Uma História da Última Aliança de Elfos e Homens, Parte 1

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Escrito por Cassiano Ricardo Dalberto

A lenda da guerra de Gil-galad e Elendil contra Sauron no final da Segunda Era da Terra-média tem sido assunto de muita pesquisa e especulação entre os fãs de Tolkien. Assim como com todos os aspectos de sua mitologia, as poucas menções desta grande luta implicam uma profundidade que direciona a imaginação à uma descrição completa que certamente deve ter existido na mente do autor, se não em alguma de suas obras existentes. A maioria de nós está familiarizada com linhas gerais da guerra, e muitos podem traçar os eventos em uma progressão geral a partir do primeiro ataque à Minas Ithil até o combate final em Orodruin.

Mesmo assim muitas questões permanecem, as quais alguém pode imaginar se Tolkien não as fez a si mesmo. Quem eram os grandes príncipes e capitães, cuja lembrança de seus estandartes fez Elrond parar e suspirar em seu conselho uma Era mais tarde? De onde vieram estes exércitos, e quais eram suas razões para se unirem à Aliança? Se não sabemos os números deles, sabemos realmente algo da sua ordem e progressos de batalha?Talvez.

Muito do que se segue é necessariamente especulativo. Não pode ser de outra forma, pois existem lacunas no que está registrado. Mesmo Tolkien espalhou aqui e ali partes de informações a respeito desta grande guerra na qual “todos os seres vivos estavam divididos…à única exceção dos elfos” (O Silmarillion, p. 374).

A guerra final da Segunda Era reuniu muitos povos em ambos os lados para um combate cataclísmico que rivalizou com a grande Guerra da Ira no final da Primeira Era do Sol. Apesar de os Valar não terem participado nesta guerra, o conflito culminou em uma série longa e pendente de disputas entre Sauron, os Elfos e os Homens de Númenor. A guerra representou a última ação desesperada de Sauron pelo poder na Terra-média na sua antiga campanha para ganhar controle sobre os Elfos e Homens.

As sementes da guerra foram estabelecidas um milênio antes, quando Sauron, na aparência de “Aulendil” (“Annatar”), começou a se aproximar dos Elfos em uma tentativa de seduzi-los [1]. Galadriel não confiou nele, afirmando não ter conhecido tal Maia em Valinor [2], e Gil-galad desconfiou dele, tendo há muito sentido que algum poder maligno havia se erguido na Terra-média [3]. De fato, a maioria dos senhores élficos recusou-se a tratar com Sauron, exceto pelo ferreiro Celebrimbor, cujas razões para recusar o conselho de Gil-galad não são dadas. Mas talvez ele tivesse herdado o grande orgulho de sua casa, e como o último herdeiro sobrevivente de Fëanor, tenha rejeitado o aviso de Gil-galad em um ato de rebelião.

Celebrimbor não viveu para ver os frutos das sementes que ele ajudou Sauron plantar e nutrir nos Anéis de Poder. Embora ele tenha vindo a entender sua tolice ates da Guerra dos Elfos e Sauron, Celebrimbor pereceu quando Sauron tomou Ost-in-Edhil [4]. Como Fëanor antes dele, Celebrimbor conduziu os Noldor a um caminho cujo final ele nunca viu, e a trágica história deles tanto foi enriquecida como reduzida por causa das escolhas que ele fez.

Por terem auxiliado Gil-galad durante a Guerra dos Elfos e Sauron, os Dúnedain ficaram enredados de maneira irrevogável nos acontecimentos da Terra-média, obtendo a inimizade eterna de Sauron. Dentro de 100 anos da guerra, os Dúnedain começaram a construir portos permanentes a Terra-média: Lond Daer Ened, Pelargir, Umbar, e outros agora esquecidos [5]. Destes portos vieram pelo menos três dos Nazgûl, os Espectros do Anel que por volta do ano 2251 revelaram-se pela primeira vez, conduzindo os exércitos de Sauron contra seus inimigos [6].

Os conflitos entre os Dúnedain e Sauron eventualmente diminuíram a progressiva luta entre Sauron e os Elfos. Enquanto muitos dos Eldar abandonavam a Terra-média, mais e mais Dúnedain lá se assentavam, vindos de ambas as facções de Númenor: os Homens do Rei e os Fiéis. Os Dúnedain buscaram conquistas próprias, confrontando-se com os tenentes de Sauron e obtendo seu imenso ódio [7]. A rivalidade de Sauron com os Dúnedain levou ao seu aprisionamento voluntário em Númenor, onde ele seduziu a maior parte dos Dúnedain para sua causa. Suas fortalezas na Terra-média ao sul de Pelargir estenderam assim o verdadeiro poder de Sauron, onde antes eles o haviam contestado.

Sobrevivendo à destruição de Númenor, Sauron retornou para a Terra-média muito transformado. Gil-galad havia recuperado seu antigo poder e estendido seu poder à novas terras [8]. Todos os Elfos estavam agora aparentemente unidos em propósitos e fortalecidos pelo longo período de paz que sua ausência lhes havia dado. Os Dúnedain que sobreviveram à Queda de Númenor ainda estavam divididos em dois grupos, mas os Fiéis haviam agora estabelecido dois reinos que, embora cultivados pelo poder de Gil-galad, guarneceram Lindon com uma barreira mais poderosa contra a invasão do que Eregion ou Imladris jamais tiveram.

O reino de Elendil em Arnor era maior em tamanho e força do que o reino de Gondor de seus filhos. Os Dúnedain e os povos que lá se assentaram entre eles viviam entre os rios Lhûn e Gwathló [9]. O povo de Elendil vivia principalmente entre os rios Lhûn e Baranduin, e entre as Colinas de Vesperturvo e as Colinas do Norte [10]. Alguns também se assentaram em Tyrn Gorthad e nas Colinas do Sul. Tharbad, um antigo porto e posto avançado Dúnadan no rio Gwathló, tornou-se um elo entre os dois reinos com uma fortaleza dos dois lados do Gwathló e uma ponte atravessando o rio [11].

Outros Homens viviam em Eriador além dos Dúnedain. Os Homens de Bri, a maioria representantes nortistas de sua raça, possuíam parentesco com a maior parte dos povos de Minhiriath e Enedwaith, assim como com as tribos selvagens das Ered Nimrais e Calenardhon que viviam na fronteira ocidental de Gondor [12]. As tribos das colinas que viviam entre o Bruinen e o Mithieithel podem ter sido amigáveis aos Elfos, mas parece que não reconheciam a autoridade de Elendil. Nem o fazia as tribos que viviam no norte, membros de Forodwaith que mais tarde deram origem a Lossoth e talvez aos Homens de Carn Dum [13]. Entretanto, o povo de Elendil provavelmente também incluía descendentes dos clãs relacionados ao Povo de Bór e Ulfang na Primeira Era [14].

O povo de Gondor vinha principalmente dos Dúnedain e seus parentes que viviam em e próximo a Pelargir, assim como ao longo da costa de Belfalas. Eles construíram as novas cidades de Osgiliath, Minas Anor, e Minas Ithil, imaginando que Sauron não era mais uma ameaça [15]. Os filhos de Elendil também estenderam seus domínios para o norte em direção a Calenardhon.

Mas a escolha da localização para suas novas cidades indica que os Númenoreanos Negros do sul eram motivo de preocupação [16]. E embora o antigo porto élfico de Edhellond se situasse a oeste do coração de Gondor, os vales das Ered Nimrais de Lamedon até as nascentes dos rios Lefnui e Adorn eram o lar de uma raça de homens que havia servido Sauron em séculos anteriores [17]. Quando se tornou evidente que Sauron havia sobrevivido à Queda de Númenor, Isildur concluiu uma aliança com pelo menos um grupo destes homens, mas seu rei temia demais Sauron para cumprir seu juramento.

Havia outros homens em Enedwaith, aparentados com o povo das montanhas das Ered Nimrais e com os Homens de Bri, que por muito se opuseram às incursões Númenoreanas. Sua antipatia forçou Gondor a construir as fortalezas gêmeas de Angrenost e Aglarond, que guardavam o passo de Calenardhon contra o oeste, ao invés do leste [18]. Desse modo, a necessidade de uma forte guarnição em Tharbad foi ressaltada pela necessidade de uma forte guarda na própria Enedwaith.

Embora Sauron fosse um Maia de grande poder e sabedoria, ele parece ter subestimado a determinação e a habilidade de seus adversários. Gil-galad, nascido em Beleriand na Primeira Era [19], era um filho nativo da Terra-média, governando seu povo no último vestígio da própria Beleriand, agora chamada de Lindon. Ele pode ter parecido fraco a Sauron, não tendo feito algo contra Morgoth na Primeira Era, e incapaz ou não disposto a derrotar os exércitos do próprio Sauron em Eriador sem o auxílio dos Dúnedain. Mas a estratégia que os Eldar usaram na sua guerra com Sauron era de Gil-galad, que liderou o exército vitorioso de Lindon e Númenor, varrendo as forças de Sauron do norte. Como Alto Rei dos Elfos do Oeste, ele enviou Elrond contra Sauron nos primeiros anos da Guerra dos Elfos contra este [20].

Ao lado de Gil-galad ficou Círdan, o mais velho dos senhores Élficos e sábio pelas amargas lições aprendidas na longa guerra contra Morgoth. Círdan havia sido o único senhor Élfico Sindarin a se aliar com os Noldor contra Morgoth na Guerra das Jóias [21]. Uma vez que Gil-galad viveu com Círdan desde uma idade prematura, o rei Noldorin deve ter sido grandemente influenciado por Círdan, que era tão corajoso e valente quanto qualquer rei Élfico. Na Segunda Era ele auxiliou os Dúnedain, ensinando-lhes como construir e navegar navios, e como administrar os portos que eles construíram na Terra-média [22]. Círdan, também, via profundamente nos corações dos outros, e ele nunca se absteve da necessidade de se opor tanto a Morgoth quanto a Sauron. Círdan parece ter sido um oponente formidável a Sauron.

Elrond, sendo meio-elfo, não esquecera seus laços com os Dúnedain. Ele marchou com os pais deles contra Thangorodrim na Guerra da Ira [23], e ele estava em Lindon quando Veantur velejou primeiro para a Terra-média. Ele teria conhecido Aldarion em sua juventude, o grande rei navegador de Númenor. Apesar de ter falhado em abrir caminho através das forças de Sauron para socorrer Eregion, Elrond salvou muitos Elfos e Homens da morte ou captura na Guerra dos Elfos e Sauron, e ele impôs um cerco prolongado. Descendendo de uma poderosa Maia e tanto de reis Sindarin quanto Noldorin, Elrond foi educado por um filho de Fëanor, permaneceu com o Exército de Valinor na destruição das Thangorodrim e, ao escolher ser da raça Élfica, teve aumentadas sua sabedoria e suas habilidades por Eönwë. Come ele era o vice-regente de Gil-galad em Eriador [24], Elrond pode então ter representado o Alto Rei dos Elfos do Oeste nas suas relações com outros senhores élficos.

Oropher era provavelmente o maior dos outros senhores Élficos. Orgulhoso e independente, um sobrevivente de Doriath, seu reino dominava a Floresta Verde, a Grande, além do Anduin. Embora não amigável tanto aos Noldor como aos Anões [25], ele pode ter reverenciado a linhagem Sindarin de Elrond, e evidentemente viu a necessidade de se unir à aliança contra Sauron. Oropher, porém, era resoluto e orgulhoso, e ele se recusou a marchar sob o estandarte de Gil-galad, pois via a si mesmo como um igual [26].

Amdir, também conhecido como Malgalad [27], era provavelmente o menos poderoso dos reis Élficos da Segunda Era. Ele governava um povo menor do que o de Oropher, ainda que fosse favorável aos Noldor, recebendo muitos refugiados de Eregion em seu reino. Ele também deve ter mantido termos amigáveis com os Anões de Khazad-dûm, seus vizinhos e, talvez, às vezes aliados [28].

Isildur era o mais imprudente dos reis Dúnedain. Ele era orgulhoso e bravo, renomado por salvar uma muda de Nimloth, a Árvore Branca de Númenor, a despeito das precauções de Sauron contra tal tentativa [29]. Ele ousadamente estabeleceu-se (e plantou a muda) nas Ephel Dúath, na fronteira de Sauron. Mas Isildur pode não ter sido um capitão na guerra como o eram seu pai e irmão, e talvez não fosse o líder de Homens que Elendil era. Ainda assim, foi a cidade de Isildur que Sauron escolheu para o primeiro ataque, talvez buscando vingança contra o senhor Dúnadan por seus feitos em Númenor.

Elendil, o Alto, era um poderoso capitão marítimo, um mestre de tradição e, como Alto Rei dos Dúnedain-em-Exílio, reuniu um grande exército de Homens em Arnor. Ele parece não ter tido disputas com subalternos e aliados, diferente de Isildur, apesar de que a distância entre Sauron e os povos de Eriador certamente fez sua influência lá bastante fraca. Elendil foi profundamente afetado pela destruição de Númenor, e pela perda de seu pai, Amandil.

Após Isildur partir para Arnor, Anarion governou Gondor sozinho, defendendo-o contra as forças de Sauron [30]. Anárion parece ter comandado a campanha meridional inteira para a Aliança. Ele não apenas empurrou os exércitos de Sauron de volta a Mordor: ele mesmo, eventualmente, atravessou as montanhas.

Dúrin IV de Khazad-dûm também se uniu à Aliança [31]. Uma vez que seu reino situava-se tão perto de Lorinand, ele deve ter reunido seu exército próximo ao de Amdir. E ainda, a conhecida antipatia de Oropher pelos Anões pode ter forçado Dúrin a marchar ao lado do exército de Gil-galad, talvez ainda para se colocar como um quarto igual entre os líderes da aliança completa: Gil-galad, como senhor dos Elfos do Oeste; Elendil, como senhor dos Homens do Oeste; Oropher, como senhor dos Elfos do Leste; e Dúrin, como senhor dos anões de Khazad-dûm (abrangendo duas ou três casas de Anões). Pelos Anões de Nogrod e Belegost terem há muito tempo aumentado os números de Khazad-dûm, o exército de Dúrin pode ter sido a maior hoste de Anões reunida naquele tempo ou em qualquer outro.

[Fim da parte 1]

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