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Notícias Weird Fiction: essa força estranha

Bruce Torres

Let's be alone together.
Weird Fiction: essa força estranha (parte I)
Publicado em 21/11/2014 |
1.jpgPor Fábio Fernandes.

Antes da ficção científica surgir como gênero literário assumido, ela já estava lá. Antes da fantasia se consolidar com Tolkien e seus seguidores, ela já fazia sucesso. A Weird Fiction (termo que não tem tradução para o português, mas que poderíamos interpretar aproximadamente como “ficção do estranho” ou “ficção do bizarro”) já mexia com a imaginação dos leitores desde o século dezenove.

Não é difícil imaginar o motivo: tendo como seus principais temas o macabro de modo geral e as histórias de fantasmas em particular, esse subgênero da ficção especulativa está diretamente ligado ao que convencionamos chamar de narrativa de horror. Mas, segundo o pesquisador S. T. Joshi em seu livro The Weird Tale, ela se distingue do horror e da fantasia porque é anterior à divisão mercadológica em gêneros. E foi isso o que lhe deu, digamos, sustança: como as convenções estilísticas de gênero, os marcadores semióticos que determinam o que cada gênero tem que ter ou não (por exemplo, robôs e espaçonaves na ficção científica, espadas e magia na fantasia) ainda não haviam sido estabelecidas no século dezenove (a ficção científica só começa a definir esses marcadores em 1926, quando Hugo Gernsback cria a revista Amazing Stories nos EUA e também a expressão “science fiction”).

É a partir daí que a weird fiction acaba sendo realmente uma força estranha; um caldeirão que, criado na Grã-Bretanha ainda no tempo da expansão colonial, mistura vários tipos de narrativa num samba (ou seria valsa?) do britânico louco, que é confrontado com forças sobrenaturais e míticas além de seu controle e explicação. Mas é um americano, H. P. Lovecraft, que no começo do século vinte, adota o termo Weird Fiction de seu criador (Sheridan Le Fanu, autor deCarmilla, história de vampiros que influenciou o Drácula de Bram Stoker) e procura, com o espírito de racionalização do estadunidense da era moderna, dar explicação para o que não faz sentido. Em seu livro O Horror Sobrenatural na Literatura, Lovecraft define assim o gênero:

“A verdadeira história weird tem algo mais do que assassinatos secretos, ossos e sangue, ou uma forma coberta por um lençol sacudindo correntes de acordo com as regras. Uma certa atmosfera de sufocamento e inexplicável pavor de forças exteriores e desconhecidas deve estar presente; e deve haver uma pista, expressada com profunda seriedade e gravidade, daquela mais terrível concepção do cérebro humano: uma maligna e particular suspensão ou derrota das leis fixas da Natureza que são nossa proteção contra os ataques do caos e os demônios do espaço insondável.” (tradução nossa)

Le Fanu é considerado o precursor da Weird Fiction, mas foi Lovecraft seu principal evangelista. Juntamente com autores como Robert E Howard (pai deConan, o Bárbaro, que também navegou um pouco por essas águas), William Hope Hodgson, Arthur Machen, Clark Ashton Smith e Lord Dunsany, Lovecraft escreveu histórias que mesclavam horrores sobrenaturais, científicos e cósmicos.Nas Montanhas da Loucura (que quase virou filme nas mãos de Guillermo del Toro recentemente) é um de seus exemplos mais interessantes de horror seguindo suas próprias regras: uma missão exploratória na Antártica encontra uma construção gigantesca e vestígios do que pode ter sido uma civilização alienígena que teria montado sua base aqui na nossa pré-história… mas pode também ser algo mais que isso, algo mais pavoroso. E aí, nessa dúvida, nessa linha fina entre loucura e sanidade, está grande parte da Weird Fictionlovecraftiana.

Que tem como seu eixo o mito de Cthulhu, criado por Lovecraft na história The Call of Cthulhu em 1926 e publicado em 1928 na revista Weird Tales, o principal bastião desse subgênero (publicada ininterruptamente de 1923 a 1954 e que, depois de diversas reencarnações – nada mais natural para uma revista weird –, retornou em 2007, aparentemente para ficar). Cthulhu, cuja descrição é deliberadamente obscura mas que é de modo geral caracterizado como uma imensa criatura aquática adormecida desde os primórdios da Terra no fundo dos mares e destinada a emergir de seu sono eterno no fim dos tempos, virou uma coqueluche entre os apreciadores do subgênero. Tanto que a expressão “mito de Cthulhu”, na verdade, foi criada posteriormente por August Derleth, amigo e correspondente de Lovecraft, responsável pela criação da editora Arkham House e pela divulgação póstuma de suas obras, que continuam a fazer um incrível sucesso até hoje – isso mais pelas imagens aterradoras, que grudam na retina e insistem em não sair, do que das descrições racistas e de uma virulência impressionante contra os negros em particular.

Isso fez com que em meados de 2014 o americano Daniel José Older, autor do romance Salsa Nocturna e co-editor da antologia de fantasia Long Hiddencomeçasse uma petição para que se troque o busto de Lovecraft como premiação dos World Fantasy Awards pelo de Octavia E. Butler, autora que nas últimas décadas vem ganhando mais importância e servindo de norte para novos autores de FC e fantasia. (Disclaimer: este que vos digita assinou a petição.) Embora a petição não tenha valor de lei e a discussão ainda esteja longe de terminar – S.T. Joshi criticou aberta e furiosamente Older por supostamente não entender que Lovecraft era um homem de seu tempo e que isso seria natural (mas uma lida em textos como o poema On the Creation of Niggers basta para vermos que não é bem assim) – o que é preciso mesmo é entender que o mundo mudou, e embora se possa gostar do mito de Chtulhu, não se pode subscrever às crenças de seu criador.

Agora, mudando de pato para ganso (metamorfose que em weird fiction é normal e perfeitamente aceitável), façamos um rápido pit-stop aqui e observar algo que é evidente mas que nem sempre é lembrado quando se escreve um texto a respeito do weird: os anglo-americanos não são os detentores das histórias de fantasmas e congêneres que caracterizam esse subgênero. Entre os hoje aceitos como autores desse tipo de narrativa estão o japonês Ryonosuke Akutagawa (autor de Rashomon, imortalizado no cinema por Akira Kurosawa) e Jorge Luis Borges (que na verdade é inclassificável, e talvez por isso mesmo – e por ser assumidamente fã de Lovecraft, a quem inclusive dedicou um de seus contos,There Are More Things – entra na lista).

Mas alguns brasileiros também se encaixam muito bem no gênero. Joaquim Manuel de Macedo, com A Luneta Mágica, por exemplo, Machado de Assis (sim, Machado, com histórias como Uma Visita de Alcibíades, ainda que com um humor que não é costumeiro das narrativas weird) e João do Rio, com o assustador O Bebê de Tarlatana Rosa, são apenas alguns dos autores. E entre 1947 e 1958 o radialista Almirante, em seu programa Incrível, Fantástico, Extraordinário, apresentou algumas das mais apavorantes narrativas macabras à brasileira, envolvendo ameaças de mortos, cirurgias espirituais, e até blocos carnavalescos com baterias de desencarnados! Em termos de estranheza e bizarrice o Brasil nunca deveu nada a ninguém.

A Weird Fiction nunca deixou de fazer sucesso, nem aqui nem no exterior, onde poucos anos atrás ela ressurgiu sob outro formato, mais turbinado e com autores mais em sintonia com nosso tempo e nossa realidade, ganhando inclusive outro rótulo: New Weird. Mas isso é assunto para a próxima coluna.

***

Fábio Fernandes é escritor e tradutor. Está atualmente traduzindo A cidade & a cidade, de China Miéville, previsto para ser lançado pela Boitempo em novembro de 2014. Colabora com o Blog da Boitempo, mensalmente, às sextas.

Fonte: http://blogdaboitempo.com.br/2014/11/21/weird-fiction-essa-forca-estranha-parte-i/
 
Weird Fiction: essa força estranha (parte II)
Publicado em 30/01/2015
15-01-30_fabio-fernandes_new-weird.jpgPor Fábio Fernandes.

Uma das características mais interessantes da Weird Fiction é sua difícil capacidade de classificação. Parece paradoxal? E é: num mundo cada vez mais governado pela “marketabilidade”, onde tudo tem de ter um rótulo, a ficçãoweird é uma das mais difíceis de encaixar em classificações de gênero literário.

Talvez isso se deva à tentativa de definição feita por Lovecraft (ver coluna anterior), onde ele deixa claro que o weird não se resume a histórias macabras e de fantasmas, mas um certo pavor do desconhecido, para dizer o mínimo. Isso poderia até ser fácil no século XIX e na época do criador do mito de Chtulhu, mas com o passar das décadas o buraco (ou a toca do monstro abissal) foi ficando bem mais embaixo. O século XX, com duas guerras mundiais e inúmeros conflitos não menos atrozes, como a Guerra Civil Espanhola e as Guerras da Bósnia e do Kosovo, para citarmos apenas alguns, desafia o entendimento do conceito de humanidade, e nos convida a rever definições de horror e de bizarro.

Entre o período clássico e o contemporâneo, tivemos um momento de Weird Fiction (definição retroativa, claro) não menos prolífico, mas com autores não necessariamente considerados do gênero fantástico pela crítica. Entre eles, Shirley Jackson (autora do espetacular conto A loteria e do clássico romance We Have Always Lived in the Castle), também considerada um expoente do chamado Gótico Americano, e conhecida mundialmente pelo filme The Haunting, adaptação de seu livro The Haunting of Hill House, e Robert Aickman, praticamente desconhecido no Brasil, prolífico autor de contos, reunidos em diversas coletâneas, entre as quais Dark Entries e Cold Hand in Mine.

Jackson, com sua quebra do bucólico faulkneriano em A loteria e a revelação de que o horror pode não estar no sobrenatural, mas nas pessoas ditas simples e comuns ao nosso redor (como disse Caetano parafraseando Foucault, de perto ninguém é normal – os americanos apenas levaram mais tempo para descobrir isso), inspirou autores como Richard Matheson e Rod Serling – este não por acaso o criador da série de TV Twilight Zone (Além da Imaginação, no Brasil) – a escreverem histórias que, fossem de ficção científica ou mais voltadas para o fantástico surreal, sempre oscilavam entre o mundo natural e o mundo extranatural justamente numa zona crepuscular, e talvez essa twilight zone que Serling nomeou tão bem possa ser outra definição para Weird Fiction. Mas não só, claro.

Em 2008, os editores Ann e Jeff VanderMeer lançaram nos Estados Unidos uma coletânea que daria o que falar no mundo inteiro: The New Weird. Eram 414 páginas que prestavam uma grande homenagem ao gênero, desde seus autores mais antigos vivos (como Michael Moorcock e M. John Harrison, grandes nomes da chamada New Wave britânica de meados da década de 1960, uma ficção fantástica mais pop, erudita e voltada à exploração do self, ao contrário das grandes aventuras galácticas criadas pela geração anterior de Isaac Asimov e Arthur C. Clarke) até os mais recentes e bizarros, como o recém-falecido Jay Lake, Jeffrey Ford e China Miéville, sem deixar de lado os nomes mais famosos dos anos 1980, como Clive Barker (cujo horror splatterpunk – ok, ok, too much information, rótulos demais, mas essa é a natureza do mundo literário em que vivemos – é por diversas vezes considerado weird pelo puro teor de suas ideias) e o cyberpunk Paul DiFillipo.

A grande sacada da antologia estava menos nos contos (excelentes, aliás) do que na última parte, dedicada a uma extensa troca de e-mails entre vários dos autores apresentados na coletânea, onde eles discutiam o que era exatamente o que eles estavam escrevendo. É nessa troca de e-mails que ficamos sabendo que a criação do termo New Weird se deve a M. John Harrison e ele próprio defende com unhas e dentes a adoção da expressão antes que outro grupo o faça (dito assim parece uma manobra fria e calculista de um editor inescrupuloso – mas não é; a discussão é intensa, hilária em alguns momentos, mas pertinente até hoje toda vez em que se pensa como circunscrever [sem patrulhar] os limites de um gênero).

Vocês já perceberam, evidentemente, um nome mais conhecido lá em cima. China Miéville, cujo A cidade & a cidade traduzi para a Boitempo no ano passado, é considerado um dos mestres da New Weird, se não O grande mestre. Não é para menos: o próprio A cidade… tem elementos fantásticos que já lhe dariam fácil, fácil, a carteirinha de sócio emérito do Clube dos Escritores Bizarros. Mas está longe de ser seu livro mais estranho.

Esse título pertence a Perdido Street Station. Publicado em 2000 sob o rótulo de Fantasia, estava na cara que o livro não se enquadraria facilmente em nenhum molde previamente estabelecido pela indústria. O que dizer de um romance ambientado numa cidade semi-medieval, semi-industrial, onde humanos e seres alienígenas convivem, trabalham (nem sempre em harmonia, isso não é historinha infantil) copulam e bebem (muito), traficam, enganam, se estranham, se ajudam, se amam, enfim, se comportam como habitantes de uma cidade como outra qualquer – o que não é fácil para uma cidade inexistente em um mundo que provavelmente não é o nosso. Junte a isso seres infernais, uma espécie de magia científica e máquinas retrô cheias de engrenagens criadas por um equivalente de Da Vinci e você terá uma ideia (apenas uma ideia) do que é Perdido Street Station. Nesse livro não existe (necessariamente) horror cósmico lovecraftiano, mas o sense of wonder, a sensação do maravilhoso, esta se faz presente o tempo todo. Perdido, mais The Scar e The Iron Council, que compõem a Trilogia de Bas-Lag, são um dos retratos mais vívidos de um mundo estranhamente similar ao nosso em termos de leis da Física mas onde a Biologia (entre outras ciências) enlouqueceu.

O universo da New Weird Fiction ainda conta com o reforço de um comitê central cheio de autores da melhor qualidade: Caitlin R. Kiernan, Sarah Monette, Michael Marshall Smith, Thomas Ligotti, Hal Duncan, e Jeff VanderMeer. O editor da antologia The New Weird é autor do gênero há anos, e recentemente lançou a trilogia Área X, uma homenagem a Stalker (tanto o livro dos irmãos Strugatski quanto a adaptação cinematográfica de Andrei Tarkóvski) que está fazendo sucesso por onde passa.

E já começa a aparecer uma novíssima geração (seria a New New Weird?). Autores como Robert Shearman, Usman T. Malik, Jacques Barcia, J. Y. Yang, com narrativas cada vez mais estranhas e descoladas da ficção fantástica tradicional, trazendo um ar de renovação fundamental para a Literatura com L maiúsculo. Parece paradoxal, num tempo em que livros de fantasia com histórias simplistas e narrativas lineares e de fácil digestão vendem como água? E é. Que bom.

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Fábio Fernandes é escritor, tradutor e professor universitário. Traduziu recentemente A cidade & a cidade, de China Miéville, e está atualmente trabalhando no aguardado Perdido Street Station previsto para ser lançado pela Boitempo no segundo semestre de 2015. Colabora com o Blog da Boitempo, mensalmente, às sextas.

Fonte: http://blogdaboitempo.com.br/2015/01/30/weird-fiction-essa-forca-estranha-parte-ii/
 

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