Entrevista com Viggo Mortensen – parte I

Escrito por Fábio Bettega
A sala em que eu entrei com mais dois jornalistas para falar com Viggo “Aragorn” Mortensen, precisamente às 13h50 de hoje, estava ensolarada e pratica
 

A sala em que eu entrei com mais dois jornalistas para falar com Viggo “Aragorn” Mortensen, precisamente às 13h50 de hoje, estava ensolarada e praticamente vazia: só a mesa cheia de bolachinhas, o tradutor (que a gente dispensou) de um lado e o Viggo – não muito alto, talvez 1,75 m ou 1,78 m, de cabelos curtos e loiros e bastante relaxado e simpático – que se levantou para nos receber. Na frente dele estava uma cuia de chimarrão, fruto de sua estada de muitos anos na Argentina; ela logo passaria a ser acompanhada por uma caipirinha.

Depois de apertar as mãos de cada um, ele quis saber para onde trabalhávamos. Como em todas as entrevistas do homem sobre as quais eu já havia lido, ele estava descalço, apesar do terno bem cortado e sem gravata. É impressionante como ele não respondeu uma só pergunta de forma seca: explorava os detalhes daquilo que pedíamos com cuidado e até divagava um pouco – pedindo desculpas quando se perdia. Foram cinco perguntas muitíssimo bem-respondidas. E uma coisa é certa: o ator se envolveu da forma mais profunda possível com a obra tolkieniana para compor o herdeiro de Isildur. Bem, vamos às perguntas:

[b]Hoje você é provavelmente o herói mais famoso do cinema, mas se caracterizou por favor vilões no passado, interpretando até o próprio Lúcifer. O que é mais divertido de fazer, um herói ou um vilão?[/b]

Depende do que você faz com o papel. No roteiro, você poderia ler sobre o papel de Aragorn e dizer: “Bem, isso pode ser bem chato”. Sim, você tem chance de lutar com espadas, mas poderia ser chato, já que ele é uma pessoa boa, essencialmente. Mas para mim foi infinitamente interessante e complicado interpretar esse papel, porque debaixo dessas palavras existe uma pessoa real, que tem um monte de dúvidas, às vezes tem medo, tem conflitos sobre muitas coisas, e que tanto quanto ou até mais que qualquer outro personagem na história tem conexões com todos os personagens e, além disso, com todas as diferentes culturas.

Ele é o mais viajado indivíduo da Terra-média, provavelmente. No livro, Gandalf diz: “Ele é o maior viajante e caçador desta Era do mundo”. E, quero dizer, o que é bom nisso, superficialmente, é que ele é interessado nisso, que ele tem essas conexões. Mas, como ator, para interpretar isso, às vezes, quanto mais você sabe a respeito desse mundo, as coisas boas e ruins, quanto mais você sabe sobre as pessoas, isso é bom, mesmo que no final você acabe sentindo que é uma idéia melhor descobrir o que você tem em comum [com o personagem] do que, sabe, separar-se de si mesmo e eliminar o que há de diferente.

Mas ao mesmo tempo, quanto mais você sabe sobre a história de qualquer lugar, a Terra-média ou este mundo, mais você sabe sobre coisas diferentes que as pessoas fazem e que qualquer um, não importa quem seja, pode fazer escolhas muito ruins. Sabe, o Anel em si é só um pedaço de ouro, misturado com a essência de alguém que se perdeu nesse caminho, Sauron, e que algum dia já foi, provavelmente, talvez tão bom quanto Gandalf. Mas ele representa a possibilidade de que você pode fazer uma escolha realmente ruim – que você pode tentar controlar as outras pessoas etc. etc., todas essas coisas que vocês provavelmente sabem.

Ter um entendimento, ter visto essas coisas e compreender que o verdadeiro Mal que o Anel representa é um dos jeitos de entender Aragorn, assim como ele tem um bom entendimento do que o seu próprio povo fez – como eles falharam ao longo da história, mesmo os melhores, os mais nobres. Assim, quando as pessoas dizem “Ele é Aragorn, o herdeiro do trono”, ou “Aragorn, o herdeiro de Isildur” – todos esses grandes homens que vieram antes dele – isso lembra Aragorn do fato de que eles falharam. Eles foram fracos com a tentação do poder, a tentação, no fim, de tentar controlar outras pessoas. Todas essas coisas – ele é um bom sujeito, mas eu já estou lhe dizendo um monte de coisas que o fazem ter um grande peso nos ombros e torná-lo consciente do fato de que ele pode falhar.

Houve momentos no primeiro filme, especialmente na versão estendida na qual você vê mais cenas. Momentos com Boromir, o personagem de Sean Bean, eles tiveram discussões, e tenho certeza de que ele gostaria de ter aquela discussão de novo, porque de início ele ficou muito na defensiva. Ele foi resmungão com os hobbits – entende o que estou dizendo? Ele certamente não é perfeito, tem dúvidas, às vezes tem medo, às vezes fala com raiva.

[b]Ele é humano.[/b]

É. É assim com qualquer personagem que você interprete. Quero dizer, a beleza dessa história é que não há só um herói, todos são heróis e todos são humanos, não importando se têm orelhas pontudas, ou se têm esta altura [faz sinal com as mãos mostrando a altura de um hobbit], se têm asas ou vivem 5.000 anos. Até Galadriel tem um momento desse tipo com Frodo no Espelho. Mas isso torna a história mais acessível, e isso é parte do sucesso desses filmes. Uma vez que as pessoas os vêem, eles voltam para vê-lo de novo, e se sentem envolvidas com ele, e algumas ficam até obcecadas com essas histórias e com Tolkien. Algumas podem estar conscientes disso, outras não, mas eles estão conectados com isso de forma muito profunda, mais do que se fosse apenas um filme.

[b]Como escritor e poeta, o que você acha de “O Senhor dos Anéis” como literatura?[/b]

Sabe, na primeira vez, eu estava lendo [gesticula como quem vira uma página] o mais rápido possível para descobrir onde eu tinha me enfiado (risos). E então comecei a fazer conexões. Coisas que eu tinha lido antes, coisas com as quais eu estava familiarizado, especialmente as sagas e a mitologia nórdica na qual ele se inspirou tanto, e com muitas outras coisas também – outros livros, outras idéias, coisas que aconteceram na história, coisas que estão acontecendo agora, e assim por diante. Ahnn… repita a pergunta, por favor, eu me distraí um pouco.

[b]Se você tivesse que avaliar o livro como literatura…[/b]

Ah, ok. Bem, então havia essas coisas, essas conexões que eu estava fazendo. E ao mesmo tempo eu estava pensando: “Esse é um livro grande, e você poderia facilmente se livrar de 20%, 25%, talvez 30% dele”. Facilmente, sabe. Porque eu lia uma seção e dizia “Droga, preciso anotar isso. E essa lista de nomes e coisas…” (risos). E depois de 35 páginas eu dizia: “Puxa, eles nunca mais vão falar disso. Isso não tem nada a ver com a linha da narrativa, e certamente não tem nada a ver comigo e com o personagem que estou interpretando. Isso é ridículo!” (risos)

Mas, ao mesmo tempo, há coisas acontecendo lá que, na verdade, como acabei descobrindo, realmente têm alguma conexão, mesmo que ele [Tolkien] tenha colocado lá coisas só por colocá-las. E mesmo depois disso, ainda que eu continue achando que ele escreveu demais, há elementos, ou pontos da trama, ou conexões interessantes que você pode traçar. E se você tirar essa peça você realmente perde algo, sabe, como se você tirasse uma cena do primeiro ou do segundo filme, isso tem um efeito em um monte de outros personagens.

[i][Chega uma caipirinha, trazida por um garçom][/i]
Bem, essa é parte da minha educação sobre o Brasil (risos). [Ele oferece para um dos jornalistas enquanto agradece o garçom dizendo “Muito obrigado” em português]. E, aliás, é estritamente medicinal (risos). Nunca tomei antes. Quer provar? Assim você me diz se está boa. [i][O jornalista prova e diz que está perfeita][/i].

Bem, então, como livro, eu senti que ele escreveu demais e precisava seriamente de edição. [i][Bebe um gole da caipirinha. “Está gostosa”, diz. “Alguém mais?”][/i] Aragorn é um viciado em caipirinha (risos). Faz bem para a força dele (risos). “Caipirinha power”. Posso até ver a frase em camisetas (risos). “The One Drink”. (risos).

Bem, então eu senti que ele escreveu demais, mas também senti que havia algo naquele livro que era maravilhoso. E sabe, os estilos, as canções, os poemas estão por toda parte. Parece muito bagunçado, mas quanto mais eu estudava e relia, mais inteligente eu acho que ele era. Ele está fazendo conexões. Simplesmente não está nem aí, não quer impressionar você agora, hoje, está dizendo “Esta canção está escrita deste jeito porque tem uma conexão com esse poema muito velho da Finlândia, ou com esse conto do País de Gales, ou com essa saga islandesa, ou com este ou aquele arquétipo ou pedaço da história”.

Eu acho maravilhoso, é como se fosse esse quebra-cabeças gigante. E aí é meio como se você pegasse a peça de número 500.000 e dissesse “Droga, todas essas peças cinzas, e todas essas peças verdes – tudo bem, vamos pôr todas as cinzas aqui e todas as verdes ali”, e aí você vê que aquela peça cinza vai naquele canto e não no outro – é um desastre. Mas uma vez que você começa a montar um pedaço daquilo, então você vê que não dá para deixar nenhuma peça de fora.

[b]Queria saber como foi fazer o esquete “The Lord of the Piercing” para o MTV Movie Awards.[/b]

Lord of the Piercing?

[b]É, quando eles anunciaram todas as categorias que “O Senhor dos Anéis” ganharam.[/b]

Eu não estava nisso.

[b]Sim, você estava. Com Jack Black imitando Sean Astin [Sam] e tudo o mais?[/b]

Ah, tá… bom, eu vi um dos que eles fizeram. Era muito engraçado, sobre o que era? Ah, com Gollum. Acho que aquilo foi uma chance de Peter Jackson dizer o que ele realmente achava da MTV (risos). Foi uma espécie de canalização [do que ele sentia]. Foi hilário! Todas as palavras eram tipo “pi!”, “pi!”, “pi!”. Peter ficou muito feliz com aquilo. Mesmo depois de quatro anos, ele é como se fosse uma criança, dizendo “Você tem de ver isso!”, dando risadas, colocando o vídeo para nós vermos.

[b]E quanto aos jogos sobre “O Senhor dos Anéis”?[/b]

Videogames? Ah, eu só tentei umas duas vezes, meu filho de 15 anos é muito bom nisso, ele adora. Quero dizer, toma muito tempo! Se eu não pará-lo, ele fica o dia inteiro, oito, nove horas. Não sei, para ele pode ser bom, mas eu prefiro fazer outra coisa. Se eu tiver de fazer uma coisa só por oito horas, prefiro olhar pela janela por oito horas. Não sei, talvez seja só uma escolha pessoal, talvez seja como na “Matrix”, onde há mundos dentro de mundos sobre os quais eu não sei porque eu não estou disposto a abrir a porta (risos).

Por enquanto é isso, pessoal! Mais um trechinho deve seguir – de madrugada, que ninguém é de ferro!

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