Valinor – Terra Imperfeita

Escrito por Fábio Bettega

Das altas torres da cidade de Tirion, os noldor observavam com alegria, a enorme multidão que passava aos pés do monte T

 

Das altas torres da cidade de Tirion, os noldor observavam com alegria, a enorme multidão que passava aos pés do monte Túna. Milhares de atani, naugrins e outros povos da Terra-média percorriam a estrada que atravessava a região que um dia fora chamada de Calacirya. À leste, era possível avistar diversas embarcações trazendo um número ainda maior de visitantes, que eram recebidos pelo belíssimo canto dos teleri. E a oeste já se via uma enorme agitação ao redor de Laurelin, que junto com Telperion, era a fonte de luz de toda Arda. Era tempo de festa em Valinor.

 


 

Mas nem todos estavam comemorando. Alheio a agitação que tomava conta do reino sagrado, o filho mais velho de Finwë £aminhava pelo jardim de sua casa, observando a jóia em sua mão. Fë¡®or contemplava a luz da última Silmaril, enquanto sua mente vagava entre as lembranças dos dias antigos. Mesmo assim, ele não deixou de notar o pequeno intruso, que se esgueirava entre as árvores de seu jardim.


– A festa do ano novo em Valinor é uma oportunidade única para os de sua raça, criança. – disse Fë¡®or, escondendo rapidamente a Silmaril no bolso de sua roupa. – Essa é uma das poucas épocas em que é permitido que os Atani pisem no solo sagrado de Valinor. São poucos os mortais que tem a chance de participar deste evento e ainda assim você prefere perder tempo invadindo a minha casa?


– Perdoe-me senhor, eu não tive a intenção… – disse o jovem, que saiu de trás de uma pequena árvore, a apenas alguns metros de Fë¡®or. Era uma criança da raça dos homens.

 

– O que você quer aqui? Visitas a minha casa não estão incluídas nas festividades. – disse Fë¡®or num tom severo.


– Mais um vez eu peço seu perdão meu senhor, pois o que me trouxe aqui foi um poder além de minha vontade. – disse o jovem, que encarava o olhar frio e severo de Fë¡®or. – Assim que coloquei os meus pés na praia desta terra maravilhosa, um brilho distante, vindo da cidade de Tirion, atraiu mais a minha atenção do que a própria luz das Árvores. Enquanto eu e minha família caminhávamos em direção a Tirion, eu me sentia atraído por aquela luz magnífica e ficava me indagando que tipo de artefato poderia produzir um brilho tão intenso. O poder que ela exercia sobre mim era tanto, que eu acabei me separando de meu grupo e comecei a vagar sozinho pela cidade. A luz me guiava pelas ruas de Tirion e, sem que eu percebesse, ela me trouxe até o jardim de sua casa.


Fë¡®or já sabia aonde aquela história iria acabar. Mas preferiu deixar que ele a terminasse, enquanto segurava o riso e tentava manter uma expressão severa. Foi quando ele se deu conta de que fazia tempo que ele não tinha vontade de rir.


– Muitas história são contadas na Terra-média sobre as Silmarils e seu grande criador, o mestre Fë¡®or. – continuou o rapaz. – E agora eu percebo que a luz que me trouxe até aqui, só poderia ser a luz da última Silmaril: a jóia cujas irmãs foram sacrificadas para que as Árvores de Valinor voltassem a brilhar. O que me leva a supor que estou diante do grande Fë¡®or. Sendo assim, sou obrigado a pedir o seu perdão uma terceira vez, pois me dei conta de que ainda não lhe cumprimentei da forma que merece. – o jovem fez uma grande reverência diante de Fë¡®or, permanecendo por algum tempo de cabeça baixa. O jovem ia falar novamente quando foi interrompido por Fë¡®or.


– Para alguém de vida tão curta, você fala demais meu jovem. Você desperdiça muito tempo com histórias e elogios quando deveria ir direto ao assunto. Creio que, depois de ter sido enfeitiçado pelo poder da Silmaril e de ter procurado tanto por ela, nada mais justo que você a veja, não é mesmo? – o rapaz ameaçou falar alguma coisa mas foi interrompido novamente.


– Entretanto, estou curioso com uma coisa. – continuou Fë¡®or. – Como você pode ter visto a Silmaril das praias de Aman, se ela estava trancada dentro de minha casa? Fazem apenas quinze minutos que eu a trouxe para fora. Será que a raça dos homens é assim tão formidável que consegue enxergar até mesmo através das paredes?


– Não meu senhor, é que… – disse o jovem, que tentava encontrar as palavras certas, enquanto tentava esconder a vergonha.

 

– A verdade é o melhor coisa a se falar num momento como esse. – disse Fë¡®or. – Você já veio a Valinor com a intenção de ver a Silmaril. Provavelmente, você até já sabia onde eu morava, não estou certo?

 

– Sim, senhor – disse o jovem, que agora já não encarava o elfo, preferindo manter a cabeça baixa.


– Mas agora estou curioso. Como já disse, essa é uma oportunidade única para os mortais. Afinal, os anos em Valinor, apesar de agora serem mais curtos do que eram na primeira Era das Árvores, ainda são mais longos do que a vida de qualquer raça mortal da Terra-média. A festa do ano novo em Valinor é um evento que poucos tem o privilégio de participar. E mesmo com tantas coisas maravilhosas a se ver, ainda assim, você veio para cá com a firme intenção de ver a Silmaril. Por quê?


– Eu prometi para alguém senhor. – disse o jovem. – Na verdade, foi quase uma aposta. Eu apostei que quando viesse a Valinor, eu conseguiria ver a luz da última Silmaril.

 

– É mesmo? E para quem você fez tal promessa? – perguntou o noldor.

 

– Para a bela filha do grande rei de Doriath. – respondeu o jovem.


– É mesmo? – Fë¡®or não conseguia mais esconder o sorriso. – E que tipo de prova você pretende levar para ela, caso consiga colocar os olhos na Silmaril? Por acaso pretende levar a própria jóia, roubando-a de mim?

 

– Não, não meu senhor. Eu não ousaria fazer isso nem em pensamento. Na verdade, ela não me pediu prova nenhuma. Ela me disse que saberia, simplesmente olhando em meus olhos.


– Muito bem então. Estou quase propenso a lhe dar um privilégio que poucos mortais tiveram. Mas antes, eu quero que você me prometa que não contará a ninguém que a viu. Nem mesmo a jovem Lúthien. Afinal, se ela disse que saberia apenas olhando em seus olhos, não é necessário que você conte.

 

– Sim senhor. Em nome da casa de B믲, eu juro. – respondeu o jovem, com uma expressão séria.


– Então aqui está. – E Fë¡®or a tirou do bolso e a colocou na palma da mão do menino. Os olhos dele se arregalaram, incrédulos, pois jamais imaginara que a jóia pudesse ser assim tão linda. Fë¡®or também estava maravilhado, pois agora entendia o que a filha de Thingol queria dizer. Pois os olhos do jovem refletiam de tal forma a luz da Silmaril, que parecia que eles tinham luz própria. Para Fë¡®or, parecia que as três Silmarils estavam unidas novamente.


O jovem ficou parado
, em silêncio, observando a Silmaril em sua mão por algum tempo. Foi quando ele percebeu o olhar melancólico de Fë¡®or para ele.

 

– Foi difícil não foi? – disse o jovem, enquanto devolvia a jóia para seu dono. – Foi difícil ter que desfazer as outras duas, quando a hora chegou?


– Mais do você pode imaginar. – respondeu Fë¡®or. – Pois naquela época, eu já havia perdido muito, e eu não queria me desfazer da última coisa que ainda me era cara.

 

Os dois permaneceram sem dizer nada por um longo tempo.

 

– Obrigado! – disse o jovem, quebrando o silêncio. – Por ter tomado a decisão certa.


Fë¡®or olhou para ele com um sorriso, mas não conseguiu responder.

 

– Agora já é hora de você ir. Acho que seus pais devem estar procurando por você neste momento.

 

– Sim senhor! Muito obrigado, senhor. – disse o jovem, enquanto fazia uma longa reverência. E quando ele já estava quase indo embora, o elfo o chamou mais uma vez.

 

– Em tempo dificeis, seu nome poderia ter sido famoso, jovem Beren, filho de Barahir.


O rapaz parou, e com uma expressão de espanto, tentou dizer alguma coisa. Sem conseguir dizer nada, o jovem apenas sorriu para o elfo, e saiu correndo.

 

 

Fë¡®or ainda ficou parado por um tempo, segurando a Silmaril em sua mão. Então ele se dirigiu para uma sacada, de onde ele conseguia avistar a multidão, que ainda chegava a Valinor. E ficou pensando nas palavras do jovem Beren.


E Fë¡®or se lembrou daquele dia, no Círculo da Lei, quando decidiu abrir mão das Silmarils, para que as Árvores de Valinor pudessem ser salvas do ataque traiçoeiro de Morgoth e Ungoliant.

 

Por causa de sua decisão, quando chegou a notícia da morte de Finwë ¥ do saque de Formenos, todo o poder dos Valar e dos Elfos das três casas se uniram a ele. Um exército, cuja marcha fazia a terra tremer, caçou Melkor, que mal conseguira chegar a Angband. Mas mesmo em sua fortaleza, e com o apoio de suas criaturas, ele nada conseguiu fazer contra o poder unificado de Valinor. Melkor foi derrotado, de maneira rápida e definitiva. Com as Silmarils recuperadas, as Árvores de Valinor voltaram a brilhar, pois duas jóias foram sacrificadas para que duas árvores voltassem a viver. E uma vez que o mal havia sido totalmente extinto e Valinor não corria mais riscos, os Valar puderam descer as muralhas das Pelóri, permitindo que a luz das Árvores iluminassem toda Arda. Sem as mentiras de Morgoth, a raça dos homens aceitou a sua mortalidade como uma dádiva dada por Ilúvatar, e passaram a viver em total harmonia. Os reinos de Elfos, Homens e Anões foram prósperos em toda parte.


E Valinor, mesmo que ainda permaneça como uma terra proibida para os mortais, se tornou um santuário para todas as raças, que se reunem em épocas de festa para celebrar a obra de Ilúvatar. Valinor era a terra perfeita com que os Valar tanto sonharam.

 

– A decisão certa. – disse para si mesmo. – Sim, acho que você tem razão.


Fë¡®or sorriu e olhou em direção a Laurelin. Ela já começava a diminuir para dar lugar a luz de Telperion. Depois ele olhou para a última Silmaril. E então, guardando-a em segurança dentro de sua casa, Fë¡®or saiu para se juntar a festa. Foi quando ele sentiu uma dor aguda em seu peito.

 

Ele sentiu um gosto estranho e viu que um líquido vermelho descia pelo canto de sua boca. Demorou para ele perceber que era seu próprio sangue, que subia pela sua garganta.


Fë¡®or olhou em volta, e se assustou ao ver a terra árida e os céus escuros de Dor Daedeloth. Foi então que a dor dos ferimentos causados por Gothmog o trouxeram de volta a realidade. Percebeu que seu corpo mutilado estava sendo carregado pelo seus filhos. Sentindo que a morte se aproximava, pediu-lhes que parassem. E nas encostas das Ered Wethrin, enquanto olhava para os cumes das Thangorodrim, Fë¡®or teve uma segunda visão. E ele viu toda a tristeza e destruição que sua decisão ainda iria causar. Pois se antes ele havia visto a Valinor que poderia ter sido, agora ele via a Valinor que um dia será: uma terra de deuses omissos, um asilo para elfos cansados e arrependidos, um objeto de cobiça para os homens.


E seu ódio por Morgoth ardia com uma intensidade ainda maior dentro dele, pois foram suas mentiras que influenciaram sua decisão naquele dia, quando fora convocado ao Círculo da Lei. E Fë¡®or amaldiçoou o nome de Morgoth três vezes e mesmo sabendo de toda a desgraça que ainda recairia sobre seus filhos, os incumbiu de cumprir a sua vingança. Então seu espiríto partiu e seu corpo, transformado em cinzas, se dissipou como fumaça.


 

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