Michael Drout analisa The Children of Húrin

Escrito por Gabriel Oliva Brum
O professor de Literatura Medieval e
especialista em Tolkien, Michael Drout, faz uma análise da forma do
texto, suas fontes e da prática editorial envolvendo o mais recente lançamento
tolkieniano, The Children of Húrin (Os Filhos de Húrin).
 

Atenção: Há pequenos spoilers abaixo.

Minha reconstrução hipotética neste post estava
errada. Conforme podia ser inferido pelo índice que foi divulgado mais tarde, The
Children of Húrin
não é todo o material relacionado a Túrin / Húrin de
todas as obras publicadas anteriormente reunidas em um único lugar, mas sim uma
versão um pouco diferente do "Narn i Hîn Húrin" publicado em Contos
Inacabados
em 1980. Como Christopher Tolkien explica no muito útil e
interessante apêndice, os maiores acréscimos são o relato de Huor e Húrin em
Gondolin e a parte da história da Quinta Batalha, Nirnaeth Arnoediad (mas
apenas a parte ocidental da batalha), assim como algumas mudanças e expansões
na seção sobre Túrin entre os foras-da-lei. J. R. R. Tolkien escreveu versões
desses episódios para inclusão no "Narn", mas Christopher Tolkien os
deixou de fora da versão em Contos Inacabados porque um material muito
parecido já havia sido usado em O Silmarillion. (Mais sobre essa
prática editorial depois).

Temos aqui, portanto, um tratamento cronológico direto das vidas de Húrin e
filhos do nascimento de Húrin até a morte de Túrin. Contudo, a narrativa não
inclui a tentativa de Húrin de chegar a Gondolin (que forneceu a Morgoth uma
idéia geral da localização da cidade oculta), nem a sua jornada até
Nargothrond, a morte de Mîm, o anão-pequeno, lá por sua mão e o seu retorno a
Doriath com o Nauglamír, o Colar dos Anões (que indiretamente é responsável
pela morte de Thingol e pela destruição de Doriath).

Como o "Narn", a história é bastante legível e, como o
"Narn", é uma espécie de hibrído entre o estilo histórico/analítico
de The Silmarillion e o estilo de romance de O Senhor dos Anéis.
Nesta forma em particular, como um livro próprio e independente, a
"sensação" do estilo e da estrutura é muito parecida com aquela da
recente novela de Ursula Le Guin, Gifts, embora obviamente trate mais
de reis e príncipes e questões de grande importância em seu mundo subcriado. Também
como Gifts, a história é basicamente uma novela publicada como um
volume independente devido em grande parte à reputação do autor.

Não há muitas surpresas nem muito material desconhecido até então, mas fiquei
surpreso de como o livro me deu muito prazer. Li O Silmarillion e Contos
Inacabados
muitas vezes, mas ainda gostei muito de ler The Children of
Húrin
e senti que tratar o material como uma narrativa única trouxe à tona
o poder emocional da história de Túrin. Também ajuda, tenho certeza, o fato deste
ser um livro bonito: sou mais um fã de Ted Nasmith do que de Alan Lee, mas que
se dê o devido crédito a Lee aqui: suas ilustrações são belas e atmosféricas. O
design do livro como um todo também é muito bom: a fonte escolhida, o tamanho,
o formato, tudo funciona (e funciona em parte para esconder a relativa
brevidade do livro). Editores e produtores deviam pensar mais sobre o prazer
físico que livros bem produzidos podem proporcionar e, em particular, as
editoras acadêmicas podem querer pensar a respeito de tornar seus livros
bonitos.


Análise: Forma e Fontes


Estou mais convencido do que nunca de que o artigo de
Gergely Nagy, "The Great Chain of Reading" ["A Grande Cadeia de
Leitura"], em Tolkien the Medievalist, de Jane Chance, é a
explicação mais efetiva de como as obras de Tolkien criam os seus efeitos
estéticos. Nagy mostra como a incorporação de poesia, anais, inversões
providenciais de expressões, retratos impressionantemente vívidos da parte de
Tolkien – tirados de suas próprias obras anteriores – cria os efeitos
"mitopéicos" da composição: a obra de Tolkien parece mito em vez de
invenção porque ela possui a mesma colagem de textos previamente existentes que
tradições mitológicas estabelecidas há muito tempo parece possuir. O leitor se
depara com um fragmento de texto de uma fonte anterior e, mesmo sem saber da
existência da fonte anterior, reconhece que o texto que está lendo é uma
espécie de agrupamento. Tolkien é único, porém, pelo fato de que todas as
partes separadas e reconhecíveis vêm de uma única mente em vez de séculos de
escritores e adaptadores separados.

Achei o comprometimento de Tolkien com a lenda de Sigfried mais óbvio nessa
versão da história do que em outras, embora isso possa refletir a minha própria
leitura do que o próprio texto. É claro que a semente da história de Túrin é o
ciclo de Kullervo no Kalevala finlandês,
mas acredito que pelo menos um impulso em Túrin é contar a história de um
matador de dragão que não é uma espécie de "übermensch"
nietzscheniano/wagneriano (uma das evidências, creio, é a inclusão de um anão
chamado Mîm). Tolkien detestava o tipo de heroísmo que Wagner extraiu da Nibelungenlied
e da Völsungr Saga: o herói que é superior de alguma maneira
existencial a todo mundo e, assim, de alguma forma merece esmagar tudo em seu
caminho. Ao pegar o herói mais poderoso fisicamente, o matador de dragão
original, mas colocá-lo sob a maldição de Morgoth e mostrar como ele sofre,
Tolkien aborda a história de Sigfried de uma maneira muito diferente e mais
humana.


Análise: Prática Editorial

Terei mais a dizer quando tudo tiver sido melhor assimilado, mas deixem-me
terminar com uma palavra sobre a prática editorial de Christopher Tolkien.
Acredito que quase todos os críticos de Christopher Tolkien estejam exata e
precisamente errados em 180°. A idéia de que Christopher Tolkien está lançando
o mesmo material continuamente ou que está desesperado para espremer o que
puder de lucros com a obra de seu pai, ou que o Tolkien Estate precisa
alavancar as vendas, para mim é estúpida (e soa como inveja quando a ouço).
Está claro pelos seus comentários publicados que o propósito consistente de
Christopher Tolkien tem sido completar o sonho de seu pai de publicar o seu
material do Silmarillion. Obviamente houve um esforço imenso para que as
palavras de Christopher Tolkien não fossem confundidas como sendo as de J. R.
R. Tolkien. Contudo, essa prática editorial extremamente rígida fez com que, no
passado, os textos ficassem um pouco menos "legíveis" do que poderiam
ser.

Parece-me que a republicação de materiais previamente publicados (exatamente
aquilo pelo qual Christopher Tolkien foi injustamente acusado) de fato
tornariam (como ocorre neste livro com Huor e Húrin e a Quinta Batalha) a
história mais fácil de ser acompanhada como um todo independente (tão
independente quanto pudesse ser, dado o conhecimento exigido do pano de fundo
da tradição do Silmarillion). Logo, The Children of Húrin mostra que
as obras não-publicadas de Tolkien podem ser colocadas em formas que são menos
acadêmicas e mais fáceis de serem lidas: acredito que isso seja uma coisa boa,
tanto porque isso apresentará mais pessoas à literatura como porque isso
produzirá mais prazer em mais leitores. Sou grato pelas edições
acadêmicas, mas também adoro o prazer de simplesmente ler o texto. E agora que
temos as edições acadêmicas, eu receberia mais do que de bom grado a
"reciclagem" ou "republicação" de Christopher Tolkien dos
outros Grandes Contos (Queda de Gondolin, Beren e Lúthien, Nauglafring) em
formas legíveis similares em volumes únicos. E se ele precisar escrever
materiais de ligação, ficarei feliz em lê-los (desde que haja uma nota
explicando o fato em algum lugar). Na verdade, eu teria gostado de ver Children
of Húrin
continuar até a morte de Húrin, embora eu compreenda por que isso
não foi feito (podemos supor que não exista uma versão do "Narn" que
continue dessa forma). A história teria sido ainda melhor e podemos pelo menos
teorizar que J. R. R. Tolkien teria gostado de tê-la completa. Assim, contra
algumas tradições na crítica de Tolkien, eu digo: "Mais Christopher
Tolkien, por favor".

No meu próximo post falarei sobre temas e estilo de prosa. Mas quero terminar
com resumindo: Bom livro. Gostei dele muito mais do que esperava gostar.
Acredito que muitos leitores também gostarão, apesar da falta de hobbits.

 

(Fonte: Wormtalk and Slugspeak

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