“No escuro, finalmente, alguma coisa começava a acontecer. Uma voz cantava. Muito longe. Nem mesmo era possível precisar a direção de onde vinha. Parecia vir de todas as direções, e Digory chegou a pensar que vinha do fundo da terra. Certas notas pareciam a voz da própria terra. O canto não tinha palavras. Nem chegava a ser um canto. De qualquer forma, era o mais belo som que ele já ouvira. Tão bonito que chegava a ser quase insuportável. (...)
E duas coisas maravilhosas aconteceram ao mesmo tempo. Uma: outras vozes reuniram-se à primeira, e era impossível contá-las. Vozes harmonizadas à primeira, mais agudas, vibrantes, argênteas. Outra: a escuridão em cima cintilava de estrelas. Elas não chegaram devagar, uma por uma, como fazem nas noites de verão. Um momento antes, nada havia lá em cima, só a escuridão; num segundo, milhares e milhares de pontos de luz saltaram, estrelas isoladas, constelações, planetas, muito mais reluzentes e maiores do que em nosso mundo.
(...)
A Voz na terra estava agora mais alta e triunfante, mas as vozes no céu, depois de entoar com ela por algum tempo, tornaram-se mais suaves. Longe, perto da linha do horizonte, o céu se acinzentava. Movia-se uma aragem leve e refrescante. O céu naquele ponto tornava-se gradualmente mais pálido. Já se viam formas de colinas recortadas contra ele. E a Voz continuava a cantar. A luminosidade agora já era suficiente para que se vissem. O cocheiro e as crianças estavam de boca aberta e olhos acesos: bebiam o som, o som que parecia lembrar-lhes alguma coisa. (...)
O céu do oriente passou de branco para rosa, e de rosa para dourado. A voz subiu, subiu, até que todo o ar vibrou com ela. E quando atingiu o mais potente e glorioso som que já havia produzido, o sol nasceu.
Digory nunca tinha visto um sol daqueles. O sol sobre as ruínas de Charn parecera mais velho do que o nosso, mas este parecia mais jovem. Tinha-se a impressão de que ele ria de alegria enquanto ia subindo. E, quando seus raios cobriram a terra, os viajantes puderam verificar em que lugar estavam. Tratava- se de um vale através do qual serpenteava um grande e caudaloso rio, que corria para o leste, na direção do sol. Ao norte, colinas suaves; ao sul, montanhas altas. Mas era um vale apenas de terra, rocha e água; não havia uma única árvore, arbusto ou folhinha de capim.
A terra tinha muitas cores – cores novas, quentes e brilhantes, que faziam a gente exaltar… Até que se visse o próprio Cantor. Então, todo o resto seria esquecido. Era um Leão. Enorme, peludo e luminoso, ele estava de frente para o sol que nascia. Com a boca aberta em pleno canto, ali estava ele, a menos de trezentos metros de distância."
O sobrinho do Mago (vol. único das Crônicas de Nárnia, C.S. Lewis; pg. 56-57)