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Ilíada (Homero)

Falando em visitinha em livraria lá no Diário 2.o, @Calib Kérberos Kupo , encontrei na FNAC o segundo volume da Ilíada do Haroldo a R$ 44. Até pensei em comprar, mas aí vi que o primeiro volume está esgotado e cobram caro pra caramba na Estante Virtual. Vou lançar a campanha: BENVIRÁ, (RE)EDITA A ILÍADA PRA MIM! :lol:
 
Falando em Ilíada e tal, olha o que eu vejo lá na Cultura:
maispormenos_classicos.jpg


:)

Mas não, não tem a Ilíada do Campos, só a do Odorico.

§§§§§§§§§§

E, @Bruce Torres , o volume 1 não está esgotado, pelo que eu tenho visto por aí. Mas não é barato.
E sempre tem a opção da Estante Virtual...
 
Falando em Ilíada e tal, olha o que eu vejo lá na Cultura:
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:)

Mas não, não tem a Ilíada do Campos, só a do Odorico.

§§§§§§§§§§

E, @Bruce Torres , o volume 1 não está esgotado, pelo que eu tenho visto por aí. Mas não é barato.
E sempre tem a opção da Estante Virtual...

1) Valeu pela dica. :D
2) Esgotado na FNAC - culpa minha, devia ter explicado melhor. Contudo, o preço não tá bom em lugar nenhum. :(
 
Só pra não ter sido tudo em vão e deixar isto registrado em algum lugar, minhas impressões da Ilíada na tradução do Frederico Lourenço, canto a canto, conforme publiquei no Facebook:

Lendo a Ilíada: comentários canto a canto
Canto I: Agamêmnon é um arrogante filho da puta mesmo. Não admira que morra depois pelas mãos da mulher e ninguém se condoa disso. De toda a mitologia acho que é o mortal que menos carisma inspira. Chega mesmo a dizer que prefere a escrava Criseida à própria esposa... Bem que ela faz em meter-lhe um chifre e um punhal nas costas.

Por enquanto Zeus confirmando e justificando seu protagonismo entre os deuses do Olimpo. Foi primeiramente com as tragédias de Ésquilo que comecei a ver a mitologia grega como algo muito mais complexo e verdadeiramente místico do que simples historietas bobas do tipo “oh como podiam acreditar nisso”, e que Zeus não era só mais um deus entre tantos; mas o Pai deles, beirando quase a um monoteísmo. Aqui na Iliada, canto I, ele é ao mesmo tempo justo, sábio e rígido quando se manifesta. Acompanharemos.

Bônus: Hefesto mancando no banquete e sendo motivo de riso generalizado... Pobre coxo. Deuses politicamente incorretos rindo dos aleij... portadores de necessidades especiais.


Canto II: Há um grego de má-língua que vive a malfalar dos generais gregos para quem quiser ouvir, sem nenhum decoro ou medo. Seu nome é Tersites. Chama a atenção que ele seja pormenorizadamente descrito como um sujeito deformado e desprezível. Coisa rara de ver. “Era o homem mais feio que veio para Ílion” (v.216). Tal não deve admirar. A fealdade do caráter se espelha na aparência externa. Tersites é vil em todos os aspectos. Um típico “homem inferior” que nunca poderia ser tema de tragédias. Odisseu lhe dá umas bordoadas com o cetro dourado até lhe arrancar sangue. Todos riem. Nós também.


Canto II: Possivelmente o canto que será mais entediante até o fim do livro (exceto, talvez, pelo X, que desconfiam ser um canto espúrio, e não sei o que esperar). Já o li sabendo disso e o comunico a quem interessar.

O canto II é chato por duas razões simples:

A primeira é que metade dele, sem exagero, é uma lista interminável de nomes de pessoas e lugares. Aí incluso o famoso “catálogo das naus” que ocupa 266 versos e numera as naus de cada cidade grega, e os seus chefes etc. É um trecho “pulável” sem prejuízo da leitura. Na sequência, entre mais um pouco de enredo e mais lista, são ditos os nomes dos melhores homens da Grécia.

A segunda razão é que o canto, até pelo reduzido tamanho que lhe sobra disso, não tem nenhum clímax próprio e apenas prepara a cena para o confronto do III.


Ainda sobre o “catálogo das naus”, é preciso esclarecer pelo menos duas funções que ele exerce. Uma, ele interessa ao poema na medida em que fornece dados numéricos sobre a quantidade de naus que os gregos trouxeram à guerra, e com quantas cada chefe contribuiu. Isso dá uma dimensão mais precisa do tamanho da coisa. E é somente pelo fato de ter sido o chefe com mais naus (100) que Agamêmnon assume o comando sobre o contingente grego como um todo, pois fora dali e noutro contexto ele não teria superioridade a nenhum outro. Isso explica o porquê de, apesar de mandar lá, não o faz com indiscutida autoridade, visto que com frequência se choca com outros heróis, com Aquiles principalmente.

Também ali ficamos sabendo que Odisseu foi um dos que menos navios trouxeram (12), e não obstante goza de enorme prestígio entre os seus pares graças à sua engenhosidade e inteligência. Essa discrepância entre os números e o prestígio do Atrida e de Odisseu não deve passar em branco. Um compra seu poder pelo dinheiro, por assim dizer, e o usa mal; outro recebe seu poder por mérito e faz bom uso dele. Odisseu wins. Flawless victory.

O catálogo exerce ainda a função de permitir ao aedo uma demonstração singular de virtuosismo mnemônico. Ora, sendo o poema de tradição oral, o poeta que fosse capaz de enumerar dezenas e dezenas de nomes de homens e lugares, e de números, e demais pormenores assim estaria dando um espetáculo de memória, e por conseguinte do seu ofício. É nesse sentido que Jaa Torrano, em seu estudo sobre a Teogonia de Hesíodo, diz sobre essa característica oral da épica grega:


“...nos catálogos (listas de nomes próprios) que se oferecem como um espetacular jogo mnemônico, que só a habilidade do poeta redime do gratuito e lhe confere uma função motivada e significativa dentro do contexto do poema.”


Tal como o guitarrista de uma banda que no solo da música atrai os holofotes por um instante e arranca aplausos para si, assim também o aedo dá o seu showzinho quando canta os seus catálogos.

Todavia, a recomendação para pular os 266 versos permanece àqueles que fraquejarem. É melhor o leitor perder uns versos do que a obra perder um leitor. XD


Canto III: Curtinho mas interessante. O combate que se armou no canto II está para começar. O mulherengo Páris Alexandre chama os troianos na chincha, mas se acovarda e foge com o rabinho entre as pernas quando Menelau se prontifica a enfrentá-lo. É uma caracterização patética do príncipe troiano. Só depois de uma reprimenda é que ele toma jeito. Mas não por muito tempo.

Todo o esforço de encerrar a guerra com um simples duelo, mediante juramento e imolação, é frustrado. E na prática tudo termina como começou.

Príamo isenta Helena de culpa pela guerra. Isso não é algo que se possa ignorar quando se analisa o papel dessa personagem complexa no ciclo troiano. Com efeito, se Páris escolheu justo Afrodite na eleição da deusa mais bela, ele por consequência escolheu o único favor prometido (isto é, Helena) que implicava em treta direta com outro povo.

Helena bate boca com Afrodite, mas termina por lhe obedecer sob ameaças. A ver o que rola...


Canto IV: Continua o anterior de onde parou. No Olimpo Zeus tenta apaziguar a contenda entre os deuses para que a guerra termine aí. Como Afrodite interferiu no duelo e retirou Páris por conta, os troianos deveriam honrar o juramento e devolver Helena, pondo fim à guerra. Zeus vê aí a oportunidade perfeita para poupar Ílion da destruição, pois confessa ser esta a sua cidade predileta entre todas. É bem verdade que dele veio a ideia da guerra, para diminuir a populaçāo do mundo, que se achava muito numerosa, segundo fontes antigas exteriores ao texto de Homero. Mas que não devem ser ignoradas por quem deseja compreender o quadro geral.


“Houve o tempo em que vagavam sem conta, sempre, os povos
humanos. Eram um peso na planície da Terra de amplo seio.
Zeus viu isso, compadeceu-se, e em seu espírito complexo
planejou aliviar a terra toda nutriz do peso da humanidade
atiçando a grande rixa, a batalha ilíada,
para que o fardo se esvaziasse com morte. E em Troia
os heróis eram mortos: cumpria-se a vontade de Zeus.”
(Poemas Cíprios, fragmento 1, trad. Rafael Brunhara)


Não obstante, Hera é irredutível e insiste em que a guerra continue até as últimas consequências. E para isso põe à disposição suas três cidades mais queridas, se Zeus um dia as quiser arrasar. A tal ponto chega o despeito de uma deusa...

Afora o diálogo entre os deuses no Olimpo, há uma porção de pequenas conversas de Agamêmnon com cada chefe grego para incitar as tropas e retomar a batalha. Não é à toa que 52% do poema sejam diálogos. Ô povo parlante!

Só depois no fim começa a sanguinolência. Sangue, miolos e tripas. A ver se rolam mais cabeças no próximo capítulo... Mas ainda acho que nesse ponto a Eneida será imbatível.


Canto V: Deuses, gregos e troianos, uma galerinha do barulho apontando altas confusões nas planícies de Troia... Vai ser um zeus-nos-acuda e ninguém está a salvo.

Novecentos versos de porradaria. É como um filme de ação dos anos 80, com gente morrendo feito mosca (quase sempre com um único golpe). A diferença é que os coadjuvantes e figurantes têm nome próprio, filiação e cidade de origem revelados antes da morte.

Do que me lembro da Eneida, o estilo de Virgílio é superior no que concerne à narrativa bélica; é que o estilo oral de Homero faz demasiado uso das fórmulas prontas, que num canto longo e todo centrado na guerra acabam saltando aos olhos de tão repetidas que ficam.

Diomedes recebe superpoderes de Atena e entra em estado “berserker”: mata a rodo e não refreia a fúria nem contra os deuses, ferindo Afrodite e Ares. Eneias quase morre e é salvo no último segundo. Sarpédon também se escapa por pouco. Não bastasse os troianos mortais levarem uma surra, também os olímpios que os defendem apanharam agora. Puta falta de sacanagem. Mas Zeus tá vendo essa zoeira aí, e as pedras rolam.


Canto VI: Pausa na carnificina. Começa com algumas mortes aleatórias só para nos lembrar que estamos em guerra (sempre os gregos matando os troianos como a moscas... estamos de olho na “neutralidade” do narrador hein rsrs). Em seguida Glauco e Diomedes se encontram no campo da batalha e trocam figurinhas. Conversa vai, conversa vem, descobrem que suas famílias são amigas e decidem selar um pacto de não-agressão. >_<

O resto do canto são os troianos se aprontando para continuar a luta. As anciãs fazem uma prece a Atena para que Diomedes (o berserker sanguinolento do outro canto) seja detido e morto. “Mas a prece foi rejeitada por Palas Atena”. Vixe, danou-se. Não é a primeira vez que um deus deliberadamente se nega a realizar o que pedem.

Heitor sai à cata do covarde Páris e o exorta a voltar para o combate consigo. Na sequência se despede de sua esposa e de seu filho pequeno. É o momento-chave do canto. Eles nunca mais se verão. Heitor antevê que cedo ou tarde morrerá na guerra e lamenta o destino que terá sua mulher Andrômaca depois: seguramente a escravidão. Mas curiosamente ele pede a Zeus que garanta ao filho um futuro glorioso e próspero. O leitor entretanto já conhece o destino do menino Astíanax e capta a ironia trágica: ele será arremessado do alto das muralhas tão logo a cidade tenha sido tomada (apesar de que essa parte fica fora da Ilíada). Zeus já não intervirá na salvação de ninguém desde que consentiu que a sua cidade preferida caísse...

Afinal de contas, se Agamêmnon pouco antes ordenara a Menelau que matasse a todos e não fizesse prisioneiros, até mesmo as crianças no ventre, nada mais lógico que também não poupassem um menino herdeiro do trono.


Canto VII: Heitor e Páris voltam à batalha e incitam o ânimo dos troianos, que em seguida começam a reverter a situação e a trucidar os gregos. Apolo e Atena, cada um querendo defender um lado, resolvem incutir nos guerreiros a ideia de um novo duelo para evitar mais mortes inúteis. Heitor se prontifica pelo lado dos troianos, e Ájax é sorteado pelos gregos. Os dois duelam brevemente e logo anoitece, então a luta é interrompida.

Eu ouvia falar desse episódio como um duelo que tivesse demorado longas horas até acabar em empate e já na minha cabeça imaginava uma cena bem pastelona; mas Homero mal e mal narra dois ou três ataques de cada um dos guerreiros. Nada faz supor que tenha demorado muito.

Seja como for, o canto é curto e pouco mais do que isso acontece. Os dois lados dão trégua pela noite para que se queimem os mortos. Os gregos decidem só agora (depois de nove anos de guerra wtf o_O) erguer um muro para proteger as suas naus e não serem impedidos durante a cremação dos seus cadáveres. Posêidon fica de mimimi com Zeus porque eles esqueceram de prestar hecatombes aos deuses antes de construir uma muralha, e vai rolar treta depois por isso. (É, gente, a burocracia já existia, só não era o Estado que a impunha; era o Olimpo.)

Última tentativa de encerrar a guerra por via amigável fracassa: Páris oferece uma fortuna aos gregos pelo rapto de Helena, mas se recusa a devolver a mulher. Os gregos dizem: bitch, please, vamos botar abaixo essa cidadela e tomar todo o ouro e as mulheres todas depois. Se fode aí agora.


Canto VIII: Em termos de ação, pouco ou quase nada acontece. Heitor e os troianos, ajudados por Zeus, descem o pau nos gregos e os repelem de volta às naus, na praia. Contudo o canto oferece uma série de informações periféricas sobre o mito de Héracles, a posição do Tártaro, etc. que interessam a quem se debruça na mitologia e vai além do relato da guerra.

Neste canto também Zeus tem mais participação e falas. Ele pela primeira vez perde o ar bonachão e determina que os demais deuses se abstenham de entrar na guerra e os ameaça severamente em caso de desobediência. E todos ficam pianinhos e não ousam nada. É aí que, com o auxílio desacarado de Zeus e a não-intervenção dos outros deuses, os troianos conseguem pela primeira vez virar a sorte a seu favor. Entretanto, anoitece antes que o massacre se consuma, e Heitor recolhe seus homens para um churrasquinho à luz da Lua. hehe. A hecatombe, todavia, não agrada aos deuses, “pois muito lhes era detestável Ílion sagrada e Príamo e o povo de Príamo da lança de freixo”. Oh-oh...


Canto IX: Ou o canto do blablablá. Todo ele composto de diálogos. Depois de os troianos terem dado uma surra nos gregos com a ajuda de Zeus e só interrompido o massacre com o cair da noite, os líderes gregos se reúnem para discutir a situação delicada. Diomedes lembra a Agamêmnon que a culpa de Aquiles ter abandonado a guerra era exclusivamente sua, do Atrida. Enquanto Aquiles guerreava, Heitor nunca ousara ir brigar tão longe das muralhas de Troia como agora, pondo em risco as próprias tendas e naus dos gregos. Agamêmnon finalmente concorda com a sua culpa e decide corrigir o erro com a oferta de um mundaréu de presentes (tipo: mais do que ganhar na Mega Sena acumulada). Manda três emissários para a tenda de Aquiles: o engenhoso Odisseu, o ancião Fênix e o gigante Ájax.

Odisseu tenta primeiro convencer Aquiles a voltar para a guerra e elenca todos os presentes que lhe caberiam na trégua. Mas Aquiles recusa numa longa resposta e de tudo desdenha. Depois o ancião Fênix tenta persuadi-lo apelando para a relação quase de pai e filho entre eles, mas também fracassa. Por fim Ájax já nem tenta discursar em favor de sua causa; apenas se resigna diante da obstinação de Aquiles.

O erro de Aquiles foi não ter sabido reconhecer a hora de ceder e de aceitar as honrarias que lhe mandavam. The treta had been planted.


Canto X: O canto que, segundo alguns especialistas, seria espúrio, um enxerto na obra. Não é de duvidar, porque nada de relevante acontece. O canto XI vai começar depois como se fosse continuação imediata do IX...

Agamêmnon e Menelau não conseguem pegar no sono depois que os gregos levaram uma coça dos troianos e estes só pararam porque a noite chegara. Ficam com receio mas também curiosos de saber se os troianos vão retornar a Troia ou continuar atacando no dia seguinte. Daí acordam outros líderes (tipo, sempre os mesmos) e deliberam. Decidem enviar dois espiões ao acampamento de Heitor na calada da noite. Os eleitos são Diomedes e Odisseu, que contam com a ajuda descarada de Atena nessa investida.

Basicamente eles encontram pelo caminho um espião troiano que também queria se infiltrar entre as naus gregas e o capturam. Este lhes revela informações preciosas sobre os planos e a localização dos troianos, e eles depois lhe arrancam a cabeça (fazer prisioneiros às vezes dá muito trabalho...). Depois avançam, matam doze nobres dentre os aliados dos troianos, roubam uma parelha de belos cavalos e voltam para as suas tendas na praia. Nada de mais.

O episódio nem ao menos aproveita a bravura de Diomedes ou a engenhosidade de Odisseu, que aqui atuam muito genericamente, nem tampouco acrescenta qualquer informação pertinente sobre eventos passados ou de mitos periféricos, como costuma ocorrer em algumas digressões na narrativa.


Canto XI: Depois daquele assalto noturno do canto anterior que parecia ter sido gratuito para o enredo, os gregos começam o dia com um súbito ânimo novo. Pode ter sido em parte pelo sucesso da noite. Va bene. Mas é expressamente pela infusão de ânimo da Discórdia, a mando de Zeus.

Agamêmnon incita os gregos à guerra e sai ele mesmo à dianteira da batalha. Mata um ror de gente num momento de grande glória pessoal. Até Heitor fica de cantinho na dele, por sugestão de Zeus, só esperando que Agamêmnon seja ferido e saia de campo. O que enfim acontece. É um canto quase todo de luta e muita gente morta.

Depois de estarem levando uma surra, os troianos viram o jogo e começam a ferir, um a um, os maiores heróis gregos: primeiro o próprio Agamêmnon, mas depois também Odisseu, Diodemes, o médico Macáon e outros. O quadro é crítico para os gregos, que temem que os troianos passem pelo muro e cheguem junto à praia e ponham fogo às naus e às tendas.

Os heróis feridos retornam ao acampamento. Aquiles percebe as baixas e vislumbra o momento em que virão mais uma vez lhe implorar ajuda (como se no canto IX já não o tivessem feito em demasia); e manda Pátroclo à tenda do ancião Nestor para confirmar se era o médico Macáon que ele vira passar ferido. Pátroclo vai lá e confirma isso. E acaba levando de brinde uma longa ladainha de 150 versos que o velhote lhe discursa, ao fim da qual ele sugere que o fiel escudeiro de Aquiles, se não puder convencer este a voltar à luta, ao menos use as suas armas para enganar os troianos e passar-se por Aquiles, amedrontando-os de novo para longe dos muros e das naus.


Um detalhe alheio ao calor da batalha, e que por isso mesmo pode passar batido, diz respeito a Páris e Helena. Nos versos 123-125 é dito: “...o fogoso Antímaco, que na esperança de receber ouro de Alexandre, gloriosos dons, especialmente se opôs a que Helena fosse restituída ao loiro Menelau”.

Ou seja, se tínhamos dúvidas das razões de os troianos não terem mandado Helena de volta e se achávamos pouco convincente que apenas a insistência de Páris nesse quesito bastasse, temos agora um indício de que o príncipe mulherengo tenha comprado apoio de alguns conselheiros com a promessa de ouro. Hum... Nada de novo debaixo do Sol, já dizia o profeta. Mas opa. Livro errado.


Canto XII: Um canto curto e de pouca novidade. É mais um preparativo para o que vem no próximo. Começa com o poeta contando como, no futuro, após finda a guerra, Posêidon e Apolo arrasarão a muralha grega até não restar vestígio dela. Isto porque ela foi construída sem a devida homenagem aos deuses e não pode rivalizar com a muralha de Troia, pelos próprios dois deuses erguida.

Continuando o ataque às muralhas gregas, aqui aparecem todos os principais nomes troianos divididos em pequenos grupos de assalto: Heitor, Páris, Eneias, Sarpédon, Glauco, Heleno e Deífobo. Do lado grego aparece somente Ájax Telamónio, o grandalhão. Porrada vai, porrada vem, morrem uns, mas ninguém importante. E ao fim do canto Heitor fura a barreira e adentra o acampamento grego e chama seus amigos. Os gregos deitam cabelo e fogem para as naus. Se o canto XIII demorasse ainda uma semana para ser publicado, pareceria o clímax de um fim de episódio no melhor estilo Game of Thrones rsrs


“.................................................. Alto gemeram os portões
de ambos os lados e as barras não aguentaram; as portas
foram quebradas pelo arremesso da pedra. E o glorioso Heitor
lançou-se lá para dentro e o seu semblante era como a noite repentina.
Brilhava o bronze, medonho, que lhe cobria o corpo, e nas mãos
segurava duas lanças. Ninguém poderia agora retê-lo, a não ser
os deuses, assim que se lançou para dentro dos portões.” (vv. 460-466)


Canto XIII: Um longo canto inteiramente de porrada. Há um rol enorme de quem mata quem que nos é irrelevante pormenorizar porque não morreu nenhum dos principais. Alguns heróis troianos saem feridos do combate, como Heleno e Deífobo, à semelhança do que acontecera num canto anterior com alguns heróis gregos.

Zeus, que estava ajudando os troianos a descer o pau nos gregos, distrai-se por um momento e vai cuidar de outros assuntos. Nesse ínterim Posêidon aproveita para incitar os gregos a resistirem bravamente e atua em pessoa na luta. O senhor dos mares que, ao que parece, tem por único motivo de tomar o partido dos gregos o fato de ter erguido os muros de Troia, muito tempo atrás, sem a devida recompensa que lhe prometera o rei Laomedonte. Experimenta sacanear um deus pra ver... (Cassandra que o diga... hue.)

Cassandra, aliás, que salvo engano foi citada agora pela primeira vez e bem por cima. É capaz que nem volte a ser nomeada.

O canto, como dito, é um morre-lá-mata-cá que por vezes cansa. Mas o barato surge em breves instantes entre um duelo e outro, com informações do tipo que Eneias, apesar de exímio guerreiro, não recebe de Príamo a devida honra; ou que ele é bem mais jovem do que Idomeneu, cujos cabelos grisalhos são mencionados num verso. Informações esparsas que permitem situar melhor algumas personagens em relação entre si. E tem umas tiradas de humor (talvez acidentais). Heitor protagoniza duas: repreendendo Páris novamente, chama-o de "Páris devasso, nobre guerreiro somente na cuidada aparência, desvairado por mulheres e bajulador". E quando bate boca com Ájax e lhe diz: "E logo irás empanturrar os cães e as aves de rapina de Troia com o teu sebo e tuas carnes...". Rsrs.

Mas a melhor ficou por conta do símile da minhoca: O cara leva uma flechada na bunda e... "A seta trespassou-o totalmente até chegar à bexiga, debaixo do osso. Sentado onde estava, nos braços dos queridos companheiros, expeliu o sopro da vida, tal como uma minhoca na terra que jaz ao comprido"... (vv. 652-655)

Por fim, notando que os gregos começam a levar a melhor com a ajuda de Posêidon, Polidamante aconselha Heitor a que chame de volta e reúna os melhores para reconsiderar a estratégia. Com o que ele concorda.


Canto XIV: A batalha continua de onde parara. Os troianos passaram pelos muros dos gregos e estavam dando uma surra nestes, tendo ferido já alguns dos principais heróis; os gregos começavam a esboçar reação com o auxílio de Pôseidon, que interviera na luta num momento de distração de Zeus, mas a vantagem era troiana ainda assim.

O velho Nestor sai de sua tenda e vê, perplexo, que os gregos parecem baratas tontas sendo mortas a rodo na praia e vai ter um papo com Agamêmnon, Odisseu e Diomedes, os três já feridos e retirados da peleja. O Atrida Agamêmnon sugere que as naus sejam afastadas da areia e mantida a uma distância segura, para o caso de os troianos chegarem ali e não poderem pôr fogo nelas. Mas Odisseu o repreende severamente pela ideia covarde e estúpida. Na falta de ideia melhor, Diomedes recomenda que eles todos, mesmo feridos, voltem à luta para dar ânimo aos demais. Nisso concordam.

Corte para os deuses.

Hera nota que Pôseidon está ajudando os gregos e fica toda faceirinha. E vê que Zeus continua distraído no monte Ida. Resolve distraí-lo ainda mais, por precaução, e pede ajuda a Afrodite para enfeitiçá-lo com desejo ardente e ao Sono para fazê-lo adormecer depois do vuco-vuco. E para lá vai e executa o seu plano. Estando Zeus a dormir ferrado no sono, o próprio Sono desce à praia e avisa a Posêidon: barra limpa, cara, manda brasa nessa porra.

Corte para os heróis.

Pôseidon se junta a eles que saíam das tendas sob a forma de um velho e lhes incita o ânimo com palavras e um grito de dez mil homens. E vai ele mesmo com espada em punho à frente.

A porrada recomeça. Um troiano mata um grego e faz chacota dele, um grego se irrita e mata um troiano e faz chacota etc. todos muito maduros sim senhor que guerra é guerra mas não deixem o lúdico de fora.

Até que Ájax, o brutamontes, arremessa um pedregulho em Heitor e o põe fora de combate. E o outro Ájax, o esguio, corre atrás dos fujões e mata mais que todos.

O canto acaba abruptamente e vai continuar a porrada nas cenas do próximo capítulo. Fiquem ligados.


Canto XV: Os gregos estão lá virando o jogo com a ajuda de Posêidon, mas eis que acorda Zeus e nota o que se passa. Dá uma bronca em Hera pelo seu ardil de o seduzir e o fazer dormir. E depois a manda chamar Íris e Apolo. Para Íris, dá ordem de que vá falar com Posêidon e o mande se ausentar da luta. Para Apolo diz que desça a terra e reanime Heitor (que estava ferido com um pedregulho e fora de combate) e comande uma nova investida dos troianos. O próprio Zeus logo depois ajuda Heitor dando-lhe força extra e o salvando de flechadas.

Apolo lidera os troianos e põe abaixo os muros dos gregos. O pau volta a comer solto, e os gregos mal e mal se aguentam a muito custo. Ájax e Teucro são os heróis que mais seguram a barra, e Menelau surge depois. Mais mortes genéricas: Heitor mata uns quantos, Eneias mata um, e Páris flecha outro, sempre pelas costas hehe.

Os deuses aqui participam bastante e trazem informações interessantes. Hera volta ao Olimpo e comenta que um dos filhos de Ares fora morto em combate, e Ares fica possesso e quase desce a terra para se vingar. Mas Atena o repreende e convence que se controle, senão a fúria de Zeus sobraria para todos os deuses. O medo que sentem de Zeus é muito claro.

Já Posêidon, quando era intimado por Íris a sair da luta, inicialmente se mostra irritado e disposto a enfrentar Zeus de igual para igual. Segundo ele explica, Zeus, Posêidon e Hades são os três filhos de Crono que dividiram o mundo entre si e que são iguais em honra e força. Mas a terra é domínio de todos, terreno neutro. Diferente de outra tradição que dirá que a Zeus couberam tanto o céu como a terra. Também aqui difere a ordem de nascimento: para Homero, Zeus é o filho primogênito de Crono, e disso resultaria seu maior poder do qual se vale; para a tradição mais famosa ele seria o caçula. Ler Homero vai além do interesse literário; ele é uma fonte direta da mitologia grega.


Canto XVI: Um dos cantos mais famosos e importantes, o da “aristeia” de Pátroclo. É longo, mas dinâmico. Muita porrada e pouco papo-furado.

Vendo que os gregos morrem feito moscas na praia, Pátroclo entra na tenda de Aquiles chorando e pede que o amigo, se ainda não está disposto a ceder e a lutar, ao menos empreste suas armas e armadura e o deixe liderar os mirmidões para que os troianos, pensando que é Aquiles, se amedrontem e recuem. Aquiles concede. Pátroclo veste a roupa de Aquiles e lidera os mirmidões à batalha. Os troianos se encagaçam e recuam.

Em algum momento da luta que não me ficou claro, eles reconhecem Pátroclo e o tratam como tal. Mesmo assim, com a entrada dos mirmidões e do escudeiro de Aquiles, os troianos continuam recuando e sendo mortos a rodo. Afinal, diz Homero que Aquiles trouxera 50 naus com 50 homens em cada uma: são nada menos que 2.500 homens reforçando o contingente dos gregos. O próprio Pátroclo mata 27 troianos cujos nomes são elencados, e outros 27 genéricos para fazer volume (rsrs). Entre os seus mortos está o próprio filho de Zeus, o herói Sarpédon.

Zeus chega a cogitar de salvá-lo da morte, mas Hera o convence a não intervir, pois do contrário os outros deuses também iriam querer salvar os seus filhos.

Zeus incita Pátroclo em demasia e de propósito, para que este se deixe levar pelo calor da batalha e esqueça os conselhos de Aquiles, o de não perseguir ninguém além do acampamento e não se distanciar planície adentro. Pátroclo tenta até mesmo escalar as muralhas de Troia sozinho, e só desiste quando Apolo o ameça. O mesmo Apolo que vê Heitor já pensando em se retirar da luta na frente dos portões da cidade e o convence, sob a forma de Ásio (ele já não tinha morrido?) a ir atrás de Pátroclo. Heitor vai à sua procura.

Na confusão da guerra, Apolo sacaneia Pátroclo e o despe de sua armadura e quebra a sua lança, deixando-o exposto e à mercê dos inimigos. Um zé-ruela chamado Euforbo lhe arremessa uma lança e o fere, mas não chega a matá-lo. É Heitor quem aproveita a situação e o mata. Nada muito glorioso matar um cara assim... É o próprio mirmidão que o diz, antes de expirar: "Mas matou-me o fado e o filho de Leto [Apolo]; entre os homens, Euforbo. Tu, contudo, foste o terceiro a matar-me" (vv. 849-850).

Ao longo do canto há menção a Ájax e Glauco e outros, mas nada que mereça destaque agora. Subentende-se que nestes cantos de guerra tenha sempre muita morte genérica.

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Parei de escrever os comentários depois do canto 16 porque a leitura estava atrasada para a faculdade. Terminei o livro. Um dia quem sabe eu o comento na íntegra quando o ler de novo. XD
 
Última edição por um moderador:
Como já disse, tenho a Ilíada com a tradução de Haroldo de Campos. Por isso, fiquei interessado em adquirir a Ilíada com a tradução de Carlos Alberto Nunes.

Assim, se possível, peço a ajuda dos amigos foristas, para informar quais as principais diferenças entre as duas traduções, apesar de várias coisas já terem sido mencionadas neste tópico.
 
E aí gente? Ninguém vai se manifestar a respeito da referida tradução?
 
Não tenho como fazer nenhuma análise mais profunda porque a tradução do Haroldo de Campos é a única que ainda não possuo. Sei que é em versos de doze sílabas e que é mais poética, sem os exageros do Odorico. A do Nunes tem versos mais extensos, de 16 sílabas, com ritmo bem marcado e tônicas nas sílabas 4, 7, 10, 13 e 16, o que pra mim é mó legal, mas já sei de gente que não curtiu pelo ritmo pouco usual. Não faz floreios demais nem rebusca a sintaxe e tal. E como você deve imaginar, ter 4 sílabas a mais ao longo de quase 16.000 versos deve dar diferença na fidelidade hehe.

Tem aqui os versos iniciais do Haroldo:
A ira, Deusa, celebra do Peleio Aquiles,
o irado desvario, que aos Aqueus tantas penas
trouxe, e incontáveis almas arrojou no Hades
de valentes, de heróis, espólio para os cães,
pasto de aves rapaces: fez-se a lei de Zeus;
desde que por primeiro a discórdia apartou
o Atreide, chefe de homens, e o divino Aquiles.
Que Deus, posto entre ambos, provocou a rixa?
O filho de Latona e Zeus. Irou-o o rei.
A peste então lavrou no exército: ruína
cai sobre o povo! A Crises ultrajara o Atreide,
ao sacerdote, o qual viera até as naus
velozes dos Aqueus remir com dons a filha,
nas mãos portando os nastros do certeiro Apolo
presos ao cetro de ouro e a todos implorava,
mormente aos dois Atreides, comandantes de homens:
"Atreides e outros mais Aqueus de belas cnêmides,
que a vós os deuses dêem, habitantes do Olimpo,
derruída a priâmea urbe, um bom retorno à casa;
mas a filha querida resgatai-me, e os dons
guardai, temendo Apolo, deus flechicerteiro"
Então, uniconcordes, os Aqueus clamaram:
"Se atenda o sacerdote e as galas do resgate
se aceitem!" disse não, Agamêmnon, o Atreide.
Brutal, refuga o velho com palavras duras:
"Que eu nunca mais te aviste junto às naves côncavas,
agora demorando ou de volta, mais tarde.
Inúteis o teu cetro e esses nastros divinos,
nunca a libertarei, até que fique velha
em Argos, no meu paço, além, longe da pátria,
nos trabalhos do tear, ou servindo-me ao leito.
Foge da minha ira, vai-te, põe-te a salvo".
Findou a fala e o ancião retrocedeu medroso,
mudo, ao longo do mar de políssonas praias.
Depois, ja muito longe, ao senhorio de Apolo
orou, ao filho de Latona, belas tranças:
"Ouve-me, Arcoargênteo, protetor de Crisa
e de Cila sagrada, Esmínteo, rei de Tênedos.
Se o templo que te ergui merece teu favor,
se coxas gordurosas te queimei de touros
e de gordas ovelhas, cumpre meu desejo:
faze os Dânaos pagar meu pranto com tuas flechas!"
súplice assim falou. Ouviu-o Febo Apolo.
Baixou do alto do Olimpo, coração colérico,
levando aos ombros o arco e a aljava bem fechada.
À espádua do Iracundo retiniam flechas,
enquanto o deus movia-se, ícone da noite.
Sentou longe das naus: então dispara a flecha.
Horríssono clangor irrompe do arco argênteo.
Fere os mulos; depois, rápida prata, os cães;
então mira nos homens, setas pontiagudas
lançando: e ardem sem pausa densas piras fúnebres.
Nove dias sibilam flechas pelo exército;
no décimo o Aquileu convoca o povo à ágora,
inspiração ne Hera, a deusa, braços brancos,
aflita ao contemplar os Dânaos que morriam.
Depois que estavam juntos, reunidos, todos,
ergueu-se e lhes falou Aquiles, pés-velozes:
"Atreide, agora - penso - o descaminho oblíquo
nos frustra e força o passo atrás, se à morte salvos:
que, simultâneas, guerra e peste aos Aqueus domam.
Vamos, sem mais, ouvir arúspice ou vidente
- oniromante - que o sonhar provém de Zeus.

E o início do Nunes:
Canta-me a cólera –ó deusa– funesta de Aquileu Pelida
causa que foi de os Aquivos sofrerem trabalhos sem conta
e de baixarem para o Hades as almas de heróis numerosos
e esclarecidos ficando eles próprios aos cães atirados
e como pasto das aves. Cumpriu-se de Zeus o desígnio
desde o princípio em que os dois em discórdia ficaram cindidos:
o de Atreu filho senhor de guerreiros e Aquileu divino.
Qual dentre os deuses eternos foi causa de que eles brigassem?
O que de Zeus e de Leto nasceu que com o rei agastado
peste lançou destruidora no exército. O povo morria
por ter o Atrida Agamémnon a Crises primeiro ultrajado
o sacerdote. Este viera até às céleres naus dos Aquivos
súplice a filha reaver. Infinito resgate trazia
tendo nas mãos as insígnias de Apolo frecheiro infalível
no ceptro de ouro enroladas. Implora aos Aquivos presentes
sem excepção mas mormente aos Atridas que povos conduzem:
“Filhos de Atreu e vós outros Aquivos de grevas bem feitas
dêem-vos os deuses do Olimpo poderdes destruir as muralhas
da alta cidade de Príamo e após retornardes a casa.
20 A minha filha cedei-me aceitando resgate condigno
e a Febo Apolo nascido de Zeus reverentes mostrai-vos.”
Os heróis todos Aquivos então logo ali concordaram
em que se o velho acatasse aceitando os presentes magníficos;
somente ao peito do Atrida Agamémnon o alvitre desprouve
que o repeliu com dureza assacando-lhe insultos pesados:
“Velho que nunca te venha a encontrar junto às céleres naves
quer te detenhas agora quer voltes aqui novamente
pois as insígnias do deus e esse ceptro de nada te valem.
Não na liberto está dito. Que em Argos mui longe da terra
do nascimento há-de velha ficar no nosso palácio
a compartir o meu leito e a tecer-me trabalhos de preço.
Não me provoques; retira-te caso desejes salvar-te.”
Isso disse ele; medroso o ancião se curvou às ameaças
e taciturno se foi pela praia do mar ressoante
onde dum ponto afastado dirige oração fervorosa
a Febo Apolo nascido de Leto de belos cabelos:
“Ouve-me ó deus do arco argênteo que Crisa cuidoso proteges
e a santa Cila e que tens o comando supremo de Ténedos!
Ajudador! Já te tenho construído magníficos templos
40 bem como coxas queimado de pingues ovelhas e touros.
Ouve-me agora e realiza este voto ardoroso que faço:
possas vingar dos Aqueus com teus dardos o pranto que verto.”
Isso disse ele na súplica; ouvido por Febo foi logo.
O coração indignado se atira dos cumes do Olimpo;
atravessado nos ombros leva o arco e o carcás bem lavrado.
A cada passo que dá cheio de ira ressoam-lhe as flechas
nos ombros largos; à Noite semelha que baixa terrível.
Longe das naves se foi assentar donde as flechas dispara.
Do arco de prata começa a irradiar-se um clangor pavoroso.
Primeiramente investiu contra os mulos e os cães velocíssimos;
mas logo após contra os homens dirige seus dardos pontudos
exterminando-os. Sem pausa as fogueiras os corpos destruíam.
Por nove dias as setas do deus dizimaram o exército;
mas no seguinte chamou todo o povo para a ágora Aquileu.
Hera de braços brilhantes lhe havia inspirado esse alvitre
pois tinha pena dos Dánaos ao vê-los morrer desse modo.
Quando ao chamado acudiram e todos se achavam reunidos
alça-se Aquileu de rápidos pés concionando desta arte:
“Filho de Atreu quero crer que nos cumpre voltar para casa
60 sem termos nada alcançado no caso de à Morte escaparmos
pois os Aquivos além das batalhas consome-os a peste.
Sus! Consultemos sem mora qualquer sacerdote ou profeta
ou quem de sonhos entenda –que os sonhos de Zeus se originam–
para dizer-nos a causa de estar Febo Apolo indignado:
 
Última edição por um moderador:
Não sei grego e nem cheguei a ler nada muito específico comparando as traduções... É basicamente o que o Calib disse. Acho besteira você comprar a versão do Nunes se já tem a do Haroldo; as duas versões são boas, com projetos tradutórios distintos mas ambos, ao que me consta, muito satisfatórios. O lance com a estrutura poética da Ilíada é que você está falando de uma epopeia oral. Então você tem que lembrar antes de tudo que a Ilíada era declamada. O uso de um tipo de metro específico por parte do Homero, o tal do hexâmetro datílico, criava uma espécie de camada meio monótona pro poema pois assim o poeta tinha como fazer com que o espectador prestasse mais atenção no canto. Claro que em muitos momentos existem variações métricas, o que dinamiza um pouco a leitura mas nem tanto assim. O mesmo posso dizer de, digamos assim, efeitos especiais dos versos, como por exemplo aliterações, epítetos etc etc.

Eu particularmente, como leitor de poesia, fiquei mais satisfeito com o resultado do Haroldo de Campos. A versão do Nunes é uma transposição literal do hexâmetro datílico pra nossa língua, como se ele desse Ctrl+C Ctrl+V no metro ao invés de tentar adaptá-lo dentro da estrutura da poesia em língua portuguesa. Parece algo meio inocente por parte do Nunes mas tem alguns detalhes dignos de nota (por exemplo o fato de que alguns poetas já chegaram a praticar esse tipo de verso antes em língua portuguesa) e seu interesse particular (é algo que ajuda a largar, de certo modo, as fronteiras poéticas da língua). Mas o dodecassílabo do Haroldo permitiu que ele ganhasse um espaço que fosse, digamos assim, suficiente e ao mesmo tempo que ele conseguisse um efeito de compressão poética que as 16 sílabas do Nunes atrapalharam.

Tem também o senso poético do Haroldo que me pareceu mais apurado que o do Nunes. Na introdução que o Trajano Vieira faz ele mostra como o Haroldo chegou a soluções que seguem muito de perto o original do Homero, mas eu poderia apontar, por exemplo, nos dois primeiros versos, o jogo que ele faz entre "ira", "irado" e "desvario".

Então eu recomendaria que vc ficasse com essa tradução mesmo do Haroldo e investisse a bufunfa noutro livro. Você está com um ótimo produto em mãos. Essa tradução do Haroldo é importante tanto no percurso de Homero dentro do país quanto dentro do próprio percurso tradutório do Haroldo.
 
Eu acho que não faz mal nenhum comprar -- e ler -- as duas traduções. E incluiria a do Frederico Lourenço também na lista. Que tem seus méritos, não métricos.
 
Se eu já não tivesse as traduções do Nunes pela Ediouro certamente compraria essa edição aí de capa dura que deve ser mó lindona. Recomendo se o preço for em conta. Mal não há de fazer.
 
Se eu já não tivesse as traduções do Nunes pela Ediouro certamente compraria essa edição aí de capa dura que deve ser mó lindona. Recomendo se o preço for em conta. Mal não há de fazer.

Fiquei também interessado no box já que de quebra tem a Odisséia, sendo que eu tenho esta com tradução de Donaldo Schüler.
 
Bom, como a Nova Fronteira agora é um selo da Ediouro, imagino que seja a mesma edição. Mas alguém sabe me dizer se essa do box tem tudo que foi publicado nos volumes individuais da Ediouro, como o ensaio "A Questão Homérica" na Ilíada e o apêndice de nomes?
 
Estou lendo e indico, pra quem quer saber um pouco mais sobre essa obra de Homero, o livro A guerra que matou Aquiles - A verdadeira história da Ilíada de Caroline Alexander.

A-Guerra-Que-Matou-Aquiles.jpg
Este livro nos dá acesso imediato e envolvente para facilitar a leitura da Ilíada. Trata-se, primordialmente, de uma obra que explica o que está acontecendo nesse grande épico, do início ao fim. Assim, dá-nos um resumo da Guerra de Tróia contada por Homero, não uma história da própria guerra.

Vale muito a pena ler.
 
Para dar uma ideia de como há opções pra quem lê em inglês... As traduções completas da "Ilíada" em inglês registradas até 2012.


Complete English Translations of Homer’s Iliad
Fonte: http://records.viu.ca/~johnstoi/homer/homertranslations.htm

:lol:
[Arthur Hall. Ten books of Homers Iliades, translated out of French. London 1581]
George Chapman (London, 1603-1614), fourteen syllable verse. (Sample and link to complete text)
John Ogilby (London, 1656), heroic couplets.
Thomas Hobbes (London, 1675). Verse translation. (Sample and Link to Complete Text)
Oldsworth, Broom, Ozell (London, 1712). “Done from the French . . . and compar’d with the Greek.”
Alexander Pope (London, 1715-1720). Rhymed verse. (Sample and Link to Complete Text)
James MacPherson (London, 1773), prose (Sample and Link to Volume I of the Complete Text).
William Cowper (London, 1791). Blank verse. (Sample and Link to Complete Text)
James Morrice (London, 1809) (blank verse) (Sample and Link to Complete Text)
Graduate of the University of Oxford
(Oxford 1821) LiteralProse. (Sample and Comment)
William Sotheby (London, 1831) Heroic couplets. (Sample and Link to Volume I)
T. S. Brandreth
(London, 1846) “Drumming decasyllables.” (Sample and Link to Volume II)
William Munford (Boston, Mass., 1846) (Sample and Link to Complete Text)
A Graduate of the University (Dublin, 1847), A Literal Translation of . . . Homer’s Iliad.
Hamilton Bryce (1847). Prose.
Theodore Alois Buckley (London, 1851) Prose. (Sample and Link to Complete Text)
William George Thomas Barter (London, 1854) Spenserian stanzas. (Sample and link to complete text)
Thomas Clark (Philadelphia, 1855-8). English-Greek interlinear text. (Link to Complete Text)
F. W. Newman (London, 1856) “Unrhymed English metre” (Sample and Link to Complete Text)
Ichabod Charles Wright
(London 1859-64). Blank verse. (Link to Volume I, Books I-XII)
Dr. Giles (London 1861-82)Word for word prose(with Greek)
J. C. Wright (Cambridge, 1858-65). Blank verse.
Anonymous 1862.
Edward Stanley, Earl of Derby (London, 1864) Blank verse. (Sample and Link to Complete Text)
Thomas Starling Norgate (London, 1864).
Blank verse. (Sample and Link to Complete Text)
J. H. Dart
(London, 1865).Hexameter verse. (Sample and Link to Complete Text)
Philip S. Worsely,
in Spenserian stanzas (Edinburgh, 1865-8) (Link to Volume I)
Edwin W. Simcox (London, 1865). Hexameter verse. (Sample and Link to Complete Text)
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James Inglis Cochrane (Edinburgh, 1867). Hexameter verse. (Sample and Link to Complete Text)
Charles Merivale (London 1869). Rhymed verse. (Sample and Link to Complete Text)
J. G. Cordery. Blank verse with Greek facing. (London, 1870) Sample and Link to Volume I
William Cullen Bryant
(Boston, Mass., 1870). Blank verse. (Sample and Link to Complete Text)
W. G. Caldcleugh (Philadelphia, 1870). Verse. (Sample and Link to Complete Text)
John Benson Rose (London, 1874). Blank verse. (Sample and Link to Complete Text)
Charles Bagot Cayley (London, 1876). “Homometrically translated” (Sample and Link to Full Text)
Mordaunt Barnard (Edinburgh 1876). Blank verse.
Herbert Hailstone (Cambridge, 1881). Literal prose translation (Sample and Link to Book XXI)
C.W. Bateman and Roscoe Mongan. Literally translated. (London: 1881)
Andrew Lang, Walter Leaf, Ernest Myers (Boston, 1882). (Sample and Link to Complete text)
W. C. Green, verse translation (London, 1884) (Sample and Link to Volume I)
Arthur Sanders Way (London, 1886). English verse. (Sample and Link to Volume I)
Samuel Butler (London, 1888). Prose. (Sample and Link to Complete Text)
G. Howland. Metrical translation. (Boston, 1889)
John Purves (London, 1891). Prose. (Link to Complete Text)
Edgar Alfred Tibbetts (Boston, 1907) (Link to Complete Text)
Edward Henry Blakeney (London, 1910-13). Prose.
Arthur Gardner Lewis (New York, 1912). Blank Verse. (Sample and Link to Complete Text)
George Ernle (London 1922). Quantitative Hexameters. (Sample and Link to Complete Text)
Augustus Taber Murray (London, 1924). Prose. (Sample with Link to Complete Text)
Alexander Falconer Murison (London, 1933). Hexameter verse. (Sample)
William Sinclair Marris (London, 1934)
Robinson Smith (Nice, 1937). “The Original Iliad.”
William Henry Denham Rouse (New York, 1938). Prose. (Sample and Link to Lengthy Preview)
William Benjamin Smith and Walter Miller (New York, 1944). Line for line dactylic hexameter.
Alston Hurd Chase, William Graves Perry, Jr. (Boston, 1950). Prose
Emile Victor Rieu (Harmondsworth, 1950). Prose. (Review Comment and Link to Preview)
Richmond Lattimore (Chicago, 1951). Hexameter “isometric” verse. (Comment and Link)
Robert Graves (New York, 1959) (Sample)
Samuel Ogden Andrew, Michael Oakley (London, 1955). Verse
Ennis Rees (New York, 1963). Verse.
Robert Fitzgerald (New York, 1963). Verse. (Sample and Link to Preview)
J. P. Kirton (Lowestoft, 1977)
Denison Bingham Hull (Athens, Ohio, 1982). Blank verse.
Martin Hammond (London, 1987). Prose. (Preview)
Robert Fagles (New York, 1990). Verse. (Preview)
Michael Reck (New York, 1994).Verse.
Stanley Lombardo (Indianapolis, 1997). Verse. (Preview)
Ian Johnston (e-text, 2002), Arlington, Va (2006) Verse. (Comment and Link to Complete Text)
John Jackson (e-text, 2005). Interlinear Greek-English. (Preview)
Rodney Merrill (2007): English hexameters (Preview)
Tony Kline (2008?) (hyperlinked e-text). Prose (Link to full text)
Herbert Jordan (Norman, Oklahoma, 2008): line-for-line blank verse. (Sample and Link to Preview)
Frederick Light (New York, 2009). In a sequence of 1823 sonnets. (Sample)
Anthony Verity (New York, 2011). (Sample, Review Comment, and Link to Preview)
Stephen Mitchell (New York 2011). (Sample, Review Comment, and Link to Preview)
James Muirden (Rewe, Devon, 2012). A new rendering in heroic verse. (Sample and Review Comment)
Richard Whitaker (2012). A Southern African Translation. (Sample)
** Posts duplicados combinados **
O Robert Fagles parece ter sido um dos poucos que atentaram para a importância de o poema começar com a palavra μῆνιν (ira, cólera), que dá o tema da obra em posição de destaque, ao ponto até de repetir a palavra depois no verso. "Rage -- Goddess, sing the rage..." Mas na Odisseia ele já não teve o mesmo cuidado. :think:
 
mas gente...

O Stanley Lombardo também começou assim, e deu até destaque. A tradução dele busca ser uma tradução que seja, digamos, útil pra performances. Bem interessante...
 

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