O Conto de Um Hobbit Caí­do (Sméagol/Gollum)

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Escrito por Cassiano Ricardo Dalberto
“Nas profundezas da água escura viveu o velho
Gollum, uma criatura pequena e repugnante. Eu não sei da onde veio, nem
o que era. Ele era um Gollum tão escuro quanto a própria escuridão,
exceto pelos grandes olhos pálidos na sua face magra. Ele tinha um
barquinho, e ele navegava silenciosamente pelo lago, já que esse lago
era grande, fundo e mortalmente frio. Ele remava com seus pés grandes
pendendo pelos lados do barco, mas ele nunca criou uma onda sequer…"?
 
 
 
A nossa primeira impressão de Gollum não nos
remete à fisionomia dos Hobbits. Quando nós o conhecemos, ele nos
pareceu um monstrinho horrível, predando peixes cegos e goblins nas
profundezas escuras da terra, determinado a matar o respeitável Bilbo
Bolseiro. J.R.R. Tolkien diz, “Eu não sei da onde ele veio, nem quem ou o que ele era." A criatura, ele continua, é um “Gollum". Dali por diante, O Gollum se tornou, simplesmente “Gollum".


“…e lá vivia nas margens do Grande Rio perto de uma terra selvagem
pessoas de mãos leves e pés silenciosos. Eu acho que eles eram da
espécie dos Hobbits: parentes dos pais dos pais dos Stoors, “Gandalf
diz ao sobrinho e herdeiro de Bilbo, Frodo Bolseiro muitos anos depois:
“Havia entre eles uma família de alta reputação,"
ele continua. “Os
mais inquisidores e curiosos daquela família era chamado Sméagol. Ele
estava interessado nas raízes e no início de tudo; ele cavava poços
profundos; se enfiava sob árvores e plantas crescidas; criava túneis em
barragens; se recusava a olhar para os topos das montanhas, ou para as
folhas nas árvores, ou para as flores desabrochando no ar: sua cabeça e
olhos miravam sempre para baixo."

Smeágol era uma criatura
miserável enquanto viveu: ninguém o queria, era infeliz, amargo e
invejoso. Ele virou as costas para o mundo e seu próprio povo muito
tempo antes de ser gravemente expulso. As profundezas de seu coração se
tornaram negras de cheias de ódio muito antes de sua aparência externa
se tornar hedionda. Seu espírito pouco lembrava o de um Hobbit.

Existiam três grandes tribos Hobbit: Harfoots, os mais numerosos;
Fallowhides, os mais aventureiros; e os Stoors. Os Stoors viviam nas
margens dos rios, mas eles eram muito mais dedicados ao comércio e à
viagens. Eles freqüentemente se associavam aos anões e aprenderam muito
com eles. Os Stoors eram os mais duros e territorialistas dentre os
Hobbits, isso antes deles encontrarem um lar seguro.

Os
Hobbits viveram nos vales do Anduin por muito tempo. Eles provavelmente
se instalaram por lá perto do fim da Segunda Era, errantes ou
refugiados vindos de terras orientais distantes nos dias em que os
exércitos de Sauron conquistavam vastas regiões no oriente da
Terra-Média. Os Hobbits fizeram amigos entre os Edain de Rhovanion, os
Homens Livres do Norte, de onde depois veio a linhagem dos Beornings,
os Homens do Vale e Long Lake, e os Rohirrim. Nesses primeiros anos os
Hobbits procuraram pelos homens e se instalaram perto de suas cidades,
ou compartilharam cidades, como Bri na Terceira Era.

Muitos
Hobbits – Harfoots e Fallowhides – devem ter migrado para o norte, pois
os Edain foram empurrados para as montanhas e terras distantes durante
a grande guerra entre os elfos e Sauron. Isso deve ter ocorrido muitos
e muitos anos antes deles se tornarem suficientemente numerosos para
colonizar as terras do sul próximas a Lothlórien. Mas enquanto os
homens se multiplicavam e migravam lentamente para o sul, aparentemente
foram deixando os Hobbits para trás. Exceto os Stoors. Esse povo
parecia ter se estabelecido perto do Rio Gladden, originalmente, onde
eles poderiam estar próximos dos anões de Khazad-dûm, onde estariam
relativamente protegidos pelo poder de Khazad-dûm e Lothlórien.

Perto do ano 1000 da Terceira Era, Sauron começou a tomar forma
novamente, e descobriu que Mordor estava suficientemente fortificada
para o seu retorno que se deu nas planícies de Amon Lanc no sul da
grande Greenwood. A colina um dia foi o coração de um reino élfico, mas
desde que os elfos migraram para o norte não há nada na floresta que se
oponha a Sauron. Ele construiu uma grande fortaleza na colina, que
passou a ser conhecida como Dol Guldur [a colina da bruxaria]. E Sauron
começou a colonizar as terras do sul de Greenwood e os vales do sul do
Anduin com as suas criaturas: Orcs, Trolls, Lobisomens, Wargs e homens.
Criaturas orientais sempre foram fontes de problemas para o grande
reino de Gondor, mas agora as tribos chegaram e se assentaram nos vales
do Anduin e os rumores da força negra no sul se espalharam pelo norte.

Os Harfoots, talvez lembrando seu passado ou histórias contadas sobre
as guerras entre os elfos e os antigos poderes negros, passaram pelas
montanhas sombrias indo para Eriador, para nunca mais retornar. Os
Fallowhides os seguiram 100 anos depois, e ao mesmo tempo que os Stoors
abandonaram sua terra natal no rio Gladden atravessando Redhorn para o
antigo reinado élfico de Eregion. De lá os Stoors foram para o norte,
para uma terra chamada Angle, que ficava entre os rios Mitheithel e
Bruinen, ou passaram para o sudoeste até as fronteiras de Dunland.

Os Stoors do Angle viviam sob as leis dos Dunadain de Rhudaur. Os
Hobbits aumentaram o poder desse reino, mas menos de 200 anos depois o
reino de Angmar cresceu nonorte e ameaçou Rhudaur. Os Hobbits deixaram
seus lares mais uma vez. Os Stoors do Angle se dividiram: alguns
migraram de volta pelas montanhas sombrias para os vales do Anduin. O
terror de Angmar parecia maior que o de Dol Guldur. E ao menos nos
vales do Anduin eles estariam próximos de reinos poderosos dos anões e
elfos.

Então, por mais de 1000 anos os Stoors viveram
relativamente em paz. Os Edain que viviam nas proximidades aparentavam
ser amistosos com relação à eles, ou simplesmente não queriam arrumar
problemas com esse povo. Durante esses anos remanescentes de um reino
dos homens ao norte do que hoje seria Mirkwood se alojaram no vale do
Anduin próximo aos Stoors. Esses eram os pais do Éothéod, o povo
cavalo, que migrou para extremo norte anos depois. Mas esse povo
lembrava os Stoors, a quem chamavam cava-buracos, e eles levaram
memórias como essa com eles quando Lord Eorl os levou para o sul e
fundou o reino de Rohan.

No 25o. século da Terceira Era, não
muito depois do nascimento de Eorl, Sméagol o Stoor e seu primo Déagol
foram fazer uma expedição de barco. Era o aniversário de Sméagol.
Déagol pulou na água, talvez para pegar um peixe e achou um anel
dourado caído no meio da lama. Ao emergir, mostrou o anel para Sméagol,
que o ordenou que o desse como presente. “Mas eu já lhe dei o meu presente", Déagol respondeu. “Eu o encontrei e vou ficar com ele."

Mas o desejo pelo anel consumou Sméagol, pois era o Um Anel, o anel
mestre de Sauron, que há muito tempo atrás Isildur cortou da mão de
Sauron e o manteve para si. No final, o anel traiu Isildur, que
resultou na sua morte nas águas do Anduin, e agora o anel foi desperto
pela malícia de Sauron e desejava retornar para seu mestre. Sméagol
matou seu primo e pegou para si o anel. Com o tempo ele aprendeu que,
enquanto usasse o anel ele não poderia ser visto. Ele passou a usar o
anel para benefício próprio e logo se tornou impopular entre seu povo.
Foi então que ele começou a resmungar consigo mesmo “gollum….
gollum", e os Stoors o apelidaram de Gollum.

Um dia, os Stoors
expulsaram Gollum e ele nunca mais foi visto entre seu povo. Ele vagou
pelas terras, só e miserável, até que resolveu ir para as montanhas e
descobrir suas raízes e segredos. Assim ele desapareceu do mundo da luz
e se perdeu na escuridão da terra e levou consigo o Um Anel. Por mais
de 500 anos ele vagou na escuridão, predando Orcs e peixes. O anel
extendeu a vida de Gollum, mas ao invés de garantir-lhe mais vigor,
lentamente o drenou e o escravisou. Ele estava consumido pelo anel, com
quem ele falava constantemente e o chamava de Precioso. Na sua mente, o
Precioso era seu por direito, não por assassinato. O anel o procurou. E
mesmo assim, não lhe deu nenhuma alegria, e não tinha nenhum conforto
ou consolo na sua solidão.

Quando Bilbo entrou na caverna de
Gollum por acidente, os primeiros pensamentos que vieram à mente de
Gollum foram de comida e assassinato, porém, logo depois vieram
memórias de sua juventude, de coisas que costumava gostar. Por uns
momentos, Gollum chegou a gostar do jogo de charadas que mantinha com
Bilbo, até que ele confundiu a preocupação de Bilbo com o que havia em
seu bolso com uma charada de verdade. Nas regras do jogo, Gollum
perdeu, e aceitou a derrota. Mas ao retornar à sua ilha, descobriu que
o se querido anel havia desaparecido.

Bilbo encontrara o anel,
e Gollum descobriu que era ele que estava no bolso do Hobbit. A partir
daquele momento, Gollum foi tomado pela necessidade de reaver o anel.
Ele caçou Bilbo sem sucesso, pois o Hobbit descobriu o poder do anel e
se escondeu da vil criatura. Depois da saída de Bolseiro, Gollum brigou
consigo mesmo na escuridão, com medo da luz, mas com a dor de ter
perdido seu Precioso. Com o tempo ele se lançou ao ar livre e começou a
procura por seu tesouro perdido.

Muitos anos passaram até que
Gollum finalmente encontrou o Um anel. Na época Sauron envocou todas as
criaturas malignas, pois o Senhor do Escuro havia retornado para seu
antigo domínio e começou a reconstruir Barad-dûr. E Gollum, que até
então estava obstinado em sua caça por Bilbo Bolseiro e pelo Anel
acabou por obedecer ao chamado. Ele rumou em direção a Mordor, onde foi
aprisionado e levado à frente de Sauron, onde falou tudo o que ocorrera
com o anel após a morte de Isildur.

Solto por Sauron por algum
propósito oculto, Gollum se tornou um peão num jogo mortal entre os
poderes da Terra Média. Ele logo foi capturado por Aragorn, capitão dos
Dúnedais do norte e levado aos elfos de Mirkwood. Lá ele foi
interrogado por Gandalf, que aprendeu com ele tanto quanto Sauron
havia. Mas, com o tempo, Gollum escapou e rumou para o sudoeste, até
chegar a Moria. Incapaz de escapar, Gollum permaneceu lá na miséria e
esperando morrer [ou talvez querendo morrer]. Em vez disso, a sorte
pareceu sorrir para ele, pois um dia os portões do oeste, que ele não
tinha forças para abrir, se abriram e nove aventureiros entraram: o
mago Gandalf, Aragorn e seus companheiros: a sociedade do anel.

Daquele momento em diante, Gollum perseguiu o anel desesperadamente,
levado por sua malícia e poder. Quando a sociedade foi dividida no
ataque dos orcs, Gollum seguiu Frodo e Sam pelo Anduin, e no vale de
Emyn Muil os interceptou. Mas Frodo e Sam o derrotaram, e o fizeram
prisioneiro, e forjaram uma perigosa parceria com ele.

A
jornada de Gollum com Frodo praticamente o redimiu. Com a gentileza e
sabedoria de Frodo, Gollum passou a se ver novamente como um indivíduo,
e se lembrou de quando ainda era Sméagol, e como era viver e amar
outras criaturas.Mas o servo de Frodo, Sam, impediu sua total redenção.
No momento crucial da redenção de Gollum, Sam não quis ajuda-lo, dando
suas costas para ele. Em retorno, Gollum endureceu seu coração e traiu
Frodo e Sam.

Ainda assim, havia uma grande maldição associada
ao anel e a todos que o desejasse. Escravizado pelo anel, e seguindo
Frodo para onde quer que ele fosse, Gollum não pode dar as costas e
procurar por terras mais seguras. Ele caminhou pelo coração de Mordor e
tentou novamente recuperar o anel. Mas agora ele estava fraco, e o
espírito de Frodo estava muito forte. Mas além disso, o poder do anel
havia crescido também, já que se aproximava da mão de seu mestre e do
local de sua forja.

“Saia!" gritou uma voz vinda do anel.
“E não me importune mais! Se você me tocar novamente, será lançado no
fogo da Montanha da Perdição!"

E era no fogo da perdição,
o Sammath Naur, onde um milênio antes Sauron forjara o anel, que Frodo
pretendia joga-lo. Lá ele esperava lança-lo nas chamas e então
destruí-lo e acabar com as forças de Sauron, pois esse depositou grande
parte de seu poder no anel. Gollum agora entendera o objetivo de Frodo,
e ao tentar desesperadamente impedir a destruição de seu Precioso, ele
passou por cima de Sam na Montanha da Perdição e seguiu Frodo até a
borda. Lá ele atacou Frodo novamente e, na briga, arrancou o dedo e o
anel de Frodo.

No júbilo de sua vitória, Gollum pulou alto e
dançou em êxtase, mas errou ao não notar a proximidade que estava da
borda, e assim, tropeçou e caiu nas profundezas do vulcão. E com ele
foi o anel, e quando o fogo destruiu o anel do poder de Sauron, seu
reino maligno caiu. Sauron ficou tão fraco que seu corpo foi destruído
quando as ruínas de sua fortaleza negra ruiu sobre ele, e seu espírito
negro desapareceu, impotente.

A história da relação de Gollum com Frodo é longa e comovedora. “Para mim," Tolkien escreveu para seu filho Christopher, “eu
estava particularmente comovido pela descrença de Sam na história, e,
na cena em que Frodo adormece em seu colo, e a tragédia de Gollum que,
naquela hora veio com um sinal de arrependimento, freado por uma
palavra dura proferida por Sam."

A história de Gollum e
seu relacionamento com o anel é trágica e patética, ainda que Tolkien
nota que o anel não era a causa da natureza ruim de Gollum:


“A dominação do anel foi muito forte para a alma má de Sméagol. Mas ele
não teria sentido-a se não tivesse se tornado um ladrão quando o anel
chegou até ele. A necessidade nunca havia cruzado o seu caminho? A
necessidade de algo perigoso nunca atravessou nenhum de nossos
caminhos? A resposta para isso pode ser encontrada ao tentar imaginar
Gollum superando a tentação. A história teria sido bem diferente!
Contemporizando, sem arrumar a semi-corrompida vontade de Sméagol, ele
ruma para a bondade com os bons tratos de Frodo e se enfraquece,
perdendo a chance, quando o amor dirigido a ele por Frodo é amargado
pela inveja de Sam na cova de Laracna. Depois disso ele se perdeu."

Existe uma dualidade na natureza da tragédia: Gollum se redime porque
existe algo nele que pode ser redimido, e Sam falha ao perceber ou
apreciar esse fato. “Para mim o momento mais trágico na história é quando Sam falha ao notar a completa mudança no tom de voz e aspecto de Gollum",
Tolkien escreveu para um fã. Sua recuperação é interrompida e toda a
piedade de Frodo é [de certa forma] desperdiçada. A toca de Laracna
parecia inevitável.

Isso é devido, claro, ao curso lógico da
história. Sam dificilmente teria agido de forma diferente. [Ele chega
ao ponto da piedade, mas tarde demais para Gollum.] Se tivesse sido
antes, o que teria acontecido? O caminho da entrada para Mordor e a
luta para chegar à Montanha da Perdição teria sido diferente, assim
como o final. O interesse teria sido redirecionado à Gollum, eu creio,
e a batalha seria travada entre seu arrependimento e seu novo amor de
um lado, e o anel de outro. Apesar de que o amor seria fortificado
dia-a-dia, ele não seria páreo para a vontade de ser o senhor do anel.
Eu acho que de alguma forma Gollum teria tentado [talvez não
conscientemente] satisfazer os dois lados. Certamente em algum ponto
não muito antes do fim, ele teria roubado o anel, ou tomado-o por meios
violentos [como acontece na história original]. Mas tendo satisfeita a
necessidade da “posse", eu creio que ele teria se sacrificado em nome
de Frodo e voluntariamente se jogado nas chamas do vulcão.

Mas
da forma como ocorreu, a redenção de Gollum nunca aconteceu. Sam
endureceu seu coração, destruindo com uma palavra toda a mudança que
Frodo operou em Gollum. Frodo perdeu todo o interesse pela Terra Média
por causa do Um anel, mas apesar de que, através de seu sacrifício a
Terra Média foi salva e Frodo encontrou a paz no extremo oeste. Gollum,
por sua vez, fez o maior dos sacrifícios: ele perdeu sua alma.

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Kira

Puxa vida eu sempre gostei do gollum…

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