O caráter mais cientí­fico da coisa

Escrito por Fábio Bettega
Porque o universo que Tolkien criou sempre representou mais para mim do que apenas a fantasia.
 
 
 
Sempre vi em Tolkien regras para fenômenos,
explicações… tudo faz sentido. Logo, arrisco dizer que o Professor,
como ling?ista, pensou nas formas reais da linguagem, analisou como ela
se manifesta no mundo real, para depois aplicar todas essas informações
na criação de seu mundo, seus personagens e suas línguas.

Claro que não deixo de considerar a fantasia e a invenção, porque,
afinal de contas, não existem registros das civilizações que Tolkien
apresentou e fenômenos descritos por ele são impossíveis em nossa
esfera física. Entretanto, a fantasia dele é bem fundamentada. Mesmo
que não no caráter científico do mundo em que vivemos. Fundamentada em,
além de ciências, em mitos e histórias que fazem parte da percepção de
mundo da espécie humana.

Quero dizer, o saber mitológico; as ciências que não são tecnológicas
ou naturais, e sim baseadas na compreensão, no entendimento, humanos.
Por isso, considero que por trás de cada criação tolkieniana, existe
uma referência ao conhecimento já produzido pelo homem; seja ele
mitologia nórdica, mitologia de povos indígenas, catolicismo, e tudo
mais.

Por isso é que não acredito que eu esteja desafiando a verdade da
criação das línguas da Terra-média quando repito as concepções da
Ling?ística. [Quem quiser saber mais, procure um livro de um autor
chamado David Crystal (não tenho certeza, mas acho que o nome é “O que
é Ling?ística); achei essa publicação bastante acessível para quem quer
entender a história dessa ciência. Também existe um livro bem legal
chamado “O que é Ling?ística”, da coleção Primeiros Passos. O nome da
autora é Eni Pulcinelli Orlandi. É um livro bastante acessível também.]

Tolkien provou, como no caso do Quenya, que suas línguas não são
simples invenções. Seguem as ordens de um trabalho intenso, concepções
profundas. Logo, no caso da língua Orc, não haveria de ser diferente
apenas por eles serem um povo “primitivo”, comparando-se com os nossos
conceitos de evolução.

Os Orcs possuíam uma língua, e não apenas uma linguagem, como no caso
das abelhas e das formigas. A forma de comunicação deles era bem mais
elaborada.

É claro que, dentro de um universo fantástico, Melkor, ou seja lá quem
for que tenha inventado essa língua, pode ter inserido essa língua na
mente de cada um dos primeiros orcs na forma de frases feitas. Mas,
pensem neste exemplo: se todos os orcs falassem o mesmo universo (mesmo
que grande) de sentenças, como eles se organizariam em um exército? Se
existe a capacidade de um general comandar uma tropa orc, esse general
deve ser compreendido, não apenas como os cães que reconhecem apenas o
próprio nome, as palavras “comida”, “passear”, “senta”, etc. Se duas ou
mais tropas orcs podem formular um esquema tático (como acontece no
Hobbit – estou enganada?), vindo uma parte pelo flanco direito e outra
pelo esquerdo, os generais orcs tiveram a formulação desse pensamento,
percebendo o que era melhor fazer. Claro, existe o instinto. Mas há
algo maior aí. Se os generais dão ordens, para que sejam obedecidos, é
preciso que os soldados compreendam as ordens. E tomem decisões rápidas
próprias do combate. Aí existe instinto, afinal, os cachorros se mordem
durante uma briga. Mas eu nunca vi um cachorro utilizando-se de táticas
como uma isca para chamar a atenção do adversário ou subir em um muro e
pular lá de cima para pegar o “cão-inimigo” de surpresa.
 
Se todos os orcs tivessem em si mesmos todas as frases, todas as
ordens, todas as idéias, e se tudo isso tivesse sido pré-concebido pelo
seu criador, como é que eles brigariam entre si? Como eles descreveriam
situações inesperadas? Ou quem colocou as frases feitas neles pôde
prever todas as possibilidades? Isso é estatisticamente impossível!

Outras questões surgem para mim:

Os generais teriam sido criados separadamente para que pudessem
liderar? Apareceu na minha mente a organização das formigas. Elas são
diferentes fisicamente, separadas em rainha, soldados, operárias, etc.
Mas será que os orcs também se organizavam assim? Existem registros
disso? Há uma passagem em que, morto o comandante orc, os soldados se
confundem e não sabem o que fazer. Mas logo se reorganizam para voltar
a perseguir os intrusos. Poderíamos dizer que, morto o general (ou
morta a formiga rainha) os outros (soldados e operárias) passam por um
período caótico, mas depois se reorganizam sob o comando de outro
general. É aí que a minha análise sobre a inteligência orc não
prossegue.

Não estou conseguindo imaginar algo além disso. Porque, comparando os
orcs a formigas (que seguem uma sociedade de castas rígidas – inclusive
fisicamente), os conceitos se confundem. Se existem orcs diferentes
para comandar e obedecer, então, eles se comportam como as formigas ou
abelhas. Mas, se os orcs são capazes de se organizar para uma batalha e
perceber qual é a melhor forma de atacar o inimigo, eles não se
comportam como formigas.

Não podemos esquecer que, quando uma formiga está trazendo folhas de
uma planta próxima, ela deixa no chão um rastro de cheiro para que as
outras sigam. Se você impedir a passagem das formigas por aquele
caminho (colocando o pé na linha que elas seguem, por exemplo), as
primeiras formigas vão tentar subir pelo obstáculo, vão passar por cima
dele, até que uma operária mais esperta vai dar a volta. Atentem para o
fato de que essa formiga que dá a volta é uma operária, não uma formiga
de casta superior. E lembrem que as formigas deixam uma espécie de
“rastro”. Então, há a possibilidade que os orcs, mesmo os orcs
“operários” ou “soldados”, percebendo um impedimento para a sua ação
planejada no momento anterior, cheguem à mesma conclusão que a formiga
e “dêem a volta”. Só que os orcs são mais rápidos que isso. E eles
raciocinam. Se eles não raciocinassem, muitos e muitos soldados se
perderiam antes que a decisão de “dar a volta” fosse concretizada.

 

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