Doces ou travessuras? Uma Terra-média assustadora!

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Escrito por Cassiano Ricardo Dalberto

A maioria dos fãs de Tolkien geralmente vão lembrar que dia 22 de Setembro é o aniversário de Bilbo e de Frodo Bolseiro, mas o 22 de Setembro dos hobbits não era o nosso 22 de Setembro. O sistema de calendário que Tolkien criou para o Condado fez com que o o 22 de Setembro dos Hobbits caísse no nosso 14 de Setembro (13 de Setembro nos dias bissextos). Então, por muitos anos, você esteve desejando felicidades para Bilbo e Frodo com um atraso de 8 dias.

 

Halloween não é uma data tão importante nos calendários de Tolkien. Nosso 31 de Outubro (Dia de Todos os Santos) cai no dia 9 de Novembro para os Hobbits. Nesse período, o dia da colheita está próximo. Mas o Halloween não se originou num festival dde colheita, como alguns dizem. Começou como uma festa celta chamada Samhain em Gaélico Irlandes (pronunciado SÓU-rem, esqueça do "m" no meio da palavra).

De acordo com a tradição, Samhain era a hora em que os celtas extinguiam suas fogueiras, colocavam roupas especiais e tomavam conta de fogueiras feitas por druidas. Os celtas acreditavam que esta era a época do ano em que, assim como o Verão dava lugar ao Outono, os mortos retornavam ao mundo dos vivos. Era esperado que estes espíritos os ajudassem, prevendo seus futuros (e talvez causar um pouco de confusão). Os Celtas também vestiam roupas especiais ao celebrar o Ano Novo. Quando as festividades acabavam, os druidas entregavam à cada família da comunidade uma brasa da fogueira, e eles deveriam usá-la para reacender as suas próprias fogueiras, no novo ano. 

Os Eldar de Imladris consideravam seu Ano Novo sendo em volta do dia 6 de Abril do Condado, o que seria o nosso dia 29 de Março. O Ano Novo Hobbit era o nosso dia 23 de Dezembro. E os pobres Anões, vivendo por um Calendário Lunar pela maior parte de sua sombria história, celebravam por volta da última lua nova do Outono o seu Ano Novo, chamndo-o de Dia de Durin (talvez comemorando o dia em que Durin I acordou, ou o dia em que morreu). 

Lalaith sugere que o Dia de Durin pode ter sido o 14º dia do décimo mês do ano de 2941 TE (o único ano em que o Dia de Durin aparece destacada em uma história – sendo esta O Hobbit). Bem, nosso 14 de Outubro seria o 22 de Outubro do Condado, que é o mais perto que você pode conseguir para um feriado na Terra-Média no dia 31 de Outubro. 

A metade de outubro marca o período do Outono no Condado e terras adjacentes. E apesar do povo do Condado, que eram grandes fazendeiros, colocar enfase em suas colheitas, eles não ofereciam suas primeiras frutas para deuses pagãos, como os Celtas faziam. Os Hobbits também não faziam profecias ou se vestiam diferente. Eles provavelmente gostariam do costume atual de "doces-ou-travessuras", cuja criação é creditada à tradição da prática, patrocinada pela Igreja, de se oferecer doces para as pessoas pobres que pediam por comida no Dia De Todos Os Santos. As pobres pessoas deveriam agradecer rezando pelos parentes mortos dos doadores de bolo.

É possível que Frodo acordou em Valfenda por volta do Dia de Durin. Ninguém está realmente certo de quando isso aconteceu, apesar de Tolkien usar o Almanaque de 1942 pra calcular as fases da lua nO Senhor Dos Anéis. Frodo acordou em 24 de Outubro (Calendário do Condado, dia 18 de Outubro no nosso calendário).

Talvez não seja coincidência quando Gandalf conta a Frodo que ele esteve na beira do Mundo das Sombras. O machucado de Frodo causado pela faca de Morgul quase o transformou num fantasma, e Frodo só voltou para uma saúde perfeita com a ajuda de Elrond. E então Frodo começou um período de auto-exame que demorou por volta de uns dois meses. A marca mais profunda disso foi, com certeza, o Conselho de Elrond, onde vários representantos dos povos livres juntaram as peças do grande quebra-cabeça que Tolkien criou. Gandalf inclusive refletiu um pouco no dia em que Frodo acordou: ele olhou para Frodo e disse a si mesmo que Frodo poderia virar como um vidro cheio de uma clara luz para olhos que a podem ver.

Quando Frodo acordou de seu sono, Elrond promoveu celebrações para seu convidado, o Portador do Anel, e Frodo percebeu estar sentado perto de Gloin, um Anão. Depois disso, os festejantes se retiraram para o Salão do Fogo, onde Frodo estava reunido com Bilbo. Os Elfos cantaram muitas músicas homenageando Elbereth e os outros Valar. Passolargo foi desmascarado como sendo o Dunadan, e Gandalf foi comparado (por Frodo, ao que ele observava o mago na festa) à um sábio rei das lendas antigas.

Outro costume associado ao Halloween (e seus feriados derivados, como o antigo feriado romano da Feralia, no qual o dia da passagem dos mortos era comemorado) é o de contar histórias, geralmente sobre parentes e heróis mortos. Depois que Frodo se reuniu com Bilbo, ele começou a se sentir tonto e estranho, mas a canção de Bilbo sobre Earendil despertou o jovem Hobbit. Bilbo teve a coragem de cantar sobre Earendil, pai de Elrond, na casa de Elrond. De uma maneira sinistra, Bilbo estava honrando o "morto" de Elrond, apesar de Earendil não ter mesmo morrido. Ele sumiu no mundo mortal, mas Elrond ainda esperava ver seu pai algum dia. Viver para os Eldar em Aman era como viver um pouco num mundo e no outro (e Gandalf também disse a Frodo que no mesmo dia em que os Elfos estabeleceram moradia em Aman viviam ao mesmo tempo no mundo Conhecidos e Desconhecidos).

Apesar do Dia de Durin nunca mais ter aparecido em qualquer evento da Guerra do Anel, o Conto dos Anos diz que a guerra acabou oficialmente no começo de Novembro, o que seria perto do nosso dia 31 de Outubro. Saruman foi morto no Bolsão e seu espírito passou do mundo dos vivos pro mundo dos mortos. Em um ano, do Dia de Durin de 3018 para o Dia de Durin de 3019, a Terra-Média mudou para sempre. Os poderosos Maiar foram-se e seu trabalho na Terra-Média foi terminado. Os aflitos espíritos dos homens mortos (os Nazgul e as Criaturas Tumulares) foram libertados do aprisionamento e puderam procurar o descanso eterno.

Tolkien dizia que O Senhor Dos Anéis é uma história sobre morte e procura pela imortalidade. Mas também é sobre a vida, e sobre a procura em um propósito na vida. Uma renovação. É a passagem do velho e chegada do novo. Assim como os Celtas celebravam o fim do ano velho e a chegada do ano novo com um banquete e uma festa, nós também o fazemos, embora a gente o faça num período de tempo históricamente estranho (virtualmente, não há grande significado religioso para os cristãos ou os celtas em 31 de Dezembro e 1º de Janeiro).

Os Anéis do Poder, em sua maioria, conferiam aos usuários o poder de ver o Invisível, de interagir com os espectros. Essas habilidades foram aparentemente procuradas pelos Eldar de Eregion pelo seu medo de sumir. Este destino, contado aos Noldor pelos Valar, quando os Noldor marcharam para seu exílio de revolta, amedrontou até mesmo os poderosos elfos. Tolkien diz que os elfos queriam "vivar na mortal e histórica Terra-Média por
que acabaram se afeiçoando a ela (e talvez porque lá eles teriam as vantagens de ser uma raça superior), e então tentaram mudar sua história"
(Letter 154).

Por tentar mudar a história, os elfos esperavam evitar o futuro que Ilúvatar os reservou: a morte. Agora muitos podem dizer que para os Elfos lhes era reservada uma vida tão longa quanto a vida do mundo. Isto é verdade, eles viveriam naturalmente em Arda enquanto esta ainda existisse. Homens, no entanto, se entediaram do mundo e procuraram outro lugar. Por este lado, Tolkien parece estar falando de uma tipo diferente de morte. A morte em Tolkien geralmente se refere à morte do corpo. Mas este corpo é apenas uma casca física, nada mais que vestimentas segundo os Valar, que eram naturalmente espíritos desencarnados.

Para os Elfos, morte física significaria que seus espíritos foram convocados pelos Salões de Mandos. Se eles aceitassem a convocação, eles teriam a esperança de viver uma vida física novamente, apesar de deverem permanecer em Aman. Porém, se eles recusassem os pedidos, eles poderiam continuar na Terra-Média, onde residiam. Mas continuariam como espíritos incorpóreos, Seriam sombras, fantasmas. Os Elfos deveriam assombrar suas terras natais.

Tolkien discutiu o assunto dos espíritos élficos em "Leis e Costumes entre os Eldar", publicado no HoME: Morgoths Ring. Ele tratou os Elfos mortos de "sem-casa", e referiu-se aos seus espíritos descarnados de "fëa desabrigado". Os primeiros Elfos, que sabiam pouco ou nada dos Valar, freqüentemente recusavam as Convocações de Mandos. Quanto Morgoth tomou a posse de Angband, ele forçou à escravidão todo e qualquer espírito élfico que recusaram às Convocações. Estes espíritos viraram almas atormentadas, e especula-se que as Criaturas Tumulares e outros horrores possam ser espíritos élficos corrompidos à serviço do mal.

Elfos com certeza eram capazes de fazer o mal. Os Noldor atacaram os outros elfos nos três Fratricídios, e os Eldar de Beleriand muitas vezes lutaram entre si por ambição, inveja, e até medo. Traição parecia até comum, especialmente entre os elfos que escaparam de Angband. Mas depois da queda de Morgoth, os elfos foram libertos do perigo de serem forçados ao seu serviço. Os Elfos que amavam a Terra-Média não precisavam abandona-lá por completo na hora de sua morte. Em "Leis e Costumes", Tolkien nota:

"…e nesses dias mais e mais os elfos que viviam na Terra-Média , sejam eles da Eldalie original ou de outros grupos, agora se recusam as convocações de Mandos, e vagueiam sem casa pelo mundo, não querendo deixá-lo e não podendo habitá-lo, assombrando árvores, fontes e outros lugarem que só eles conheciam. Nem todos são bonzinhos ou intocados pela Sombra. Para falar a verdade, a recusa das convocações é em si própria um sinal da mácula."

Elfos mortos ainda estão espalhados pelo mundo, e talvez fossem abundantes na Segunda Era. Será que os antigos espíritos-escravos de Morgoth procuraram, depois de sua queda, cura em Aman? Talvez sim, talvez não. Pode ser que os Noldor, procurando a cura para o mal do mundo (que foi um de seus objetivos quando fizeram os Anéis do Poder), tentaram contactar seus irmãos mortos, e talvez comunar com eles, persuadindo-os a procurar conforto no Oeste. Estas práticas, porém, seriam totalmente proibidas, pelo menos pra homens. Tolkien comentou o assunto acima:

"É uma coisa tola e perigosa, além de ser uma coisa errada e proibida só por que foi dito pelos Senhores de Arda, se os vivos quiserem se comunicar com os Incorpóreos, apesar dos espíritos assim o desejarem, mesmo entre os mais desonrados entre eles. Para os fantasmas, andando pelo mundo, eles são os que recusaram a porta da vida e agora "vivem" no arrependimento e auto-piedade. Alguns estão imbuídos de amargura, sofrimento e inveja. Alguns, inclusive, foram escravizados pelo Senhor do Escuro e ainda fazem seu trabalho, apesar deste ter sido derrotado. Eles já não falam verdades ou sabedoria. Chamá-los é tolice. Tentar dominá-los e fazê-los servos de sua vontade é malícia. Estas são práticas de Morgoth; e os necromantes são tropas de Sauron seu servo."

Muitas vezes, os homens que praticam necromancia podem descobrir que seus corpos foram demonados pelos espíritos élficos, e eles mesmos estão agora sem corpo. E o que acontece com os espíritos humanos? Esta edição não fala, mas condena a necromancia em muitos termos. A prática poderia ser conhecia entre os elfos, e pode ser que suas tentativas em necromancia levaram os Valar a crer que esta comunicação estava passando dos limites. Mas o dano já fora feito. Pessoas sabiam que podiam falar com os mortos, apesar de não ter certeza de com quais mortos havia se comunicado.

A Guerra do Anel representa, então, uma limpeza no mundo, restauração da ordem natural. Apesar dos elfos poderem continuar na Terra-Média depois da morte, ao mundo foi garantido um alívio. Com os Anéis do Poder destruídos, os elfos não mais ficaram preocupados em cair na tentação de entrar em sua própria forma de necromancia. Muitos deles, especialmente aqueles que ficaram dependentes dos efeitos dos Três Anéis, sentiram o cansaço e o desgaste do mundo e viajaram através dos mares para procurar sua própria cura. Em Aman eles continuarão a ter vidas físicas, sustentadas pelos Valar.

O Senhor dos Anéis é, de alguma maneira, o melhor conto de Halloween, honrando heróis caídos e revelando grandes feitos para aqueles que seguem as regras e fazem o certo. A história reconhece a passagem do mundo mítico ao mundo histórico. Ele mostra a herança de povos esquecidos e de batalhas que removeram as representações físicas do mal do mundo, e ajudaram a dividir o mundo dos vivos do mundo dos mortos.

Então, quando pequenos Hobbits e Goblins venham fazer "doces ou travessuras" na sua porta da frete, lembre-se de lhes oferecer doces e ter certeza de ter uma cópia da música "Soul Food To Go" do Manhatten Transfer no CD-Player. Mas, principalmente, tenha uma cópia do melhor conto fantasma do século XX para o caso de alguem começar uma fogueira e começarem a contar histórias de terror. Eu lhe digo que será divertido e talvez faça um amigo ou dois. Só tenha certeza que aqueles são seus verdadeiros corpos…

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