Psicologia Feminina em O Senhor dos Anéis

Escrito por Fábio Bettega

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Este presente artigo tem como objetivo enfocar a psicologia feminina dentro da Trilogia do Anel, mais especificamente a personagem Arwen. Os filmes de P.J. deram novas características à filha de Elrond,características estas, que tornaram possível esta análise de ser realizada.

 

 

Esta análise não é uma continuidade de "Análise Psicológica de O
Senhor dos Anéis"
, e sim um texto à parte. Assim que a parte restante
de "Análise Psicológica de O Senhor dos Anéis" estiver concluída,
estará publicada aqui no site.

Qualquer dúvida, crítica ou sugestão, estejam à vontade para me enviar um e-mail
 

 

A PSIQUE FEMININA
 
Ao analisarmos a dinâmica da personagem Arwen, através da teoria da psicologia analítica, se faz necessário em um primeiro momento analisarmos quais são os conceitos teóricos personificados na estória.

A personagem Arwen, representa o ego, uma vez que ela é a personagem central a ser  analisada.

Esta é a definição de ego, segundo Jung:


Eu/Ego:
"Entendo o "eu" como um complexo de representações que constitui para mim o centro de meu campo de consciência e que me parece ter grande continuidade e identidade consigo mesmo.

Por isso, falo também do complexo do eu.

O complexo do eu é tanto um conteúdo quanto uma condição da consciência (v.), pois um elemento psíquico me é consciente enquanto estiver relacionado com o complexo do eu.

Enquanto o eu for apenas o centro do meu campo consciente,,não é idêntico ao todo de minha psique,mas apenas um complexo entre outros complexos.

Por isso distingo entre eu e si-mesmo.O eu é o sujeito apenas de minha consciência,mas o si-mesmo é o sujeito do meu todo, também da psique inconsciente. dentro dele o eu.

O si-mesmo gosta de aparecer na fantasia inconsciente como

Neste sentido o si-mesmo seria uma grandeza (ideal) que encerraria personalidade superior ou ideal, assim como,por exemplo, o Fausto de GOETHE,e o Zaratustra, de NIETZSCHE…"

"…Por amor `a idealidade,os traços arcaicos do si-mesmo foram apresentados como distintos do si-mesmo"superior": em GOETHE,na forma de Mefisto;em SPITTELER na forma de Epimeteu; na psicologia , como o demônio ou o anticristo;em NIETZSCHE,Zaratustra descobre sua sombra no "mais feio dos homens"."
Tipos Psicológicos,C.G.Jung, pg. 406.

O ego (ou  eu) representa o sujeito da consciência, ele é apenas uma parte da psique total.

Continuemos a classificar teoricamente as outras partes da psique, que aparecem personificadas na estória.

Arwen (ego) é alguém que começa a dar início a sua jornada heróica em busca da totalidade do Self, em busca da meta do processo de individuação, isto é tornar-se indivíduo.

Ao interpretarmos a psicologia da mulher, podemos ver o aspecto do animus, desempenhando um importante papel.

Esta  é a definição de animus, segundo Jung:


Animus:
"A função natural do animus (como a da anima) consiste em estabelecer uma relação entre a consciência individual e o inconsciente coletivo. Analogamente, a persona representa uma zona intermediária entre a consciência do eu e os objetos do mundo exterior. O animus e a anima deveriam funcionar como uma ponte ou pórtico, conduzindo às imagens do inconsciente coletivo, assim como a persona representa uma ponte para o mundo.

Todas as manifestações arquetípicas, e portanto também o animus e a anima, têm um negativo e um positivo. Um aspecto primitivo e um diferenciado.

Em sua primeira forma inconsciente, o animus é uma instância que engendra opiniões espontâneas, involuntárias, exercendo uma influência dominante sobre a vida emocional da mulher; a anima é, por outro lado, uma instância que engendra sentimentos espontâneos que exercem uma influência sobre o entendimento do homem, nele provocando distorções. ("Ela virou-lhe a cabeça"). O animus é projetado particularmente em personalidades "espirituais" e toda espécie de "heróis" (inclusive tenores, artistas, esportistas, etc.). A anima se apodera facilmente do elemento que na mulher é inconscientemente vazio, frígido, desamparado, incapaz de relação, obscuro e equívoco… No decurso do processo de individuação, a alma se associa à consciência do eu e possui, pois, um índice feminino no homem e masculino na mulher."
Memórias, Sonhos e Reflexões, C.G.Jung,pgs. 351 e 352


A busca pelo Self e pela individuação, na psicologia feminina, passa obrigatoriamente pelo animus, pois ele será o responsável a dar a complementação "heróica" ao ego feminino de Arwen.

Esta relação ego x animus, se estabelece no momento em que Arwen se encontra com Frodo e o leva em seu cavalo para Valfenda.

O animus traz o impulso agressivo e a coragem necessária para se confrontar  com os aspectos desprezíveis e hostis da sombra.

O ego feminino tem a tendência a ser sensível e passivo, o animus complementa  com os aspectos tidos como aspectos relacionados como sendo próprios da psicologia masculina.

O fato de Frodo (animus) aparecer no enredo da estória ferido e moribundo, representa o tipo de relação que até então o ego feminino (Arwen) vinha desempenhando com o inconsciente, uma relação distante.

A cura de Frodo posteriormente, simboliza a reaproximação  de ego e inconsciente.

Para que ocorra o processo de individuação, é necessário que o ego se confronte com os aspectos que estão contidos na sombra.

O confronto de ego x sombra, se faz importante pelo fato de que diante desta confrontação é que o ego tomará consciência de seus medos, fraquezas e negligências em relação a forma como o ego se relaciona com o inconsciente e em relação como o ego se relaciona com o mundo externo.

Esta é a definição de sombra, segundo Jung:


Sombra:
"A parte inferior da personalidade.Soma de todos os elementos psíquicos pessoais e coletivos que, incompatíveis com a forma de vida conscientemente escolhida, não foram vividos e se unem ao inconsciente, formando uma personalidade parcial, relativamente autônoma, com tendências opostas às do consciente.A sombra se comporta de maneira compensatória em relação à consciência.Sua ação pode ser tanto positiva como negativa.No sonho, a sombra tem  freqüentemente o mesmo sexo que o sonhador.Enquanto elemento do inconsciente pessoal, a sombra procede do eu: enquanto arquétipo do "eterno antagonista", procede do inconsciente coletivo."

A Sombra personifica o que o indivíduo recusa conhecer ou admitir e que, no entanto, sempre se impõe a ele, direta ou indiretamente, tais como os traços inferiores do caráter ou outras tendências incompatíveis."

"A sombra é…aquela personalidade oculta, recalcada, freqüentemente inferior e carregada de culpabilidade, cujas ramificações extremas remontam ao reino de nossos ancestrais animalescos, englobando também todo o aspecto histórico do inconsciente…Se, antes,era admitindo que a sombra humana representasse a fonte de todo o mal, agora é possível, olhando mais acuradamente, descobrir que o homem inconsciente, precisamente a sombra, não é composto apenas de tendências moralmente repreensíveis, mas também de um certo número de boas qualidades, instintos normais, reações apropriadas, percepções realistas, impulsos criadores, etc."
Memórias, Sonhos e Reflexões, C.G.Jung, pg.359 e 360.

A sombra, aparece personificada pelos espectros que perseguiam Arwen.Estes espectros recebem o nome de Nazgul.

Aqui, surge o confronto de ego (Arwen) x sombra (Nazguls), é mediante este confronto que  Arwen (ego) toma consciência não só dos aspectos hostis de sua personalidade, como também de sua força e coragem , que até então estavam contidos na sombra.

Confrontar-se com a sombra não é uma tarefa fácil de ser realizada, quando o ego toma esta missão como uma responsabilidade a ser cumprida, não resistindo, e não procurando obstacular o processo de individuação, o ego passa a receber o auxílio do inconsciente coletivo.

Esta é a definição de inconsciente coletivo, segundo Jung:


Inconsciente Coletivo:
"Chamamos este último de inconsciente coletivo, porque é desligado do inconsciente pessoal e por ser totalmente universal; e também porque seus conteúdos podem ser encontrados em toda parte, o que obviamente não é o caso dos conteúdos pessoais."
Psicologia do Inconsciente, C.G.Jung, pg. 58.

"Afora as recordações pessoais, existem em cada indivíduo as grandes imagens" primordiais", como forma designadas acertadamente por Jacob Burckhardt, ou seja, a aptidão hereditária da imaginação humana de ser como era nos primórdios.Essa hereditariedade explica o fenômeno, no fundo surpreendente, de alguns temas e motivos de lendas se repetirem no mundo inteiro de formas idênticas, além de explicar por que os nossos doentes mentais podem reproduzir exatamente as mesmas imagens e associações que conhecemos dos textos antigos."
Psicologia do Inconsciente, C.G.Jung, pg.57


O inconsciente coletivo, é a matriz geradora de toda a vida psicológica.Temos agora, o início da relação ego x inconsciente.

O inconsciente surge agora, em auxílio do ego na busca da totalidade, o  inconsciente é o oposto da consciência, a relação de ego e inconsciente simboliza a união dos opostos.

O ego tem, a tendência a ser onipotente, negligenciando  o contato com o inconsciente, passando a enxergar a si próprio como sendo a totalidade da psique.

O ego é apenas uma parte da psique, a outra parte complementar é o inconsciente.

Quando surge a desunião entre ego x inconsciente, surge o desequilíbrio psíquico, que vem dar origem a neurose.

Arwen simboliza um ego que parte em busca da concretização do processo de individuação sendo assim faz se necessário a coragem e o ímpeto de um herói.

A coragem e força  do herói, na psicologia feminina se encontram no animus, personificado por Frodo.O ego (Arwen), passa a receber esta influência por parte do animus (Frodo). Arwen, entra em contato com aspectos hostis e repulsivos, aspectos estes que até então estavam presentes na sombra (Nazguls).

O inconsciente surge em auxílio do ego no processo de confrontação com a sombra. Este auxílio ocorre no momento em que Arwen faz sua prece, e as águas se transformam em cavalos que atropelam os nazguls.

Na psicologia feminina o inconsciente coletivo, aparece simbolizado pelo arquétipo da Grande Mãe.

A água e o cavalo, são símbolos ligados diretamente ao arquétipo da Grande Mãe, exploraremos estes símbolos na análise simbólica.

Mediante as informações obtidas do referencial teórico, podemos concluir que, a estrutura da psique de Arwen, é constituída da seguinte forma:

 
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OS SÍMBOLOS
 
 

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Mediante a análise dos símbolos, conseguimos entrar em contato com a idéia ou significado que estão contidos na expressão simbólica.

No decorrer da jornada de Arwen, a aparição de alguns símbolos nos passa a mensagem sobre o que está ocorrendo no processo de individuação de Arwen.

Estes são alguns símbolos:


Água :
"As significações simbólicas da água podem reduzir-se  a três temas dominantes: fonte de vida, meio de purificação, centro de regenerescência. Esses três temas se encontram nas mais antigas tradições e formam as mais variadas combinações imaginárias – e as mais coerentes também.

As águas, massa indiferenciada, representando a infinidade dos possíveis contém todo o virtual, todo o informal, o germe dos germes, todas as promessas de desenvolvimento, mas também todas as ameaças de reabsorção.

Na Ásia, a água é a forma substancial da manifestação, a origem da vida e o elemento da regeneração corporal e espiritual, o símbolo da fertilidade, da pureza, da sabedoria, da graça e da virtude.

Nas tradições judaica e cristã, a água simboliza em primeiro lugar, a origem da criação. O mem (M) hebraico simboliza a água sensível: ela é mãe e matriz (útero).

Fonte de todas as coisas, manifesta o transcendente e deve ser , em conseqüência, considerada como uma hierofania."
"Dicionário de Símbolos", Jean Chevalier / Alain Gheerbrant.

O texto acima faz uma análise simbólica, do que vem a ser a representatividade da água, enquanto símbolo.

A água representa as forças criadoras e construtivas do inconsciente, a origem da vida começa na água, o bebê passa todo o período de gestação na água.

A água é um símbolo característico e representativo da Grande Mãe, o arquétipo que personifica o inconsciente feminino.

As águas do inconsciente inundaram e fertilizaram o ego de Arwen, fazendo com que esta tivesse o desejo e as forças necessárias para enfrentar o rompimento da demanda do complexo paterno, no qual Arwen, estava presa.


Cavalo:
"Filho da noite  e do mistério, esse cavalo arquetípico é portador de morte e de vida a um só tempo, ligado ao fogo, destruidor e triunfador como também à água, nutriente e asfixiante.A multiplicidade de suas acepções simbólicas decorre dessa significação complexa das grandes figuras lunares em que a imaginação associa, por analogia, a Terra, em seu papel de Mãe, a Lua, seu luminar, as águas e a sexualidade, o sonho e a divinação, o reino vegetal e sua renovação periódica.

Por isso, os psicanalistas fizeram do cavalo símbolo do psiquismo inconsciente ou da psique não-humana (JUNA, 312), arquétipo próximo ao da Mãe, memória do mundo, ou então ao do tempo, porquanto está ligado aos grandes relógios naturais (DURS, 72), ou ainda, ao da impetuosidade do desejo (DIES, 305).

Ao participar do segredo das águas fertilizantes, o cavalo conhece o caminho subterrâneo por elas percorrido; e isso  explica que, desde a Europa até o Extremo Oriente, se acredite que ele tenha o dom de fazerem brotarem fontes com a pancada de seu casco. Um exemplo disso, na França, são as nascentes ou fontes Bayard, que demarcam, no Maciço central, o périplo dos ´quatro filhos Aymon`,  e que têm o mesmo nome do célebre cavalo mágico (já citado neste verbete). O próprio Pégaso inaugura essa tradição ao criar a fonte Hippocrène – Fonte do cavalo – não longe do bosque sagrado das Musas; as Musas aí costumavam reunir-se para cantar e dançar, e a água corria, a fim de favorecer a inspiração poética (GRID. 211).

Neste caso, a função do cavalo é a de despertar o Imaginário, assim como anteriormente ele despertava a natureza, no momento da renovação.

E por fim, as palavras cavalo e potro ou égua e potranca chegam até mesmo a assumir uma significação erótica, revestindo-se da mesma ambigüidade que tem a palavra cavalgar (ou montar).Mais de um poeta inspirou-se nessa significação; García Lorca, por exemplo, no célebre Romance à casada infiel:

 
Aquela noche corri                                                 (Aquela noite corri / o melhor
el  mejor de los caminos,                                       dos  caminhos, / montado em                                  
montado en potra de nácar                                  potranca de nácar / sem bridas
sin bridas y sin estribos.                                       e sem estribos. – Romancero gitano.)“

"Dicionário de Símbolos", Jean Chevalier / Alain Gheerbrant.

 
O texto acima faz uma análise simbólica, do que vem a ser representatividade do cavalo, enquanto símbolo.

Logo de início ficamos sabendo, da relação que o símbolo do  cavalo têm com o arquétipo da Grande Mãe, arquétipo este que personifica o inconsciente feminino.

O cavalo traz ao ego de Arwen, o desejo de renovação de sua personalidade, com a capacidade de imaginação, se torna mais fácil acreditar em uma personalidade melhor e completa.

Tanto que uma de suas falas é : "Ainda há esperança."

Para se ter esperança, é necessário um grande desprendimento do ego, das coisas velhas, dos velhos hábitos, se torna necessário romper com o costumeiro, para que se possa atingir a meta da individuação.

Romper com o costumeiro, implica romper com padrões culturais e étnicos, como ocorre no caso de Arwen, ao se relacionar com Aragorn.

Notamos também que o símbolo do cavalo fertiliza  o ego de Arwen com o desejo erótico pelo oposto, o  desejo do desenvolvimento.

A relação com Aragorn, expressa o simbolismo da união de opostos.

E através do desejo erótico, Arwen ganha um forte motivo para lutar contra o domínio do complexo paterno em sua personalidade.

Exploraremos  de forma melhor a relação Arwen x Aragorn posteriormente.


Colar:
"Afora seu papel de ornamento, o colar pode significar uma função, uma dignidade, uma recompensa militar ou civil, um laço de servidão: escravo, prisioneiro, animal doméstico (coleira).

De modo geral, o colar simboliza o elo entre aquele ou aquela que o traz e aquele ou aquela que o ofertou ou impôs.Nessa qualidade, liga, obriga, e se reveste, por vezes de uma significação erótica.

Num sentido cósmico e  psíquico, o colar simboliza a redução do múltiplo ao uno, uma tendência a pôr em seu devido lugar e em ordem uma diversidade qualquer mais ou menos caótica. Em sentido oposto, desfazer um colar equivale a uma desintegração da ordem estabelecida ou dos elementos reunidos."
"Dicionário de Símbolos", Jean Chevalier / Alain Gheerbrant.

O colar de Arwen, tinha o nome de "A Estrela da Manhã".Este ornamento era muito mais que um enfeite, simbolizava a própria vida imortal e coletiva de Arwen.

Por vida imortal e coletiva, entendemos como sendo a vida que os elfos tinham.

Os elfos são imortais, porém o preço desta imortalidade, parece estar ligado a vida comunitária e exclusivista, entre os próprios elfos.

A vida comunitária e exclusivista, está sempre ligada ao conceito do complexo paterno e do poder e domínio que o mesmo venha a  exercer sobre a comunidade.

O complexo paterno, está sempre ligado ao arquétipo do pai, o ego passa a projetar as características tanto positivas como negativas na relação com o pai .

O que acaba acontecendo, é uma mistura de afetos e de características na figura do pai.

Pois a mistura de afetos e de características que ocorre, é a mistura dos afetos e características relacionadas ao arquétipo do pai mais as características pessoais pertencentes ao pai, que se torna o portador desta imagem projetada pelo ego da criança.

Esta qualidade de relação, aparece simbolizada no colar de Arwen, que representa a ligação e ou domínio que o complexo paterno exerce sobre toda a comunidade élfica.

Arwen, ao dar seu colar a Aragorn, na verdade estava entregando sua própria vida ao seu amado.

Arwen em determinado momento têm a seguinte fala: "Eu escolho a vida mortal."

Nesta fala, ficam claros a entrega e o objetivo de Arwen, diante do processo de individuação.

Este ato de entrega simboliza a entrega do ego (Arwen) diante do inconsciente (Aragorn), simboliza a união dos opostos, aqui surge a realização do Self.

Arwen se desprende de imortalidade (aspecto do ego) e passa a ter uma vida mortal, a mesma natureza de vida de Aragorn (aspecto do inconsciente).

O colar se quebra, esta quebra simboliza a morte da natureza massificada e comunitária, a morte do domínio do complexo paterno (ligado aos elfos), para a transição de uma nova natureza, a natureza singular do indivíduo, uno e completo.


Criança:
"O motivo da criança não representa apenas algo que existiu no passado longínquo, mas também algo presente; não é somente um vestígio mas um sistema que funciona ainda, destinado a compensar ou corrigir as unilateralidades ou extravagâncias inevitáveis da consciência.

A natureza da consciência é de concentrar-se em poucos conteúdos, seletivamente, elevando-os a um máximo grau de clareza.

A consciência tem como conseqüência necessária e condição prévia a exclusão de outros conteúdos igualmente passíveis de conscientização.

Esta exclusão causa inevitavelmente uma certa unilateralidade dos conteúdos conscientes."
Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo, C.G.Jung, pg.163.

Arwen teve a visão de uma criança.Esta criança, em sua  visão, era o filho que ela teria com Aragorn.E, como o texto descreve acima, o símbolo da criança surge, como uma forma de compensação frente a unilateralidade da consciência.

Sabemos que, a consciência de Arwen, mantinha um posição unilateral em relação a vida comunitária, excluindo  características relacionadas a vida individual.

Todo processo de individuação exige a confrontação da consciência com a sombra.

Como vimos, logo no início de sua jornada Arwen dá início a esta confrontação quando esta se opõe aos Nazguls.

Arwen representa a consciência que visa exclusivamente os objetivos da vida em comunidade.Os Nazguls, simbolizam os conteúdos presentes na sombra, que visam única e exclusivamente a vida individual.


"Um aspecto fundamental do motivo da criança é o seu caráter de futuro. A criança é o futuro em potencial.Por isto a ocorrência do motivo da criança na psicologia do indivíduo significa em regra geral uma antecipação de desenvolvimentos futuros, mesmo que pareça tratar-se à primeira vista de uma configuração retrospectiva.

A vida é um fluxo, um fluir para o futuro e não um dique que estanca e faz refluir.

Não admira portanto que tantas vezes os salvadores míticos são crianças divinas.

Isto corresponde exatamente às experiências da psicologia do indivíduo, as quais mostram que a "criança" prepara uma futura transformação da personalidade.

No processo de individuação antecipa uma figura proveniente da síntese dos elementos conscientes e inconscientes da personalidade.É, portanto, um símbolo de unificação dos opostos, um mediador, ou um portador da salvação, um propiciador de completitude."
Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo, C.G.Jung, pg. 165.


Os objetivos do indivíduo, são tidos como conteúdo considerado hostil pela consciência élfica.Tanto que, os mesmo acabam sendo reprimidos.Porém,  os objetivos do indivíduo não são hostis ou nocivos à consciência, e sim a unilateralidade tanto da vida exclusivamente comunitária do elfos, ou a unilateralidade da vida egocêntrica dos Nazguls.

Os nazguls antes de serem espectros, eram homens.A raça dos homens tem uma grande identificação com a vida individual.E é na união com um homem (Aragorn), que Arwen vence a unilateralidade de sua consciência e atinge a totalidade do Self.

O símbolo da criança vem unificar estes dois conteúdos opostos, o comunitário da consciência e o individual contido na sombra élfica.

O fruto da relação de Arwen com Aragorn, simboliza a união harmoniosa de consciência e inconsciente.


ELROND, UM OBSTÁCULO FRENTE À INDIVIDUAÇÃO

 
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Zeus, patriarca dos deuses do Olimpo.Por diversas vezes Zeus se opôs aos objetivos  de homens e deuses, muitas de forma autoritária e destrutiva.


O processo de individuação está sempre ligado ao desenvolvimento da personalidade do indivíduo.Este fato, pode trazer sérias dificuldades a todo aquele que deseja buscar a meta da individuação.Pois, uma vez que estamos falando do indivíduo, devemos nos lembrar de que este indivíduo está inserido, dentro de uma coletividade.

A coletividade,  tem suas normas e padrões culturais , que foram criados para regular a sobrevivência do grupo assim instituído e reunido.

As dificuldades,das quais falamos anteriormente, surge do conflito de interesses entre  o indivíduo em processo de individuação e a massa coletiva.

Uma vez que, os interesses e objetivos do indivíduo, não sejam os mesmos da coletividade, o sujeito que busca alcançar a realização do Self (Si-Mesmo) passa a ter de suportar e ou enfrentar as forças da massa coletiva, caso queira concluir sua busca.

Arwen, era pertencente à raça dos elfos, seu povo estava partindo da Terra Média, isto significa que, sendo ela uma elfo, a mesma também deveria partir.

Porém, Arwen é alguém que partiu em busca da realização do Self, a busca pela totalidade.Em sua meta de realização como indivíduo, Arwen não tinha como parte de seus planos ir embora para Valinor, juntamente com seu povo.

Ela pretendia ficar na Terra Média, pois somente assim ela poderia atingir a totalidade de sua personalidade.Mas, para isso Arwen, teria de enfrentar e contrariar os padrões culturais da coletividade, este enfrentamento aparece no conflito entre Arwen x Elrond.

Elrond, é o líder do padrão cultural da massa coletiva dos elfos, padrão este que inibe o desenvolvimento do indivíduo.


"A individuação, em geral, é o processo de formação do ser individual e, em especial, é o desenvolvimento do indivíduo psicológico como ser  distinto do conjunto, da psicologia coletiva. É portanto um processo de diferenciação que objetiva o desenvolvimento da personalidade individual. É uma necessidade natural; e uma coibição dela por meio de regulamentos, preponderante ou até exclusivamente de ordem coletiva, traria prejuízos para a atividade vital do indivíduo.A individualidade já é dada física e fisiologicamente e daí recorre sua manifestação psicológica correspondente.Colocar-lhe sérios obstáculos significa uma deformação artificial."
Tipos Psicológicos, C.G.Jung, pgs.426 e 427.


Por ser o líder dos elfos, cabe a Elrond fazer com que a massa coletiva cumpra e siga os padrões da comunidade, ainda mais quando este alguém é a sua própria filha.

Arwen, tem de ir não só contra os padrões culturais da coletividade, mas como também contra o domínio do complexo paterno em sua personalidade.

Elrond, personifica os padrões culturais coletivos e o complexo paterno.

Tanto os  padrões coletivos, como o complexo paterno, surgem como os maiores obstáculos  na jornada de Arwen, em busca da meta da individuação.

Arwen obteve êxito na confrontação com sua sombra (Nazguls), mas os obstáculos citados acima exigiam  esforços e desprendimentos maiores por parte do ego.

A entrega da Estrela da Manhã para Aragorn, simboliza o esforço e desprendimento, por parte de Arwen em obter a união com o inconsciente.

Aragorn, personifica o inconsciente, ele reúne as características complementares a consciência (Arwen), ele é homem e mortal.

Embora a elfo, estivesse determinada a alcançar a totalidade de sua personalidade, antes era necessário ultrapassar os obstáculos em seu caminho.

Nesta falas, podemos ver o  quanto Elrond, a personificação dos obstáculos, se impunha diante da consciência de Arwen, tentando impedi-la de prosseguir em sua jornada:

Elrond: "Não deixarei minha filha aqui para morrer."
"Ela fica por você (se referindo a Aragorn).
Mas pertence ao povo dela."

Em um diálogo com sua filha, o líder dos elfos, a convoca para partir com o seu povo.

Arwen porém responde:"Já tomei minha decisão."

O elfo, diz que Aragorn não retornará da guerra pois não há esperança, o pai pergunta a ela porque  quer ficar

Ela responde:"Ainda há esperança."Elrond então, dá início a um discurso melancólico sobre o futuro eterno de viuvez da filha, caso ela insista em permanecer na Terra Média pelo seu amado.

Após o discurso, Arwen se entristece  e vem às lágrimas, o complexo paterno havia conseguido impedir momentaneamente o progresso da união entre consciência (Arwen) e inconsciente (Aragorn), a realização do Self.

Elrond:"Não tenho eu também, o seu amor?" (acariciando o rosto da filha)

Arwen:"Tem o meu amor, pai!"(Arwen abraça o pai)

Aqui, podemos ver como os padrões da coletividade e o complexo paterno podem se constituir em barreiras que venham impedir o progresso do desenvolvimento da personalidade.

Mas, assim como o inconsciente veio em auxílio no momento em que  Arwen se confrontou com os Nazguls, ou seja o confronto entre ego x sombra, assim o inconsciente vêm em auxílio da consciência em seu confronto com o padrão coletivo e o complexo paterno.

O inconsciente envia uma visão à consciência e Arwen vê Aragorn com um menino no colo, o menino tem em seu pescoço a Estrela da Manhã.

O menino é o filho de Arwen com Aragorn, ele simboliza a união de consciência (Arwen) e inconsciente, a realização do Self, a meta da individuação.

Esta visão, recoloca Arwen na jornada da individuação, ela desiste de partir com o povo elfo e decide ficar para realizar o seu objetivo.

Arwen: "Essa foi minha escolha.Pai seja essa sua vontade ou não, não há navio agora, que me leve ao meu fim."
"Eu escolhi  a vida mortal.Eu desejo poder vê-lo novamente uma última vez."

Arwen, ao se desprender de sua vida imortal, se desprendeu dos padrões da coletividade de seu povo, uma vez que os elfos são imortais.

A elfo, também venceu o domínio que o complexo paterno exercia sobre sua personalidade.

A união entre consciência (Arwen) x inconsciente (Aragorn), foi concluída.


BIBLIOGRAFIA

CHEVALIER, J & GHEERBRANT, Dicionário de Símbolos . 14ª ed. Rio de Janeiro . José Olympio . 1999 .
JUNG, C.G., Memórias, Sonhos e Reflexões . 22ª ed. Rio de Janeiro . Nova Fronteira . 2002 .
JUNG, C.G., O Eu e o Inconsciente . 13ª ed. Petrópolis . Vozes . 2000 .
JUNG, C.G., Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo . 3ª ed. Petrópolis . Vozes . 2003.
JUNG, C.G., Psicologia do Inconsciente . 15ª ed. Petrópolis . Vozes . 2004.
JUNG, C.G., Tipos Psicológicos . Petrópolis . Vozes . 1991 .

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