andando em círculos, o cohabit acha uma pequena janela e através dela consegue enxergar a estação do outro lado da rua, mas a maré de azar continua ao seu lado pois a janela estava trancada e por mais força que fizesse, não conseguia mover um centímetro dela.
Desolado e sem forças, Bobo senta no chão e começa a pensar em tudo o que aconteceu, quando escuta uma voz que começa fraca e vai se tornando mais forte aos poucos. E Bobo percebe então que a voz está se aproximando e entra em desespero. O cohabit começa a procurar na mochila alguma coisa que possa usar para se defender e então sente um objeto redondo e grande dentro da mochila e percebe que esse é o objeto que ele pegou no chão, e vendo contra a fraca luz ele vê que é um pandeir
o.
Distraído por um momento com o pandeiro na mão, Bobo não percebe que uma pequena criatura se aproxima sorrateiramente pelas sombras do porão, a criatura avança lentamente e com um salto fica à frente de Bobo que paralizado de medo não conseguiu dizer uma palavra. Vendo que a pequena criatura não o ameaçava no momento, Bobo olhou-a atentamente enquanto se acalmava. A visão da criatura não era uma coisa muito bonita, ela era pequena, do tamanho de um cohabit, tinha a cabeça grande coberta por uma pequena camada de cabelos loiros, tingidos obviamente, a boca possuía alguns poucos dentes, sendo os dois da frente eram tortos, andava com roupas apertadas e um grande colar dourado.
– Quem é você? Disse Bobo.
– Eu? Você quer saber quem sou eu? Disse a criatura.
– Sim, eu estou preso e gostaria de sair daqui. Disse Bobo
– Talvez você saia talvez não. Disse a criatura sorrindo.
– Meu nome é Bobo Pagodeiro. Disse o cohabit. Eu moro em uma terra não muito longe daqui chamada cohab e você?
– Meu nome é Bellum, eu vivo nesse porão há muito tempo. Disse a criatura.
Antes que Bobo pudesse dizer alguma coisa Bellum percebeu o pandeiro estava na sua mão e de forma agressiva tentou pegá-lo.
– Esse pandeiro é meu. Disse Bellum.- Você não deve ficar com ele.
– Eu o achei no chão, ele é meu e eu vou ficar com ele. Disse Bobo segurando-o firme.
– Muito bem. Disse Bellum impressionado com a valentia do cohabit. – Eu te proponho um jogo, se você ganhar eu deixo você sair daqui com o pandeiro, mas se você perder você será meu prisioneiro para sempre.
Como Bobo não tinha outra opção, ele resolveu aceitar pois poderia ser a única chance de fugir.

– Qual será o jogo? Disse o cohabit.
– Será truco. Disse Bellum com os olhos brilhando.
– Muito bem, eu aceito. Disse Bobo.
Bobo ficou aliviado, pois ele era um excelente jogador. Muitas e muitas noites ele ficava jogando com os amigos no Bar do Bira, e parecia que ele tinha uma chance de ganhar e fugir.
Eles se sentaram em uma mesa improvisada, um engradado de cerveja e dois blocos de concreto servindo de bancos. Bellum começou ganhando a primeira rodada e logo abriu três a zero, Bobo aceitou seu truco e perdeu. A segunda e a terceira rodada Bobo perdeu e o placar já estava sete a zero para Bellum. Bobo ganhou as duas rodadas seguintes por um ponto apenas, o placar estava sete a dois e Bellum olhava com desprezo para o cohabit.
Bobo estava desesperado, apesar de esboçar uma pequena reação, o jogo parecia perdido, estava dez a seis para Bellum que ficava mais confiante a cada rodada. Bobo pegou o baralho e começou a distribuir as cartas, Bellum deixou as cartas dele virada na mesa, nem se deu o trabalho de olha-las.
– Truco. Disse Bellum rindo.
Bobo estava com cartas boas mas estava com medo de Bellum.
– Truco. Disse Bellum. – Vai aceitar ou correr de novo como um covarde.
Bobo ficou vermelho de raiva nessa hora, ele não agüentava mais ver aquela cara estranha na sua frente e ainda por cima zombando dele.
– Seis. Disse Bobo estufando o peito.
Bellum olhou surpreso, pois não esperava essa reação mas como estava confiante no seu jogo e no desespero do cohabit, ele aceitou. Bellum jogou copas rindo e gargalhando enquanto observava Bobo perdido em seus pensamentos. Mas calmamente, Bobo mostrou sua última carta e Bellum veio ao desespero quando viu que era um zap e que Bobo havia ganhado a partida.
– Muito bem. Disse Bellum. – Você ganhou e eu vou cumprir minha parte.
– Certo. Disse Bobo aliviado.
Os dois caminharam em direção a janela, Bellum tirou uma pequena trava e abriu-a totalmente, mas ficou entre a saída e o cohabit.
– Você só sai daqui morto. Disse Bellum com raiva nos olhos.
Bobo sai correndo desesperado com Bellum em seu encalço, ele estava com o pandeiro na mão e quando ficou acuado entre duas paredes, ele começou a tocá-lo. Conforme tocava o pandeiro, ele percebeu que Bellum começou a agir de um modo estranho, ele começou a fazer danças estranhas e a agir como se tivesse feito uma lavagem cerebral, não dizendo coisa com coisa e agitando os braços com os punhos fechados e os polegares apontados para cima.
Bobo percebeu que o pandeiro estava de alguma forma agindo sobre Bellum e aumentou o ritmo das batidas. Bellum começou a dançar freneticamente, até que caiu no chão exausto. Bobo aproveitou a deixa e fugiu pela pequena janela, deixando a horrenda criatura para trás.

VII – A Câmara de Tortura

Bambby, Vouvou, Tantã e Cumpadím foram levados até um pequeno quarto no terceiro andar da galeria. Dentro do quarto suas mochilas foram levadas, e eles foram acorrentados e submetidos há horas inteiras de heavy metal sem intervalos. Tantã era o que estava mais esperançoso e tentava animar seus companheiros.

– Ânimo pessoal. Gritava Tantã. – Nós devemos ser fortes, a qualquer momento Bobo e Cachaçalf virão nos resgatar.
Vouvou tentou esboçar uma reação balançando a cabeça, e foi só isso que conseguiu fazer. Cumpadím olhou para os companheiros pensando em algum modo de escapar quando olhou o estado de Bambby.
– Bambby ! Gritou Cumpadím. – Bambby responda.
Não adiantava, Bambby não respondia, ele já tinha desmaiado a algumas horas, dos quatro ele era o mais fraco e não suportaria aquilo por muito tempo. Alguma coisa tinha que ser feita logo.
O som continuava direto e sem intervalo. Os metaleiros já tinham tocado dois discos inteiros do Iron Maiden, um do Blind Guardian e um do Helloween. Quando os sambundões pensavam que tudo estaria terminado, subitamente o som foi cortado e o silêncio preencheu a sala. Por alguns momentos eles pensavam que Cachaçalf tinha chego para salvá-los mas isso durou apenas alguns poucos minutos. Os poucos minutos que demorou para começar os primeiro acordes de Territory e então os sambundões experimentaram um outro tipo de tortura, mais intensa e mais forte. Até Tantã que estava mais esperançoso ameaçou entregar os pontos.
– Não. Sepultura eu não agüento. Lamentou Tantã. – Isso é muito mais que um sambundão pode suportar.
Bambby e Vouvou desmaiaram, Tantã estava quase, Cumpadím ainda conseguia manter a cabeça erguida mas não ficaria assim por muito tempo. Ele só pensava em uma coisa, onde está Cachaçalf?

VIII – Encontros na Noite

Após um breve momento de descanso, Bobo decidiu que de alguma forma ele teria que ajudar seus amigos.A noite caia e sem saber o que fazer, ele decidiu seguir para os portões da Galeria e ao passar por um boteco ele ouviu uma voz que lhe parecia familiar.
– O que? Dizia a voz.- Sua mãe caiu na área? Então é pênalti.
E o boteco explodia em gargalhadas. E foi então que Bobo parado na chuva, viu que lá estava Cachaçalf o mago conversando, bebendo com mais algumas pessoas.
– Cachaçalf, Cachaçalf. Gritava Bobo.
– Oh Sr. Pagodeiro. Disse Cachaçalf. – Que bom encontrá-lo por aqui, junte-se a nós e tome uma bebida.
– Não há tempo Cachaçalf. Disse Bobo. – Precisamos salvar os sambundões.
– Quem ? Disse o mago.
– Os sambundões. Gritou o cohabit.
– Bambby, Vouvou, Cumpadím e Tantã, eles estão presos, podem estar mortos.
– Oh sim. Disse o mago tomando outra dose de absinto e limpando a boca na manga de seu manto enquanto soluçava. – Os sambistas do sul, vamos salvá-los é claro.
Ao tentar se levantar, Cachaçalf se inclina para frente e cai em cima de uma mesa, rola sobre ela, cai e bate a testa no chão desmaiando.
– E agora. Gritou o cohabit. O que eu faço?
Sem pensar muito, Bobo tira o pandeiro da mochila e começa a tocá-lo. Após alguns minutos tocando, o pandeiro não agia, talvez ele ainda não saiba usá-lo, ou talvez seu poder seja fraco para agir sobre um mago como Cachaçalf. O tempo estava passando, cada minuto poderia ser decisivo para os sambundões e o pequeno cohabit não sabia o que fazer.

Nesse momento de desespero, com os sambundões presos, Cachaçalf continuava desmaiado no chão, ele começou a lembrar da vida na cohab, das noites no Bar do Bira, das tardes de futebol e subitamente como um relâmpago veio na sua cabeça um ditado do velho Bira.
– Só se cura uma ressaca com outra. Falou Bobo para si mesmo. – É isso.
Bobo pegou tudo que tinha no bar e misturou em um super drink, colocou pinga, martini, conhaque, absinto e cerveja. Misturou tudo e colocou na boca do mago.
Cachaçalf que estava totalmente imóvel, começou a ter espasmos, mexia as pernas e os braços desordenadamente mas mexia. Isso era um bom sinal, a qualquer momento ele poderia levantar. A questão era em quanto tempo seria.
Menos de quinze minutos após o super drink ser ingerido, Cachaçalf começou a levantar com um sorriso no rosto e cara de quem tinha acabado de acordar, ele só conseguia pronunciar uma palavra: É nóis! É nóis! Dizia o mago repetidamente enquanto tropeçava nas cadeiras ao seu redor.
A sorte parecia mudar a favor de Bobo Pagodeiro.
– Vamos Cachaçalf. Disse Bobo.- Mas antes você tem que prometer que não vai beber mais.
– Claro. Disse o mago enquanto arrumava a boina na cabeça. – Eu prometo que não vou beber nem mais, nem menos. Agora vamos.
A chuva continuava a cair sem tréguas, castigando a cidade e como outra obra do destino, acaba energia em grande parte da cidade, inclusive na galeria.
– Vamos Cachaçalf, é agora. Disse o cohabit.
Com uma terrível dor de cabeça, sem saber o que estava fazendo e com o mundo girando ao seu redor, Cachaçalf e o Bobo invadiram a galeria atrás de seus companheiros.
– Vocês dois! Gritava o mago.- Andem mais devagar.
A galeria agora em pouco ameaçava os dois, seus corredores sem a energia para os amplificadores não o intimidavam e assim seguiram direto para o terceiro andar direto para a sala onde estavam os sambundões.
Lá dentro encontraram todos quase refeitos, com exceção do Bambby que continuava desmaiado. Com um poderoso encanto Cachaçalf quebrou todas as correntes, eles pegaram as mochilas e assim começaram a fuga, mas o Senhor do Metal possui muitos artifícios, e um deles era o gerador que foi acionado momentos depois de Cachaçalf ter quebrado as correntes.
Bambby mal parava em pé, e estava sendo carregado pelo Cumpadím que era o mais forte deles. Eles correram através do corredor em direção ao último andar e à porta de saída. Metaleiros dos dois lados atiravam cd’s e um atingiu Vouvou com um cd do Black Sabbath, ferindo-o gravemente no braço.
Faltando poucos metros para a saída,o metaleiros fecharam a porta deixando os seis completamente cercados. Exaustos e cansados, os sambundões já haviam perdido as esperanças de fugir, quando como que por um milagre, ou uma demonstração de piedade ou misericórdia, os metaleiros abriram o cerco e deixaram a saída livre. Eles apertaram o passo e conseguiram chegar na estação onde embarcaram em um trem que estava partindo. Dentro do trem todos respiravam aliviados e enquanto viajavam para o sambódromo Bambby e Vouvou tiveram seus ferimentos curados, enquanto Tantã não conseguia entender o que tinha acontecido com os metaleiros e porque a fuga deles fora facilitada.

IX – O Sambódromo

De longe já dava para avistar o sambódromo, a cada momento ele estava mais perto, e junto com ele o sonho dos sambundões.
O trem parou na estação em frente à entrada, e os seis puderam admirar toda a magnitude e beleza das runas que ornamentavam os portões.

– Bem meus amigos. Disse o mago. – A minha parte termina aqui, creio que agora vocês deverão continuar sozinhos.
– Mas Cachaçalf. Disse Bobo. – Porque você vai nos abandonar agora?
– Meu caro Sr. Pagodeiro. Disse o mago com um sorriso que há muito não se via em sua cara. – Agora é a hora de vocês aparecerem e brilharem, não há mais nada que um velho como eu possa fazer por aqui.
– Em nome de todos os sambundões eu te agradeço Cachaçalf. Disse Bambby fazendo uma grande reverência.
– Adeus amigos, e se cuidem. Disse o mago. E você senhor Pagodeiro, até muito em breve.
– Adeus. Disse Bobo sem saber o que aquilo significava.
E assim o grande mago Cachaçalf barba alvinegra se despediu dos amigos, rumando para o norte perto do setor de bebidas.
– Mas agora vamos. Disse Bambby. – Essa é a hora pela qual esperamos durante toda a nossa vida.
E finalmente chegara a hora da grande apresentação. Os sambundões estavam posicionados no palco, Bobo segurava com orgulho o cavaquinho que fora de seu avô Tonto Pagodeiro, a multidão de sambundões que lotava completamente o sambódromo gritava enlouquecida. Bambby segurava o microfone com confiança e ensaiava os últimos passos da coreografia com outros.
– Não esqueçam hein. Disse Bambby. – É polegar pra cima, mostrando todos os dentes e rebolando devagarzinho.
– Pega a fita Vouvou. Disse Tantã. – Pega o nosso playback e põe pra tocar.
– Certo. Disse Vouvou.
No momento que Vouvou coloca a fita e aperta play um fato surpreende a todos. Em vez do som dos cavaquinhos, pandeiros e cuícas característico dos sambundões, existe apenas o som de guitarras pesadas, bateria, baixo e vocais guturais, como se o próprio Senhor do Metal estivesse cantando. A multidão revoltada, começa a vaiar e a atacar os que estão no palco achando que eles são metaleiros. Os que estão no palco ficam desesperados e sem entender nada tentam fugir da fúria da multidão, mas o esforço é em vão. Os milhares de sambundões que estavam na platéia invadem o palco e ocorre um massacre. Bambby que estava na frente, foi pisoteado pela multidão, e ficou com o crânio esmagado. Vouvou foi enforcado pelo fio do próprio microfone. Cumpadím acabou com o pescoço quebrado e enquanto Tantã era linchado, ele se lembrou das mochilas e da fita que foi trocada durante o tempo que ficaram prisioneiros, lembrou também da fuga facilitada pelos metaleiros e só agora entendeu o porque.

Como Bobo escapou do massacre ele mesmo não sabe dizer. A única coisa de que se lembra é que quando acordou na lata de lixo, ele estava com o pandeiro nas mãos. Agora como ele usou e se usou, é uma coisa que ele vai pensar durante todo o caminho de volta para casa.
Do outro la
do do sambódromo estava Cachaçalf, com uma lata de cerveja na mão observando a multidão ao longe sem entender nada, pensando apenas que os quatro sambundões junto com o pequeno cohabit estavam sendo o sucesso do festival. Ele ergue a latinha faz um brinde em homenagem a eles e toma um grande gole.
– Isso é que é festa. Diz ele limpando a boca na manga de seu manto enquanto soluça.

* * * FIM * * *

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Rafael

Muito bom, muito engraçado mesmo, parabéns para o autor.

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