O Lobo

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Escrito por ives leocelso silva costa
lobo.jpgInverno na Terra-Média.

A neve se acumula no topo das colinas. Enquanto as vidas dos homens vêm e vão, o norte permanece inabalado. Frio, estéril, solitário. Pelas ruínas da Cidade dos Reis, sombras andam.

Por toda minha vida ouvi histórias. Contos de Reis e Heróis de outrora, quando esta terra era próspera e plena de vida. Fábulas da infância…

Desde as lembranças dos mais velhos, vivemos e lutamos sob essa escuridão. Protegendo aqueles que não tem a sensatez de partir, nem a coragem de lutar.

O inverno consome muitas vidas, e algo em mim desaparece pouco a pouco..

***

Chamo-me Arandil, vivo nessas terras desde que nasci. Ainda criança, treinei a arte da espada e do arco, da caça e da sobrevivência no ermo. Meu povo sempre lutou contra o ambiente, que parece quer nos expulsar. Às vezes, à noite, o vento traz lamentos, sussuros, de medo e ódio. A própria terra parece conter a essência das trevas..

Meu povo vive disperso, sempre mudando. Vencendo batalhas e perdendo guerras. Cada vez menos numeroso.. Quando alcancei a puberdade, recebi a notícia da morte de meu pai. “Ele se foi”, eles disseram, e muitos assim se perdiam. Simplesmente desapareciam uma noite, como se sugados pelas sombras que tanto se esmeravam em combater.

Mas, recentemente, um perigo mais real passou a nos ameaçar. Relatos confusos de feras espreitando florestas profundas, abominações lupinas que exalam a morte, começaram a aparecer. Nossos líderes enviaram caçadores, que foram encontrados feridos e mortos, balbuciando em terror. Vendo esses homens eu tomei minha decisão de investigar por mim mesmo, por isso viajei, até as bordas setentrionais das Colinas de Vesperturvo, onde o mal tem muitas formas.

Não tenho os sonhos de meus irmãos. Não consigo vislumbrar a nova era que tanto aguardam. O Mundo sempre foi feito de dor e sofrimento, e uma peleja eterna contra um inimigo intangível. Se houver um Rei, ainda que um dia ele alcance seu trono, o que poderá fazer que traga alguma mudança? O inverno sempre chega, e a morte e a destruição nos levam a todos. Assim foi, assim sempre será.

***

Agora estou perto do meu objetivo. Minhas botas estão se estragando, bolhas e calos machucam meus pés, e a sujeira dos charcos se infiltra nas frestas. É doloroso caminhar.

Todos os dias, afio minha espada. Ela não tem nome, não tem runas ou palavras inscritas. É apenas um instrumento de aço, a ferramenta com que nós que vivemos nos ermos do norte plantamos nossa existência no coração do inimigo. A espada de um guerreiro é sua vida. Portando, cuido da minha. E ainda que não lute por algum grande ideal como meus pares, a brando para me sentir vivo. Para dizer à escuridão que lutarei enquanto houver força em meu ser. Minha espada é um desafio, bem como minha própria vida.

Meu arco tornou-se inútil. Sua corda rompeu-se, e também as cordas reservas. Nesse frio é preciso oleá-la bastante, para que não se tensione além de seu limite. Mas em minha pressa para partir, esqueci de trazer o óleo. Agora pouca ração me resta, e começo a sentir o vazio da fome.

Ao menos mantive minha capa e meus cobertores. Do contrário a morte pelo frio seria inevitável.

Apesar da dificuldade e dos riscos, toda noite acendo uma fogueira. É difícil encontrar abrigo do vento, mas as árvores secas fornecem um bom combustível.

Na terceira noite, ouço uivos distantes. O inimigo me encontrou finalmente.

***

A matilha me cerca, doze ou quinze grandes lobos. Seguro firme minha espada à frente do corpo, com as duas mãos. Eles rosnam e ameaçam, mas não atacam.

Me estudam e esperam.

Vejo então seu líder, um grande lobo negro de olhos vermelhos, quase do tamanho de um pônei. Seu pelo grosso e sua juba se eriçam de antecipação. Suas presas, como adagas de prata pingam saliva num esgar de ódio que quase poderia ser o sorriso de um louco.

A uma ordem todos atacam.

***

Desci todo o peso do metal em minhas mãos no focinho de um atacante, que se abre sujando a neve com seu sangue pútrido. Uma das bestas salta sobre mim me derrubando, suas garras arranhando meu gibão e sua boca monstruosa ameaçando dilacerar meu rosto. Solto a espada e puxo uma adaga da cintura, uma arma simples, mas eficaz. Corto a garganta da fera e sinto seu sangue quente jorrar sobre mim.

Sinto um puxão no braço esquerdo, um dos lobos o prendeu em suas mandíbulas, e agora sacudia, tentando romper tendões e carne. Com o peso do inimigo morto sobre mim não conseguia me virar para revidar o ataque, e a dor excruciante me fez temer perder o braço. O medo se fez mais forte, e o puxei com violência, deixando pedaços meus na boca da criatura. Senti então o peso inerte do membro mutilado.

Urrando de pura ira, saltei sobre o lobo e esfaqueei suas costas, enquanto seus companheiros investiam contra minhas costas, arranhando, morrendo e cortando. Senti que minha hora chegava..

Súbito, me vi só. Os lobos se afastavam lentamente. Minha mente se perdia em devaneios febris. Eu suava e tremia, pelo frio e pela perda de sangue. Vi meu próprio sangue vermelho tingir a neve e me enchi de horror.

Então o grande lobo veio em minha direção, e olhar em seus olhos era como contemplar o próprio abismo. Não suportava encarar, mas não tinha a vontade necessária para desviar o olhar. Ouvi uma voz ecoando em minha mente, passo após passo que a fera dava perante mim, “medo.. desespero.. a solidão e o temor das noites do ermo pouco a pouco lhe despedaçaram o ser.. sua coragem tornou-se amargura, sua confiança, frustração, e você caminhou por uma trilha sombria”.

A voz me atingia dolorosamente, e eu não conseguia me mexer. “Você não veio aqui para encontrar glória, ou vingança, nem mesmo para proteger os seus.. você trilhou essa trilhou esse caminho por desespero, pelo mais negro e devastador desespero, buscando a própria destruição”.

Um uivo brutal me acordou do meu devaneio, apenas instantes antes de eu ver a grande ferra arremeter contra mim. Lágrimas escorreram pelo meu rosto, “foi tudo pra isso, então?”.

E antes do hálito mortal cair sobre mim, pude ouvir tênue e distante.. “aqueles que lutam contra a Sombra por tempo demais, podem cair nas Trevas”.

“Você foi o seu próprio Lobo”.

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Vinicius Reis

Caso você não tenha percebido nós perdemos todo o banco de dados antigo e ainda estamos acertando o site. Fábio Bettega é o Deriel, um dos administradores do site. E sim, foi ele quem ENVIOU o seu texto, não quem escreveu.

Quanto ao site estar ridículo… bem, infelizmente não podemos agradar a todos, mas posso te dizer que fizemos o melhor e o que era possível.

Ives Leocelso Silva Costa

Não basta o design ridículo que site está utilizando, tanto para os fanfics como para todo o resto, ainda colocaram meu conto sem me dar crédito?
Pode anotar aí, enviado por Ives Leocelso e não Fábio Bettega!
RIDÍCULO! Esse site já foi excelente!

Olá Ives,

Conforme o Vínicius comentou e explicou estamos em processo de reorganização de todo o site da Valinor, ajustando visual, formatação, autorias e categorias.

Tomei a liberdade de formatar o seu texto e de alterar a autoria do mesmo (colocando você).

Espero que possamos chegar a um ponto onde o site volte a ser do seu agrado!

Abraços,
Fábio “Deriel” Bettega

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