Um vislumbre de Arda Curada

Escrito por Fábio Bettega
Creio que uma pergunta que sempre passa pela cabeça de todos os fãs de
Tolkien é como a sua profunda fé cristã [evidenciada incontáveis vezes
em suas cartas e em sua biografia] se relacionava com o universo
ficcional por ele criado. Uma das mais belas amostras dessa conexão
entre fé e obra literária pode ser encontrada no Athrabeth Finrod ah
Andreth [O Debate de Finrod e Andreth], texto publicado no décimo livro
da série The History of Middle-earth, Morgoth"s Ring.
 
 
 
O Athrabeth, estruturado de forma muito semelhante
[inclusive na temática] aos diálogos platônicos, é o registro de uma
conversa entre o rei de Nargothrond, Finrod Felagund, e Andreth, uma
mulher sábia da casa de Bëor, pouco antes do fim do Cerco de Angband. O
mais sábio dos Noldor exilados e a filósofa humana procuram entender os
destinos de Elfos e Homens em Arda, e principalmente os motivos da
mortalidade humana, e as razões para a existência do Mal.

A discussão travada entre os dois, na qual as feridas geradas pelas
diferenças entre Homens e Elfos surgem com amargura, é complexa demais
para ser tratada de uma só vez. Mas Finrod, depois de ouvir Andreth
dizer que os Sábios entre os Homens acreditavam que estes não eram
mortais por natureza, mas graças à sombra de Morgoth, descobre também a
existência entre os Edain da "Antiga Esperança": a de que Eru iria em
pessoa curar os males de Arda.

"Os da Antiga Esperança dizem que o próprio Único entrará em Arda e irá
curar os Homens e toda a Desfiguração, desde o princípio até o Fim. E
isso eles também dizem, ou fingem acreditar, que é um rumor vindo até
nós de anos incontáveis, até mesmo da época em que fomos feridos".

Mas a própria Andreth parece não acreditar na Velha Esperança, pois crê
que seria impossível que Eru, o Idealizador de Arda, entrasse em sua
Obra e não a destruísse com seu poder. Finrod, contudo, afirma que nada
seria impossível para o Único, e se sente tomado de alegria pela
esperança que as palavras de Andreth lhe haviam dado. A resposta de
Finrod merece ser reproduzida na íntegra:

"Para falar com humildade, Andreth, não consigo imaginar de que
outra maneira tal cura poderia ser realizada, já que certamente Eru não
permitiria que Melkor dirigisse o mundo para sua própria vontade e
triunfasse no fim. Contudo, não há poder concebivelmente maior que
Melkor, salvo apenas Eru. Portanto Eru, se não desejar abandonar sua
obra para Melkor, que do contrário a dominaria, deve entrar nela para
derrotá-lo".

Mais do que isso: Finrod crê que é através dos Homens, e por eles, para
livrá-los da Sombra de Melkor, que Eru entraria em sua obra. E, dessa
forma, ele viria também encarnado em forma humana, como Tolkien explica
no comentário que faz ao Athrabeth. No coração de Tolkien, a esperança
de uma Arda Curada é a mesma que ele tinha, como cristão, na encarnação
de Deus em Jesus.

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Alan Prado

caramba,quer dizer que Eru Ilúvatar vai aparecer como homem?Eu sempre achei que fosse um valar….

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