Guerra nas Estrelas e Terra-média: Universo Mí­tico e Mundos Secundários

Escrito por Fábio Bettega

Chaves para uma compreensão do Imaginário de Tolkien

Há vários conceitos que apóiam o Imaginário de Tolkien, necessários
ao seu desejo de compor um conto consistente, uma boa história:
Sub-criação, Mundo Primário e mundos secundários, Fantasia, Fuga,
Recuperação, Consolação e Eucatástrofe. É minha intenção oferecer um
guia útil destes termos, então explicarei cada um deles resumidamente.

 

 
Chaves para uma compreensão do Imaginário de Tolkien

Há vários conceitos que apóiam o Imaginário de Tolkien, necessários
ao seu desejo de compor um conto consistente, uma boa história:
Sub-criação, Mundo Primário e mundos secundários, Fantasia, Fuga,
Recuperação, Consolação e Eucatástrofe. É minha intenção oferecer um
guia útil destes termos, então explicarei cada um deles resumidamente.

Sub-criação significa para Tolkien o trabalho principal de qualquer
artista: a construção de possíveis mundos onde uma história possa ser
desenvolvida – isto é, contada. Eles devem ser prováveis e
consistentes, evitando que a magia – inerente à qualquer experiência
est̩tica Рextrapole, e preservando a Arte do fracasso (veja On Fairy Stories,
páginas 36-44). Esta situação de crença secundária é uma experiência
compartilhada tanto pelo Cinema quanto pela Literatura, e é muito
interessante para se fazer uma análise de semelhanças e diferenças
entre os mundos que estamos estudando.

O Mundo Primário é o real, nosso mundo. Poderíamos considerá-lo como a
referência para o leitor-espectador colocar sua própria perspectiva, e
entender o que ele contempla e experimenta como uma obra de arte.
Mundos secundários são os universos de ficção, tão variados quanto as
diferentes artes – as possibilidades de criar beleza.

Para Tolkien, Fantasia é não só a tarefa primária do artista, mas
também a arte de dar à uma história “a consistência interna de
realidade, que comanda ou introduz à Crença Secundária”. A criação de
mundos plausíveis necessita de Arte, e não só imaginação. De fato, a
habilidade de Lucas e Tolkien é óbvia quando elaboram mundos
profundamente consistentes onde sempre são cumpridas leis internas
lógicas. Assim é fácil de identificar neles o Mundo Primário – o
verdadeiro – e a história que confere a experiência do prazer estético
– o desejável.

O próximo conceito usado por Tolkien é Fuga. Ele define isto como o
legítimo escapismo para a verdadeira realidade, que vai além da visão
direta da vida cotidiana. Esta fuga não é a de um desertor, mas o
legítimo escapismo do prisioneiro, que não pode ser culpado se,
“achando-se aprisionado, tenta sair e ir para casa. Ou se, quando não
pode fazê-lo, pensa e fala sobre outros assuntos que não sejam
carcereiros e muros da prisão”. Junto à este conceito está Consolação:
o transcender de incontáveis limitações experimentadas pelos seres
humanos ao longo do caminho. Os bons contos de fadas oferecem, de
acordo com Tolkien, a grande consolação: a chance de escapar da Morte.
Ele chama isto a Grande Fuga. Em contos de fadas nós achamos uma
explicação para as profundas aspirações da alma humana, realizadas
pelas boas histórias contidas nos livros. Porque nós nunca devemos
esquecer que, afinal de contas, contos de fadas foram escritos por
seres humanos.

Finalmente, Tolkien analisa o conceito da eucatástrofe: a “Consolação
do Final Feliz (…). O conto eucatastrófico é a verdadeira forma de
conto de fadas, e sua mais alta função�. Veremos depois que, na mente
de Tolkien, o final feliz não tem nada a ver com o cego, irreal, final
“perfeito”. Deve, acima de tudo, conduzir a uma conclusão final de
acordo com as exigências do enredo para aquele ponto na história. A
alegria da reviravolta dos eventos, que acontece quando toda esperança
parece ter definhado, é capaz de causar a identificação do leitor,
quando nossa experiência íntima de vida encontra um conto profundamente
tocante. Na vida real (o Mundo Primário) eventos não acontecem do modo
que nós planejamos. Muito pelo contrário: eles são tecidos como as
linhas de um tapete tramado pela providência e liberdade pessoal. Como
Professor Odero mostrou em seu ensaio, “esses contos de fadas não são
versos infantis. Eles são contos cheios de fantasia, mas contêm uma
recuperação poética do mais elementar, ambas realidades humana e
cósmicas, intimamente conectadas com os profundos desejos humanos�.
Trataremos disso mais tarde.

Resumindo, abordarei em primeiro lugar os métodos narrativos próprios
para Cinema e Literatura, e explicar como cada um condiciona uma
história. Concluirei que o veículo dos momentos eucatastróficos de
Guerra nas Estrelas é a linguagem do Cinema: a trilha sonora, efeitos
especiais, close-ups Рesses elementos visuais, a exig̻ncia de um final
feliz Hollywoodiano, mais distante do Mundo Primário que qualquer coisa
que aconteça na Terra-média. A possibilidade da eucatástrofe na
Literatura repousa na experiência vital do leitor, e seu desempenho
requer um tipo de magia por parte do autor, que deve ser capaz de
causar a identificação subjetiva com o uso exclusivo das palavras.

Era uma vez… o conto de fadas

Tem-se dito que Guerra nas Estrelas é um conto tradicional, uma
fantasia espacial – tanto pelo enredo quanto pela atmosfera, e ao mesmo
tempo, um mito “atualizado”. Eu não concordo com este ponto de vista. A
história é ambientada em sistemas solares longínquos, mas o enredo é
profundamente humano, de forma que o drama pode ser negligenciado sem
detrimento de sua conexão com o mundo real.

A Trilogia começa com o enorme universo como fundo onde um texto
contínuo nos põe a par da situação. Seu propósito é levar o espectador
para um ambiente alienígena (este dispositivo foi chamado de “viagem
espacial”). Mas um olhar mais acurado nos permitirá ver que estamos
sendo convidados a viajar no tempo, também. “Há muito, muito tempo
atrás…”, é um eco da expressão “Era uma vez” com a qual os contos
tradicionais começam. Neste ponto Guerra nas Estrelas e Terra-média se
encontram: mundos míticos desenvolvem-se fora do tempo, ou seja,
anacrônicos: eles não existem, mas poderiam existir, e isso os faz
aplicável em essência, e não só superficialmente, para todas as idades.

Neste cenário “um conflito entre o homem e a máquina” é estabelecido,
na opinião de Joseph Campbell. Eu discordo, desde que esta visão
simplifica em excesso os temas subjacentes da história. O conflito não
responde a uma mera confrontação em termos de bem/mal, homem/máquina,
ou até mesmo uma luta simples entre o Império e a Rebelião. Esta
perspectiva deve-se muito à uma compreensão maniqueísta da história,
uma visão que não se conta para uma análise profunda dos elementos
narrativos do enredo.

George Lucas afirma que todo artista cria de acordo com um imaginário
específico e busca as verdades que estão por baixo da superfície. Para
este fim ele usa arquétipos mitológicos. Han Solo ilustra este padrão,
um padrão que não tem nenhum correspondente na Terra-média, onde nós
dificilmente podemos achar personagens secundários ou extras: a
presença poderosa, penetrante de uma história comum que age como um
cenário que explica o presente, é um antídoto contra a dependência da
qual todos os personagens tiram proveito. Esta é outra diferença entre
a Trilogia e mundo de Tolkien. As limitações impostas, especialmente
pela duração do filme, na narrativa, fazem os personagens de Guerra nas
Estrelas representar tipos humanos, e ocasionalmente, as suas ações
dificilmente respondem à personalidade de cada personagem. Em todo
caso, como um todo, a Trilogia nos permite analisar a profundidade com
que George Lucas desenvolveu os atores do drama. Os personagens de
Tolkien não são arquétipos; pelo contrário, eles são essencialmente
humanos. A consistência interna deles os faz acreditáveis: a evolução
deles como agentes do enredo pode ser traçada passo à passo. Deste
ponto de vista a aplicabilidade para o universo particular se torna uma
tarefa mais fácil. A liberdade deles ao longo do tempo interno os faz
seres individuais, identificáveis ao longo da história através de suas
ações e reações em face às exigências inesperadas do enredo.

As ações do herói ou vida com aventura

Os personagens devem sofrer uma transformação das suas perspectivas
gerais. Eles costumam agir de acordo com referências que devem ser
rendidas a interesses maiores: uma tarefa opressiva. Em O Hobbit e O
Senhor dos An̩is existe um paralelismo Рṇo exclusivo desses
personagens específicos dentre os da Terra-média; também pode ser
encontrado em Niggle, T̼rin Turambar ou Beren Рcom respeito ao
amadurecer pessoal do herói: Bilbo, Frodo e Luke Skywalker são exemplos
a serem considerados.

Identificação subjetiva do espectador com o herói é incitada pelo
direcionamento com que o herói é apresentado a ele. Os agentes
principais destes contos não são os heróis distantes de mitologia
grega. Pelo contrário, eles são vistos como indivíduos que não estão
preparados para cumprir a missão à que eles foram designados. Esta
missão parece ser para eles um fruto do acaso, um intruso nas vidas
deles. Não obstante a missão é apresentada como a razão definitiva de
suas histórias pessoais. Lealdade recíproca se torna o apoio da
esperança. Para nomear alguns exemplos, a amizade crescente entre Solo
e Luke Рe por meio dela, o compromisso daquele com a Rebelịo -; a
fidelidade de Chewbacca para Han, ou, possivelmente o melhor exemplo, a
lealdade demonstrada por Sam a Frodo ao longo de O Senhor dos Anéis. Em
Uma Nova Esperança, R2D2 e C3PO tentam cumprir uma missão que eles não
procuraram. R2D2 é guiado por sua lealdade a Princesa Leia, enquanto
C3PO é compelido pelo mesmo sentimento a R2, até mesmo contra a vontade
dele. Considerando que ambos os robôs são capazes de lealdade, eles não
são máquinas mas uma síntese imaginativa de seres racionais com pele de
metal e ossos. Eles são pessoas disfarçadas como máquinas. Os
comentários de C3PO oferecem um contraponto exato sobre quão pouco deve
ser esperado de realidades mundanas, e a necessidade para realizar
obrigações: “Parece que fomos feitos para sofrer. É nossa sina na
vida”, disse C3PO enquanto vagava pelo deserto desanimado. Frodo está
completamente ciente disto quando, dando adeus a Sam, declara,

“Tentei salvar o Condado, e ele foi salvo, mas não para mim. Muitas
vezes precisa ser assim, Sam, quando as coisas correm perigo: alguém
tem que desistir delas, perdê-las, para que outros possam tê-las”.

Esta missão – a qual assume a forma literária de uma jornada,
conseqüentemente assemelhando-se a um fluxo, a narrativa da vida -,
aparece em um momento mais ou menos inesperado, como um aborrecimento
adicional que chacoalha uma existência cheia de rotina. A jornada
conduz os personagens para um lugar que eles nunca teriam escolhido ir
-Mordor ou a Estrela de Morte. A consciência do papel a executar na
cadeia de eventos deste momento em diante torna-se dolorosa: a certeza
subjetiva dos personagens da falta de talento, medo do desconhecido, a
possibilidade de uma morte provável, e assim por diante, como também a
certeza de que a missão exigirá o melhor deles, isso é, comprometer
suas vidas a algo maior que eles. “Mas é sempre assim o curso dos fatos
que movem as rodas do mundo: mãos pequenas os realizam porque precisam,
enquanto os olhos dos grandes estão voltados para outros lugares”.
Elrond – o autor desta frase considerada por Tolkien em uma entrevista
de BBC como “a mais inteligente” frase de O Senhor dos Anéis – e
Gandalf são exemplos brilhantes de personagens sábios, capazes de
compreender o curso das rodas que movem o mundo – ambos real e
secundário. Frodo e Luke também são paradigmas neste respeito, talvez
de um modo mais profundo que Bilbo. E possivelmente Frodo está acima de
todos.

Luke é disposto e autoconfiante. Ele quer partir com Obi Wan, se
antecipa a Yoda em seu desejo de aprender, e pensa que ele certamente
aprenderá mais rapidamente que o seu mestre acredita, embora não seja
assim. De certo modo é mais fácil para ele deixar para trás sua vida
cotidiana -uma vez que sua família foi assassinada pelas tropas do
Império, “não há nada aqui para mim agora. Eu quero aprender os
caminhos da Força e me tornar um Jedi como meu pai”. Mas ainda sim Luke
tem pouco conhecimento de si mesmo.

Frodo não tem nenhuma intenção de levar uma vida diferente daquela que
ele já desfruta no Condado. Os perigos que estão por vir estão mais
claros na mente dele do que na de Luke, e ele está mais ciente de sua
incapacidade. De fato, ele é mais incapaz: Luke confia na Força, que
vem em sua ajuda no ataque final a Estrela de Morte, como também em
outros momentos ao longo da Trilogia. O único aliado de Frodo é sua
própria lealdade, deste modo alcança um desenvolvimento moral mais
profundo já que ele tem que passar por tormentos internos incontáveis
que parecem drenar sua determinação, sempre por um fio. Tolkien criou
Frodo usando como inspiração os heróis antigos da Literatura Nórdica
Européia: heróis que resolveram lutar por um senso de dever, confiando
numa lealdade que ia além de toda a esperança e recompensa. A história
de O Senhor dos An̩is Рassim como a de T̼rin ou Beren, Beowulf ou
Kullervo Рconsegue deste modo um sentido ̩pico mais poderoso, mais
íntimo ao mundo Primário que as ações de Luke. Estas são mais
transparentes e identificáveis às coordenadas do receptor no reino
superficial de expectativas. Luke é apresentado como um adolescente e
suas metas são, neste modo, claras do mundo real. Tanto Luke quanto
Frodo têm que deixar a vida cotidiana, deixar para trás uma vida
confortável para salvar algo. Durante a jornada eles amadurecerão como
indivíduos, e esta maturidade pessoal reflete na aquisição progressiva
da verdadeira sabedoria, como também na construção de uma condição
profundamente misericordiosa. Ao término de ambas as histórias nós
descobrimos dois personagens inclinados a entender as fraquezas dos
outros e propensos a perdoar, finalmente purificados pela dor de viver.
Os destinos de seus respectivos universos pesam em seus ombros. Eles
têm que empregar suas vidas inteiras nesta libertação sem esperar uma
única recompensa. Mas a liberdade deles para aceitar ou rejeitar a
missão não é predeterminada. Ben Kenobi apresenta a Luke a necessidade
dele se envolver nos caminhos da Força, com o propósito de salvar a
galáxia – “eu preciso de sua ajuda, Luke”, ele declara; e ele continua
dizendo “Você deve fazer o que você achar que é certo, é claro”.

Semelhantemente, Gandalf expressa sua alegria quando ele tem
conhecimento da condição leal de Frodo, duas vezes: no Bolsão, e na
firme determinação dele em ir para Mordor, expressa diante do Conselho
de Elrond. Mas Luke e Frodo poderiam ter recusado a proposta, deixando
a história desenvolver-se de outro modo, em cursos perfeitamente
possíveis.

O personagem de Yoda dá nova luz ao estudo da evolução pessoal de Luke.
George Lucas tem a opinião de que um mestre, que ensina uma filosofia
específica de vida, tem uma influência mais profunda que o herói. Yoda
veio de tempos antigos, de eras mais sábias e mais civilizadas. Obi Wan
apresenta o sabre de luz do Jedi como “uma arma elegante para uma era
mais civilizada”. Yoda é SÃ?BIO e PRUDENTE. Mas ele não está acima de
tudo, além de todas as coisas. Mais importante, ele não está acima da
morte embora Рcomo no caso de Aragorn -, ele pare̤a ter escolhido o
momento de partir do mundo. Luke, durante toda sua jornada pessoal,
estará desenvolvendo sabedoria e prudência, como também misericórdia,
assim como Frodo. No fim, ambos são essencialmente personagens serenos,
cheio de paz interna. A briga entre Luke e o Imperador revela um
aspecto chave no conflito subjacente que é mantido durante a cena
decisiva de O Retorno do Jedi. Luke diz: “sua confiança excessiva é sua
fraqueza”, e o Imperador responde “sua fé em seus amigos é a sua”. Em
essência, o que está em jogo é ou a vitória da humildade ou a vontade
de escravizar – o criador sendo os meios de catarse, quer dizer,
purificação: todos os personagens crescem na jornada da abnegação
voluntária – escolhendo entre confiar nas suas próprias capacidades, ou
questionando-as. Tanto a extensão do Império, ou enorme poder de Melkor
e Sauron, repousam no vazio que é o coração deles. Mal é nada mais que
uma ausência de direito, a vocação negada da realização de coisas. Isto
não existe em seu próprio meio e assim, não é auto-suficiente. Eis por
que a derrota final deles é completa. Bom, embora aparentemente fraco –
Yoda é um exemplo apropriado -, é poderoso porque não conta com si
mesmo, não presume uma força que não tem. Ele suspeita de sua própria
força, confiando em outros elementos e instâncias diferente de si
mesmo, por exemplo na própria idéia que é defendida e é sua força -ou
em liberdade, um dos padrões em O Senhor dos Anéis. A morte de Obi Wan
é um exemplo de sacrifício em favor de outra pessoa. Na real vida, a
vitória de uma idéia depende de seus defensores mais fracos. A batalha
verdadeira é travada entre Luke e o Imperador, não entre os cruzadores
e as naves da Rebelião; de um modo até mais distinto, o destino estava
por um fio enquanto Frodo e Sam escalavam cuidadosamente como frágeis
insetos em direção as Fendas da Perdição, embora parecesse que a
batalha decisiva estava desdobrando-se nos Campos de Pelennor.

No Reino das Fadas nada pode ser preservado intencionalmente da luta.
Tanto os mundos de Lucas e Tolkien ilustram um fato diretamente
resgatado da vida real. O dilema que os personagens enfrentam
acontecem, em um caso, durante a visita de Gandalf à Frodo (A Sombra do
Passado, capítulo II de A Sociedade do Anel) enquanto, no outro caso,
nós encontramos uma primeira fase marcada pelo encontro inicial com Ben
Kenobi (Uma Nova Esperança), seguido pelo desenvolvimento progressivo
de Luke como um cavaleiro Jedi (O Império Contra Ataca), e a completa
maturidade dele (O Retorno do Jedi). As cenas nas quais Luke conversa
com Yoda mostram o modo que um Jedi deveria desconfiar de si mesmo para
confiar crescentemente na Força. Yoda não é o grande guerreiro que Luke
esperava encontrar – “guerra não faz ninguém grande”, observa o mestre
quando eles se encontram pela primeira vez. Em essência, o que é
exigido de Luke ̩ um ato de f̩ Рum salto -, um elemento sempre
presente no universo narrativo de Lucas (outros exemplos estão nos
filmes de Indiana Jones e Willow). Luke vacila quando ele deve “puxar”
a nave dele para fora do pântano: “Eu vou tentar”, ele diz. “Não”,
responde Yoda, “faça ou não faça; não há tentativa”. Luke falha, não
porque a nave “é muito grande”, mas porque lhe falta fé. “Você sempre
diz que é impossível”, Yoda reclama. Só na mente de Luke é impossível
mover a nave. Yoda responde com a demonstração de que julgamentos não
deveriam ser fundados na aparência, que engana freqüentemente. “Você me
julga pelo meu tamanho; não importa o tamanho”. A Força os faz “seres
luminosos”, e Luke deve descobrir sua presença entre a pedra e a
árvore, entre ele e o mestre… Quando a cena termina e a nave de Luke
está fora da lagoa, ele diz: ” Eu…, eu não consigo acreditar nisso”,
mas resposta de Yoda é eloqüente: “Sim; por isso você falhou”. Os
obstáculos nunca são o problema. Nós construímos as trincheiras dentro
de nossos corações.

Luke pode sentir a Força mas ele não pode controlá-la. Sua impaciência
faz dele uma presa fácil para o lado negro (um sinônimo de “ira, medo,
agressão”) uma vez que “há muito ódio nele” que é algo que o Imperador
já notara. O lado negro da Força é “mais rápido, mais fácil, mais
sedutor”. Ele comandará para sempre os destinos daqueles que permitem
sua vitória: apagará sua liberdade e os transformará em escravos de sua
própria ambição assim como o Anel faz, corroendo a vontade seus
portadores. Por isso a compaixão que Frodo sente por Gollum: ele sabe
de primeira mão a luta interna pela que Gollum está passando já que
cada vez mais ele sente o chamado para reivindicar o Único Anel para si
mesmo. A essência do mal do Anel ou as mentiras do Lado Negro repousam
no enfraquecimento da capacidade das pessoas em seguir em frente e
fazer o que é certo; eles dificultam uma escolha verdadeiramente livre.

Ben e Yoda aconselham Luke a ser paciente quando ele decide salvar os
amigos antes do término de seu treinamento. “Se você honra pelo o quê
eles lutam, você pode deixá-los morrer”. De certo modo, Luke quer
ajudar os amigos – para controlar sua própria história pessoal como
também seu papel dentro do enredo geral que se desdobra diante dele.
Ele perceberá a verdade logo. Diante de sua determinação, o último
conselho é: “Não deixe o ódio dominar você”.

Outro marco importante no treinamento de Luke como um Jedi é a aventura
dele na floresta ominosa onde ele é compelido por Yoda a entrar: “Você
tem que entrar”. “Eu sinto frio, morte”, diz Luke. Embora ele
insistisse de que não estava sentindo medo, ele verá que o aviso de
Yoda tornar-se realidade: “Você vai sentir”. Luke achará na floresta
“aquilo que você tem dentro de você”. Esta cena tem uma semelhança
notável com o Espelho de Galadriel em O Senhor dos Anéis. Frodo e Luke
descobrirão dentro de suas visões lampejos de coisas que acontecerão,
eventos que eles não entendem completamente. Quer dizer, eles dependem
em grande parte da liberdade deles Рque ̩ por isso que o futuro
constantemente muda. Luke enfrenta Vader e vê sua própria face dentro
do capacete partido: sua condição de herdeiro de Vader, e a
possibilidade de tornar-se o alter-ego de Vader se ele com sucesso for
atraído pelo Lado Negro da Força. Ambos os heróis obtêm algumas pistas
de suas respectivas visões para resolver seus enigmas: como Galadriel
diz a Frodo, “o Espelho é um guia perigoso para a ação”.

Liberdade pessoal e responsabilidade

Há outra co-relação interessante entre o sentido peculiar de
providência que permeia ambos os possíveis mundos – aplicável até certo
ponto para qualquer Reino das Fadas – e a liberdade de cada personagem.
As exigências da consistência interna requer que a liberdade de cada
personagem permaneça indiscutida do começo ao fim, embora o narrador
(Lucas, Tolkien) possa atuar como um mágico, prevendo o que acontecerá
até certo ponto. Em todo caso, a exemplo de Tolkien, o respeito dele
pela credibilidade de O Senhor dos Anéis o conduziu a escrever quatro
fins diferentes; o formato conhecido da história não reproduz nenhum
deles. Há um pequeno projeto geral em um bom conto: as coisas fluem
para seus finais “próprios” com possibilidades contidas nos eventos e
decisões diferentes. Assim como na vida real. Conseqüentemente, os
personagens tornam-se dignos de exaltação (a recompensa reservada aos
heróis da antiga Literatura Nórdica, o lofgeornost (título dado a
Beowulf que significa “o mais ávido por glória�), lastworda bests (a
melhor reputação) com o qual Beowulf termina, e é o que encoraja Sam a
continuar quando toda a esperança parece ter desaparecido: os seus atos
serão dignos de serem cantados por trovadores em Eras vindouras); ou
merecedores de castigo, de acordo com suas ações. Este modo de ação
permite o que Tolkien chamou “a Consolação do final feliz”. Darth Vader
tem que morrer, como Boromir: uma morte gloriosa ajusta-se as suas
necessidades como personagens. Obviamente, as exigências do Cinema como
entretenimento fazem a morte de Han Solo um evento muito improvável.
Não obstante, Gandalf morre, assim como Frodo, e estes eventos são
parte de uma compreensão correta do trabalho. Eles não são só meros
truques para empurrar o enredo adiante. De qualquer maneira nós
esperamos que tudo dê certo enquanto vemos os filmes.

Por outro lado, esperança desaparece e não deixa nenhum rastro,
enquanto lemos O Senhor dos Anéis, ou a canção de Beren e Lúthien, e
especialmente a história de Túrin Turambar no Narn i Hîn Húrin, uma dos
Contos Inacabados. Então, a eucatástrofe nos primeiros dois exemplos é
mais acentuada por ser menos esperada, enquanto que a morte de Túrin é
completamente consistente com a destino trágico que segue o personagem
que é, afinal de contas, responsável por todos os seus atos: não há
nenhum fatum na Terra-média.

Campbell afirma que Darth Vader é incapaz de demonstrarvontade
própria – de fato, ele se tornou quase um robô -; ele comanda um
sistema padrão totalitário. Embora ele tenha sido seduzido, ele ainda é
livre. Cada escolha levada a cabo é um ato voluntário, ainda que
equivocado, e portanto ele é censurável por isso. De fato, sua evolução
interior – causada entre outras razões por ternura – alcança seu clímax
com uma boa escolha voluntária antes do fim (não muito tarde; nunca é).
Annakin Skywalker-Darth Vader fornece um dos momentos eucatastróficos
da história, e a morte dele, já redimido, representa mais um passo na
catarse de Luke como também na maturidade dele como um cavaleiro Jedi.
Luke perde mais um apoio: ainda há um grande futuro pela frente e em
suas mãos; ele ainda é livre e ao mesmo tempo o lado negro da Força
ainda é uma ameaça. Toda ação compromete Luke com sua própria
liberdade, e portanto com sua responsabilidade pessoal. Então, ele
sempre tem a possibilidade de mudar, só que agora ele corre o risco de
se aprofundar mais nos caminhos do mal de que o próprio Imperador, se
ele escolher. E isso deve-se ao fato de que Luke é agora mais poderoso,
isso é, mais capaz de fazer o que é certo, mais capaz de servir; o
risco é transformar este poder em vaidade. Morgoth e Sauron caem nesta
mesma tentação, assim como Saruman e Boromir, enquanto Gandalf e
Galadriel, confrontados com a mesma escolha, superam-na.

No duelo entre Vader e Luke em O Império Contra Ataca, o argumento
principal para tentar Luke é que o Imperador o teme. Por conseguinte,
Vader lhe faz uma oferta: “una-se a mim, e com nossas forças combinadas
nós terminaremos este conflito destrutivo e traremos ordem para a
galáxia”. Isto exemplifica a lógica do poder: governar de acordo com
suas próprias leis. Do mesmo modo, Darth Vader quer usar a Força (como
Saruman quer ter o Anel) para seu benefício próprio. Mas isso é
impossível. Nós estamos diante do conto da tentação suprema como
revelado no Gêneses 3, 5 no qual o que foi oferecido era não ter
nenhuma lei além da de cada um: “vocês serão deuses”. Gandalf, Elrond,
Galadriel ou Aragorn, todos eles personagens de uma condição moral alta
e sabedoria profunda, são justamente por causa disto, muito suspeitos
deles próprios, sabendo as conseqüências que aconteceriam ao mundo
secundário se eles achassem o Anel e o mantivesse com a intenção de
empregá-lo no serviço do bem. Todos eles superam a tentação através da
humildade e do serviço para o bem comum. Luke prefere pular para dentro
do abismo à trair a causa a qual dispensa sua lealdade. A pessoa tem
que fazer tudo aquilo que está dentro de sua capacidade, não importa
quanto, a despeito da dor e dos sentimentos mais nobres – como o amor
de Luke por seu pai e Leia; mesmo se o abismo à frente seja
incomensurável e a chance de ser salvo pareça improvável. No contos de
fadas, como na vida, não há nenhuma certeza: liberdade permanece
indiscutida a toda hora. E isso é por que há esperança. Quando Frodo
fala do Anel e diz: “Este Anel! Gostaria de nunca ter visto o Anel! Por
que veio a mim? Por que fui escolhido?”, Gandalf responde:

“Perguntas desse tipo não se podem responder. Pode ter certeza de que
não foi por méritos que outros não tenham: pelo menos não por poder ou
sabedoria. Mas você foi escolhido, e portanto deve usar toda força,
coração e esperteza que tiver”.

A única garantia no Reino das Fadas é uma estrada sombria cheia de incertezas.

De certo modo, Sméagol-Gollum se assemelha a Darth Vader. Regido pelo
desejo de possuir o Anel, ele executará um papel chave em sua
destruição, assim como Vader na salvação de Luke do poder destrutivo do
Imperador. Mas Gollum também é um personagens com seus momentos de
claridade mental, vislumbres de um passado jovial, quando ele era livre
para escolher e ir onde quer que ele quisesse.

A importância de idioma em mundos imaginários

Há outros vínculos entre ambos mundos narrativos. Em primeiro lugar
considerarei a primazia em se criar idiomas. Estes provêem viabilidade
para as histórias. No caso da Terra-média, este aspecto está no coração
de toda perspectiva de Tolkien. Na mente de Tolkien sub-criação sempre
foi subordinada ao poder sugestivo das palavras. Os Povos que moram no
mundo secundário são melhor compreendidos a partir da consideração de
seu próprio idioma e passados distintos. Como dissemos antes, para
Tolkien e Lucas, consistência interna é indispensável. Neste sentido, a
qualidade fonética, quer dizer, o som de nomes formais é uma
conseqüência da correspondência íntima entre os objetos designados e
seus nomes: Darth Vader, Moff Tarkin, a Estrela da Morte; Skywalker,
Leia Organa, Obi Wan Kenobi, Yoda Tatooine, Alderaan, Jabba o Hutt,
Endor; cada idioma dos povos define seu respectivo papel na história. O
idioma ríspido dos Tuskens, os meios primitivos de comunicação dos
Jawas, simples e ingênuo, assim como a fala dos Ewoks. As enlatadas,
vozes de metal dos soldados do Império, a dicção calma de Ben Kenobi e
Yoda…

No que diz respeito a Terra-média, as construções lingüísticas
complicadas de quenya e sindarin, e a fala pedregosa, vultosa dos
Naugrim (Anões), ou o palavreado deturpado dos Orcs. Um personagem como
C3PO tem o privilégio de ser capaz falar praticamente todos os idiomas
da galáxia, em um mundo imaginário que nos compele a aceitar a
existência de robôs humanizados capaz de comunicação.

Por outro lado, Tolkien mostrou uma característica diferencial dos
contos de fadas, a satisfação de desejos inacessíveis para seres
humanos: voar como pássaros, comunicar-se com outros seres humanos ou
nadar como um peixe pelos oceanos. Radagast o Mago é um bom exemplo
deste desejo humano que encontra Consolação dentro da Terra-média, uma
vez que ele pode entender o idioma de uma vida selvagem diferente.

Paisagem mítica e o respeito pela Natureza

Temos que fazer um comentário sobre o modo que a Natureza é tratada
nessas ficções. Guerra nas Estrelas não focaliza o enredo cósmico onde
a história se desdobra. A Natureza é apresentada como um ambiente
hostil ou morno, freqüentemente restrito a paisagens específicas: gelo
ou desertos de areia, solos estéreis, asteróides, florestas espessas,
pântanos. No mundo de Tolkien o número de conotações que emergem da
Natureza é maior. Só a sua presença já ativa freqüentemente uma gama de
reações que vão da alegria ao desespero. Ambientes opressivos (Mordor,
Isengard, o Condado violentado por Charcote-Saruman), lugares cheios de
uma beleza melancólica sofrida (Lothlórien, Valfenda), paisagens
abruptas (o Abismo de Helm, as quedas de Rauros, a Montanha Caradhras)
são ótimos exemplos de uma personificação da Natureza que atinge
características antológicas na Terra-média.

Ao invés de uma sentido idealizado de Natureza, ou Natureza apresentada
em um estado mais ou menos puro, a máquina projeta uma sombra de
ausência de humanidade, quer dizer, uma falta de personalidade
individual. Já mencionamos isso quando lidamos com Vader. Mas também
podemos achar isso no atrezzo que acompanha o Império: os soldados não
têm nada que possa ser chamado de um semblante individual, assim como
os Cavaleiros Negros. Tudo segue um padrão de acordo com as diretrizes
de um desejo para dominar que usa medo e decepção; um desejo de
escravizar (ao invés do eco dessas palavras na Bíblia: “A Verdade o
libertará” João 8, 32), que inspira as palavras de Leia para Tarkin:
“Quanto mais você aperta o laço, mais sistemas estelares deslizarão
pelos seus dedos”. Os Povos Livres ou a Rebelião contêm as
características que definem o que é Certo nos universos míticos.
Aparentemente, eles têm pouco poder, mas isso não é um obstáculo para
eles reunirem um resistência indestrutível que repousa na força e
perseverança que habita no coração da verdade e liberdade.

Barad-dûr e a Estrela da Morte encontram-se neste ponto como uma visão
maquinária inominável. Semelhantemente, em uma proporção menor,
Isengard e sua corrupção progressiva e lamentável no mundo secundário
de Tolkien. Em suma, embora pudesse ser uma definição simplificada
demais, o que está em jogo é uma confrontação entre dois elementos:
Tecnologia contra Força; Corrupção contra Natureza.

Bem, Mal e Esperança: Maniqueísmo rejeitado

Como em qualquer conto tradicional, o oposição entre bem e mal é um dos
padrões da narrativa, mas não o padrão. Um dos meios para apresentar
este conflito é a desproporção de tamanhos. Ruim subjuga, suas
dimensões são incomensuráveis, de forma que a alegria da eucatástrofe
sempre é maior, assim como a alegria da esperança recuperada na vida
real. Alguns momentos eucatastróficos são, por exemplo: a destruição da
Estrela da Morte; a presença inesperada de Obi Wan no ataque final, e
depois; o encontro de Han e Luke no deserto congelado; ou o salvamento
de Han Solo. Nas próprias cenas de batalhas da saga de Guerras nas
Estrela, nós encontramos este contraste de tamanhos: o cruzador
imperial que captura a pequena nave consular; a imensa Estrela da
Morte; o enorme Destróier Estelar em O Império Contra Ataca que faz os
cruzadores parecerem caças comuns. Os exemplos correspondentes na
Terra-média poderiam ser os exércitos de Sauron nos Campos de
Cormallen; a fortaleza de Barad-dûr; ou a presença dos Nazgûl todo o
tempo. Vislumbramos a alegria que virá com a vitória final – embora
esta nunca seja completa -, mas ignoramos o modo com que os desafios
serão superados. O que sabemos com dolorosa certeza é que encontraremos
sofrimento no caminho. No Reino das Fadas, a esperança está sempre
suspensa por uma linha fina, resistente.

Quero mostrar que todos os bons contos de fadas apresentam esta luta
com todas as nuances e tons diferentes inerentes a confrontação da vida
real entre bem e mal: não há uma simplificação de bom-ruim – uma vez
que isso possa minar credibilidade para os universos míticos -; pelo
contrário, o autor se esforça para apresentar a luta interior que cada
personagem tem que sofrer, com o objetivo de representar o papel chave
da liberdade, e de apresentar de que modos misteriosos é preservado o
livre arbítrio para escolher sem violência. A disputa de Boromir e
Frodo em Amon Hen são dois bons exemplos, como no caso da evolução de
Darth Vader em Guerras nas Estrelas.

Convém uma observação adicional para a Trilogia. O estilo nazista do
Império expressa uma concepção totalitária de poder, mantida pelo
terror – “O medo manterá os sistemas locais na linha”, afirma Tarkin
diante da ameaça de uma revolta geral. Esta concepção parece ser um
pouco simplificada demais, uma vez que a Terra-média não tem tal
paralelo.

História e Tradição

É mostrada a importância da história e tradição em ambos mundos míticos
através de várias técnicas de retrospectiva: pedaços pequenos de um
mosaico descrevem, pouco a pouco, a grande tapeçaria que repousa atrás
do enredo. Obi Wan fala sobre as Guerras dos Clones, que aconteceram
muitos anos antes, quando “por mais de mil gerações os cavaleiros Jedi
eram os guardiães da paz e justiça na Velha República, antes dos tempos
escuros, antes do Império”.

Atrás do véu da história atual, vislumbramos um mundo que é uma
conseqüência de sua própria memória antiga. Na Terra-média esta
impressão de um cenário mais fundo ao longo do qual está presente, está
arraigado na existência de três Eras anteriores da qual O Senhor dos
Anéis desenrola-se. Este quadro histórico responde as perguntas feitas
pelo tempo atual. É nessa estrutura que cada personagem descobrirá seu
papel, pessoal e intransferível, manter o fogo da esperança ardendo.
Alguns personagens como Obi Wan, Yoda, Gandalf ou Elrond se tornam os
portadores das recordações de um passado longínquo: eles preservam a
memória explicativa do presente que os faz capaz de prever o futuro –
entretanto “sempre mudando o futuro está”, como Yoda afirma: liberdade
torna impossível a predição do que ainda está por vir. Yoda mostrará a
surpresa dele mais tarde quando ele percebe que Vader contou para Luke
que ele é o pai dele – “inexperado�, ele diz. O mesmo pode ser dito de
Sméagol, cujas ações tornam-se decisivas antes do fim, como Gandalf
tinha previsto, embora ele ignorasse a maneira efetiva na qual a
suposição dele seria cumprida.

Contos de fadas são coisas para “crianças”?

Mais algumas palavras antes do fim: contos de fadas são coisaspara
“crianças”? Seja lá o que eles forem, as crianças são os principais
leitores de contos? Está claro que este não é o lugar para se discutir
demoradamente sobre um assunto tão complexo. Porém, farei um comentário
breve sobre o conceito “criança”, como explicado por Tolkien em seu
ensaio On Fairy Stories (páginas 33 a 44). George Lucas mantém
uma concepção semelhante de que os contos de fadas são, julgando a
partir das coincidências éticas que ambos mundos fictícios partilham.

“Se uma história de fadas de qualidade é digna de leitura por todos
então é adequado que seja escrita para adultos e lida por adultos.
Eles, é claro, colocarão mais e tirarão mais do que as crianças são
capazes… “

Esta opinião mesquinha dos contos de fadas como “criancice” implica
uma visão pejorativa sobre crianças, justamente do ponto de vista
daquela que é uma das virtudes mais belas da infância: inocência, a
aproximação da Verdade de qualquer tipo sem preconceitos. Infância
significa uma ânsia pela pura sabedoria. Chesterton escreveu que as
crianças estão exigentes, uma vez que elas julgam a consistência das
ações na ficção de acordo com um senso de justiça inalterado por uma
tend̻ncia adulta para a clem̻ncia Рo modo que eles fazem na vida real.
Acima de tudo, as crianças querem saber, aprender, em lugar de entender
num sentido racionalista. Deste ponto de vista, “infância” perde suas
conotações puramente cronológicas.

Como Tolkien disse: “histórias de fadas não deveriam ser associadas
exclusivamente à crianças. Elas são associadas à elas: naturalmente,
porque as crianças são humanas e histórias de fadas é uma predileção
humana natural (entretanto não necessariamente universal)”. Nem todo
conto encantará todo menino ou menina, nem há uma essencial para cada
idade individual. Poderia ser mais justo aceitar que um gosto para este
gênero literário depende em preservar um coração pueril: um espírito
valente e justo, obstinado e aberto aos desafios da verdade. Deste modo
a vida cotidiana se torna ela mesma um conto de fadas, uma vez que a
existência de cada um é o campo de batalha onde esses desafios devem
ser conquistados. De outro modo, contos de fadas nos dão a Consolação,
o eco daquilo que ainda não é, mas que seguramente será. Enquanto isso,
nós os adoramos de todo nosso coração; assim como as crianças.

 
[tradução de Niége ´Mystique´ Caldas]
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Valdir A. C.

Sobre Tolkien e Luccas fica um pouco difícil as comparaçoes devido à diferênça do primeiro para o segundo. Em que pesem as bases para ambas as obras, Tolkien (com sua Co-Criação) construiu um mundo com bases no Cristianismo e Luccas baseia suas estórias em profunda Gnose. Sem ter em mente estes aspectos não se pode fazer uma análise mais completa de ambos. O estudo feito é excelente e abrange estes aspectos, porém sem aprofundá-los. Segeriria ao autor completar seu estudo aprofundando as bases religiosas de cada um.

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