As Sombras da Noite

Escrito por Fábio Bettega
Huan e Lúthien, por Ted Nasmith
Morgoth, o Vala caído, possuía a seus serviços todo tipo de espírito que podia adquirir a forma que bem entendesse – as favoritas eram a de lobo ou criaturas vampirescas (como no conto de Beren e Lúthien). Tais crenças, licantropia e vampirismo respectivamente – fazem parte da soma de contos e crenças da humanidade que já se encontram definitivamente engajados no imaginário popular. Foram achados indícios destas crenças no Egito e na própria Grécia Antiga, durante a vida do tão famoso filósofo Sócrates, havia um popular culto a Zeus, o Lobisomem.

 
Quando falamos destes tipos de criaturas, estamos falando também da
antiga cultura xamã e céltica, que sempre abordaram a transformação de
humanos em animais e vice-versa. A origem mais aceita como primeira
manifestação de tal comportamento é o mito grego de Proteu, criado de
Posseidon, e que tinha a capacidade de saber sobre o passado, o
presente e o futuro. Diante disso, constantemente as demais pessoas o
procuravam para saber as mais variadas coisas e Proteu tentava fugir
delas transformando-se em monstros e criaturas horrorosas. Esta
história é tão conhecida que até os dias de hoje dizemos que algo é
proteiforme ou protéico quando apresenta a particularidade de conseguir
alterar a sua própria forma.

Na Idade Média a crença em vampiros
humanos sugadores de sangue era extremamente comum, tanto que uma das
obras literárias mais famosas é Drácula de Bram Stoker. Mas T.H.White
abrange algo muito mais curioso em seu livro “A espada era lei”, na
qual abrange sob outro ponto de vista a história do rei Arthur e,
embora ninguém vire vampiro, tem um dos duelos mais excitantes da
literatura:

“O objetivo do feiticeiro no duelo era
transformar-se em um tipo de animal, vegetal ou mineral capaz de
destruir o animal, vegetal ou mineral escolhido por seu oponente.
Algumas vezes o duelo levava horas…

Ao primeiro soar do gongo,
Madame Mim imediatamente transformou-se em um dragão. Era um bom lance
de abertura e esperava-se que Merlim respondesse assumindo a forma de
uma tempestade de trovões ou coisa parecida. Em vez disso, ele
surpreendeu sua oponente virando um ratinho, quase invisível no
gramado, dando uma boa mordida em sua cauda. Madame Mim arregalou os
olhos, procurou por toda parte durante uns bons cinco minutos até se
dar conta do ratinho com dentes cravados em seu rabo. Quando finalmente
reparou, num piscar de olhos tornou-se um furioso gato listrado (…)”.

A
batalha só acaba quando Madame Mim vira um aullay, um cavalo com tromba
de elefante. Ela vira-se para atacar Merlim, mas ele se transforma em
diversos micróbios que acabam por matar a bruxa.

Há dois casos
na mitologia tolkieniana que chamam a atenção por transformações que
aproximam-se vivamente ao imaginário popular dos vampiros:
Thuringwethil, a “mulher da sombra secreta” e Sauron abandona a forma
de lobisomem para transformar-se em morcego-vampiro, para se esconder
nas profundezas de Angband.

É claro que se tratando de animais
ferozes não se pode esquecer de Carcaroth, o guardião dos Portões de
Angband que nunca dormia e acabou engolindo a Silmaril junto com a mão
de Beren. Sua semelhança é muito grande com uma outra história grega:
Oeneus, o rei de Cálidon, deixou de prestar homenagens a Ártemis, deusa
da vida selvagem, no sacrifício anual aos deuses, e Ártemis reagiu ao
libertar sobre seu reino o maior e mais selvagem javali que já se vira.
O javali matou homens e animais de criação e até mesmo plantações, até
que Oeneus convocou os guerreiros mais corajosos para eliminar o
javali, oferecendo a pele da criatura como prêmio. Muitos vieram e
foram mortos pelo terrível monstro, mas finalmente a caçadora Atalanta
o fez sangrar e o filho do rei o matou com a sua lança.

O
episódio acima citado é muito próximo ao que podemos imaginar quando
lemos “O Silmarillion” após a engolida da Silmaril por Carcaroth.
Depois, toda a perseguição que o rei Thingol, os elfos mais corajosos e
Beren fazem quando o Cão aproxima-se é sem dúvida familiar à história
grega contada. Mas, há em oposição a toda a maldade de Carcaroth, Huan
– o cão de caça dos Valar.

Lobos e cães sempre estiveram lado a
lado nas grandes histórias ancestrais indo-européias. Mestre Tolkien
pode ter se inspirado na história do príncipe de Gales, Llywelyn. Seu
cão de estimação salvara seu filho, ainda um bebê de berço, de ser
comido por um lobo. Todavia, quando o príncipe entra no quarto e só vê
sangue e sujeira pensa ter sido o seu animal de estimação o culpado e o
mata antes de ver o lobo morto ao lado do berço.

Huan salvou a
vida de todos ao matar Carcaroth, mas acabou envenenado pelos dentes do
inimigo. Foi um destino cruel no qual ninguém poderia interferir, seu
destino foi selado com a terceira e última palavra que estava condenado
a dizer, um adeus a seu amigo Beren.

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